O Segredo dos Dursley
Harry dormiu sem comer nada, nem descer para ver os tios. Quando percebeu que a casa estava vazia, foi até o banheiro, tomou um banho e voltou para seu quarto. Aquela casa fazia ele perder o apetite completamente.
Acordou no dia seguinte esperando escrever para Rony, mas Pitchi chegou antes que ele pudesse sequer dar bom dia a Edwiges.
O bilhete era da Srª Weasley, perguntando se Mione demoraria muito na casa dos Dursley. Harry não entendeu o que ela queria dizer. Será que Mione desistira de ir para A Toca e ficou no Largo Grimmauld?
Ele aproveitou a presença de Pitchi e escreveu de volta dizendo que a amiga não estava com ele. E indicando a sede da Ordem como possível local para encontrar a amiga.
O resto do dia ele ficou inquieto. Pensava em ir até lá verificar se Mione tinha voltado. Por fim, decidiu mandar Edwiges com um bilhete para Mione.
Edwiges não demorou em voltar, sem resposta nenhuma. Aliás, o bilhete de Harry continuava preso à pata da enorme coruja branca.
Ele não sabia o que fazer. Quem ele poderia avisar sobre o aparente sumiço de Mione?
O barulho na sala abaixo de seu quarto tirava sua concentração. Duda assistia um programa de clipes musicais e a cada música aumentava ainda mais a TV. Para escapar disso e conseguir pensar, Harry decidiu dar uma volta.
Desceu rapidamente as escadas e alcançando a porta da cozinha, saiu para o quintal e foi para a rua. Andou durante um bom tempo até parar num pequeno parque. Sentou-se à sombra de uma árvore e ficou pensando o que poderia ter acontecido.
Quem sabe, pensou ele, aquela pessoa que estava nos seguindo pegou Mione. Isso era uma hipótese. Mas avisar alguém sobre essa possibilidade era assumir que não tinha seguido as ordens e tinha ficado longe da casa dos tios.
- Pouco importa receber uma bronca – falou levantando de repente e assustando alguns trouxas que passavam por ali – Já sei o que fazer!
Ele voltou correndo para casa, e como sua tia havia ido ao supermercado, subiu os degraus de dois em dois e começou a escrever um bilhete.
- Tome, Edwiges, procure Lupin ou Tonks e entregue isso o mais rápido possível.
A coruja deu um pio alto e levantou vôo.
Até que um deles fosse encontrado e tomasse as devidas providências, Harry não poderia fazer mais nada.
Deitou-se na cama e tentou se acalmar. Mesmo entre muitos pensamentos agitados e confusos, Harry adormeceu.
Teve um sono agitado, cheio de pesadelos em que revia Snape assassinando Dumbledore. Depois revia a cena em que fugia com Mione pelas ruas de Londres. Novamente estava na torre do castelo, paralisado, vendo a varinha de Dumbledore apontada para ele, enquanto Draco dizia que ia matá-lo. A varinha, ele não tirava os olhos da varinha. Então o rosto de Mione surgiu novamente, chorando, sentada na cama que ocupava no Largo Grimmauld.
Harry acordou suado e cansado. A noite já havia caído e Edwiges ainda não voltara. Ele deixou a janela aberta antes de dormir. O ar da noite entrava fresco e ele se sentou à janela, observando o céu.
- Esperando qualquer sinal – falou para si mesmo.
Mas a dúvida continuaria até a manhã do dia seguinte. Harry adormeceu encostado à janela e acordou com o corpo dolorido. Edwiges piava em seu colo, junto com Pitchi que também trazia uma carta.
A resposta de Lupin foi básica: Iremos procurá-la, fique tranqüilo! Já a carta de Rony foi mais extensa.
Harry,
Estamos muito preocupados. Mione não voltou para a sede da Ordem e ninguém mais teve notícias dela. Papai foi até a casa dela, mas não encontrou ninguém lá.
Você acha que ela pode ter viajado com eles sem nos avisar?
Eu nem consigo dormir de pensar que algo pode ter acontecido com ela. E eu fui tão grosso na estação...
Bem, se você souber de alguma coisa, por favor nos avise. É provável que ela avise pelo menos você, depois de tudo!
Rony
Os Weasley ainda não sabiam que Mione estava sem família na Inglaterra. Ela teria que entender, mas ele escreveria para Rony explicando o que aconteceu com os pais de Mione. Quem sabe o Sr° Weasley poderia conseguir ajuda do Ministério.
Mandaria a resposta no dia seguinte, pois preferia que as corujas descansassem, antes de realizar outra longa viagem. Deixou o bilhete pronto em cima da escrivaninha e saiu para outra volta. Ficar ali era inútil e a presença constante do primo, fazendo barulhos propositais, impedia que ele sequer pensasse no que deveria fazer após o casamento de Gui: caçar as outras horcruxes para poder destruir Voldemort.
Durante a tarde, Harry ficou no mesmo parque do dia anterior. Seus pensamentos estavam menos concentrados e a toda hora ele se pegava pensando no que poderia ter acontecido à Mione.
Voltou para casa no final da tarde, comeu alguma coisa rapidamente na cozinha e voltou para o quarto. Mas chegando lá não encontrou o bilhete. Suas coisas haviam sido revistadas e quando se virou para a porta, seu primo segurava o pedaço de pergaminho rindo desdenhoso.
- Então a sua namoradinha sumiu? Provavelmente fugiu de você, sua aberração!
- Duda, me devolva isso agora mesmo! – ordenou Harry contendo a raiva.
- Acho que não estou com vontade – riu o rapaz.
- Olha, isso não é brincadeira! Devolva isso agora ou então eu...
- Ou então o quê? Vai fazer um dos seus truques e ser expulso daquele lugar cheio de aberrações? Você não teria coragem!
A provocação continuou. Duda balançava o papel na cara de Harry tentando fazê-lo de “bobinho”. O sangue de Harry ferveu e antes que conseguisse pensar em alguma atitude inteligente, o vidro de tinta atrás dele explodiu e sujou toda cortina e os lençóis da cama que estava perto.
- Esse é o seu novo truque? – perguntou Duda divertido – Mamãe vai ficar uma fera quando vir a sujeira que você fez.
- Ela deveria ficar uma fera com a sujeira que vou fazer em você!
Harry voou para cima do primo e acertou um soco em seu queixo. Duda cambaleou para trás a voltou com toda raiva para cima de Harry. Os dois caíram e começaram a rolar pelo chão. Apesar da falta de agilidade, Duda era muito mais forte e conseguiu acertar Harry várias vezes.
O bruxo estava levando a pior, quando Harry perdeu a cabeça e berrou para a varinha sobre as roupas no malão aberto:
- Accio varinha!
Agora ele estava armado e poderia se defender. Quando ia usar algum feitiço para sair debaixo do primo, seus tios apareceram. Tio Valter nem ouviu nenhuma explicação. Catou Harry pelos ombros e o levou até debaixo da escada, onde tratou de trancar o rapaz, enquanto dizia:
- Isso é para você aprender a não atacar as pessoas que foram boas para você, seu moleque ingrato!
Harry ainda ouvia Duda dando risadas e o tio bufando ao lado da porta.
Aquele pequeno armário embaixo da escada já havia sido quarto de Harry antes que ele soubesse que era um bruxo. Naquele tempo, ele nem se importava muito com isso. Mas agora, com quase 17 anos, era um lugar extremamente apertado e ele só poderia ficar ali sentado e ainda assim com as pernas encolhidas.
Além do incômodo, a preocupação era de que Duda voltasse a mexer em suas coisas. A capa da invisibilidade estava no malão, além da varinha e da vassoura.
Outro problema era o bilhete que deveria mandar a Rony. Ali, seria impossível! E ele, sem varinha, não teria como arrombar a porta, que o tio tratou de reforçar nas últimas férias.
Sem ter o que fazer, Harry começou a mexer nas caixas amontoadas lá. Elas aumentaram muito desde que ele deixou de dormir ali.
Eram pacotes com cartas, contas de luz, água, gás. Notas fiscais de compras de aparelhos eletrônicos, muitos dos quais Duda tratou de estragar ou mesmo revender para usar o dinheiro com uma das coisas ilícitas que fazia e que os pais faziam questão de não ver.
Em uma grande caixa encapada e amarrada com um tipo de barbante bem grosso, Harry encontrou vários álbuns de fotos. Logo ele reconheceu como sendo fotos de família. De sua família, que ele nunca conheceu.
Tinham imagens de sua tia brincando com uma criança pequena. Abaixo da foto a inscrição: Petúnia e Lílian, brincando no parque. Mais adiante a foto de seus avós, com as meninas no colo. Seus avós pareciam muito felizes.
- Pena que as fotos não se mechem – suspirou Harry.
Eram várias fotos das duas, sempre muito amigas. Fotos no Natal, em aniversários, e até na escola em que estudaram juntas até Lílian entrar para Hogwarts.
Harry teve a impressão de que sua tia quisesse esquecer os bons momentos que passou com a irmã. E se isso fosse verdade, ela não se importaria se o menino pegasse algumas fotos.
Ele separou uma em que apareciam os avós: Mary e Willian Evans. E uma outra em que sua mãe estava sozinha, exibindo uma roupa muito bonita, em sua formatura da escola fundamental. Deveria ser um ano antes de ser chamada para Hogwarts.
No meio das fotos Harry acabou pegando no sono. Acordou pouco antes do amanhecer, com dor no corpo todo. Era o segundo dia que não dormia numa cama direito.
Continuou a mexer na caixa e encontrou outras coisas que lhe chamaram a atenção: alguns pergaminhos amassados. Ele desenrolou cada um com muito cuidado e reconheceu a letra de Dumbledore em todos.
As mensagens eram endereçadas à Petúnia. Uma delas dizia que ela deveria levar o menino, conforme fora combinado em encontro anterior, ao Ministério da Magia. A data do encontro era o dia do Solstício de Inverno, no ano de 1983.
Não fazia muito sentido. Pelo menos, Harry, que na época teria apenas 3 anos, não se lembrava de ter estado no Ministério. Aliás, ele não se lembrava nem mesmo de ter saído com os tios alguma vez em sua vida além da ida ao zoológico que acabou em desastre quando ele libertou uma das serpentes da sessão de répteis.
Realmente, Harry não havia ido ao Ministério. Todo fim de ano ele passava com a Srª Figg, para que os tios pudessem viajar.
Os outros bilhetes, datados de algumas semanas após o solstício, diziam que tudo estava dentro do previsto e que em mais dois meses, estaria tudo pronto e ela poderia buscar a confirmação.
Harry ouviu passos vindo em direção ao quartinho, então fechou rapidamente a caixa, guardou as fotos no bolso da calça e encostou-se à parede como se não tivesse feito outra coisa além de esperar.
Sua tia abriu a porta e o mandou sair.
- Vá limpar a bagunça que fez lá em cima. Mesmo que na precise fazer mais nada nesta casa, o seu quarto pelo menos poderia ficar limpo.
Ela parecia irritadíssima. Ele subiu as escadas e começou a limpar tudo. Não demorou mais que 30 minutos e o quarto estava como antes. Conferiu se suas coisas estavam todas no mesmo lugar e pode respirar aliviado. A única diferença no quarto era a ausência de cortinas, mas para Harry isso pouco importava.
Voltou para a escrivaninha, procurou um vidro extra de tinta no malão e reescreveu o bilhete para Rony. Amarrou na pata de Pítchi e a soltou. Ela saiu feliz por poder ir embora dali depois de um dia inteiro dividindo uma única gaiola com Edwiges.
Harry deitou um pouco na cama e pegou no sono. Dormiria direito aquela manhã. Ele acordou pouco depois das 19h. A casa estava vazia, como constatou em seguida. Ele tomou um banho, trocou-se, fez uma rápida refeição e pela primeira vez naquele período de férias, resolveu sair à noite. A lembrança da perseguição há duas semanas e o sumiço de Mione, fizeram com que ele voltasse, pegasse sua varinha e a escondesse no bolso da calça e cobrisse o restante com a camisa larga que ele costumava usar nas férias.
Seguiu sem rumo pelas ruas, sentindo o vento do verão bater em seu rosto. O calor aquele ano estava bem menor que no ano passado. As pessoas saíam de suas casas para tomar sorvete e ficar conversando com os vizinhos. Só os Dursley que se mantinham anti-sociais como sempre.
Harry aproveitou o dinheiro trocado no Gringotes junto com Mione e comprou um sorvete de baunilha. Foi tomando e andando para o parque que gostava. Sentou-se em um banco e imaginou como estaria o mundo bruxo àquela altura dos acontecimentos.
Há exatas 4 semanas ele não tinha notícias de nada. Será que Voldemort estaria conquistando mais seguidores? O que o Ministério estaria fazendo para conter os ataques? Ali, naquele lugar afastado, Harry sentia que nada poderia acontecer.
Começou a andar e sem que percebesse, seus passos o levaram a um beco mais afastado e escuro.
- Como é que eu sempre venho parar nesses lugares? – pensou virando para sair dali.
Ele apressou o passo, mas a passagem estreita que era a saída do beco estava interditada. A turma de Duda surrava um rapazinho, alegando que ele não tinha pagado a dívida.
O primo de Harry não fazia nada. De braços cruzados e olhar maligno, ele apenas mandava os colegas, ou melhor, os capangas, baterem cada vez mais forte.
Ao perceber Harry ali, sentiu que era uma hora muito boa de mostrar ao primo que ele podia fazer o quisesse.
- Você por aqui, sua aberração? – comentou desdenhoso – Acho que é a primeira vez que sua presença é uma surpresa agradável.
Os outros deixaram o rapaz desmaiado e vieram apoiar Duda. Eles assoviavam e batiam palmas enquanto a provocação continuava.
- Dessa vez não vai ter meu pai impedindo que eu acaba definitivamente com você. Sabe, nunca fui com a sua cara. Acho que amassá-la um pouquinho pode melhorar isso.
Ele correu atrás de Harry, mas o jovem bruxo, acostumado aos treinos de quadribol e à rotina de aulas em torres distantes, tinha um físico mais ágil. Harry correu entre os becos e vielas paralelos.
Ouvia o primo e os amigos se aproximando e corria cada vez mais rápido. Ele respirava fundo, tentando imaginar um jeito de não criar mais confusão para o seu lado. No meio da correria, Harry ouviu gritos.
Em algum lugar adiante, várias pessoas estavam em perigo. Ele se apressou ainda mais. Queria ver o que tinha acontecido e tentar ajudar, se possível, saindo daquela situação desagradável de fugir de Duda.
Finalmente chegou numa rua larga, cheia de trouxas que berravam desesperados. Dois comensais, devidamente fantasiados com suas capas pretas e máscaras, se divertiam torturando as pessoas.
Havia crianças perto e Harry imediatamente puxou a varinha e berrou:
- Estupore!
O comensal mais alto, que estava há uns 3 metros do garoto caiu duro. O outro veio em direção a Harry conjurando todo tipo de feitiço que conhecia. Harry tentava bloquear e desviar dos raios coloridos.
Mas ele estava muito cansado da correria. O comensal chegou bem perto do garoto e quando seus olhos pousaram na cicatriz, ele apontou a varinha para o alto e pronunciou um encantamento que Harry não conhecia:
- Féretrumm!
Depois olhou Harry nos olhos, um brilho de ódio e maldade passou pelos olhos do comensal e ele saiu correndo, arrastando o colega estuporado.
Nesse mesmo momento a turma de Duda chegava ao local. Olharam as pessoas caídas e a cara assustada de Harry.
- O que você já aprontou seu anormal? – berrou Duda empurrando o primo.
- Eu não fiz nada, mas nós precisamos sair daqui! – respondeu Harry, sentindo que ainda tinha alguma coisa para acontecer.
- Por quê? Está com medo que a polícia chegue e descubra o estrago que você fez? Pois se é isso, eu vou fazer questão de contar e ver você sendo levado de uma vez para o reformatório – zombou Duda.
- Olha aqui – disse Harry perdendo a paciência – o único marginal aqui é você! Estou dizendo para irmos embora daqui, mas se você quer ficar e inventar para a polícia que eu sou o responsável pelo estrago, o problema é todo seu!
Harry saiu apressado e se virou para voltar para o beco de onde tinha vindo. Mas um frio muito característico enregelou seus ossos.
Ele conhecia aquela sensação. Eram dementadores chegando. O jovem bruxo voltou para o meio da avenida a tempo de ver quatro dementadores cercando a turma de seu primo.
Todos eles choravam e berravam desesperados. Os amigos de Duda já haviam desmaiado e agora os monstros se concentravam no primo de Harry. Quatro numa única mente.
Duda chorava cada vez mais alto. Ninguém saía das casas e nem sequer olhavam pelas janelas. O tempo parecia estar completamente parado.
Harry não queria que o primo acabasse com o beijo de um dementador, apesar de achar que ele merecia, não teria coragem de deixar isso acontecer bem na sua frente. Puxou sua varinha e conjurou um patrono corpóreo.
Logo o cervo prateado apareceu e começou a investir nos dementadores. Um a um ele foi vencendo. E quando restou o último, antes que ele fosse repelido, Harry pode ouvir Duda implorando, como se fosse uma criança:
- Não, mamãe, por favor, ixo de novo, não! Ixo dói, dói muito!
O último dementador foi afastado, o patrono sumiu e Duda caiu, completamente desfalecido no chão.
Harry correu até um telefone público e chamou socorro. A polícia chegou alguns minutos depois. E fez o rapaz ali contar o que ele havia visto.
Harry inventou que havia se perdido, pois não conhecia muito bem aquela região da cidade. E que quando chegou, o estrago estava feito e ele havia encontrado aquelas pessoas caídas, incluindo seu primo.
Os policiais, vendo a cara magra, branca e assustada de Harry não questionaram nem desconfiaram de nada.
Chamaram ambulâncias para levarem as vítimas para um hospital e avisaram a família de Duda.
Quando os Dursley chegaram ao hospital, Harry estava ao lado do primo, que continuava inconsciente. Tio Valter aproximou-se furioso, querendo acertar Harry, mas o policial o segurou dizendo:
- Se esse rapaz não tivesse nos chamado, o seu filho poderia ter morrido de hipotermia.
Tio Valter, olhou assustado de Duda para Harry. Ainda achava suspeito ter sido Harry a encontrar seu filho, mas aquele não era o lugar para uma briga de família. Em casa, o sobrinho e ele teriam uma bela conversa. Isso significava trancar Harry novamente no armário.
Tia Petúnia estava muito abalada. Duda estava deitado na cama do hospital e logo o trocaram para um quarto particular. O médico disse que o estado dele era estável e na manhã seguinte, se recobrasse a consciência, poderia voltar para casa. Mas Duda ainda tinha ataques de tremedeira e Tia Petúnia rompia em choro quando isso acontecia.
O médico deu-lhe um calmante e a aconselhou a ficar na sala de espera. Ela saiu, esperando o remédio fazer efeito para poder voltar e fazer companhia ao filho.
Harry aproveitou que a Tia estaria sob efeito de medicamentos e foi tirar algumas histórias a limpo.
Quando chegou na sala ela tentou se levantar e ir para cima dele, mas caiu na cadeira e apenas se limitou a dizer:
- O que você fez com ele? O que fez com o meu Dudinha?
- Quer mesmo saber? Eu salvei a vida dele!
- Do que está falando? Eu sei que foi você com seus poderes e truques mágicos que deixou ele assim...
- Sei que você está disposta a não acreditar em mim, mas não me preocupo com isso. E se quer saber o que atacou seu filho, eu conto. Foram dementadores. Quatro de uma vez.
As palavras fizeram efeito mais rápido que o remédio. Petúnia ficou branca, os olhos saltados e a boca semi-aberta.
- Você sabe o que eles fazem, não é mesmo? Lembro que uma vez você comentou que sabia o que eles eram... – disse Harry tentando parecer natural, para que a tia não se mostrasse arredia e desconversasse.
- Parece... parece que eles sugam a felicidade – começou ela sem jeito.
- Na verdade, eles não sugam a felicidade apenas. Eles trazem a tona os nossos piores pesadelos e lembranças. As passagens mais dolorosas das nossas vidas. Sabe, quando eu fui atacado por eles lembrei do grito da minha mãe quando ela foi assassinada.
Os olhos de Petúnia encheram de lágrimas e ela desviou o olhar do rosto do sobrinho.
- Você quer saber o que Duda gritou quando foi atacado?
Ela não respondeu.
- Bem, ele começou a falar como um menininho. Pedia para que você não fizesse alguma coisa com ele. Ele berrava, chorava e dizia que doía muito.
Os soluços eram visíveis agora. Um choro meio contido, meio desabafado. Harry ficou ali esperando ela se acalmar.
- Acho que a pergunta principal não é o que eu fiz com ele, tia. E sim o que VOCÊ fez com ele.
- Eu não... eu não pensei que ele conseguisse se lembrar! – disse Petúnia caindo de joelho e chorando sem parar.
Harry tratou de fechar as portas da sala de espera do quarto, para que ninguém ouvisse ou atrapalhasse a conversa dos dois.
- Você o levou ao Ministério, não é mesmo? – perguntou Harry juntando as peças do quebra-cabeça.
- Como você sabe disso? Dumbledore não podia ter contado, ele jurou, ele fez uma promessa e uma promessa mágica não pode quebrar... – disse ela meio desesperada.
Harry, num impulso estranho, abraçou a tia com certa autoridade e disse:
- Acalme-se! Eu descobri sozinho. Dumbledore não traiu você. Ele seria incapaz! Só que eu achei alguns bilhetes sobre o assunto. Não eram claros o bastante, mas depois de hoje eu percebi do que se tratava.
Petúnia respirou fundo. O melhor a fazer era contar a verdade. Ela precisava se abrir com alguém.
- É uma coisa de família, Harry. Da nossa família. Desde o princípio, a cada geração um,(como vocês chamam mesmo? Ah é...) um trouxa nasce com poderes mágicos. Da minha geração, foi sua mãe. Lílian ganhou dos primos e de mim. Ela foi a marcada pela tradição, que eu mais considero como maldição.
Harry ouvia atento. Respirava devagar para que a tia não mudasse de idéia e parasse de contar a verdade.
- Então, - ela continuou – aconteceu uma coisa que me deixou espantada. Nenhum de meus primos poderia ter filhos. Eles adotaram crianças. Mas segundo meu pai sempre nos contou, a tradição só poderia ser passada nos membros do nosso sangue.
“Quando eu engravidei, rezava todas as noites para que isso não acontecesse. Ainda mais sendo Valter tão contra tudo relacionado a magia ou que fugisse dos padrões mais rígidos e normais. Duda nasceu forte e saudável. Pouco depois você nasceu. Um bruxo autêntico.
Fui visitar meus pais, mas eles disseram que você era filho de bruxos, portanto não era mais trouxa. O medo de ter um filho bruxo me impediu de engravidar de novo.
Duda sempre foi uma criança como outra qualquer. Alegre, bem disposto...”
Harry reparou que as palavras saiam de sua tia como se ela lavasse a alma depois de 17 anos de sofrimento.
- Duda tinha apenas 1 ano e meio quando você nos foi entregue. Valter não queria aceitar, mas eu não conseguiria abandonar você. Na tarde seguinte, Dumbledore me procurou a fim de garantir a sua segurança e a de nossa família também.
- Valter não estava em casa e não tem idéia do que aconteceu. Eu prometi a ele que cuidaria de você. Mas queria alguma coisa em troca. Ele me deu um pedaço de pergaminho e disse que se precisasse dele, era só escrever ali que ele viria me procurar.
- Não precisei usar o pergaminho até que Duda completou três aninhos. No começo você até dividia o quarto com ele. Dormia, é verdade, numa caixa de papelão forrada, mas ficava lá e vocês brincavam muito. Um dia cheguei ao quarto e vocês brincavam com uma bola. Mas nenhum dos dois movia a bola com os pés ou as mãos. Para onde apontavam a bola se movia sozinha.
- Percebi que Duda era o bruxo nascido trouxa da geração. Aquilo seria uma tragédia para a família de Valter e eu temi que meu casamento acabasse ou que ele destratasse o próprio filho.
- Procurei Dumbledore. Pedi a ele que evitasse que aquilo continuasse. Ele me explicou que retirar a magia de alguém era um processo muito delicado, que exigia cuidados que só seriam encontrados no Ministério e que precisava de autorização do Ministro da Magia.
- Eu insisti muito e ele concordou em interceder por mim. Semanas depois me escreveu dizendo que eu tinha uma audiência no Ministério para explicar minhas razões. Eu fui à audiência e expus meus argumentos. Foi uma tarde inteira até que eles decidiram fazer o ritual de extração de habilidade mágicas. O ritual foi marcado para o solstício de inverno, data mais favorável.
- Deixei você com a Srª Figg, aleguei a Valter que precisaria levar Duda ao médico e fui até lá. Se soubesse o que aconteceria a seguir, não teria deixado. Teria enfrentado tudo para evitar aquilo.
Ela se calou.
Harry não sabia se podia falar alguma coisa. Pensou um pouco e como percebeu que ela não fazia questão de sair dali, incentivou-a a continuar a narrativa.
- Deve ter sido horrível, tia... – havia um tom de carinho em sua voz que amoleceu o coração de Petúnia.
- Oh, você não tem idéia. Eles pegaram o meu pequeno Duda e o colocaram sentado, só de fralda, num chão de mármore escuro e frio, cheio de desenhos entalhados. Era solstício de inverno – disse ela mais exaltada – como fazer isso com uma criança tão pequena? Depois, três bruxos de aspecto sinistro se aproximaram dele, com as varinhas em punho e começaram a molhá-lo com um líquido transparente que a medida que escorria dele, ficava colorido.
- Eles encostaram a varinha na cabeça de Duda e começaram a puxar alguns fios brilhantes de dentro dele. Duda começou a se debater muito e chorar. Eu quis entrar no círculo e tirá-lo de lá, mas Dumbledore me segurou, e disse que se fizesse isso, Duda corria sérios riscos.
- O ritual continuou mais um tempão, e Duda caiu exausto. Eu o levei para casa, com o coração estilhaçado. Mas sabia que havia feito o certo, que era para o bem dele. Dumbledore ainda me disse que eu deveria voltar lá para que o ritual fosse finalizado.
- Ah, mas eu não fui. Imagina, levar o meu pequeno naquele lugar, para vê-lo sofrer tudo novamente? Não teria coragem. E como eu não apareci, Dumbledore me mandou um berrador. Até hoje eu escuto os gritos...
- Ele dizia que se eu não terminasse o que comecei, seria muito pior. Valter estava perto e ficou sem entender. Eu expliquei que era alguma coisa relacionada a você e minha irmã, mas isso só o deixou mais zangado e desde então você foi dormir embaixo da escada – essas últimas palavras foram pronunciadas quase como um pedido de desculpas.
- Ah, então foi por isso – comentou Harry tentando mostrar que entendia as razões dela.
- No dia seguinte – ela deu continuidade ao caso – eu o levei novamente ao Ministério. Eles fizeram o mesmo processo, mas agora Duda gritava o tempo todo, me chamava e pedia para que não deixasse, que doía demais. Meu coração se estraçalhou naquele momento e eu jurei ali mesmo que faria o impossível para fazê-lo feliz dali em diante.
- Eles me entregaram um grande vidro, com o que seria a magia dele. Caso eu mudasse de idéia, bastava fazer um ritual inverso.
- Eu saí dali desorientada, joguei o frasco no rio e voltei para casa. Naquele dia comecei a tomar providências para que Duda não tivesse vontade de ser como você e não me culpasse, no futuro, de ter cuidado para que ele fosse normal.
- São não pensei que ele pudesse se lembrar de tudo isso...
- Ele só se lembra quando os dementadores atacam, tia. Fique tranqüila, sim? Duda gosta muito da senhora.
Harry não sabia se o primo realmente gostava da tia, mas ela precisava ouvir aquilo. Ele se despediu, disse que iria para casa e cuidaria de tudo lá.
Ele chegou em casa já eram quase 3 da manhã. Atirou-se na cama e dormiu cansado. Não sonhou ou pensou em nada. Apenas dormiu.
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