capítulo 14
O dia seguinte amanheceu ainda mais agitado, como se isso fosse possível.
Mas Snape logo descobriu o motivo: iriam para a praia, toda a família, na madrugada do dia seguinte.
Malas, utensílios, suprimentos, tudo estava sendo separado, conferido, embalado, colocado nos carros, como numa verdadeira operação de guerra. E Snape teve uma visão de como teria sido o Cel Martinho em plena atividade: dinâmico, decidido, visão abrangente. Conseguia saber até o que cada membro da família estaria esquecendo para trás. Foi ele inclusive, quem questionou Sarah, se esta providenciara “para o Professor” uma sunga ou calção, um boné, uma camisa de algodão e bermuda, proteção solar fator 30, aliás, este item para ela também, que era uma distraída quando chegava à praia.
Sarah rira, meio constrangida. À primeira vista, se esquecera sim. Martinho, ou melhor, Cel Martinho, já se preparava para ler um de seus sermões, antes de mandá-la ao centro comercial urgente, quando ela sacudiu à sua frente uma mochila. Estivera brincando com o pai, tudo já estava pronto,”sim, senhor. Positivo, senhor”.
Quando, finalmente, todos os itens checados, casa fechada, vizinha incumbida de regar as preciosas plantas de Beatriz, Snape concluiu que as semelhanças entre a família Weasley e a família Laurent certamente não incluíam viagens ou partidas de crianças para a escola.
Comentou isso com Sarah, que sorriu, meio aliviada. Ela o estava achando muito estranho, desde a noite anterior, e já pensava se ele não estaria em uma recaída de Snape, quer dizer, recuperando o famoso e até agora distante mau humor...
Como Berenice e André foram juntos no carro de Felipe, apenas Snape acompanhou Sarah em seu carro. A viagem foi tranqüila e agradável, o pequeno “comboio Laurent”, como Berenice chamara, avançando com segurança e tranqüilidade.
Como haviam partido bem cedo, escuro ainda, chegaram ainda antes do almoço ao seu destino. Ver o sol nascendo, ainda na estrada, causara uma euforia tão grande a Sarah, que Snape por um momento pensou em enfeitiçar o carro para que andasse sozinho. Ela parecia uma criança!
Enquanto marido e filhos cuidavam de descarregar as coisas e ajeitar a casa, Beatriz fora direto para a cozinha. A família toda estava com fome.
Snape ajudou sem pestanejar, apesar de a toda hora ter vontade de enfeitiçar as caixas e malas para que fossem flutuando para dentro. Precisava admitir, era hora de voltar pra casa. Estava ficando cada vez mais difícil manter a vigilância e não usar magia. Ficava impressionado em como os trouxas conseguiam tantas coisas, sem uma ajudinha mágica. Aquilo tudo seria tão mais cômodo e prático se apenas sacudisse sua varinha e...
- Psiu! Conheço esta expressão. Sossega! – Sarah o repreendera, mas sorria.
Ele sorriu em resposta, e relaxou. Seu tempo ali estava acabando, mas não poderia dizer isso a ela, não ainda. Precisava esperar um dia ou dois. Enquanto isso, que aproveitasse o sol... não teria esta chance por muito tempo... Não sabia se os responsáveis por sua “liberdade condicional” aceitariam a explicação de que uma chave de portal maluca é que o fizera sumir por 8 anos ou mais...
Assim, ele decidiu aproveitar ao máximo. E nos dias seguintes, agiu como qualquer turista encantado com as maravilhas de “um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”.
Sarah ria a valer, vendo-o tentar jogar futebol com seus irmãos e seu pai, que estava velho e pesado, mas ainda tinha agilidade de causar inveja a qualquer homem 20 anos mais jovem.
Quando um deles gracejara, dizendo que ele nem parecia ter vindo da terra que inventara o futebol,, ele quase respondera que estava mais acostumado a jogar sentado em uma vassoura. Mas se segurara a tempo, assim como tentava não se referir à única bola em jogo como “goles”.
Sarah percebia sua confusão, e se divertia vendo-o tão sem jeito.
Ou então, os dois caminhavam juntos por um longo trecho da paria que parecia interminável.
Num desses momentos, Snape aproveitara para dizer a Sarah que partiria nos próximos dias. Era preciso.
- Você... já recuperou toda a memória, pelo visto.
- Sim – ele dissera – E tenho compromissos que não podem mais ser adiados.
- Mas... você não será preso em Azkaban, será? – ela perguntara em tom aflito.
Snape se sensibilizou pela preocupação dela de que ele fosse preso, e respondeu em um tom tranqüilizador e meio brincalhão:
- Não... não... Embora tenha que achar uma desculpa convincente pra ter ficado fora por tanto tempo... mas acho que minha aparência ajudará, não?
Ela parou, virou-se para ele, e examinou-o com atenção, antes de dizer:
- Bem, eles irão concluir que ou você descobriu a verdadeira poção da juventude ou então que está falando a verdade.
- É... vai depender do meu... como vocês dizem aqui? “Agente de condicional”, é isso?
- Você assistiu a muitos filmes, meu caro...- eles riram, e ela perguntou- Já que... você tem um “guardião”, digamos assim, quem é ele?
- Não é capaz de adivinhar?
Sarah o fitou, curiosa... e pela sua expressão, deu um grito de espanto:
- Não me diga que... Harry Potter?
- Ele mesmo. E se ele realmente já se formou como auror, como imagino que tenha acontecido, deve estar incumbido de me encontrar, embora talvez... – ele pareceu se perder em alguma lembrança - Pode ser... ela também já deve estar... – então, parecendo se recuperar do devaneio, explicou com voz firme - Hoje à noite, mandarei uma mensagem pra ele. Dizendo onde estou.
- Hoje? Já? – os olhos dela se turvaram, cheios de lágrimas repentinas – Você... não pode esperar pelo menos... o Ano Novo?
Snape a fitou. Sentiu vontade de jogar às favas toda a sua reserva e contar a ela que... Não, não poderia fazer isso. Destruiria a vida dela com informações completamente desnecessárias. Ele sim, podia carregar mais aquele fardo... guardar segredos era seu forte, mas ela... tinha que ser poupada daquela loucura a qualquer custo...
Num impulso, abraçou-a com força, mantendo-a junto a si, em silêncio, por algum tempo. Quando finalmente a soltou, percebeu que o gesto a surpreendera e... constrangera.
- Me perdoe – ele pediu – Eu fui sincero, aquela noite. Se eu pudesse ter uma irmã, seria você, acredite. Mas, agora preciso voltar pro meu mundo, pro meu lugar, pra minha vida. É o que tem que ser feito. Temo que minha permanência aqui por mais tempo possa causar danos irreparáveis a este mundo, à vida de todos vocês, e não quero colocá-los em perigo. Não pessoas a quem... prezo tanto. A minha família, de verdade. A família que nunca sonhei ter. Posso me lembrar de vocês dessa forma, não?
- Claro que sim! E também lembraremos de você assim, como um membro da família, mesmo que.. nunca mais...
Sarah não conseguiu continuar. Estava realmente triste por sua partida iminente. Então, recomeçou a caminhar, agora em silêncio, pensativa, olhando para as ondas do mar que quebravam mansas na areia.
Snape a acompanhou, também em silêncio. Não diria a ela que seria obrigado a alterar as lembranças de toda a família. Isso seria facilitado por estarem todos no mesmo lugar, ao mesmo tempo. Havia planejado fazê-lo nesta noite, mas adiaria, faria a vontade de Sarah, pela última vez...
***
Últimos minutos do ano velho. O tão esperado Ano Novo se aproximava, enfim. Enquanto a família Laurent se reunia à frente da casa, para irem todos juntos à comemoração na praia, como todos da pequena cidade costeira, Snape revisou mentalmente seu plano: aproveitaria os fogos para lançar o patrono com a mensagem para Harry. Viera concentrando suas energias, para que o feitiço fosse forte o suficiente.
Em alguns minutos o grupo inteiro se dirigia a pé pela pequena rua até a praia. Lá, todos se acomodaram pela areia, como se acampassem. Cadeiras e mesas portáteis montadas, comidas e bebidas organizadas, todos alegres por estarem juntos, começando o ano, unidos, a família inteira como há muito não conseguiam fazer.
Snape aproveitou este momento para lançar-lhes o feitiço alterando suas memórias. Entretanto, ele não percebeu que Sarah não estava junto aos outros, correra até o mar, para molhar os pés.
Assim, ela escapou de seu feitiço, sem que ele percebesse o fato.
Em poucos minutos, o grupo inteiro, assim como os demais espalhados por toda a praia, fazia em voz alta a contagem regressiva.
- ...... cinco ...quatro... três... dois... um!
Uma explosão de fogos coloridos, estampidos. Enquanto todos olhavam para o céu ou se abraçavam, ou lançavam ao mar coroas de flores, Snape ergueu a varinha, lançando seu patrono em meio aos fogos, com os quais foi confundido. E então, começou a se afastar discretamente do grupo familiar que o acolhera tão generosamente, por todas aquelas semanas.
Ele já se distanciara bem do grupo ruidoso da família Laurent, comemorando o ano novo que chegava. Caminhara sempre em direção a um ponto mais deserto da praia, longe da concentração de pessoas festivas. Olhava indiferente o show pirotécnico que ainda continuava, embora menos intenso, tentado a produzir o seu particular. Já se arriscara muito, usando toda a sua energia pra projetar o patrono mais forte de toda a sua vida. Estava aliviado por Sarah não tê-lo seguido desta vez, sinal de que seu feitiço funcionara, quando um estalo o fez sacar a varinha, alerta.
Chegara a hora. Sua mensagem alcançara o destinatário.
Como supunha, era justamente aquele a quem esperava, chegando por uma chave de portal bem na sua frente: Harry Potter.
- Então, Snape? Já se cansou de ser esconder no meio dos trouxas?
- Não estou me escondendo, Potter. Apenas não sabia como voltar. Como não cheguei aqui por um processo normal, não quis me arriscar simplesmente aparatando.
- Agora, isso não é mais problema. Estou aqui, como pediu, pra te levar de volta. – Harry olhou para o grupo à distância – Não vai se despedir dos... amigos?
- Não, é melhor não. Eu já preparei tudo, antes de sair. Não notarão minha ausência, lancei um feitiço especial ao me afastar. Irão para casa, e quando acordarem, pensarão que já parti há dias...
- Tem certeza? – Potter sorria, irônico, e apontou com a cabeça pra alguém que corria em sua direção.
Enquanto Snape se virava para ver de quem ele falava, Harry empunhou a varinha mais alto, pronto para qualquer coisa.
Sarah, pois era ela quem corria, o reconheceu de longe, e interpretou a erguida da varinha como um provável ataque a Snape, no momento desprevenido por estar atento a ela, e reagiu de uma forma estranha: correu ainda mais rápido, jogando-se na frente de Snape e estendendo os braços em direção a Harry, como se tivesse intenção de jogá-lo pra longe.
Snape, então, não teve saída. Ergueu a própria varinha, atingindo-a com um feitiço de entorpecimento leve.
E Sarah desmaiou, caindo na areia entre os dois homens.
Depois de certificar-se de que os outros não haviam percebido nada, atentos aos fogos de artifício, ele se ajoelhou para ver como ela estava.
- Por que fez isso? – Harry perguntou, ajoelhando-se também.
- Foi preciso. Eu preciso lançar-lhe um obliviate um pouco mais... abrangente. Ela sabe. Sabe quem sou, o que sou, e pelo jeito, reconheceu você.
- Reconheceu?
- Sim, você não? Lembra da noite em frente ao Caldeirão Furado?
- Claro que sim. Foi quando você sumiu. Quando Lupin chegou, para nos dar apoio, você tinha sumido dentro de uma explosão estranha...
- O comensal? – Snape quis saber.
- Estuporei-o a tempo. Ou aquela... mulher trouxa! Por Merlim! – Harry afastou os cabelos do rosto de Sarah, delicadamente – Era... É ela!
- Sim.
- Então... – Harry estava atônito – Por isso... nossa!
- Se esses seus gaguejos querem dizer que alguma ligação entre nós foi feita naquele instante, sim. Mas só foi possível, porque ela, sem saber evidentemente, trazia consigo uma chave de portal. Ainda não sei o que provocou aquele seu movimento inesperado em minha defesa, mais do que na de si própria, mas foi isso o que acionou a chave... que me mandou para outro mundo... e outro tempo.
- Por isso não tivemos nenhum sinal seu por tantos anos...
- Acredito que sim.
- Mas que chave é esta? – Harry indagou, preocupado. Pensava nos riscos de uma trouxa continuar a carregar um objeto mágico de tão forte poder – E como esta chave não foi detectada pelo Ministério da Magia?
- A chave agora está comigo, não há mais perigo de ser acionada indevidamente.É uma chave especial... e aqui, os controles mágicos devem ser mais suaves, pois executei vários feitiços, e não fui nem notificado com uma coruja... embora aqui talvez eles usem araras...
O comentário divertido não passou despercebido a Harry. Apesar de ainda ter diferenças para acertar com o antigo professor, haviam trabalhado juntos no final da guerra, quando fora obrigado a aceitar o fato de que ele apenas obedecera fielmente às ordens de Dumbledore – como naquela noite estranha – mas nunca o vira fazer um comentário que não fosse mordaz ou irônico. Alguma coisa mudara...menos a aparência de Snape, que parecia não ter envelhecido nem um minuto,desde o momento em que o vira pela última vez.
Mas Snape já se concentrava, tocando a fronte da mulher com sua varinha. Vários fios prateados foram retirados, e Snape os adicionou à própria cabeça. Depois, refez a operação.
- Está feito. Aproveitei as próprias tentativas que ela fez de me identificar a princípio, quando eu ainda estava com amnésia...
- Amnésia? – Harry espantou-se.
- Sim, por isso não fiz contato antes. Ela acordará daqui a alguns minutos, irá para junto dos seus, e se lembrará de mim como o professor de química, que voltou pra Inglaterra há dois dias.
Harry olhou em volta, certificando-se de que ninguém prestava atenção, enquanto colocava no chão um velho tinteiro.
- Pronto? – Harry tocou o tinteiro com a ponta da varinha, que piscou numa luz azul – Um ... dois... TRÊS!
Os dois o tocaram ao mesmo tempo... e desapareceram.
Dali a poucos minutos, Sarah despertou. Meio tonta, estranhou o fato de estar longe de sua família, e caminhou de volta até eles. Suas pernas, porém, estavam bambas, como se ela estivesse bêbada... Chegou perto dos pais, olhou para eles, mas sua visão estava turva. E ela desmaiou.
Quando acordou, estava no Pronto Socorro, com Felipe ao seu lado, preocupado.
Mas logo estava bem, e voltaram todos para casa, aliviados.
Do tal paciente inglês do leito sete da Enfermaria E, ela se recordava apenas de que o Prof. Smith passara o Natal com eles, a convite de seu pai, antes de retornar para a Inglaterra, já que sua pesquisa junto à Universidade Federal estava concluída. E nem mesmo se lembraria de que ele se parecia com um conhecido ator inglês, que fizera papel de bruxo na série “Harry Potter”...
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