Capítulo 8
Em estado de completo assombro, o que impressionou Harry mais do que qualquer outra coisa foi a constatação de que eles eram muito jovens. O que é que duas crianças estavam fazendo na rua, às onze e meia da noite, numa tempestade como aquela? De onde teriam vindo, com suas pequenas malas? E para onde, por Deus, estariam indo? Ao mesmo tempo, porém, em que essas perguntas se amontoavam em sua cabeça, compreendeu que todas elas teriam que esperar até mais tarde para serem respondidas. A coisa mais importante agora era livrá-los daquelas roupas encharcadas e colocá-los em um banho quente, antes que morressem de hipotermia.
- Venham! Depressa! - disse, sem perder tempo em pedir explicações aos recém-chegados. Seguiu na frente deles, subindo a escada de dois em dois degraus. Depois de um curto instante de hesitação, ouviu que os dois inesperados visitantes o seguiam, correndo pelas escadas para alcançá-lo. Sua mente começou a trabalhar rapidamente. Havia dois banheiros. Primeiro, ele se dirigiu ao próprio banheiro, em seu quarto. Acendeu a luz, tampou o ralo da banheira e abriu a torneira de água quente. Ficou por um momento agradecendo em silêncio pelo fato de que uma das coisas que tradicionalmente funcionavam à perfeição naquela casa velha era o sistema de água quente. De fato, quase imediatamente, nuvens de vapor confortante se formaram no ar.
- Entre aqui... - disse à jovem. - Entre na banheira o mais rápido que puder e fique ali dentro até se sentir quente de novo. E você... - Pegou pelo braço o menino que estava passivo, por causa do frio e das roupas ensopadas. - Venha por aqui. - E o arrastou de volta com passos apressados através do longo corredor até o banheiro do antigo quarto de brincar, acendendo todas as luzes pelo caminho. Aquele banheiro não era usado há algum tempo, mas o aquecimento da casa o mantinha sempre aconchegante e agradavelmente quente. Abriu as cortinas da banheira, que exibiam um padrão desbotado com personagens de Beatrix Potter, e abriu a torneira da esquerda.
O menino já estava tateando o casaco, tentando desabotoá-lo.
- Você está bem? Quer ajuda com as roupas?
- Não, estou legal. Obrigado.
- Volto já.
- Certo.
O menino ficou, durante algum tempo, por sua própria conta. Depois de deixá-lo, e já do lado de fora da porta, Harry ficou parado por um momento, tentando decidir o que deveria fazer em seguida. Era evidente que, a essa hora da noite, os jovens teriam que passar a noite ali. Pensando nisso, foi novamente pelo corredor até o velho e imenso quarto de hóspedes. O ambiente estava muito frio, mas Oliver abriu as pesadas cortinas e ligou o aquecedor elétrico. Foi então até a cama de casal e dobrou a ponta da colcha. Viu com alívio que a Senhora Cooper deixava a cama permanentemente preparada, com os melhores lençóis de linho e os travesseiros com bainha dupla. Uma porta desse quarto dava para um outro aposento, um pouco menor, ao lado, que já havia sido um quarto de vestir. Ali havia uma cama de solteiro que estava igualmente preparada para um eventual ocupante, embora, da mesma forma que no outro quarto, a temperatura estivesse muito baixa. Depois de abrir completamente as cortinas do cômodo e acender mais um aquecedor, voltou para o andar de baixo, pegou as duas malas que constituíam toda a bagagem deles, e que haviam sido abandonadas no saguão, e as carregou até a biblioteca. A lareira estava quase apagada, pois Harry já estava se preparando para ir dormir quando o sino da entrada tocara. Agora, de volta ao local, resolveu reavivar o fogo, colocando novas achas, para em seguida proteger o piso em frente às labaredas usando a grade aparadora feita de latão para isolar as fagulhas que saltavam.
Abriu o zíper da primeira mala e tirou um pijama listrado em azul e branco, um par de chinelos e uma camisola de flanela. Tudo estava ligeiramente úmido, e Harry, agindo quase como uma babá cuidadosa, pendurou-os sobre a grade do aparador da lareira, para secar. A outra mala não tinha nada tão simples e previsível como um pijama. Ali havia embalagens de vidro com loções, potes de creme, uma escova de cabelo com um pente, um par de chinelos dourados e, no fundo, um conjunto de camisola e robe de tecido muito fino, na cor azul-bebê, cheios de lacinhos e completamente inúteis para aquele clima. Harry colocou a camisola ao lado do pijama, em cima da cama.
A imagem das peças uma ao lado da outra lhe pareceu sugestiva e sexy, e ele ainda encontrou tempo para sorrir diante dessa idéia, antes de se encaminhar para a cozinha, a fim de encontrar alguma coisa nutritiva para seus hóspedes comerem.
A Senhora Cooper preparara uma panela de caldo escocês, com legumes e cevada, para a ceia de Harry. Sobrara mais da metade. Ele colocou a panela da sopa sobre o fogão para aquecer, e depois se lembrou que crianças nem sempre gostavam de tomar caldo escocês. Assim, abriu uma lata de sopa de tomate, e a despejou em outra panela menor. Pegou a seguir uma bandeja grande, cortou pão, passou manteiga nas fatias e juntou a tudo isso algumas maçãs e uma jarra cheia de leite. Achou a refeição muito simples e caseira. Colocou, também, sobre a bandeja uma garrafa de uísque (mesmo que fosse apenas para si mesmo), um sifão com soda e três copos altos. Para terminar, pôs a chaleira grande para ferver e, ao fim de uma pequena busca, fez surgirem, de uma gaveta inesperada oculta sob a pia, duas bolsas de água quente. Encheu-as e as colocou sob o braço. A seguir foi recolher as roupas de dormir, que já tinham secado e estavam ligeiramente mornas, com um cheiro reconfortante de berçário. Colocou as bolsas de água sobre a cama e foi até o próprio quarto, onde tirou um suéter grosso, feito com lã Shetland, de uma das gavetas da cômoda, e puxou um roupão felpudo que estava pendurado na parte de trás da porta. Para encerrar, pegou duas toalhas de banho.
Bateu suavemente na porta do banheiro onde Hermione estava.
- Como é que você está se arranjando?
- Está tudo ótimo! A água está quentinha... - veio a voz da jovem através da porta.
- Bem, eu trouxe uma toalha e algumas roupas para você vestir. Vou deixar tudo aqui, do lado de fora. Saia quando quiser, fique à vontade.
- Certo. Obrigada.
Ele não teve a mesma preocupação de bater ao chegar no outro banheiro. Simplesmente abriu a porta e entrou. O menino estava na banheira, coberto pela água até o pescoço. Movia lentamente as pernas, para frente e para trás. Olhou para Harry quando este entrou, sem se mostrar envergonhado pela súbita chegada do dono da casa.
- Como é que você se sente agora? - perguntou Harry.
- Nossa, muito melhor! Obrigado. Nunca tinha sentido tanto frio na vida.
O moreno puxou um banco e se sentou, acomodando-se para conversar de maneira descontraída.
- O que aconteceu? - perguntou.
O menino se sentou reto na banheira. Harry notou as sardas que ele tinha nos ombros, nos braços e espalhadas por todo o rosto. Seu cabelo estava molhado, todo desarrumado e cheio de pontas espalhadas, que tinham uma cor clara de cobre, como folhas de faia.
- O carro bateu de frente em um monte de neve, ao lado da estrada.
- E ficou preso na neve?
- Sim. Vínhamos andando e descemos com o carro por uma pequena ponte aqui perto, meio em arco. Não sabíamos que logo na saída da ponte tinha uma curva fechada. Não deu para ver, por causa da neve.
- É... É uma curva mal-planejada, mesmo para quem dirige com tempo bom. O que vocês fizeram com o carro?
- Deixamos lá.
- Para onde estavam indo?
- Para Strathcorrie.
- E de onde vocês vieram?
- De Londres.
- Londres? - Harry não conseguiu disfarçar o espanto na voz. - Vocês vieram de Londres? Hoje?
- Sim. Saímos de manhã bem cedo.
- E a jovem que está com você? E sua irmã?
- É.
- E foi ela que veio dirigindo?
- Sim, ela dirigiu o carro por todo o caminho.
- Mas... só vocês dois?
- Só nós dois... - O menino fez um olhar orgulhoso. - Nós estávamos bem, sozinhos.
- Sim, é claro! - concordou Harry depressa. - E só que a sua irmã não parece ter idade suficiente para dirigir.
- Ela já tem vinte anos.
- Bem, nesse caso, já é adulta o bastante para ter carteira.
Um pequeno silêncio baixou entre eles. Jody pegou uma esponja, apertou-a completamente para drenar a água e depois passou sobre o rosto, levantando uma crista de cabelo sobre a testa. Seu rosto surgiu lentamente, então, por trás da esponja, e ele falou:
- Acho que já esquentei o suficiente. É melhor sair.
- Então, venha. - Harry pegou a toalha grande de banho, sacudiu por uma das pontas para desdobrá-la e, quando o menino saiu da banheira e pisou sobre o tapete grosso do lado de fora, ele o enrolou nela.
- Qual é o seu nome? - perguntou ao menino.
- Jody.
- Jody de quê?
- Jody Granger.
- E a sua irmã?
- O nome dela é Hermione.
Harry pegou uma das pontas da toalha e esfregou o cabelo de Jody.
- Vocês têm algum motivo em especial para esta viagem até Strathcorrie?
- Meu irmão está lá.
- E ele se chama Granger também?
- Sim. Angus Granger.
- Será que eu o conheço?
- Não creio. Ele está lá há pouco tempo. Trabalha no hotel.
- Entendo.
- Meu irmão vai ficar muito preocupado - disse Jody.
- Por quê? - Harry pegou o pijama e entregou a parte de cima para Jody.
- A roupa está quentinha!
- É que eu as coloquei diante da lareira. Por que o seu irmão vai ficar preocupado?
- É que mandamos um telegrama, e ele está nos esperando hoje à noite. E agora, a gente não vai aparecer.
- Ele sabe da nevasca. Vai imaginar que vocês não conseguiram chegar até lá por causa do tempo.
- Nunca imaginamos que pudesse nevar. Em Londres já é plena primavera. Há flores, brotos, novas folhas e tudo o mais nas árvores.
- É... Mas você agora está na região norte, longe e gelada, meu garoto. Não pode confiar no tempo por aqui.
- Eu nunca tinha estado na Escócia antes... - Jody colocou as calças do pijama e amarrou o cordão na altura da cintura. - Nem a Mione.
- Foi falta de sorte o tempo fazer isso com vocês.
- Que nada, na verdade foi até muito emocionante. Uma aventura!
- Aventuras são muito boas, mas só quando acabam bem. Não é tão divertido quando você está correndo risco de vida no meio do perigo. Acho que vocês conseguiram se sair muito bem dessa.
- Tivemos sorte de encontrar você.
- Foi. Tiveram mesmo.
- Essa casa é sua?
- É.
- Você mora aqui sozinho?
- No momento, sim.
- Qual o nome desse lugar?
- Fazenda Potter.
- E qual é o seu nome?
- O mesmo. Potter. Harry Potter.
- Caramba!
- Parece assim meio estranho, não é? - Harry sorriu. - Agora, se você já está pronto, vamos encontrar com a sua irmã e comer alguma coisa. - Abriu a porta.
- Por falar nisso, você prefere caldo escocês ou sopa de tomate?
- Eu prefiro tomate, se tiver.
- Imaginei que fosse dizer isso.
Quando estavam passando pelo corredor, Hermione apareceu, saindo do outro banheiro. Com o suéter e dentro do roupão de Harry, estava como que submersa. Parecia ainda menor e mais magra do que à primeira vista. Os cabelos compridos estavam molhados, e o colarinho alto do suéter parecia estar servindo de apoio à cabeça frágil.
- Agora estou me sentindo bem diferente... Muito melhor... Agradeço muito...
- Estamos indo procurar algo para comer...
- Puxa, receio que estejamos sendo uma amolação imensa para você.
- Amolação vai ser se vocês pegarem algum resfriado aqui em casa e eu ainda tiver que cuidar de vocês.
Desceu as escadas e ouviu, atrás dele, Jody dizer para Hermione, em um tom de voz muito satisfeito:
- Ele me disse que o jantar é sopa de tomate.
- Aquela ali adiante é a porta da biblioteca. - Estava parado na porta da cozinha. - Vão vocês em frente até lá e esperem, que eu já vou levar a comida. Podem colocar mais algumas achas de lenha na lareira para manter o fogo bem forte.
A sopa estava borbulhando suavemente. Harry colocou uma concha fumegante de cada uma das sopas em duas tigelas, e carregou a bandeja cheia até a biblioteca, onde encontrou os dois inesperados hóspedes junto do fogo. Jody estava sentado em uma banqueta para apoiar os pés, e a irmã estava ajoelhada no tapete, tentando secar o cabelo. Lisa, o cão de Charles, estava sentada entre eles, com a cabeça apoiada sobre os joelhos de Jody, que acariciava suas orelhas. Levantou a cabeça e olhou para Harry quando este surgiu.
- Como é o nome do cão?
- É ela, e se chama Lisa. Já fez amizade com você?
- Acho que sim.
- Normalmente ela não faz amizade assim tão depressa. - Colocou a bandeja sobre uma mesa baixa, empurrando para o lado algumas revistas e jornais já lidos, para abrir espaço.
- Ela é sua?
- No momento, sim. Você tem um cão?
- Não. - A resposta foi dada sem entusiasmo. Harry resolveu mudar de assunto.
- Por que você não toma a sopa logo, antes que esfrie? - Enquanto começavam a comer, retirou o pequeno biombo de metal que protegia a lareira, colocou mais uma acha, serviu-se de uísque com soda e se acomodou na velha poltrona ao lado do fogo.
Comeram em silêncio. Em pouco tempo, Jody já tomara a sopa, devorara todo o pão com manteiga, bebera dois copos de leite e estava começando a atacar as maçãs. Sua irmã, porém, apenas provou um pouco do caldo escocês, tomou duas colheradas e depois pousou a colher ao lado do prato, como se não estivesse mais com fome.
- Não está boa? - perguntou Harry.
- Está uma delícia! Mas eu não consigo comer mais.
- Não está com fome? Não é possível que não esteja com fome!
- Ela nunca está! - resumiu Jody.
- Talvez um drinque?
- Não, obrigada.
Harry não quis insistir, e disse a seguir:
- Seu irmão e eu conversamos enquanto ele tomava banho. Vocês são Jody e Hermione Granger?
- Sim.
- E eu sou Harry Potter. Ele lhe disse o meu nome?
- Sim. Acabou de dizer.
- E vocês vieram de Londres?
- Sim.
- E enfiaram o carro em um monte de neve, na estrada, perto do muro aqui de casa?
- Sim.
- E estavam indo para Strathcorrie.
- Sim. Nosso irmão trabalha lá, no hotel da cidade.
- E ele está aguardando a chegada de vocês?
- Enviamos um telegrama para ele. Deve estar preocupado, imaginando o que aconteceu conosco.
-Já é quase meia-noite. - Harry olhou para o relógio. - Se vocês quiserem, podem tentar entrar em contato pelo telefone. Deve haver um porteiro de plantão no hotel.
- Puxa, você faria isso por nós? - Ela parecia grata.
- Claro, posso tentar fazer isso. - Mas não adiantou, pois o telefone estava mudo. - As linhas devem ter caído - explicou Harry. - Por causa da tempestade.
- Então, o que faremos?
- Não há nada que possam fazer, a não ser ficar aqui.
- Mas o Angus...
- Como eu disse ao Jody, ele vai imaginar o que aconteceu.
- E amanhã?
- Se a estrada não estiver bloqueada, podemos chegar a Strathcorrie, de um jeito ou de outro. Tenho uma caminhonete Land-Rover muito forte, se não conseguirmos chegar do jeito mais fácil.
- E se a estrada estiver totalmente bloqueada?
- Vamos pensar nisso quando acontecer.
- O problema é que... Bem, não temos muito tempo. Ficamos de voltar para Londres na sexta-feira.
- Há alguém em Londres com quem devêssemos entrar em contato? - Harry olhou para o fundo do copo, balançando-o em círculos, suavemente. - Para avisá-los de que vocês estão bem?
Jody olhou direto para o rosto da irmã. Após um breve espaço de tempo, ela respondeu:
- Mas não podemos ligar, não é? Os telefones estão mudos.
- Eu sei, mas ligaremos quando voltarem a funcionar.
- Não. - disse ela. - Não precisamos entrar em contato com ninguém.
Harry naquele momento teve a certeza de que ela estava mentindo. Olhou para a jovem, notou as maçãs salientes do rosto, o nariz reto e curto, a boca larga e bem-definida. Estava com olheiras escuras embaixo dos olhos, e o cabelo era muito comprido, cor de chocolate e caía em cascatas por cima do ombro. Por um momento seus olhares se encontraram, fazendo-o sentir um arrepio. Ela desviou o rosto para o lado e Harry decidiu não insistir no assunto.
- Estava só fazendo uma sugestão - disse ele, com suavidade.
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N/A: Gente, vou tentar postar até o fim do semana uma adaptação além da do livro da Nora Roberts... Não querendo desmerecer a autora, mas encontrei um livro da Judith McNaught que é muuuito melhor! Me apaixonei pela história e acho q vcs tb irão! O.O
Vou adaptar os dois [se conseguir conciliar, lógico]!
E qnt a quase total ausencia de respostas a enquete, vou fazer a adaptação usando os nomes do Draco, do Neville e do Rony! \o/
Valeu Diany ~ ♥ ~ DyP ~ ♥ ~ Paula pela resposta! ;)
bjos a todos e continuem comentando... quem sabe o prox cap já não vem amanhã?! \o/
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