No Largo Grimmauld



Harry e Mione chegaram no Largo Grimmauld assim que o relógio marcou 20h. Em todo o trajeto da estação até a casa que fora de Sirius e agora, legalmente, pertencia a Harry eles quase não se falaram.
O rapaz parecia visivelmente contrariado de ter que dividir a casa com a amiga. Mione era uma moça já e que mal haveria ficar sozinha em casa por algumas semanas? Ele pensava sem parar que os argumentos dela não eram suficientes.
A casa estava um tanto suja e a poeira cobria grande parte dos móveis. Assim que entraram o retrato da mãe de Sirius começou a gritar chamando Mione de sangue-ruim. Harry estava tão cansado que apenas apontou a varinha para a velha e lançou um feitiço que fez ela sair correndo para outro quadro, ainda xingando muito.
- Vou arrumar minhas coisas no quarto que foi de Sirius – avisou ele.
- Ótimo, eu vou ocupar o mesmo quarto de antes,quando fiquei aqui com a Gina.
Harry notou que Mione pronunciara o nome da amiga mais baixo que as outras palavras.
- O que foi, Mione? Algum problema?
- Não – respondeu apressada.
- Para com isso, você não sabe mentir! Pode ir falando aí o que aconteceu!
- Ah, Harry, é só que eu acho que ela está chateada comigo, por eu ter vindo pra cá com você... – respondeu a garota abaixando a cabeça.
- Oh, bem, ela nem tem porque se preocupar não é? Afinal, nós dois decidimos que não poderíamos ficar juntos. E além do mais, eu, você e o Rony somos praticamente como irmãos. Seria um absurdo ela pensar algo desse tipo.
Mione engoliu em seco o que Harry falara, mas não demonstrou nenhuma reação que ele pudesse perceber.
- Bom, vou levar minhas coisas pra cima – disse por fim e subiu para o quarto.
Harry ainda arrumou umas coisas embaixo. Foi até cozinha e reparou que eles deveriam sair para fazer compras. A dispensa estava vazia. Aquele noite eles comeriam o que ele havia comprado do carrinho do Expresso de Hogwarts. Pegou algumas tortinhas de abóbora, alguns bolinhos de baunilha e balas de alcaçuz, colocou tudo num pote e foi ver se Mione queria comer.
A jovem bruxa já havia deixado o quarto de um jeito mais alegre e limpo. Sem poeira nos móveis, a cama estendida e seus pertences espalhados sobre uma penteadeira que os cupins ainda não tinham atacado.
- Está com fome? – perguntou Harry da porta do quarto.
- Não muito, mas acho que aceito um desses bolinhos.
Ele entrou e eles comeram em silêncio.
- Amanhã teremos que sair para comprar algumas coisas. A casa está abandonada já faz algumas semanas, e não tem nada na dispensa – disse Harry para quebrar aquela estranha frieza entre eles.
- É uma idéia muito boa. Eu tenho algum dinheiro trouxa aqui comigo caso a gente precise. Meus pais me enviaram antes de... – ela parou de falar, respirou fundo e continuou – antes de irem para o congresso.
- Mione, eu já lhe disse que você não sabe mentir. Pelo menos para mim eu sei que você não consegue. Quer me dizer a verdade? Por que veio pra cá?
Mione começou a chorar. Tinha um misto de raiva naquelas lágrimas. Raiva e desespero, reconheceu Harry que também já chorara daquele jeito várias vezes.
Ele tentou se aproximar da amiga, abraçá-la, mas ela o empurrou.
- Não existe congresso nenhum! – disse ela entre soluços.
- Como assim?
- Eu não podia contar, não conseguiria – ela andava de um lado para o outro enquanto apertava as têmporas – Eles foram ameaçados, Harry. Meus pais foram ameaçados.
- Ameaçados? Por comensais? – perguntou o rapaz que estava atônito com a notícia.
- Sim, eles os prenderam, torturaram e mataram dois de nossos vizinhos na frente deles. Um deles era da minha idade. A gente estudou junto antes de eu ir para Hogwarts.
Ela sentou na cama, seu corpo tremia e Harry não sabia o que fazer.
- Mas como... como eles estão?
- Estão bem, mas estão escondidos. Dumbledore conseguiu um lugar para eles, assim como o lugar que abrigou sua família no passado.
Ela mantinha os olhos baixos. Tinha parado de chorar, mas ainda suspirava e soluçava muito.
- Desde quando? Quer dizer, quando eles foram... Ah, quando você soube?
- Dois dias antes do ataque ao castelo...
- Mas como? Você guardou isso esse tempo todo? Sozinha? Como conseguiu?
Harry olhava penalizado para a amiga. Mione parecia uma garotinha frágil perdida num parque. Todo sentimento de frustração de ter que dividir a casa com a amiga desapareceram. Ela precisava daquele lugar tanto quanto ele. E mais, ela não precisava só do lugar. Ela precisava dele também.
- Tinha muita coisa em jogo naquela época. Eu não podia desconcentrar ninguém. Todos precisavam de mim e eu não podia desapontar Dumbledore. Ele salvou minha família. O mínimo que eu podia fazer era lutar para salvar algo que ele também amava.
Hermione Granger era sem dúvida nenhuma uma bruxa de grande valor, pensou Harry.
- E você sabe onde eles estão?
- Não – respondeu com a voz embargada como se fosse voltar a chorar – eu não sou o fiel do segredo deles. E depois, ninguém teve tempo para me dizer.
- Quem guardou o segredo? – perguntou harry já prevendo a resposta.
- É... foi quem você estava pensando mesmo. Dumbledore. Acho que não vou ver meus pais tão cedo.
Aquilo não fazia sentido. Mione ainda era uma bruxa menor. Quem ficaria como tutor da amiga até que ela pudesse ficar sozinha?
Como se tivesse lido a mente do rapaz, ela falou:
- Eu ficaria na escola o verão inteiro. Quer dizer, não o verão todo, ficaria lá até o casamento de Gui e Fleur. Aí eu iria para a Toca e encontraria vocês. Mas quando o castelo fechou, bom, eu fiquei perdida...
- Por que você não quis ir para a Toca? Quero dizer, você disse algo sobre ser um estorvo...
- Ah, não sei se você entenderia. Mas pensei que eles vão ter muito o que fazer, para fazer Gui se recuperar do ataque que sofreu e depois os preparativos do casamento e também... Também não ia me sentir muito bem vendo toda aquela família feliz e unida enquanto eu nem sei onde meus pais estão. Preciso superar isso primeiro!
- Você tem razão! Mas daqui umas três semanas no máximo eu devo ir para a casa dos meus tios. Quer dizer, vou lá e vejo se o pacto continua. Se não continuar volto pra cá até o dia do meu aniversário e aí vou para A Toca.
- Eu sei disso... Espero estar melhor quando você precisar ir... Aí escrevo para Gina e peço para ir pra lá e explico tudo.
- Seria bom se tivesse um chá aqui. Você parece estar precisando!
- Tudo bem, acho que vou me deitar. Você pode me fazer um favor?
- Claro, é só pedir!
- Deixe a porta do seu quarto aberta? Eu ainda estou um pouco insegura.
Ele concordou com a cabeça e também foi se deitar. Queria dormir um pouco apesar de não sentir nenhum sono. Desde a morte de Dumbledore ele não descansara. Mas agora ele tinha um bom motivo para ficar bem. Precisava ajudar Mione.
A manhã chegou quente e ensolarada. Um calor abafado, daqueles que deixam qualquer um com preguiça. Harry se levantou e foi chamar a amiga, mas não a encontrou no quarto.
Desceu já de roupa trocada e encontrou Mione na cozinha, preparando alguns pães com geléia e leite.
- Ah, bom dia! – disse a garota – Acordei mais cedo e fui a uma padaria aqui perto. A gente não poderia sair pra fazer compras ou qualquer outra coisa sem comer nada.
- Achei que você fosse descansar mais. Ontem você me pareceu exausta.
- É... eu também pensei que conseguiria dormir até mais tarde. Mas acordei antes mesmo do sol nascer. Ainda enrolei um pouco na cama, até que não agüentei ficar parada e fui à padaria.
Os dois tomaram o café da manhã ali mesmo, na cozinha. Depois, seguindo uma sugestão de Mione, eles saíram para fazer as compras.
Harry ficou pensando o quanto se divertiria num supermercado trouxa. E o Sr° Weasley então? Ficaria encantado com as máquinas de leitura de código de barras. As compras foram tranqüilas. Eles pegaram macarrão instantâneo e algumas latas de conserva, além de pão, carnes defumadas e outras iguarias de fácil preparo e difíceis de estragar.
Também aproveitaram e compraram material de limpeza, já que não podiam contar com Monstro para cuidar da casa.
Foi a primeira vez que Harry se divertiu no mundo trouxa. E isso fez com que ele tivesse uma idéia extravagante. Tomando todo cuidado para não ser notado, ele se dirigiu, junto com a amiga, para o Beco Diagonal.
Foram até o Gringotes, sacaram alguns galeões e metade deles Harry trocou por libras. No caminho de volta ele se lembrou que em breve seria o casamento do irmão de seu melhor amigo.
- Ei – chamou – que tal aproveitarmos para comprar o presente do Gui e da Fleur? A gente poderia achar uma coisa bem legal e dar em conjunto?
- É uma idéia... Vamos dar uma olhada por aí! Eu nunca fui a um casamento bruxo antes. Nem sei o que se dá de presente.
- Você não pensa que eu sei alguma coisa, né? Posso ter nascido bruxo, mas sei bem menos desse mundo que você.
Eles entraram em algumas lojas, olharam várias coisas. As vendedoras sugeriam presentes bizarros demais na opinião de Harry. Uma sugeriu um jogo de facas que trabalhavam sozinhas.
- Se elas se descontrolarem eu tenho dó de quem estiver perto – brincou Mione em voz baixa.
Outra idéia era dar um aparelho de jantar auto-limpante, mas Harry achou comum demais.
E assim as sugestões vinham e iam, e os dois não conseguiam decidir.
- E se você escrevesse para o Rony e perguntasse o que ia ser legal a gente dar de presente.
- Por que você não escreve?
- Ah, porque é você que tem uma coruja. E ia dar muito trabalho contratar uma do correio... - desculpou-se Mione.
- Está certo, então vamos para casa e eu escrevo para o Rony.
Os dois voltaram para o Largo Grimmauld n° 12. Mione sugeriu que eles abrissem as janelas e aproveitassem para arejar a casa.
A luz do sol batendo nos móveis e paredes mofados liberava um cheiro estranho. Muitas criaturas que habitavam os locais úmidos saíam correndo assustadas. A sensação de que a casa estava mais limpa pareceu animar os garotos e logo eles começaram a dar um jeito na cozinha e nos quartos que ocupariam.
No fim da tarde Harry escreveu o bilhete a Rony, perguntando o que dar a Gui e Fleur. Aproveitou e contou da trabalheira que estavam tendo para deixar a casa mais habitável.
Quando a noite chegou, os dois amigos nem podiam se agüentar em pé. Cada um foi para seu quarto e dormiram imediatamente.
Edwiges demorou dois dias para voltar. Nesse tempo, a cozinha ficou mais limpa e clara, e a sala tinha outra cor completamente diferente do esverdeado provocado pelos fungos.
Não era uma mansão como deveria ter sido na época dos Black, mas com certeza era bem agradável quando abriam as janelas da sala e ficavam ali conversando depois do almoço.
Quando a resposta de Rony chegou, Harry estava polindo sua vassoura e Mione estudando alguns de seus livros sobre Runas. A coruja branca entrou pela janela da frente e pousou diante de Harry esticando a pata em que o bilhete estava.
Harry desamarrou e começou a ler.

Oi Harry,

Bom saber que você está curtindo brincar de casinha com a Mione. Pelo menos vocês estão se divertindo.
Aqui em casa as coisas estão um inferno. Minha mãe não para de gritar por causa da arrumação do casamento. Sabe, a cerimônia vai ser aqui mesmo, no terreno ao lado de casa.
A cada dia aparece um novo problema: pestes, ervas daninhas, gnomos... E tudo sobra pra mim, porque Fred e George estão trabalhando, Gina ajuda a mamãe com os preparativos de roupas e comidas e Gui, bem, ele ainda está de cama. Já melhorou muito, mas os medibruxos preferem que ele ainda faça repouso.
O casamento vai ser uma semana depois do seu aniversário, porque é lua nova e isso vai ser muito bom para o Gui.
Quanto ao presente, eu não vou saber te dizer. Quem está cuidando dessa parte é a Fleur. E me parece que eles já montaram a casa inteira.

Até mais,
Rony.

- Não ajudou em nada... – comentou Mione.
- Ele me pareceu meio sério nesse bilhete. – disse Harry.
- Deve ser o estresse, você não viu que a mãe dele está meio “agitada”?
- É, pode ser...
As coisas seguiam seu rumo naturalmente. Quando ficava sozinho, Harry repassava cada passo dado no castelo durante o ano e no dia da morte de Dumbledore. Mas nada parecia mudar em seus pensamentos.
Eles já estavam na casa havia quase duas semanas, quando precisaram sair novamente. Faltavam algumas coisas em casa e Mione sugeriu que eles fossem até o supermercado mais próximo.
A tarde estava quase no fim quando, com as compras feitas, eles resolveram voltar para a casa. Andaram algumas quadras quando Harry percebeu que estavam sendo seguidos.
- Que bela hora para sair sem varinha – comentou entre os dentes.
- O que aconteceu? – perguntou Mione disfarçando sem saber por quê.
- Não faça nada, continue andando. Nós estamos sendo seguidos.
Os dois apressaram o passo, mas não adiantaria. Como entrariam em casa com um estranho atrás deles. Mesmo se ele não pudesse ver a casa, saberia onde encontrá-los.
- Venha por aqui – chamou o rapaz.
Eles entraram numa igrejinha próxima. Era bem antiga e se não estivesse tão limpa teria ares de abandonada.
Eles correram pela igreja, que àquela hora estava vazia e saíram pelas portas do fundo. A saída dava num beco meio sombrio, de onde seguiriam para o centro da cidade e lá esperavam despistar o seguidor.
Foram mais de 50 minutos de correria, entre ruas estranhas, até conseguirem chegar em casa.
- De agora em diante, Mione, vamos sair de varinha.
- Mas se usarmos magia... – a jovem começou a protestar.
- Se usarmos magia, será em legítima defesa!
Havia tanta determinação na voz de Harry, que ela achou melhor obedecer.
Faltavam apenas três dias para Harry ir embora. Ele aconselhou a amiga a escrever para Rony perguntando se poderia ficar lá. Ela fingiu concordar, mas mandou a carta para outra pessoa.
Enquanto esperavam a resposta, ninguém mais os seguiu. Eles até imaginaram se tratar de um ladrão comum. Afinal, quem pensaria que eles não estavam com os parentes?
A carta que Mione esperava chegou. A Srª Weasley respondera prontamente, agradecendo muito o fato da jovem se oferecer para ajudar durante as próximas semanas.
- Você não falou a verdade? – indagou Harry.
- De jeito nenhum! Ia estragar a festa deles e...
- Chega, Mione! – irritou-se Harry - Pare de arrumar desculpas. Eles são seus amigos também!
- Eu sei, ta? Mas ainda não quero falar disso com eles. Nem sei como Gina vai agir comigo depois desse tempo que fiquei com você. E o Rony então! Ainda na estação ele nem olhou na minha cara!
- Olha, não importa! Eu vou embora amanhã cedo. E você vai para lá. E se não contar a verdade para eles, assim que eu chegar vou fazer isso.
- Você não tem esse direito! – ela parecia zangada demais.
- Então, faça isso. Não por eles, ou por mim. Faça isso por você. Você nunca mentiu ou escondeu nada de nós. A não ser o vira-tempo. Não tem razão para que você fique assim. Afinal, a gente já passou por cada situação juntos. Sempre nos ajudamos, lembra? Sempre fomos como irmãos!
- Mas não somos mais! – gritou ela.
O silêncio de Harry deixou a menina encabulada. Ela não pesou suas palavras e agora estava morrendo de vergonha.
Subiu correndo para o quarto dizendo para Harry que ainda ficou na sala:
- Vou arrumar minhas coisas...
O rapaz subiu tentando entender o que a amiga dissera. Tentaria conversar com ela de novo. Mas a porta estava fechada e isso era um claro sinal de que ela não queria conversa.
A manhã chegou rápida e Harry desceu com suas coisas. Pegaria um táxi e desceria na esquina da Rua dos Alfeneiros.
Mione despediu-se dele e foi em direção ao ponto onde, segunda a Srª Weasley, o pai de Rony estaria esperando por ela.
Harry chegou em segurança a casa dos Dursley, o lugar que ele mais odiava em todo mundo. Até aquela caverna cheia de inferis parecia agradável perto da cara de porco velho de seu tio, da obsessão por limpeza de sua tia e das implicações gratuitas de seu primo.
- Vai começar meu pior pesadelo anual – suspirou o jovem, entrando pelo jardim.
Antes que tocasse a campainha, a porta se escancarou e seu primo, mais gordo e arrogante que nunca apareceu.
- Mãe – berrou Duda – a aberração acabou de chegar!
Harry apenas baixou a cabeça e entrou empurrando suas coisas. Seu tio fingiu que ele nem existia, o que era um ótimo começo. Mas sua tia já chegou implicando, dizendo que ele estava sujando a escada que ela limpara, que tinha pisado numa bromélia no jardim e que suas roupas estavam ridículas.
Ele nem se importou. Empurrou as coisas para cima e entrou em seu quarto. Colocou a gaiola de Edwiges na mesa próxima à janela e deixou o malão aos pés da cama. Nem queria desfazer as malas, sabendo que em um mês ele estaria livre para ir onde quisesse.
Deitou-se para descansar, pensando em escrever para Mione e Rony no dia seguinte. Seria mais fácil, já que Edwiges teria que fazer apenas uma viagem.
Longe dali o Sr° Weasley esperava Mione para irem para A Toca. Passava mais de uma hora do horário combinado e a menina não aparecera. Mione não era do tipo que se atrasava. Talvez tivesse ido para casa dos tios de Harry. Ela era trouxa e talvez tenha preferido assim.
Arthur Weasley voltou para sua casa pensando o quanto os jovens podem ser imprevisíveis.

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