Revelações e preparativos



Revelações e preparativos

Snape até que tentou. Bravamente resistiu, tirando pontos e distribuindo detenções aos que exagerassem nas brincadeiras ou indiretas, mas por fim acabou sucumbindo à onda geral de felicidade que invadiu os terrenos de Hogwarts e cujos ecos chegaram até Hogsmeade e mesmo Londres e o Ministério da Magia.
Corujas chegavam todos os dias, e ele precisou se entender até com uma afoita repórter chamada Rita Skeeter, que teve que se contentar com respostas lacônicas que não ousou completar com sua famosa pena de repetição rápida. Mas Sarah fora mais gentil e resumira a história dizendo apenas que era apaixonada pelo professor desde os tempos de estudante, mas que só agora, já adulta, tivera coragem de se declarar e então descobrira que era correspondida. Fez questão de frisar que nada de mais ocorrera em tempo algum, que Snape sempre fora um professor irrepreensível no tratamento que dispensara a ela, sua aluna por sete anos.
- Mas soube por fontes seguras que você quase foi expulsa por ter fabricado uma poção do amor no 7º ano, supostamente para usar contra ele...
- Ah, que absurdo! Quem pode ter feito uma calúnia dessas? – Sarah sorrira inocentemente surpreendida – Realmente, eu fiz uma poção, mas foi para ajudar uma amiga, mas eu sei que você vai entender se não revelar seu nome. Sabe, ela é casada com alguém do alto escalão do Ministério e, se isso vem à tona... – ela balançou a cabeça, com ar de quem prevê um escândalo, e Rita titubeou.
No dia seguinte, Hermione foi a primeira a conferir a manchete “Casamento do Ano em Hogwarts” no Profeta Diário. Um Snape carrancudo como sempre fitava os leitores com ar de ameaça, teimosamente imóvel, enquanto Sarah sorria com meiguice, a cabeça apoiada em seu ombro, sua mão pousada deliberadamente sobre os braços cruzados do noivo, deixando ver seu magnífico anel de ouro. Na legenda, os dizeres bem sugestivos: "Brilhante professor de poções irremediavelmente enfeitiçado. A aluna superou o mestre!"
- Que lindo! – exclamou Parvati, que espiava sobre o ombro da colega – Eles não estão fofos?
- Bem – Rony espiou e balançou a cabeça, enojado – Snape não tem nada de “fofo” pra mim, eca! – exclamou
Com um trejeito de desdém, a colega se afastou, mas logo alguém pedia o jornal emprestado, e a página rodou praticamente todas as mesas, entre gritinhos e exclamações variadas.
- Já pensou? – Gina comentou, risonha – Se Fred e Jorge estivessem aqui, o que não fariam? Aí, garanto a vocês, acabariam por atazanar tanto o Snape que seriam realmente expulsos dessa vez!

E foi assim que mais uma semana chegou ao fim, e depois o mês, os alunos hesitantes entre um Snape ainda mais temível por não admitir brincadeiras quanto ao seu próximo casamento e uma Sarah transbordante de felicidade, principalmente porque Snape retomara o hábito de lhe mandar bilhetinhos e mimos até no meio das aulas, alguns até – ela comentara com Hermione e Gina, bem mais “ousados”.
É claro que a população feminina de Hogwarts é que andava tão alvoroçada – Harry só vira agitação igual no 4º ano, devido aos preparativos para o baile de inverno, e sinceramente esperava que não fosse preciso passar por tudo aquilo de novo, embora Rony acabasse por gostar da idéia de estrear suas vestes a rigor novas.
Antonio viera a Hogwarts, e depois partira para transmitir pessoalmente ao pai as decisões do casal. Ele conversara longamente com Snape, sem a presença de Sarah, que aguardara apreensiva, mas nem um nem o outro lhe disseram sobre o que falaram, embora Snape parecesse mais satisfeito e, ao mesmo tempo, enigmático depois disso. Depois de sua visita, nem mesmo os alunos podiam se aproximar da carroça de Sarah sem que um Hagrid atento e sério os interpelasse. É que Antonio fora mensageiro do pedido do velho McGonagall para que fosse o guardião da honra de sua filha até o casamento.
Sarah sorrira ante a admiração de seus alunos, mas lhes explicara que, até o casamento, quando passaria a residir em Hogwarts com o marido e abandonaria a vida cigana de vez, ela teria que obedecer às tradições de sua gente, portanto, nada de homens em sua tenda, dissera por fim, divertindo-se com a estranheza de Harry e Rony. Hermione passara horas contando-lhe os detalhes de um casamento trouxa, que muito a divertiram, principalmente pelas exclamações excitadas das meninas “sangue-puro” que haviam avidamente acompanhado a narrativa, sentadas em volta delas no pátio.
Mas uma idéia a agradara muito: um chá de despedida só com as amigas, em que presentes e brincadeiras se misturavam. E acabou por permitir que Hermione e Gina, com a ajuda de Tonks, organizassem o chá. Só não ficou mais feliz, porque Tonks lhe contou não ter conseguido se comunicar com Mary que retornara a Portugal, antes de saber que o plano de Hermione dera certo. Era muito arriscado, nos tempos que viviam, mandar uma coruja em uma viagem tão longa, atravessando o mar.
A obediência aos costumes, entretanto, não ficava só neste detalhe. Ela e Snape nunca estavam a sós, para horror das alunas que não conseguiam acreditar que eles não estivessem de alguma forma burlando a “vigilância” que se estabelecera em torno deles e, em público, nunca se tocavam. Até seus lugares à mesa foram trocados, com Minerva passando a fazer as refeições entre eles, uma posição que ninguém conseguira descobrir se a divertia ou incomodava.
O velho McGonagall e um grupo de ciganos, parentes e amigos de Sarah, chegariam no início de abril, pois a primavera nascente era a melhor época – diziam – para eventos dessa natureza. O que sem dúvida seria um alívio para ambos que já estivesse tão próxima, era o que comentavam maliciosamente vários alunos do sétimo ano.

No último final de semana de março, alguns convidados chegaram, trazendo uma certa tensão, embora involuntária: Lupin e Tonks, que Sarah chamara para seus padrinhos, obviamente acompanhados de Sirius. Ele e Snape ainda mal se falavam, mantendo sempre uma distância “segura”. Na tarde de sábado, Harry e os amigos se divertiram a valer com o seu relato de como haviam “encostado Ranhoso contra a parede”. Ele contara com riqueza de detalhes como Snape ficara perplexo com o teor da conversa que tiveram, principalmente com suas ameaças caso magoasse Sarah o mínimo que fosse.
- Ela é nossa irmã do coração, sempre foi como uma mascote para os Marotos. Então, você vai ter que se ver conosco, sim, senhor, se fizer alguma bobagem! – Sirius lhe dissera, enquanto Lupin assentia, pela primeira vez disposto a apoiar Sirius em uma briga com o outro.
Harry estava adorando a presença do padrinho, principalmente porque ele se sentava com eles à mesa da Grifinória, juntamente com Lupin, que preferira fazer companhia ao amigo do que gozar da prerrogativa de ex-professor, e Tonks. Alguns alunos os fitavam, ainda receosos, mas eles pareciam não se importar que houvesse um perceptível espaço vazio à sua volta, mas as brincadeiras de Tonks logo punham todos mais à vontade e eles pareciam estar de volta ao período de férias passado na casa dos Black, embora com uma atmosfera muito mais alegre e acolhedora.
A diferença, claro, se fazia notar principalmente no semblante de Sirius, que só se fechava quando olhava em direção a Snape, que não ajudava muito ao retribuir com sua expressão carrancuda e olhar frio. Ele também fizera questão de quebrar o “protocolo” estabelecido, fazendo com que Sarah voltasse a se sentar ao seu lado. A ostensiva atitude de posse e provável ciúme parecia divertir a Sirius, que passou a tentar sistematicamente provocar o noivo, indiferente aos apelos de Lupin e Harry.
- Calma, pessoal! Só quero brincar um pouco com o Ranhoso. – ele sorria, e dava de ombros quando os amigos o admoestavam novamente.

Até que Sarah resolveu ela mesma pôr um fim nisso. Num fim de tarde em que Sirius se sentara com os garotos justamente sob a velha faia, ela se aproximou e, sentando-se também, as longas saias verdes sob as vestes de professora se espalhando à sua volta, fitou-o de forma bastante sugestiva.
- Então? Qual é a bronca? – Sirius gracejara, como se fosse um garoto.
- Precisa dizer? – Sarah o fitava com raiva, imune ao charme que ele derramava em seu sorriso largo – Será que, até na frente dos garotos, você vai continuar se recusando a enxergar quantos problemas está me trazendo?
- Não sei do que você está falando... – ele se recostara no gramado, observando atentamente o fraco movimento das nuvens.
- Olha, Sirius... – Sarah suspirou – Eu queria ter essa nossa conversa sozinha com você, mas isso seria uma temeridade, em face das circunstâncias. E já que estes quatro conhecem fatos do meu passado com Severo que você desconhece, e sabem o quanto isso é sério, vou pedir que fiquem.
Sirius a fitou de modo curioso, erguendo as sobrancelhas. Depois, olhou pra cada um dos jovens e sorriu de modo estranho.
- Então, você contou pra essas crianças, e não pra mim ou Lupin, ou mesmo a Tonks, todos os detalhes sórdidos? Não acredito!
- Não somos crianças! – Harry retrucou – Já temos dezesseis anos... Ou quase. – ele olhou pra Gina, que corou.
- Sei. Está bem. – Sirius disse por fim, dando um longo suspiro – Confesso que estava divertido, tentar ver o quanto Snape era capaz de agir como um cão que protege seu osso favorito...
Sarah, Hermione e Gina o fuzilaram com o olhar.
- Calma, meninas, só estava brincando! É que, vocês precisam entender, me sentar de novo à mesa da Grifinória, circular por aí, sem medo de ter um dementador atrás do próximo arbusto, me fez sentir como se tivesse novamente meus quinze anos...
- E voltar a agir como um perfeito idiota! – completou Harry, categórico.
Sirius fez uma cara de profunda mágoa, e Harry se desculpou, sem graça. É que se recordara do “passeio” pelas lembranças do Snape e da conversa que tivera a respeito com Sirius. Mas o padrinho pareceu concordar em levar a conversa a sério, pois mudou o tom de voz ao continuar.
- Parece que passei do ponto, me perdoem. – ele jogou os cabelos para trás, olhando em volta, pensativo – Sarah, preciso lhe contar uma coisa... que aconteceu naquele dia. Pela dificuldade que tivemos em convencer o Snape, quando ele foi a Londres, que nem eu nem Remo, embora o Aluado tenha entrado de graça nessa história, acredito, tivemos alguma coisa com você, tenho que concordar que aticei a fera mais do que devia... E parece que ele ainda não se convenceu de verdade, ou não estaria, ainda agora, nos espiando lá de cima.
Todos levantaram os olhos para a direção que ele apontava. De fato, Snape estava parado, bem na entrada principal, observando-os de lá, numa posição genuinamente perigosa que denunciava estar pronto a atravessar o gramado em direção a eles de varinha pronta para atacar.
- Você poderia ter arrumado um noivo menos ciumento, amiga! – Sirius comentou.
- O problema não é esse, e você sabe! Eu é que cai da vassoura bem no meio da briga de vocês! – Sarah retrucou, exasperada, enquanto tentava fingir que não vira Snape vigiando-os.
- Foi mesmo, não foi? – Sirius riu, mas depois a fitou muito sério – Sinceramente, eu não sabia que você tinha levado a sério aquela história de eu disputar sua mão... A Tonks me contou que você tinha dito que gostava de mim e contou a história toda. Garota, se eu tivesse sabido disso antes, já pensou? Como as coisas poderiam ter sido?
- Não brinque, Sirius! – ela retrucou, mas Sirius a olhava muito sério.
- Não estou brincando. Mas, já que não dá mais pra ser diferente, vamos ao que interessa. Ela só me contou porque... bem, eu contei a ela que tinha tentado pregar uma peça em alguém e acabara estuporado, naquele dia que passei aqui, na sua carroça. E ela logo suspeitou quem fora, mas a princípio não acreditei, porque até aquele momento, eu desconhecia qualquer... problema entre você e o Ranhoso, e ela não me revelou nada a respeito. Agora, concordo que tenha sido ele o vendaval que me atingiu, enfurecido, pois Moody, bem depois, me forneceu uma informação preciosa...
Sarah o olhou fixamente, e Harry sabia que, pela primeira vez, ela estava tentando “ver” sua mente. Mas Sirius desviou o olhar, mais por parecer estar envergonhado, do que pra se defender da legilimência.
- Me conte, mas me conte tudo mesmo, por favor.
Ele a olhou, uma expressão brincalhona ainda dançando em seu rosto, e depois fez um gesto de concordância. Mudando de posição, começou a contar.
- Você deve se lembrar que, depois que os meninos saíram, você também se deitou para descansar. E dormiu por várias horas, acredito, porque eu e Lupin também. Mas acordamos primeiro. Se você tinha algum feitiço pra fechar aquela porta, acredito que tenha se esquecido de fazê-lo?
- Bem – Sarah tentou se lembrar – Eu cerrei as cortinas de Antonio, mas apenas para deixá-los mais à vontade. Não há ali nada em especial, porque a outra parte da carroça sempre foi ocupada apenas por meu irmão, e entre nós há toda confiança. E é ele que tranca porta externa que usa, do outro lado. Crescemos assim, acostumados um ao outro. E não havia motivos pra achar que precisasse me defender de vocês, ou havia?
Evitando olhar pra ela, visivelmente envergonhado de si mesmo por alguma razão, ele insistiu:
- Mas a saída externa, a sua saída externa. Você a trancou? – ao seu gesto negativo, ele concluiu – Foi o que pensei. Bom, eu acordei antes do Lupin, impaciente, louco pra sair e esticar as pernas. Quando passei para o seu lado da carroça, alguma coisa me incomodou. Podem dizer que foi o meu “faro de cão”, eu não ligo, porque, na verdade, não tenho outra explicação. Eu sentia a presença de alguém, um farfalhar estranho num canto quando eu apareci, sei lá o que foi. Chamei por Bichento, pensei que ele pudesse estar enroscado naquelas suas almofadas, aquilo ali é um paraíso para cães e gatos! – ele deu um sorriso engraçado – Mas não era Bichento, nem outro animalzinho escondido, logo vi. Alguém estava ali, com certeza pra vigiar você... ou nós. Lembrei-me da capa de Harry, então chamei por ele. Não se esconda, Harry, eu disse, não vou entregar você por estar cabulando aula! Mas o silêncio permaneceu. Meus pelos estavam eriçados, eu tinha aquela sensação estranha na nuca de quem sabe que está sendo observado, vigiado. Tentando aparentar descaso, voltei e chamei por Lupin. Mas ele estava mais esgotado e não notou nada. Eu não podia perguntar abertamente, e ele caminhou até a cortina, olhou em volta e se sentou, mastigando um chocolate e observando você, que dormia tranqüila, sem saber que três marmanjos, sim, porque éramos com certeza três ali, a observávamos. De repente, ele comentou: “Ela não está linda? Parece que ainda é a mesma garotinha, que nunca imaginamos fosse se tornar uma mulher assim, hein? Tudo o que um maroto como nós precisava para sossegar de vez...” Eu o mandei calar, bravo, ele se levantou, foi até você e, respeitosamente, o Aluado sempre é respeitoso, beijou-lhe a testa, antes de voltar para seu canto, dizendo que ainda precisava dormir, e aconselhando que eu fizesse o mesmo. Mas seu gesto provocara uma reação e alguém, quem quer que fosse, se mexeu. Eu fiquei em guarda, saquei minha varinha, mas nessa hora, Hagrid pôs seu cabeção pra dentro, perguntando baixinho se estava tudo bem, ao me ver com a varinha na mão.
Sirius suspirou. Olhou para cada um, antes de passar novamente as mãos pelos cabelos que caíam sobre seu rosto e continuar:
- Eu disse a ele que eu só acordara com algum barulho e fora ver se você estava bem, que ainda não vencera o hábito de me sentir acossado, mas que ele ficasse tranqüilo. Então, resolvi dar a quem quer que estivesse ali, nos vigiando, porque, com a chegada de Hagrid é que percebi que você deixara a entrada desprotegida e qualquer um poderia ter entrado, a impressão de que estava em uma situação confortável, natural pra mim. Caminhei como se estivesse familiarizado com tudo e sentisse saudade. Mexi nas suas coisas, nos seus lenços... – ele lhe fazia um pedido mudo de desculpas – Depois, sentei-me de mansinho ao seu lado, tentando não acordá-la. Acariciei seus cabelos, seu rosto. Você murmurou alguma coisa em sua língua e sorriu, antes de se virar para o meu lado. O movimento deixou-a mais perto de mim. Fiquei quieto, mais por não querer que você acordasse do que por qualquer outra coisa – ele suspirou –Confesso que senti vontade, por um segundo, de beijar você. Não como o Aluado, se você me entende...
Sarah o olhou, consternada e confusa.
- Ora, Sarah! Você sabe o quanto é bonita, atraente, não negue! E eu passei mais de dez anos sem praticamente sentir a presença de uma pessoa viva de verdade, ao meu lado. Desculpem se choco vocês, mas é verdade. – ele os fitou, demorando-se em Hermione e, principalmente, Gina, que fingia contar os talos de grama, encabulada. – Eu nem sei há quanto tempo... Bom, vamos pular essa parte, que há crianças presentes! – ele deu uma piscadela, tentando parecer divertido, o que não deu muito certo – Então, eu fiz: eu me inclinei, devagarinho, até quase tocar seus lábios, mas não tive coragem de lhe roubar um beijo, como se fosse uma dessas princesas dos contos de trouxas. Fiquei parado, por um segundo, aí fui atingido por um jorro de vento e um clarão estuporante. E a única coisa que percebi foi o rufar de vestes e capas a saírem em disparada. Lupin acordou, e você também, lembra? Percebi que não entendeu o que eu fazia ali, caído no chão quase aos seus pés. Eu inventei algo sobre o cão de Hagrid ter entrado de repente e me assustado, e ficou por isso mesmo. Depois, contei a Lupin, claro que omiti a parte em que quase lhe beijei ou ele me bateria, mas não conseguia imaginar quem, além de Harry, teria uma capa da invisibilidade em Hogwarts. Só há pouco tempo é que descobri, por acaso, que a capa de Moody estava com Snape já há algum tempo.
- Caracas! – Rony exclamou, sem se conter! – Então foi ele mesmo!
- Claro, eu entendi na hora. Só faltava o motivo. Por que Snape esperara até que eu quase a beijasse pra me atacar, se era isso que ele queria fazer, desde o começo? Por que não esperou, do lado de fora, por uma situação mais oportuna, em que tivesse certeza de que eu estaria sozinho ou sem reação? Até a chegada da coruja de Hermione, contando o plano maluco de fazer vocês dois se entenderem, e pedindo que eu tentasse vencer as minhas dificuldades com ele para fazê-lo entender que eu e você não tínhamos nada além da amizade, eu não tinha conseguido achar resposta para isso. Você não imagina o choque que foi descobrir que você estava realmente envolvida com esse... Ranhoso!
- Agora entendo. Todas as indiretas, as insinuações maldosas que ele passou meses me atirando entre dentes, desde que você voltou – Sarah constatou, tristonha – Você realmente o convenceu de que tínhamos alguma... intimidade. E, se não fosse a interferência de Hermione e de todos, até do Dumbledore, eu nunca o convenceria do contrário, mesmo que conseguisse permitir a sua entrada em minha mente, ainda assim ele acreditaria que eu o enganava.
- Mas – Hermione estava perplexa – como pôde? Porque ele não perguntou direto a você se ocorrera alguma coisa? Afinal, ele só viu um quase beijo!
- Pensei que tudo que vocês ouviram antes os tivesse feito entender como é difícil pro Severo lidar com seus próprios sentimentos. Há muita coisa entre nós dois: o Sirius...
- Agora, eu é que digo que não tenho nada a ver, também caí da vassoura bem no meio da briga – ele repetiu suas palavras, em tom irônico – E acho que já está na hora de ir, se eu não quiser ser estuporado de novo.
Sarah se virou e viu que Snape se aproximava. Sirius se levantara, pronto para se colocar bem longe do outro, mas ela o reteve, segurando seu braço, o que fez com que Snape apertasse o passo.
- Tire as mãos dela, seu cão nojento! – foi logo gritando, chamando a atenção dos que estavam em volta.
- Lamento desapontá-lo, Ranhoso, mas ela é quem não me solta. – o tom era mais brincalhão do que sarcástico, mas Snape não interpretou assim. Ergueu a varinha mas, pela segunda vez na vida, Hermione foi mais rápida e desarmou o professor de poções, antes que Harry ou qualquer outro o fizesse.
Todos ficaram paralisados, e Sarah foi quem se recuperou primeiro, estendendo a outra mão e puxando Snape para junto de si, falou em voz muito baixa:
- Pela última vez, eu quero que vocês parem de me usar como um balaço para atingir o outro! – o inusitado da comparação fez todo o grupo encará-la com espanto – É isso mesmo, é como estou me sentindo. Sentem-se, os dois! Hermione, obrigada! Acho que vou nomeá-la minha guardiã oficial daqui pra frente.
Sirius, risonho e obediente, voltou a se acomodar na grama, encostando-se à arvore e observando o casal como se não tivesse a mínima idéia do que estava acontecendo, um espectador completamente inocente.
Snape, entretanto, continuava a fitar Sarah nos olhos, num duelo mudo em que ambos se recusavam a ceder espaço. E Harry tinha certeza de que Sarah não seria a primeira a fazê-lo, tão furiosa ficara. Realmente, dali a alguns segundos, Snape capitulou. Sentou-se também, do lado oposto a Sirius, que se recusou a encará-lo. Os quatro jovens, testemunhas involuntárias de mais um duelo dos dois inimigos mortais, mal respiravam.
Sarah, depois de um longo suspiro em que parecera buscar forças mexendo continuamente em seu anel, sentou-se também.
- Agora, Snape, você quer me dizer o que estava fazendo em... meus aposentos, no dia 1º de novembro, usando uma ridícula capa da invisibilidade? Não negue, porque todas as evidências apontam pra você.
Snape ficou lívido. Harry imaginou que, se alguém pudesse desfechar um “avada kedavra” com o olhar, seria Snape nesse instante, tal o ódio que transparecia em seu olhar para Sirius.
- Por favor, Severo. Faltam poucos dias para o nosso casamento, e não quero nunca mais na vida ter que passar por esta situação ridícula. Tão ridícula, que me sinto envergonhada perante esses quatro aqui. Se isso não se resolver de uma vez por todas agora, desisto de tudo, e nunca mais quero ouvir falar de qualquer um de vocês dois. Porque, se o homem que eu amo e o meu melhor amigo querem continuar se odiando pelo resto da vida pelas besteiras que fizeram na adolescência, eu não posso fazer nada. Mas também não vou ficar recebendo os respingos de seus disparos, não. Matem-se, se quiserem, mas ME DEIXEM FORA DISSO!
Os dois homens a fitaram, estupefatos. Sarah, em sua revolta, estava ainda mais bela. Os olhos brilhavam intensamente em seu rosto afogueado, a moeda em sua testa cintilava mais do que nunca, e ela parecia envolta num aro de luz de um lilás muito claro. Harry não conseguia entender, mas um sentimento de serenidade o invadia, um sentimento que, estranhamente, vinha de Sarah, e que lhe trazia um desejo de abrir o coração, sem qualquer reserva. Olhando rapidamente à sua volta, viu que todos no pequeno círculo deveriam estar se sentindo da mesma forma, com exceção de Snape, que ainda resistia. Mas Sarah lhe falou docemente:
- Severo, me conte. O que o levou a fazer algo tão... indevido?
Snape a encarou, finalmente. Seus olhos, quase sempre tão frios, agora tinham uma expressão meiga e sofrida, quando ele finalmente falou num quase sussurro:
- Você não imagina como está parecida com sua mãe, agora! – ao ver o espanto que suas palavras causaram, continuou com tristeza – Sim, eu a vi morrer, o último ato ultrajante do Lord das trevas que presenciei... Mas, até esse momento, somente Dumbledore tinha conhecimento disso. Acho que por isso, foi tão compreensivo comigo em relação a você.
Ele respirou profundamente, antes de continuar:
- Eu queria lhe falar a respeito, mas quando tentava, pensava em como você me julgaria fraco... ou vil. Tive medo.- ele olhou em torno, e Harry compreendeu o quanto era difícil para o professor mais orgulhoso de Hogwarts estar abrindo seus sentimento diante de alguns alunos, justamente os de que menos gostava. Sentindo-se pouco à vontade, Harry evitava olhar para o professor, que continuou, com voz sofrida.
- Quando segui esses três até sua carroça àquela hora da madrugada, nunca podia imaginar o que encontrei. Era o pior dos meus pesadelos se realizando. Depois, quando os garotos saíram, e você ficou sozinha, com dois homens que eu detestava, não sei o que deu em mim... Não pude controlar o ciúme e a dúvida, e precisava saber com certeza o que estava acontecendo lá dentro. Mas Hagrid parecia ter recebido ordens diretas de Dumbledore para vigiar, então lancei mão da capa de Moody que estava comigo para uma tarefa especial. – ele parou, incerto, mas todos ali sabiam da Ordem, então continuou – Passei por Hagrid sem problemas, constatei que sua porta não estava protegida, e entrei. Me aproximei o mais silenciosamente possível, e vi que você dormia profundamente, separada daqueles dois apenas por uma tênue cortina, e resolvi ficar ali, para protegê-la de qualquer investida de Black. Eu estava certo de que ele tentaria, como realmente tentou, alguma coisa. Em certo momento, temi que tivesse me descoberto, e quase o enfrentei abertamente, mas o... lobisomem o distraiu. E chamou sua atenção para você, e chegou a sugerir alguma coisa, o que fez o meu sangue ferver. Mas esperei. Sozinho novamente, Black andou e tocou em suas coisas, ele se atreveu a isso. Eu tentei manter a calma, até o momento em que ele a beijou e...
- Eu não a beijei! – Sirius exclamou. Mas Sarah o recriminou com o olhar, e ele se calou.
- Não segurei mais. – Snape ignorou a interrupção - Atingi-o com um feitiço estuporante e saí, sem ver nada nem ninguém.
- Sirius, é sua vez! Conte a ele, vamos. Explique você o que fez – Sarah foi incisiva, mas nem precisava. O seu estranho “feitiço” tornava impossível resistir ao mais simples pedido seu.
Então, com voz pausada, sem tirar os olhos de Snape, Sirius resumiu o que contara um pouco antes, deixando claro que simulara uma situação de intimidade por imaginar que Sarah corria perigo e não fazer idéia de quem estivesse ali, pois não sabia que ela amava a ele, Snape. – mas não deixou de ser irônico ao terminar a frase, como se lhe parecesse impossível alguém amar Severo Snape.
- Satisfeito, Severo? – Sarah perguntou – Podemos, finalmente, esquecer esse assunto? Ou você pretende que tenhamos o tipo de vida que seus pais tiveram, o que nosso filho presencie cenas como as que você presenciou?
Nada poderia causar maior impacto em todos, apesar de apenas Harry fazer idéia do que isso significava.
Snape apenas negou lentamente com a cabeça, parecendo subitamente transportado para outro tempo e outro lugar.
- Então já basta. – Sarah disse, fechando os olhos. Lágrimas silenciosas corriam por seu rosto.
Tão rápido como começou, a sensação de enlevo e confiança abandonou a todos. Os quatro jovens estavam pasmos, enquanto os dois homens olhavam para Sarah num misto de admiração, respeito e curiosidade. A luz estranha que a envolvia foi se dissipando, até que ela abriu os olhos, a mesma Sarah de sempre. Mas as lágrimas ainda escorriam, quando tomou as mãos de Snape entre as suas.
- Sei que não tinha o direito de te obrigar a isso, Severo. Eu não ia suportar sofrer mais um segundo com essa dúvida que ainda permanecia, escondida aí dentro. Mesmo com tudo que nos dissemos desde que nos reconciliamos, você ainda não acreditava em mim totalmente, e bastou Sirius aparecer na sua frente, pra tudo vir à tona. Eu precisei fazer isso. Agora, vou repetir pela enésima vez.- ela respirou fundo e olhou primeiro para Sirius – Não vou me desculpar por ferir seu orgulho, porque é a única coisa a ser ferida aqui, e isso não é nada difícil de curar. Eu amo Severo, vou me casar com ele e seremos felizes. Gostaria de conservar seu carinho e amizade, mas se não for possível, sinto muito.
- Claro! – Sirius parecia mais confuso do que qualquer outra coisa.- Eu só queria saber... – e o que disse em seguida surpreendeu até mesmo a Sarah – Desde quando você tem poderes de “Legilimência Plena”? Porque, pelo que eu sei, isso só é possível em determinadas circunstâncias... – ele fitava Snape de forma entre ameaçadora e curiosa.
Sarah, por um momento, pareceu não saber o que dizer, mas se recuperou rapidamente:
Snape ia dizer alguma coisa, mas Sarah o impediu, indagando diretamente a Sirius:
- O que você sabe sobre “legilimência plena”?
Enquanto Hermione parecia enumerar mentalmente uma avalanche de perguntas, Sirius deu de ombros:
- Apenas o que seu pai me contou, quando falou de sua mãe. Que é um poder inato das bruxas ciganas, que as torna capazes não só de ver como também de fazer os outros revelarem sem esforço o que lhe vai à mente. É um poder difícil de conseguir entre nós, bruxos “comuns”. Pelo que sei, apenas Dumbledore consegue algo parecido, mas ainda muito longe... E também – ele parecia escolher as palavras –que só é possível para aquelas que já experimentaram uma comunhão... completa...
Enquanto os meninos digeriam a informação e Snape encarava Sirius pronto a lhe exigir maiores explicações, Sarah falou mais para si mesma:
- Você não deixa de ter razão, mas... – Sarah parecia estranhamente insegura – eu também não entendo... Eu não poderia mesmo! A não ser... – ela parecia estar buscando algo antigo na própria memória.
De repente, como se nem os estivesse vendo ali, Sarah se levantou e, em passos apressados, foi em direção à sua carroça, sem ouvir o chamado de Snape.
Sério, ele encarou Sirius:
- O que, exatamente, você estava sugerindo?
- Você não sabe? – Sirius riu, malicioso, mas logo se desculpou, aparentemente não querendo dar motivos ao outro de atacá-lo – Não estou acusando você de nada! O que eu disse foi só o que sei a respeito. Se com a Sarah acontece diferente do normal, ainda mais sendo só meio-cigana, simplesmente não tenho idéia do porquê.
Dando de ombros, ele se afastou. Snape fez o mesmo, indo para o outro lado. Aos quatro jovens, só restou se olharem indagadores, até Hermione perguntar:
- Será que tem alguma coisa sobre isso na biblioteca?

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