Capítulo 3
O relógio do saguão estava batendo duas horas quando o casal de noivos finalmente chegou em casa, de volta. O carrilhão soava imponente e melodioso no momento em que Neville enfiou a chave de Hermione na fechadura e empurrou a porta dos fundos para que entrassem. Dentro de casa, a luz do saguão continuava acesa, mas a escadaria se escondia na penumbra. Tudo estava muito quieto, a festa acabara havia algum tempo e todos já tinham ido se deitar.
Hermione se virou para Neville.
- Boa-noite - disse.
- Boa-noite, querida. - E se beijaram. - Quando é que vou vê-la de novo? Vou estar fora da cidade amanhã à noite. Que tal na terça-feira?
- Apareça para jantar. Eu aviso a Diana.
- Então faça isso, por favor.
Neville sorriu e saiu. Hermione já começara a empurrar a porta quando se lembrou de dizer "Obrigada pela noite adorável", antes de ouvir o estalo do trinco e se ver sozinha. Ainda esperou um pouco, e ficou ouvindo o som do carro que se distanciava.
Quando o barulho do motor deixou de ser ouvido por completo, virou-se e começou a subir as escadas lentamente, um degrau de cada vez, apoiando-se no corrimão. Ao chegar ao topo das escadas, apagou a luz do saguão e seguiu através do corredor até o quarto. As cortinas estavam fechadas, a cama já estava preparada para recebê-la, com os lençóis elegantemente dobrados para trás e sua camisola colocada ao pé do edredom. Espalhando os sapatos, a bolsa, o casaco e a echarpe em seu caminho através do carpete, Hermione finalmente alcançou a cama e se deixou cair pesadamente sobre ela, na diagonal, sem se importar com nenhum dano que isso pudesse causar ao vestido. Depois de alguns momentos, levantou uma das mãos e começou, lentamente, a soltar das casas os pequeninos botões da vestimenta, puxou o caftan por cima da cabeça e a seguir retirou todo o resto das roupas. Colocou a camisola, e ela lhe pareceu fria e leve em contato com a pele. Descalça, foi até o banheiro, lavou o rosto de forma apressada e escovou os dentes. Isso tudo a deixou refrescada. Ainda se sentia cansada, mas seu cérebro estava agitado como um hamster dentro da gaiola. Voltando até a penteadeira, pegou a escova de cabelos e a seguir, mudando de idéia, colocou-a de volta sobre o móvel, enquanto abria a gaveta de baixo da penteadeira. Retirou cuidadosamente dali as cartas de Draco, apertadas em um pacote ainda amarrado com fita vermelha; havia também uma fotografia deles dois, alimentando pombos em Trafalgar Square, no centro de Londres; ali estavam ainda velhos programas de teatro, cardápios de restaurantes onde haviam estado e uma infinidade de pequenos pedaços de papel, diversos e insignificantes, que ela colecionara e guardava como tesouros, simplesmente porque eles eram, agora, a única forma palpável de manter as lembranças do tempo que haviam passado juntos.
"Você estava doente", Neville dissera há poucas horas, arranjando desculpas para ela. "Você teve pneumonia, não foi culpa sua”.
Parecia tão óbvio, tão evidente. No entanto, ninguém na família, nem mesmo Diana, soubera a respeito do seu caso com Draco Malfoy. Mesmo depois que tudo já havia acabado, e Diana e Hermione estavam sozinhas em Antibes, na Riviera Francesa, para onde Diana a levara para convalescer, Hermione jamais contou o que realmente havia acontecido, embora às vezes sentisse falta do conforto oferecido pelos antigos clichês. "O tempo é o melhor remédio”."Toda mulher deve sofrer uma decepção amorosa pelo menos uma vez na vida”."O mar está cheio de peixes que estão apenas esperando por uma isca para serem fisgados”.
Meses depois, o nome de Draco apareceu por acaso em uma conversa durante o café da manhã. Diana estava lendo o jornal, na página de teatro. De repente, levantou a cabeça e perguntou a Hermione, por sobre o reflexo do sol na mesa, acima da geléia e do cheiro de café:
- Não era Draco Malfoy que estava no Lunnbridge Repertory quando você foi fazer estágio lá, durante o curso de teatro?
- Sim... Por quê? - perguntou Hermione, com muita cautela, colocando a xícara de café sobre o pires.
- Aqui está dizendo que ele vai fazer o papel de Kirby Ashton na versão para o cinema de Traga Suas Armas. Deve ser um papel muito importante, pois o livro é famoso, cheio de sexo, violência e mulheres maravilhosas. - Ela olhou para Hermione. - Ele era bom?... Quer dizer, como ator?
- Sim, acho que era.
- Tem uma foto dele aqui, com a mulher. Você sabia que ele se casou com Pansy Parkinson? Ele é muito bonito, um pedaço de mau caminho...
E Diana entregou o jornal para Hermione olhar. Lá estava ele, mais magro do que ela lembrava, com o cabelo loiro mais comprido, mas o mesmo sorriso, o brilho nos olhos, um cigarro sempre entre os dedos.
"O que é que você vai fazer hoje à noite?", ele perguntara, na primeira vez em que se encontraram. Hermione estivera preparando café na Sala Verde e estava toda coberta de tinta depois de trabalhar na preparação dos cenários, e respondera "Nada". Draco dissera "Eu também. Vamos fazer nada juntos?" E depois daquela noite o mundo se tornou um lugar inacreditavelmente maravilhoso. Cada folha, cada galho, cada árvore representava de repente um pequeno milagre. Uma criança brincando com uma bola, um velho sentado em um banco do parque, tudo à sua volta estava subitamente cheio de significados ocultos que ela jamais reconhecera antes. A cidadezinha monótona se transformara, as pessoas que moravam nela estavam sempre sorrindo e pareciam mais felizes, o sol dava a impressão de estar sempre forte, mais quente e mais brilhante do que nunca. E tudo isso por causa de Draco. "E isso que chamam de amor", ele lhe dissera... E lhe mostrara. "É assim que a vida deveria ser, sempre..."
Só que nunca mais tinha sido daquele jeito de novo. Ali sentada diante da penteadeira, lembrando-se de Draco, ainda apaixonada e sabendo que em uma semana estaria casada com Neville, Hermione começou a chorar. Não eram soluços fortes ou sons perturbadores, mas simplesmente uma torrente de lágrimas que enchiam seus olhos e escorriam pelo rosto, sem ninguém saber... Sem ninguém ver ou ouvir.
Ela poderia ter ficado ali na mesma posição até o amanhecer, olhando para o próprio reflexo no espelho, embebendo-se de autopiedade e sem chegar a nenhuma conclusão que valesse a pena, se não tivesse sido interrompida por Jody. Ele chegou sem fazer barulho, através do corredor que separava o seu quarto do dela, e bateu suavemente na porta. Então, como não obteve resposta, colocou a mão na maçaneta, empurrando-a, e colocou a cabeça no vão da porta.
- Você está bem? - perguntou.
Sua chegada inesperada foi como uma ducha de água fria. Hermione imediatamente fez um esforço para se recompor, enxugou as lágrimas com as palmas das mãos e pegou um roupão para colocar sobre a camisola.
- Sim... Claro que estou... O que você está fazendo fora da cama a essa hora?
- Estava acordado e ouvi você chegar. Depois escutei passos de um lado para o outro e pensei que talvez você não estivesse se sentindo bem. - Fechou a porta atrás de si e foi até o lugar onde ela estava sentada. Jody usava um pijama azul e estava descalço. Seus cabelos quase ruivos estavam despenteados e formando um Penacho engraçado no alto da cabeça. - Por que é que você estava chorando?
Como era desnecessário dizer "Eu não estava chorando ', Hermione disse” Por nada “, o que dava no mesmo”.
- Você não pode dizer que estava chorando "por nada". Não é possível chorar sem motivo. - Ele chegou mais perto, e seus olhos ficaram no mesmo nível que os dela. - Está com fome?
Mione sorriu e balançou a cabeça para os lados.
- Pois eu estou. Pensei em descer e procurar alguma coisa para comer.
- Boa idéia, faça isso então.
Mas Jody ficou onde estava, com os olhos observando tudo à sua volta, como se estivesse procurando por pistas de alguma coisa que poderia tê-la deixado infeliz. Acabou vendo a pilha de cartas e a fotografia. Esticou o braço e as pegou.
- Ei, esse é o Draco Malfoy. Eu o vi no filme Traga Suas Armas. Tive que assistir acompanhado pela Katy, porque era proibido para crianças muito pequenas. Ele era o Kirby Ashton. Foi super legal. - Ele olhou para Hermione. - Você o conheceu?
- Sim. Estivemos no Lunnbridge juntos, no curso de teatro.
- Ele está casado agora.
- Eu sei.
- É por causa disso que estava chorando?
- Talvez.
- Você o conhecia tão bem assim?
- Ah, Jody, já acabou tudo entre nós, há muito tempo.
- Então, por que ele ainda faz você chorar?
- Estou apenas sendo sentimental.
- Mas você... - Ele gaguejou e evitou usar a palavra "ama". - Você... Vai se casar com o Neville na semana que vem.
- Eu sei. É isso que quer dizer "ser sentimental". Significa chorar por algo que já acabou, está morto e enterrado. Uma perda de tempo.
Jody ficou olhando para ela atentamente. Depois de alguns instantes, largou a fotografia de Draco e anunciou:
- Vou lá embaixo pegar um pedaço de bolo. Volto logo. Você quer alguma coisa de lá?
- Não, obrigada. Vá sem fazer barulho. Não acorde Diana.
Ele saiu de mansinho. Hermione colocou as cartas e a fotografia de volta na gaveta, e a fechou por completo. Foi então recolher as roupas que espalhara, pendurou o caftan, pôs os sapatos na prateleira própria, dobrou o resto das outras coisas que espalhara e as colocou no encosto da cadeira. No instante em que Jody chegou de volta, trazendo seu pequeno lanche em uma bandeja, ela já escovara os cabelos e estava sentada na cama, esperando por ele. Jody veio se sentar ao seu lado, colocando a bandeja na ponta da mesinha-de-cabeceira.
- Sabe, tive uma idéia - disse ele.
- Uma boa idéia?
- Acho que sim. Veja só, você acha que eu não me importo de ir para o Canadá com Diana e Sírius. Mas eu me importo. Não quero ir, nem um pouco. Preferia fazer qualquer coisa na vida a ir embora com eles.
- Mas, Jody... - Hermione olhou para ele, com algum espanto. - Eu pensei que você quisesse ir. Parecia tão empolgado com a idéia.
- Estava apenas sendo educado.
- Pelo amor de Deus, Jody, você não pode ser "educado" quando se trata de ir morar no Canadá ou ficar aqui.
- Posso, sim. E agora resolvi lhe contar que na verdade eu não quero ir.
- Mas o Canadá vai ser divertido.
- Como é que você sabe que vai ser divertido? Você nunca esteve lá! Além do mais, não quero deixar a escola, meus amigos e o time de futebol.
Hermione estava pasma.
- Mas, Jody... Por que você não me falou isso antes? E por que é que está me falando isso agora?
- Eu não falei antes porque você estava sempre muito ocupada, tratando de convites, cartas, bandejas para servir canapés, véus e coisas assim.
- Mas eu jamais estaria ocupada demais para você.
- E resolvi contar agora... - prosseguiu ele, como se ela não tivesse falado nada. - Porque se eu não contar agora, vai ser tarde demais. Simplesmente não vai dar mais tempo. Então, vai querer ouvir o meu plano ou não?
- Não estou bem certa - disse ela, subitamente apreensiva. - Qual é o seu plano?
- Acho que eu deveria ficar aqui em Londres, em vez de ir para Montreal com eles. Não... não quero dizer morando com você e o Neville. Queria ficar aqui com Angus.
- Com... Angus? - A idéia era quase engraçada. - Angus está do outro lado de Caxemira, Nepal, ou sei lá onde... Mesmo que nós soubéssemos onde encontrá-lo, o que não sabemos, ele jamais voltaria para Londres.
- Ele não está nem em Caxemira nem no Nepal - disse Jody, colocando uma boa garfada de bolo na boca. - Está na Escócia.
A irmã olhou para ele fixamente tentando compreender se ouvira a palavra direito, no meio das migalhas e das frutas cristalizadas do bolo.
- Escócia? - perguntou ela, e o menino concordou com a cabeça. - Mas, Jody, por que é que você acha que ele está na Escócia?
- Não acho. Eu tenho certeza. Ele me escreveu uma carta. Recebi há mais ou menos três semanas... Ele está trabalhando no Hotel Strathcorrie Arms, na cidade de Strathcorrie, ao norte do condado de Perthshire.
- Ele lhe escreveu uma carta?... E você não me disse nada?
- Achei melhor não contar para ninguém - O rosto de Jody se fechou.
- Onde está a carta?
- No meu quarto. - E colocou na boca outra gigantesca garfada do bolo.
- Você pode mostrar a carta para mim?
- Posso.
Ele escorregou para fora da cama e desapareceu, retomando logo depois com a carta nas mãos - Aqui está! - disse, entregando o envelope a ela enquanto pulava novamente sobre a cama e pegava o copo com leite. O envelope era barato, de cor bege amarelada, e o endereço escrito à máquina.
- Parece carta anônima - disse Hermione.
- Eu sei. Encontrei esse envelope um dia, quando cheguei da escola. Pensei que era alguém tentando brincar comigo ou me vender alguma coisa. Parece isso, não é? Sabe, igual a quando você escreve pedindo informações sobre algum produto e eles mandam um folheto...
Hermione tirou a carta do envelope, uma folha simples de papel de carta comum, e que obviamente tinha sido muito manuseada e lida repetidas vezes. Parecia que estava para se desfazer a qualquer momento.
Hotel Strathcorrie Arms Strathcorrie, Perthshire.
“Meu querido Jody
Esta é uma daquelas mensagens que você queima depois de ler, de tão secreta. Portanto, não deixe que Diana coloque os olhos nela, senão minha vida não vai mais valer a pena.
Voltei da Índia há dois meses, com um camarada que encontrei no Irã. Ele já foi embora, mas eu consegui um emprego aqui neste hotel, como servente. Carrego carvão e cuido dos depósitos de lenha do hotel. O lugar vive cheio de gente idosa, que vem até aqui para descansar e pescar. Quando não estão pescando, ficam parados, sentados em poltronas aqui em volta, parecendo que já estão mortos há seis meses.
Estive em Londres por alguns dias, quando meu navio aportou. Gostaria de ter ido até aí para ver você e Hermione, mas fiquei com medo de que Diana conseguisse me encurralar, me laçar com colarinhos engomados e me colocar em sapatos de couro preto, e ainda por cima resolvesse cortar meu cabelo e me arrumar todo, feito um mauricinho. Depois disso era só uma questão de tempo até ela me colocar em um emprego adequado e me empurrar alguma namorada refinada.
Envie todo o meu amor a Hermione. Diga a ela que eu estou bem, livre e feliz. Aviso a vocês quando for para outro lugar.
Muitas saudades,
Angus”
- Jody, por que você não me mostrou isso antes?
- Achei que você talvez resolvesse que era seu dever mostrar a carta ao Neville, e aí ele iria direto contar para Diana.
Ela releu a carta.
- Angus nem sabe que vou me casar.
- Não, acho que não sabe.
- Podemos telefonar para ele.
Jody foi imediatamente contra essa idéia.
- Ele não deu o número do telefone. E, de qualquer modo, é arriscado, alguém poderia ouvir. Além do mais, telefonar não é bom, porque você não pode ver a cara da outra pessoa com quem está falando... E a ligação pode cair... -Jody detestava falar ao telefone, tinha quase medo do aparelho, e Hermione sabia disso.
- Bem... - disse ela. - Nós poderíamos escrever uma carta para ele.
- Mas ele nunca responde às cartas.
Isso era perfeitamente verdadeiro. Mione estava pouco à vontade com a situação, e sentiu que Jody a estava encaminhando para alguma idéia, que ela não imaginava qual fosse.
- E então?... - perguntou ela.
- Você e eu poderíamos ir até a Escócia esta semana para encontrá-lo - disse ele, depois de respirar fundo para tomar fôlego. - Poderíamos explicar tudo a ele. Contar o que está acontecendo... - E continuou sem parar para respirar, com a voz um pouco mais alta, como se ela estivesse ligeiramente surda. - Contar para ele que eu não quero ir para o Canadá com Diana e Sírius.
- Sabe o que ele vai dizer quando você contar isso, não sabe? Vai perguntar que diabos isso tem a ver com ele?
- Eu não acho que ele vá dizer isso...
- Certo. - Ela se sentiu envergonhada. - Então, suponha que nós possamos ir até a Escócia para encontrar com Angus. O que é que vamos sugerir a ele?
- Vamos dizer que ele deve voltar para Londres, para cuidar de mim. Que ele não pode fugir das responsabilidades pelo resto da vida. É isso o que Diana vive dizendo. E eu sou uma responsabilidade. É isso que eu sou, uma responsabilidade.
- Mas como é que ele vai poder tomar conta de você?
- Poderíamos ir morar em um pequeno apartamento, e ele poderia conseguir um emprego...
- Angus?...
- Por que não? Outras pessoas fazem isso. A única razão pela qual ele é contra tudo isso, o tempo todo, é que não concorda com nada que Diana queira fazer.
Sem conseguir evitar, Hermione teve que sorrir.
- Eu tenho que reconhecer que isso é verdade disse.
- Mas por nós ele viria. Ele diz que sente a nossa falta. Gostaria de ficar conosco.
- E como é que nós poderíamos ir até a Escócia? Como é que poderíamos sair desta casa sem que Diana percebesse a nossa falta? Você sabe que ela iria direto para o telefone, na mesma hora, e ligaria para todos os aeroportos e estações ferroviárias. E nós também não podemos pegar o carro dela emprestado, porque seríamos parados pelo primeiro policial que aparecesse.
- Eu sei de tudo isso - disse Jody. - Já pensei em todas as possibilidades. - Terminou de tomar o leite e chegou mais para perto da irmã. - Bolei um plano!
N/A: Desculpem a demora! Minha net resolveu bater-as-botas exatamente no dia que eu iria postar os caps... Mas, como prometido, aí estão os cap 2 e 3. No próximo, o nosso belissimo moreno de olhos verdes talvez apareça... ;)
heheh
meninas, continuem comentando! Mais 3 comentários e a boa vontade da minha net = cap 4!
bjos
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