Ta Doendo



Parece que, se você pula em cima de um suposto assassino que não esperava essa reação, ele erra o alvo. De modo que a bala que o Sr. Uptown Girl pretendia enviar a toda velocidade na direção da cabeça do presidente atravessou a estratosfera toda, sem machucar ninguém.

Mas uma outra coisa também acontece quando você se joga em cima de um cara armado. A tendência dele é ficar muito surpreso, perder o equilíbrio e cair de costas em cima de você, de modo que você fica totalmente sem fôlego e a sua capa emborrachada sobe, a água entra pela parte de trás da sua calça e você fica toda molhada.

Além disso, o cara aterrissa bem em cima do seu braço direito, e você ouve um barulho de coisas esmagadas e dói muito, muito mesmo, e você só consegue pensar em uma coisa: Será que aconteceu o que eu pensei que aconteceu?

Mas você nem tem tempo de ficar ruminando muito o assunto, porque está muito ocupada tentando impedir que o cara dê outro tiro, o que você faz berrando:

- Arma! Arma! O cara está armado!

E, apesar de todo mundo já saber disso, que o cara está armado, já que ouviram a porcaria disparar da primeira vez, isso parece funcionar, já que, de repente, uns vinte agentes do Serviço Secreto se aglomeram em torno com as próprias pistolas em punho, todas apontadas para a sua cara, e todos gritando:

- Não se movam!

Acredite, eu não me movi nem uma palha.

A primeira coisa que eu vi foi o sr. Uptown Girl ser tirado de cima de mim (para o meu alívio; o cara era super-pesado) e o pessoal começou a me puxar também. Alguém puxou o braço esmagado e eu gritei “Ai!”, bem alto, mas pareceu que ninguém me ouviu. Todos estavam muito preocupados falando em seus walkie-talkies, dizendo coisas como:

- A Águia está a salvo. Repetindo: a Águia está a salvo.

Nesse meio-tempo, sirenes começaram a tocar. Um monte de gente saiu correndo dos fast-foods mexicanos e dos lugares que vendem sanduíches para ver o que estava acontecendo.

E, de repente, apareceu um montão de carros de polícia e de ambulâncias vindos sei lá de onde, de verdade, cantando pneu e jogando água de chuva para todos os lados.

Pareciam uma cena de um filme do Bruce Willis, só que sem a trilha sonora.

E daí três agentes do Serviço Secreto começaram a remexer na minha mochila, enquanto um outro se abaixava para apalpar o meu tornozelo (como se eu fosse ter uma faca de caça amarrada ali ou algo assim) e mais um terceiro enfiava as mãos nos bolsos da minha capa emborrachada sem nem pedir a minha permissão (por tanto esforço, ele acabou com uma mão cheia de migalhas do biscoito da Capitol Cookies).

Ele também torceu meu braço direito um pouco mais. Eu gritei “AI!” de novo, um pouco mais alto do que da outra vez. Então, o agente que revistou os meus bolsos mandou essa:

- Esta aqui parece desarmada.

- Claro que estou desarmada - berrei. - Eu só estou no primeiro ano!

O que é uma coisa totalmente babaca de se dizer, porque é claro que existia um monte de gente que estava no primeiro ano e tinha armas. Só que esse tipo de gente não freqüenta a John Adams. Só que eu não estava pensando direito. Na verdade, eu estava quase chorando. Bom, você também estaria se:
• a) estivesse toda molhada.
• b) seu braço estivesse muito provavelmente quebrado (o que não era tão mal assim, para falar a verdade, já que não era o braço que eu usava para desenhar, e agora eu tinha uma boa desculpa para não jogar vôlei, que é o esporte de Educação Física na semana que vem) e doesse um montão.
• c) as pessoas estivessem berrando, mas você não conseguisse ouvir muito bem porque a arma do sr. Uptown Girl tinha atirado bem perto do seu ouvido, causando um dano auditivo que bem poderia ser permanente,
• d) você viu uns vinte canos de arma apontados para a sua cara. Menos que tivesse sido só um. E
• e) estava começando a parecer muito provável que seus pais fossem descobrir que você cabulou a aula de desenho.
Tipo assim, qualquer uma dessas coisas já teria sido bem ruim, mas as cinco aconteceram comigo no mesmo momento.

Daí um agente mais velho veio na minha direção. Ele parecia um pouco menos assustador do que os outros agentes, talvez por ter se inclinado até o rosto dele ficar da altura do meu, o que foi muito gentil da parte dele.

Ele começou a falar, todo sério:

- Você vai ter que vir com a gente, garota. Precisamos fazer algumas perguntas para você a respeito do seu amigo aí.

Foi aí que eu me toquei.

Eles achavam que o sr. Uptown Girl e eu éramos amigos! Eles achavam que nós tínhamos tentado matar o presidente juntos!

- Ele não é meu amigo – choraminguei. Eu já não estava mais quase chorando. Eu estava me acabando em lágrimas, e não estava nem aí. Estava chovendo, eu estava toda molhada, meu braço estava me matando de dor, meus ouvidos apitavam e o Serviço Secreto dos Estados Unidos achava que eu era algum tipo de assassina terrorista internacional, ou qualquer coisa assim.

Caramba, é mesmo, eu estava chorando.

- Eu nunca tinha visto esse cara antes de hoje! – solucei. – Ele sacou aquela pistola, e ele ia atirar no presidente, então eu pulei em cima dele, e ele caiu em cima do meu braço, e agora está doendo de verdade, e eu só quero ir para ca-a-sa.

Foi mesmo uma vergonha. Eu estava chorando que nem um bebê. Pior do que um bebê. Eu estava chorando igual à Lucy chorou no dia que o ortodontista disse que ela precisava ficar de aparelho mais seis semanas.

E daí uma coisa muito surpreendente aconteceu. O agente do Serviço Secreto mais velho me abraçou. Disse alguma coisa para os outros agentes e me levou para longe deles, em direção a uma das ambulâncias. Alguns caras tipo paramédicos estavam parados ali, esperando. Abriram as portas traseiras da ambulância e o agente do Serviço Secreto e eu entramos.

Era legal dentro da ambulância. Sentei-me em uma maca pequena, fora da chuva e do frio. Mal dá para ouvir as sirenes e todo o barulho ali dentro. Os paramédicos também foram legais. Eles me deram um cobertor seco para eu colocar em volta do corpo, em vez da minha capa emborrachada molhada. Eles fizeram umas piadinhas e foram tão legais que eu parei de chorar.

Fala sério, eu disse para mim mesma. Até que não era tão mau. Tudo ia dar certo.
Bom, menos quando os meus pais descobrissem que eu tinha cabulado a aula de desenho. Essa parte aí não ia dar nada certo.

Mas talvez eles nem precisassem descobrir. Talvez os agentes do Serviço Secreto fossem checar a minha vida e perceberiam que eu não faço parte de nenhum grupo terrorista que está a fim de chamar atenção para a sua causa, e me deixariam ir embora. A Molly provavelmente ainda estava presa em todo aquele trânsito. Quando ela chegasse ali, tudo aquilo provavelmente já estaria esclarecido e eu simplesmente entraria no carro e, quando ela perguntasse o que eu tinha feito hoje na aula, eu podia dar uma de: “ah, nada”. O que nem seria mentira.

Os paramédicos perguntaram onde eu estava machucada. E apesar de eu me sentir totalmente idiota por ser tão bebezona por causa do meu braço, considerando a gravidade do, sabe como é, do atentado contra o presidente e tudo o mais, mostrei meu pulso para eles. Fiquei até um pouco feliz de ver que já tinha inchado para mais ou menos o dobro do tamanho normal. Fiquei feliz por não ter chorado por nada.

Enquanto os paramédicos examinavam meu braço, olhei para o agente do Serviço Secreto, que estava ocupado preenchendo um relatório qualquer que incluía o meu nome, que ele tinha tirado da minha carteirinha de estudante, que estava dentro da minha carteira, dentro da minha mochila. Eu não queria incomodar nem nada assim, mas eu precisava mesmo saber se essa coisa ia demorar muito.

Então mandei:

- Hum, dá licença, moço?

O cara do Serviço Secreto levantou os olhos.

- Pois não, querida? - perguntou.

Claro que ele não sabia que ninguém me chama de querida, nem a minha mãe. Não desde quando morávamos no Marrocos e ela me pegou tentando dar a descarga na privada com os cartões de créditos do meu pai lá dentro (minha vingança por ele nos ter obrigado a mudar para um país estrangeiro onde eu não entendia nada).

A coisa da querida acabou comigo. Eu não queria simplesmente dar uma de ficar perguntando quanto tempo aquilo ia demorar, já que parecia sem educação. Afinal, ele só estava fazendo o trabalho dele. Então, em vez disso, depois de alguns segundos durante os quais eu tentei desesperadamente pensar em outra coisa para perguntar, mandei:

- Hum, tudo certo com o presidente?

O agente do Serviço Secreto sorriu mais uma vez para mim:

- O presidente está ótimo, querida. Graças a você.

- Ah - respondi. - Que bom. Então, hum, você acha que eu posso ir embora agora?

Os paramédicos trocaram olhares. Pareciam surpresos.

- Não com este braço aqui - informou um deles. - Seu pulso está quebrado, garota. Vamos precisar tirar um raio-X para ver a gravidade, mas aposto dez contra um como você vai ter que usar um gesso bem bacana aí, e seus novos admiradores vão poder assinar.

Admiradores? Do que é que ele estava falando?

E eu não podia colocar gesso! Se eu colocasse gesso, meus pais iam querer saber como eu quebrei o pulso, e daí eu ia ter que confessar que cabulei a aula.

A não ser... a não ser que eu disesse para eles que tinha tropeçado. Só, eu tropecei e caí da escada do ateliê da Susan Boone. É, mas e se eles fossem perguntar para ela?

Ah, caramba. Eu estava tão ferrada...

- Será que não dá para eu... - Eu estava completamente desesperada, tentando me agarrar a qualquer esperança. - Será que não dá para eu ir ao médico amanhã, ou algo assim? Tipo assim, meu braço já está bem melhor.

Os dois paramédicos e o agente do Serviço Secreto olharam para mim como se eu fosse louca. Tudo bem, fala sério, meu braço tinha inchado tanto que estava do tamanho da minha coxa e estava pulsando igual a um coração que está passando por cirurgia no Canal Educativo. Mas já não estava doendo tanto assim. Só quando eu mexia.

- É que a minha empregada está vindo me buscar - expliquei, toda babaca. - E se vocês me levarem para o hospital, e eu não estiver onde eu disse que ia estar, ela vai ter um ataque.

O cara do Serviço Secreto disse:

- Por que você não me dá um telefone onde eu possa achar os seus pais? Vamos precisar entrar em contato com eles para que você receba os cuidados médicos de que precisa.

Ah, meu Deus! Então eles vão saber com certeza que eu cabulei a aula!

Mas, fala sério! Que chance eu tinha? Totalmente nenhuma.

- Olha aqui - pedi baixinho e rápido. - Você não precisa contar para os meus pais que isso aconteceu. Tipo assim, claro que você precisa contar isso para eles, mas não que eu faltei à aula de desenho e fiquei na Static. Tipo assim, você não precisa contar para eles essa parte, né? Porque eu não quero me ferrar mais do que já me ferrei agora.

O cara do Serviço Secreto ficou olhando para mim, com os olhos arregalados, como se não fizesse a mínima idéia do que eu estava falando. E claro que ele não sabia. Como é que ia saber? Aula de desenho? Static?

Mas parece que ele achou que era melhor entrar na minha (como se eu também tivesse talvez batido a cabeça quando caí), já que disse?

-Então, por que não esperamos para ver?

Bom, acho que é melhor do que nada. Dei para ele o telefone do trabalho da minha mãe e o do meu pai. Daí fechei os olhos e encostei a cabeça na parede da ambulância.

Ah, tudo bem, pensei. As coisas poderiam ter sido muito piores.

Por exemplo, eu poderia ter um osso de galinha no lugar do nariz.

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