Isso é Injusto !!!



Fui obrigada a sair do quarto para ir à casa da minha avó para o jantar de Ação de Graças.

Tentei me trancar lá dentro de novo no minuto em que voltamos, mas infelizmente tinha um recado do Sr. White na secretária eletrônica, lembrando meus pais a respeito do Festival Internacional da Criança, ao qual minha presença era exigida. Aparentemente, se eu não fosse, algum tipo de crise de proporções mundiais iria se iniciar, de modo que a minha mãe disse que eu tinha que ir.

Mas isso não quer dizer que eu tinha que gostar daquilo.

Tipo assim, vamos encarar, esse negócio de embaixadora teen já tinha dado o que tinha que dar. Era praticamente pior do que alemão. Cada vez que o Draco me via, ficava todo:

-E aí, cadê a minha passagem para Nova York? – porque esse era, obviamente, o prêmio para o vencedor do concurso Da Minha Janela, uma viagem a Nova York com todas as despesas pagas. Além de, sabe como é, fama e celebridade internacionais.

E eu precisava fingir e ficar toda:

-Hahaha! Ainda precisamos anunciar o vencedor, Draco.

Ao que ele respondia:

-Claro. Mas sou eu, certo?

E daí eu ficava toda:

-Vamos ver.

Vamos ver. Apesar de eu saber muito bem que o vencedor não seria ele. Mas o que é que eu podia falar? Tipo assim, eu não queria ser obrigada a dar a notícia para ele. Eu sabia que aquele concurso significava muito para ele.

Então, eu não falava nada. Sorria e não falava nada. Enquanto isso, por dentro, eu chorava.

Bom, está certo, não chorava literalmente, mas deu para entender o que eu quis dizer.

Bom, mas o negócio é que eu fui àquela bobagem do Festival Internacional da Criança, que era na Casa Branca, e que, até onde dava para eu ver, não passava de uma apresentação artificial e de um jantar.

Nem tinha criança nenhuma lá à vista. Eu era a única!

E a música, como era de se esperar, não era nada animadora. O Trio Beaus Arts. Foi isso que contrataram. Acho que o Alien Ant Farm não estava podendo.

Mas até que o Trio Beaus Arts não era tão ruim assim. Só tocaram música erudita, do tipo que se ouve no rádio do ateliê da Susan Boone. E, ao mesmo tempo em que não era exatamente o No Doubt, até que era legal, no estilo deles.

Mas nada mais naquela noite foi. Legal, quero dizer. Para começar, eu tive que me arrumar toda. O Sr. White tinha pedido à minha mãe, especificamente, que se assegurasse de que eu não colocaria nenhuma das minhas próprias roupas. Em vez disso, tive que usar um vestido que a minha mãe comprou na Nordstrom, outra loja caretinha.

Pelo lado positivo, pelo menos era preto. Pelo lado negativo, era de veludo e muito piniquento, e ficava ridículo com o meu gesso caindo aos pedaços. A minha mãe tentou fazer uma tipóia com um xale grandão que ela tem, mas ele desamarrava toda hora e eu acabei deixando o pano em cima da cadeira.

Além disso, eu tive que colocar meia-calça fina. Preta, mas mesmo assim era uma meia-calça fina.

É de se pensar que seja algo bem animador ir a uma apresentação fechada na Casa Branca, no Salão da Prataria Dourada, que é todo dourado, com o presidente e a primeira-dama, o primeiro-ministro da França e a mulher e algumas outras pessoas estrangeiras importantes que apóiam os direitos das crianças. É de se pensar, mas não é nada disso. Tudo era extremamente chato. Os empregados da Casa Branca iam de um lado para o outro, servindo taças de champanhe (7-Up para os menores de 21 anos; e parecia que só eu me encaixava nessa definição) e uns petiscos nojentos.

Fiz uma piada a respeito de a 7-Up ser de uma safra muito boa, mas ninguém entendeu, já que aquele pessoal lá não tinha nenhum senso de humor...

A não ser o Harry, lógico. Mas só fui reparar que ele estava lá quando contei minha piadinha. E quando isso aconteceu (quando eu reparei que o Harry estava lá, claro), eu praticamente cuspi um golão de 7-Up em cima do embaixador do Sri Lanka.

Ele (o embaixador) ficou olhando para mim como se eu fosse louca. Mas isso era melhor do que o jeito como o Harry estava olhando para mim, que era como se eu fosse alguma coisa peluda passeando pelo prato de salada dele. Percebi que a mãe dele também o obrigou a se arrumar. Mas como ele não tinha um gesso idiota em um braço, estava bonito. Bonito mesmo. Na verdade, com aquele terno escuro e aquela gravata, ele estava o maior gostoso.

No entanto, quando eu percebi que estava pensando isso, quase engasguei de novo. Harry? Gostoso? Desde quando eu pensava no Harry assim? Tipo assim, com certeza, eu sempre achei que ele era fofo. Mas gostoso?

E daí, de repente, senti meu rosto arder – mas não sei se foi porque eu me liguei que achava o Harry gostoso ou se foi porque eu estava simplesmente sentido a vergonha absoluta que as garotas sentem quando encontram com um cara que usaram para fazer ciúme a outro. Só sei que o meu rosto ficou tão vermelho que podiam pensar que eu era um tomate ambulante. Sei disso porque vi a minha imagem refletida em um dos espelhos com moldura dourada da parede.

Fiquei pensando se aquilo fazia parte do pacote do frisson. Porque, se fazia, eu não queria mais saber daquele negócio. A Rebecca podia pegar a porcaria do frisson dela de volta. Era tão péssimo quanto os petiscos.

O Harry, claro, era maduro demais, e educado demais, para me desprezar. Ele veio até onde eu estava e disse, com um daqueles sorrisos que só era educado, nada mais:

-Oi, Mione. Tudo bem com você?

Precisei engolir o que eu tinha vontade de dizer, que era: “Péssima, obrigada. E você?” Em vez disso, fui educada:

-Estou bem, obrigada – eu não sabia se seria legal tocar naquele assunto (minhas desculpas, sabe como é) na frente de todos os convivas do Festival Internacional da Criança. – E você? Sentimos a sua falta na aula da Susan, na terça.

Os olhos verdes de Harry estavam frios.

-Ah – explicou. – Não deu para ir. Tinha um compromisso mais importante.

-Ah – respondi. E não era nada disso que eu queria dizer. O que eu queria dizer era: Harry, desculpa! Desculpa, tá? Tipo assim, eu sei que o que eu fiz foi um horror. Eu sei que sou uma pessoa péssima. Mas será que dava, por favor, por favor, por favor, para você me perdoar?

Só que não consegui falar nada disso. Para começar, porque ia soar (só um pouquinho) rastejante. Em segundo, porque o pai do Harry dirigiu-se para a frente da sala e pediu que cada um de nós tomasse o seu lugar, porque a apresentação ia começar.

Então todo mundo foi para o salão onde seria a apresentação e sentou. Eu acabei me sentando atrás e um pouco para o lado de onde o Harry estava. De modo que fiquei olhando meio que direto para ele durante aquele negócio todo. Bom, eu enxergava bem a orelha esquerda dele, basicamente, mas mesmo assim...

E juro que não ouvi uma única nota que aqueles músicos tão famosos tocaram. Olhando para a parte de trás da orelha esquerda do Harry, a única coisa em que eu conseguia pensar era: Como é que eu vou consertar esta situação? E até fiquei surpresa ao perceber como eu desejava isso. Consertar a situação, tipo assim. Mas eu queria mesmo conseguir fazer isso.

Depois da apresentação, todo mundo se levantou e foi cumprimentar o Trio Beaux Arts. O presidente me apresentou para eles como a garota que salvara a vida dele e embaixadora teen dos EUA na ONU. O violoncelista levou a minha mão até os lábios e deu um beijo. Foi a primeira vez que uma pessoa que não faz parte da minha família beijou alguma parte do meu corpo. Foi esquisito. Mas provavelmente só porque ele era velho demais.

-E o que a embaixadora teen na ONU faz? – quis saber o pianista.

O presidente explicou a ele o concurso Da Minha Janela. Daí acrescentou, com uma risada:

-E ela está fazendo o Andy trabalhar pelo salário que ganha!

Andy era o primeiro nome do Sr. White, o secretário de imprensa. E eu sabia muito bem que não estava fazendo com que ele trabalhasse pelo salário que ganha. Na verdade, eu tinha entregado todas as minhas bolinhas de borracha para ele, e até tinha parado de implorar para que ele me deixasse ver as cartas dos tarados.

-Acho – o presidente disse em voz de gracejo – que existe uma certa discordância a respeito de qual quadro do concurso de arte representa melhor os interesses americanos.

Isso me surpreendeu. Antes, eu não tinha noção de que o pai do Harry estava a par do que rolava no gabinete de imprensa.

-Não tem discordância nenhum – respondi, apesar de o presidente não estar exatamente falando comigo, e também porque de fato existia uma discordância sim. – O quadro da Maria Sanchez é o melhor. É a minha escolha para o vencedor.

Sabe como é, eu não estava tentando dar início a um incidente internacional nem nada assim. Para falar a verdade, eu nem estava pensando no que estava fazendo. Sabe como é, discutindo com o presidente dos Estados Unidos. Aquele negócio sobre a Maria Sanchez simplesmente saiu da minha boca antes de eu ter tempo para parar para pensar.

O presidente disse:

-Se a pintura da Maria Sanchez é a qeu tem os imigrantes ilegais, ela não vai para Nova York.

Daí ele se virou e disse alguma coisa em francês para o primeiro-ministro, e ele começou a rir.

E esqueci toda aquela história de o Harry estar o maior gostoso com aquele terno escuro. Esqueci como eu queria pedir desculpas para ele e como eu me sentia mal por tê-lo tratado daquele jeito. Esqueci tudo a respeito do meu vestido desconfortável e da meia-calça fina. Só conseguia pensar no fato de que o presidente tinha me dado uma única coisa para fazer (esse negócio de embaixadora teen) supostamente como prêmio por ter salvado a vida dele...

E eu estava feliz em trabalhar naquilo, apesar de, sabe como é, eu estar meio que começando a achar que estava sendo subutilizada. Tipo assim, tem mais um monte de questões importantes para os adolescentes que eu poderia estar levando à atenção internacional do que os que os jovens vêem de suas janelas. Tipo assim, em vez de ficar sentado lá no gabinete de imprensa da Casa Branca durante três horas, toda quarta-feira depois da escola, ou ir à apresentação musical do Festival Internacional da Criança, eu poderia estar lá alertando o público sobre, por exemplo, o fato de que, em alguns países, ainda é totalmente legal que homens feitos obriguem adolescentes a casar com eles, e alguns deles tinham até bem mais do que uma mulher! Que porcaria era aquela?

E o que você acha de lugares como Serra Leoa, onde adolescentes e até mesmo crianças pequenas sofrem mutilações de membros, rotineiramente, com “aviso” para que ninguém se meta com os grupos de guerrilheiros que controlam os bandos de traficantes de diamantes? E, se liga, tem também aquele monte de crianças em países com minas terrestres ativas, enterradas bem nos lugares em que elas gostariam de jogar futebol, mas não podem porque é perigoso demais.

E os problemas que estão um pouco mais perto de nós? O que você acha de todos os adolescentes aqui nos Estados Unidos que levam armas para a escola e atiram em um monte de gente? Onde é que eles arrumam essas armas? E de onde eles tiram a idéia de que atirar nos outros é uma solução viável para os problemas deles? E por que é que ninguém faz nada para aliviar as pressões que podem levar algumas pessoas a pensar que levar uma arma para a escola é algo positivo? Como é que ninguém ensina a pessoas como a Gina Weasley que devemos ser mais tolerantes, que não devemos torturar as colegas cujas mães as obrigam a usar saias compridas para ir à escola?

Esses são problemas importantes de que eu, como embaixadora teen dos EUA na ONU, deveria estar tratando. Mas o que é que eles me obrigam a fazer em vez disso? Isso mesmo, mandam que eu fique contando quadros.

E, sabe como é, comecei a achar que essa história de embaixadora teen só tinha sido inventada, que era um jeito de o presidente ficar bonito na foto (ele, eu começava a pensar, ligava mais para a imagem dele do que para os adolescentes do país). Sabe como é, aí ele deu um serviço importante para a garota que salvou a vida dele e tal.

Mas eu não disse nada disso. Deveria ter dito. Deveria mesmo.

Mas eu estava bem ligada que tinha todo aquele monte de gente lá escutando (o Trio Beaux Arts, o primeiro-ministro da França e o embaixadora do Sri Lanla, sem falar no Harry). Não dava para fazer um discurso desses na frente de toda essa gente. Tipo assim, eu nem podia falar com os repórteres que ficavam me perseguindo todo o dia, e olha que eles só queriam saber uma coisa: se eu gostava mais de Coca-Cola ou Pepsi.

Eu era cheia de opiniões a respeito das coisas, com certeza. O que eu não tinha era muita segurança para expressá-las para alguém que não fosse da minha família nem meu amigo.

Mas uma coisa eu sabia que precisava fazer. Eu tinha que colocar o quadro da Maria na exposição Da Minha Janela em Nova York. Eu tinha que fazer isso.

De modo que coloquei a mão no braço do presidente e disse:

-Com licença, mas aquele quadro precisa ir para Nova York. É o melhor quadro. Talvez não mostre o lado mais positivo dos Estados Unidos, mas é o melhor quadro. E também o quadro mais honesto. Precisa fazer parte da exposição.

Depois que eu disse isso, rolou um tipo de silêncio. Não acho que todas as pessoas da sala estavam olhando para mim. Mas foi assim que eu me senti.

O presidente respondeu, com cara de surpresa:

-Hermione, sinto muito, mas isso não vai acontecer. Você vai ter que escolher outro quadro. O que você acha daquele farol? Representa bem o espírito do país.

E daí ele voltou a conversar com o primeiro-ministro.

Não dava para acreditar. Eu tinha sido dispensada. Assim, na cara dura!

Bom, não pude evitar o que aconteceu a seguir. Eu me ouvi proferir as palavras, mas era como se fosse outra garota que estivesse falando. Talvez fosse a Gwen Stefani. Porque eu, com certeza não era.

-Se o senhor não queria que o trabalho fosse feito direito, não deveria ter pedido que eu o fizesse – disse ao presidente, alto o bastante, pareceu a mim, para fazer com que vários empregados e boa parte dos convidados, inclusive o Trio Beaux Arts, voltasse a atenção para mim. – Porque eu não vou escolher outro quadro. Todos os quadros são de coisas que as pessoas conhecem. Aquele quadro, o quadro da Maria, fala do que uma pessoa vê, todos os dias, da janela dela. O senhor pode até não gostar do que a Maria vê, mas privar todas as outras pessoas de ver não vai fazer com que a coisa seja menos real, nem mesmo fazer com que o problema desapareça.

O presidente olhou para mim com desdém, como se eu tivesse problemas mentais. Talvez eu tivesse mesmo. Não sei. Só sei que estava tão louca da vida que estava até tremendo. E imagino que meu rosto estivesse com um tom muito bonito de escarlate.

-Você tem algum tipo de relação pessoal com a artista ou qualquer coisa assim? – perguntou ele.

-Não. Eu não a conheço – respondi. – Mas sei que o quadro dela é o melhor.

-Na sua opinião – disse o presidente.

-É, na minha opinião.

-Bom, então você simplesmente vai ter que mudar de opinião. Porque aquele quadro não vai representar este país em nenhuma exposição de arte internacional.

Daí o pai do Harry virou as costas para mim e começou a conversar com os outros convidados.

Eu não falei mais nada. O que mais eu poderia dizer? Além disso, eu tinha sido dispensada.

O Harry, que chegou pelas minhas costas sem que eu percebesse, chamou:

-Mione.

Olhei para ele. Tinha até esquecido a existência dele.

-Vem aqui – pediu.

Acho que se eu já não estivesse chocada com o que tinha acontecido (entre mim e o presidente, tipo assim) eu ia ter ficado ainda mais chocada com o fato de o Harry vir falar comigo. E, além de falar comigo, ele também pareia estar tentando, pelo menos, fazer com que eu me sentisse melhor com aquilo que acabara de acontecer. Pelo menos foi a conclusão que eu precisei tirar quando ele me levou para fora do Salão da Prataria Dourada e para dentro daquela sala onde estivéramos naquela primeira noite em que eu fui jantar lá, onde ele tinha gravado meu nome no parapeito da janela.

-Mione – começou ele. – Não é tão importante assim. Tipo assim, eu sei que é importante para você. Mas não é, sabe, questão de vida ou morte.

Está certo. A gente não morava em Serra Leoa nem em nenhum lugar esquisito. Não iam cortas as mãos de ninguém nem forçar ninguém a casar, aos 14 anos, com um cara que já tinha três mulheres.

-Eu sei disso – respondi. – Mas continua sendo errado.

-Provavelmente sim – disse Harry. – Mas você precisa entender. Tem um monte de coisas que talvez a gente não saiba que eles precisam levar em consideração.

-Tipo o quê? – quis saber. – A minha escolha daquele quadro vai ameaçar a segurança nacional? Acho que não.

Harry tirou a gravata, como se aquilo o estivesse incomodando fazia muito tempo.

-Talvez eles queriam um quadro alegre – ponderou. – Sabe como é, que mostre os Estados Unidos de um ponto de vista positivo.

-O concurso não tem nada a ver com isso – respondi. – O tema é mostrar o que um representante de cada país vê através da janela. O regulamento não fala nada a respeito de o que a pessoa vê ter que mostrar um lado positivo do país em que vive. Tipo assim, daria para entender se alguém na China ou qualquer lugar assim não tivesse permissão para mostrar um lado negativo do país, mas aqui é os Estados Unidos, caramba. Eu achei que a liberdade de expressão fosse garantida para nós.

Harry se sentou no braço da minha poltrona. E disse:

-E é.

-Certo – respondi, cheia de sarcasmo. – É garantida para todo mundo, menos para a embaixadora teen na ONU.

-Você tem liberdade de expressão – insistiu Harry. E disse com um tipo de ênfase meio esquisito mas, na hora, eu estava agitada demais para perceber o que ele queria dizer.

-Será que você podia falar com ele, Harry? – pedi, erguendo a cabeça para olhar para ele. Ele não tinha acendido nenhuma luz na sala, de novo. A única luz ali vinha de fora da janela, era a luz azulada da lua. Assim, quase sem claridade, era difícil perceber o que os olhos do Harry queriam dizer. Mas eu não desisti. – Quer dizer, com o seu pai. Ele deve ouvir você.

Mas ele respondeu:

-Mione, é horrível decepcioná-la, mas o único assunto em que eu nunca toco com meu pai, mesmo, é política.

Apesar de o Harry dizer que era horrível me decepcionar, foi exatamente isso que ele fez. Tipo assim, ele me decepcionou.

-Mas isso não é justo! – gritei. – Tipo assim, aquele quadro é o melhor! Merece estar na exposição! Você poderia pelo menos tentar, Harry? Promete para mim que você vai tentar falar com ele. Você é filho dele. Ele vai ouvir você.

-Não vai – respondeu Harry. – Pode acreditar.

-Claro que não, se você não tentar.

Ma o Harry se recusava a dizer que faria uma tentativa. Era tipo como se ele nem quisesse se envolver. O que só me deixou mais louca da vida. Ele obviamente não entendia como aquilo era importante. Eu achei que ele entenderia, por ser artista e tudo o mais. Mas não entendeu. Não entendeu mesmo.

Fiquei tão decepcionada que não pude evitar dizer:

-O Draco tentaria.

E apesar de eu estar falando aquilo mais para mim mesma, o Harry escutou.

-Ah, é claro – retorquiu, de forma maldosa. – O Draco é perfeito.

-Pelo menos o Draco está a fim de tomar posição – disse, brava. – Sabia que o Draco atirou nas janelas do consultório do pai dele com uma espingarda de chumbinho para protestar contra o uso de medicamentos testados em animais?

Harry continuou inabalável.

-É mesmo? – exclamou. – Nossa, que coisa mais besta de se fazer!

Não dava para entender como é que o Harry podia dizer uma coisa dessas. Como é que ele podia pensar uma coisa dessas.

-Ah, ta – ironizei, com uma risada amarga. – É mesmo um besteira ele tomar posição contra a crueldade com os animais.

-Não – corrigiu Harry, friamente. – É besteira ele ficar protestando contra algo que salva a vida das pessoas. Se os pesquisadores não testarem medicamentos em animais, Mione, antes de usarem nas pessoas, pode ser que ela fiquem ainda mais doentes, ou até mesmo morram. É isso que o Draco quer?

Fiquei ali, olhando para ele. Nunca tinha pensado daquele jeito.

-Mas, bom – continuou Harry, dando de ombros. – O Draco é um... como foi mesmo que você disse? Ah, é. Radical. Talvez seja contra esse tipo de coisa que os radicais de hoje em dia estão se rebelando. Contra curar gente doente. Eu não imaginava. Porque é claro que eu não tenho a mínima consciência moral.

E daí o Harry, como se não agüentasse ficar nem mais um segundo perto de mim (como se eu fosse um daqueles aperitivos nojentos), deu meia-volta e me deixou lá. No escuro. Igualzinho à pessoa cega que a Rebecca tinha me acusado de ser.

E a parte mais triste de tudo aquilo era que eu estava começando a achar que talvez ela estivesse certa. Porque apesar do que a Susan Boone tinha dito, eu tinha o pressentimento de que não estava enxergando nada. Nadinha mesmo.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.