Morte e vida



Morte. Vida. Definições de dicionário. Nada que pudesse explicar o que Harry sentia. Sentado naquela cadeira de plástico, o dia nublado, o lago frio, lotado de rostos familiares. As reações eram as mais diversas: ódio, tristeza, amargura, respeito, loucura. Harry reunia um pouco de cada uma dentro de si. Sentado ao lado de Gina, ouvia o canto lamurioso da Fênix. E assistia a uma cena que não conseguira ainda absorver: uma urna fechada, no centro do Lago Negro de Hogwarts, que encerrava o corpo daquele que fora mais que um professor para ele. Dumbledore era como um pai. Uma pessoa que estava sempre do lado de Harry, o bruxo mais poderoso de todos os tempos, que resolvera dar aulas particulares a Harry para que ele pudesse aprender mais sobre o inimigo, o bruxo que resolvera morrer para dar a Harry a chance de viver.

Harry estava cansado disso. Primeiro, seus pais, que deram a vida para que Voldemort não o matasse quando ainda tinha um ano de idade. Depois, Sirius, que fez de tudo para defendê-lo, pagando com sua própria vida. E agora Dumbledore. Não era justo.

“Por que não sou eu a morrer? Todos morrem por mim, até Cedrico, que não teve nem opção, morreu no meu lugar. E mais uma vez eu estou aqui, como o Eleito, a esperança do mundo bruxo, um simples garoto que não consegue nem sequer manter por perto aqueles que ama” – pensava Harry, com o olhar perdido.

A pira pegou fogo, levando com ela o corpo inerte de Dumbledore encerrado na urna. Harry observava Hermione chorar ao lado de Rony, apoiando o ombro no peito do ruivo. Achava que eles iriam se entender, enfim. Geralmente, as tristezas tornam as pessoas mais sensíveis, elas percebem melhor o que está ao redor. Harry apertou a mão de Gina. E de repente, um calor gostoso invadiu o peito do menino. No lugar da tristeza que o dominava desde as últimas horas passadas na Torre de Astronomia, uma alegria saudosista o invadiu. Lembrou-se de cenas engraçadas de Dumbledore, dos discursos de boas vindas a Hogwarts. Do trauma dos feijõezinhos de todos os sabores. Harry não podia começar a rir ali. Seria muito estranho se, no meio de um velório, ele começasse a gargalhar. Mas esboçava um sorriso no canto da boca pelas lembranças. Enquanto houvesse em Hogwarts um só homem de Dumbledore, ele continuaria ali. E Harry era...

-... Inteiramente um homem de Dumbledore. – Harry se viu repetir os pensamentos ao Ministro da Magia, Ruffos Scrimgeour, que queria manter o bruxinho por perto do Ministério agora que a coisa se complicava mais ainda.

A morte de Dumbledore era mais do que tristeza para seus entes queridos. Era um problema para o mundo da magia. Dumbledore era o único bruxo conhecido que Voldemort temia. Apesar de não estar integralmente do lado de Ruffos, o ministro sabia que poderia contar com o apoio do diretor de Hogwarts na empreitada contra Aquele-que-não-deve-ser-nomeado. Mas se ele achava que Harry iria ajudá-lo a manter esse prestígio e essa falsa sensação de que tudo estava bem para a população bruxa, Scrimgeour estava totalmente enganado. Harry seria fiel somente aos seus próprios princípios.




Gina olhava o namorado com um ar preocupado. Sentia que alguma coisa estava diferente. Como seu uma força extra tivesse de repente surgido naquele bruxo. Um poder que ela não era capaz de explicar.

A ruiva não podia acreditar em tudo o que estava acontecendo. As coisas passaram muito rápido. A partida de Harry, a constatação de que estava sob algum tipo de domínio do Lord das Trevas, a guerra. Gina tinha lembranças estranhas sobre os episódios da última noite. Lembrava-se de estar no salão Comunal da Grifinória depois de uma aula de Defesa Contra as Artes das Trevas bastante complicada. Snape estava com um mal humor fora do normal. Não que o professor fosse bem humorado em algum momento, mas aquela aula particularmente mostrara a Gina um novo Snape. Um Snape nervoso. Irritado. Parecia que ele sabia sobre os acontecimentos que viriam a seguir. Uma pessoa mais atenta e observadora, como Gina era, perceberia até um certo ar de... medo... passando por detrás das pupilas escuras do professor.

Ao entrar no salão comunal, Gina nem ao menos teve forças para levar os pergaminhos e penas para o quarto. Deixou-se cair na poltrona mais próxima da lareira e ficou por lá. Até que acordou no corredor da Sala Precisa. Não entendia como tinha ido parar lá e ficou muito assustada ao ver vários Comensais da Morte saindo pela porta da sala, seguidos de um Draco Malfoy com a aparência cadavérica. Mais branco e magro do que nunca, os cabelos loiros de Draco cintilavam sobre sua cabeça e ele gritava desesperado, com um certo pesar na voz rouca:

-Rápido, vamos, saiam todos e causem a maior confusão que conseguirem! Vão atrás do Potter! Rápido! Distraíam ele e os outros bobocas da Armada de Dumbledore enquanto eu faço o que precisa ser feito.

Malfoy não sabia que Harry não estava em Hogwarts. O temor tomou conta de Gina. Ela se levantou depressa, sem nem ao menos ser notada pela multidão que se locomovia rumo as escadas que levavam ao salão comunal da Grifinória. Mesmo assim a ruiva não deixou de reparar que todos estavam com as varinhas em punho, as máscaras negras brilhando no rosto e a Marca Negra farfalhando, ora encoberta, ora a mostra pela manga das vestes negras. A ruiva nunca se lembrava de ter corrido tanto. Sorte ser irmã dos gêmeos Weasley, ela conhecia uma Hogwarts que muita gente não conhecia. Virou a esquerda pelo corredor, entrou por uma pequena e pesada porta lateral e chegou às escadas que levariam a Torre da Grifinória. Os archotes já haviam sido acesos na escola e Gina chegou esbaforida diante do quadro da Mulher Gorda.

-Mandragóras inglesas!

-Calma, menina, se continuar correndo assim vai ter um ataque do coração! Vocês jovens estão sempre com pressa e... – Gina entrou correndo pelo quadro, deixando para trás uma Mulher Gorda revoltada com a falta de educação dos jovens de hoje para com os mais velhos.

Hermione e Rony estavam diante da lareira. Conversavam baixinho e Hermione mantinha a mão fechada. Luna e Neville estavam a um canto, sentados na mesa, Luna absorvida pela leitura de uma edição do Pasquim e Neville parecendo bastante entretido com uma folha verde qualquer. Gina chegou até eles com o rosto corado, parou abruptamente e tentou recuperar o fôlego antes de começar. Todos olhavam para a ruiva, e foi como se o tempo tivesse parado naqueles poucos segundos de silêncio que se seguiram. A apreensão do grupo era evidente, algo grande estava por vir e todos sabiam disso. Mas a iminência de um perigo maior agora era clara como água.

-Malfoy.... ele... estava na Sala Precisa.... – Gina respirava em arfadas enquanto falava – Ele trouxe Comensais da Morte... pelo menos dez deles... Não sei como, mas acho que foi o armário. Precisamos.... ajudar...

Gina não terminou. Hermione se levantou de um pulo e já sabia o que deveria ser feito. Abriu o pequeno vidro de Felix Felicis que encerrava em sua mão. Neville e Luna já estavam de pé ao lado do grupo quando Hermione começou a falar.

-Chegou a hora de mostrarmos porque somos a Armada de Dumbledore. Agora precisamos provar o nosso valor, utilizar tudo o que aprendemos com Harry para ajudá-lo. Os planos de Malfoy, sejam eles quais forem, não são bons. Portanto, vamos ter que correr. E proteger os outros estudantes do mal que possa aparecer e... o que foi Rony?

O ruivo havia cutucado Hermione e apontava, sem fala, para a janela do salão comunal. A marca negra brilhava no céu. Já havia começado. Hermione se deu conta que não era hora para discursos, agora era cada um por si e esperava-se que os conhecimentos adquiridos pudessem ser colocados na prática para salvar suas próprias vidas e a de outros também. Algumas gotas da poção da sorte foram distribuídas para cada um deles. Gina bebeu a sua, sentindo um gosto adocicado descer pela garganta. No mesmo instante, sabia o que fazer, assim como todos os outros, que correram para a pesada porta do Salão Principal. Nenhum deles conseguia entender porque rumavam para lá enquanto os Comensais tinham ido para a Torre de Astronomia.

Entenderam ao se aproximar do Salão Principal e ver a pesada porta ser deslocada para dar lugar a um grupo bastante seleto e forte: Nimphadora Tonks, Remo Lupin, Gui, Carlinhos e Arthur Weasley, além de todos os outros membros da Ordem da Fênix. Tonks encarou Gina, os cabelos cor de chiclete levemente espetados para a esquerda.

-Olá, meninos. Vejo que estão mais rápidos até do que a Ordem. Estávamos fazendo plantão em Hogsmead e vimos a marca. Tomem cuidado. Vocês estão lidando com Comensais da Morte, e eles estão cada vez mais fortes assim como Aquele-que-não-deve-ser-nomeado. Estaremos lá para protegê-los, vamos!

Era uma imagem surreal. Gina via seus amigos seguidos por aurores e adultos experientes, uma confusão de pernas, capas de várias cores e varinhas apontadas. Ao se aproximar da Torre de Astronomia, o primeiro susto: um uivo, seguido de uma Maldição Cruciatus que acertou a parede bem ao lado de Neville. O garoto ficou branco feito um pergaminho novo, mas logo se recuperou e todos procuraram se proteger como podiam. O confronto era iminente. Era possível divisar vários Comensais protegendo a porta que guardava a escada da Torre. E foi assim que a luta começou.

À Ordem e à Armada se juntaram os professores de Hogwarts que estavam ali por perto. A primeira a chegar foi Minerva McGonagall, atraída pelo barulho ensurdecedor. Orientou os monitores das Casas a manter os alunos em segurança dentro dos salões comunais. Ainda não sabia o que estava acontecendo, então não pode dar grandes explicações aos ávidos e assustados monitores da Sonserina, Lufa-Lufa e Corvinal. Rony e Hermione, que não estavam na Grifinória, foram substituídos por uma assustada Lilá Brow, que tentou manter os colegas de Casa dentro da Torre da Grifinória. Ao chegar ao local da batalha, McGonagall virou-se para Hermione.

-Senhorita Granger, vá, chame o professor Snape nas masmorras!

Hermione olhou para Gina antes de sair correndo em direção às masmorras. Alguns minutos depois, Snape chegou, mas Gina não tinha um bom pressentimento em relação a isso. Ele não ficou muito tempo no campo de batalha, mas subiu rumo a Torre de Astronomia, deixando na porta um feitiço que pareceu a Gina que impediria qualquer um de passar por ali. E a confirmação veio um tempo depois com a tentativa de Gui, que duelava bravamente com o lobisomem Greyback. O Weasley tentou passar pela porta enfeitiçada por Snape e foi barrado. Gina viu Greyback pular sobre seu irmão e ficou desesperada. Mas não havia muito o que fazer. Ouviu um feitiço naquela direção, mas sua visão foi barrada por um enorme Comensal que entrou em sua frente e começou a lançar feitiços na direção da ruiva.

-Crucio! Crucio! Crucio! Você não pode dançar para sempre, queridinha.

Gina tentava se proteger da melhor forma possível quando viu Snape e Malfoy saindo da escada que levava a Torre. Segundos depois divisou Harry correndo e derrapando numa poça de sangue que havia no chão.

-Expeliarmus!!! - Harry gritou o feitiço, acertando o Comensal que tentava lançar a Maldição em Gina.

-Preciso correr, Gina. Snape... Malfoy... tenho que pegá-lo.

Sem entender nada, Gina viu Harry se afastar no rastro dos dois sonserinos. A batalha continuava, mas agora os Comensais estavam se dirigindo novamente para a Sala Precisa. Ela não entendia o motivo. Havia acabado afinal? Será que eles estavam desistindo? Ou Malfoy teria cumprido sua missão, seja ela qual fosse? Ao perceber as coisas mais calmas, Gina correu na direção de Gui, caído no chão. O irmão tinha sangue espalhado nas vestes de bruxo e um grande e profundo arranhão no rosto. Mas, aparentemente, Gina não viu nenhuma mordida.

Todas essas lembranças pareciam borradas. Agora Gina conseguia entender o outro lado da história. A Marca Negra no céu. A falha de Malfoy. A traição de Snape. A ruiva não entendia como o mundo poderia ser tão cruel. Como alguém podia ser tão falso e dissimulado como Snape. Definitivamente, há muitas nuances do ser humano que não dá para entender.




Harry sabia que tinha que fazer aquilo. Não sabia como começar. Scrimgeour se afastara, deixando Harry sozinho com Gina. Ambos rumavam para o castelo, como todos que deixavam o velório de Dumbledore.

-Gina... – Harry começou.

-Já sei, Harry. Já entendi tudo... não havíamos conversado sobre isso ainda, mas eu senti. Não sou burra, Harry, sei o que você está pensando.

-Gina, eu... eu preciso fazer isso. Você não entende, eu tenho que ir atrás das horcruxes. Não vou voltar parar Hogwarts nem que a escola reabra. Não posso. Preciso seguir em busca do meu destino. Preciso cumpri-lo, para o bem ou para o mal, e não quero machucar você. Eu represento um perigo na sua vida.

Os olhos de Gina, cheios de lágrimas, não denunciavam o que a garota pensava: que na verdade, ela é que era um perigo para ele.

É incrível como o sol ainda é capaz de brilhar depois de uma tragédia.


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