Cap 10



Capítulo 10


 


— Hermione?


Harry não conseguia mais suportar o silêncio. E ele quem implorava, de joelhos, em sua cabeça, se não em realidade.


E naquela luz fraca ele a viu sorrir dizer:


— Você pode esperar pelo café?


Hermione abriu os olhos. Ela se sentia renascida. Nova.


Pela primeira vez na vida ela não pensou em nin­guém além de em si mesma. Sua mãe, seus tutores, a companhia...


Por toda a vida ela tentara dar prazer aos outros e na noite passada ela arriscara, fora até a beira do precipício e tomara a decisão de dar prazer a si mesma apenas.


Acima dela, aquele teto preto horrível estava bloqueado pelo seu belo e sexy cavaleiro, não ape­nas o matador do dragão do parquinho como os de sua vida pessoal também. O sol baixo da manhã brilhava nos ombros nus dele e, incapaz de resistir ao desejo de tocá-lo, ela passou os dedos ao longo do contorno de sua clavícula até encontrar o inter­valo no meio do seu pescoço. E então ela mudou de direção, para baixo...


Ele pegou a mão dela antes que ela pudesse ter leito algo insensato.


— Princesa, precisamos conversar.


— É mesmo, Potter? — ela respondeu.


— Que droga, mulher, não comece com isso de novo. Eu juro para você que nunca chamei outra mulher de princesa na minha vida inteira.


O sol se escondeu por trás de uma nuvem.


Deixe passar, a consciência dela avisou. Ela era boa nisso. Nunca fez as perguntas mais importan­tes em sua vida com medo de se machucar. Na noite passada, tudo isso havia mudado.


— Nunca? — ela o desafiou.


— Nunca — ele respondeu.


Apenas alguém que soubesse que isso era uma mentira teria percebido a fração de segundo antes da resposta. Um homem decidindo se contaria a verdade ou a mentira. E decidindo-se pela última.


Por que ela ficou surpresa? Por isso tinha alguma importância? Foi apenas uma mentirinha boba. Para fazê-la se sentir especial.


— Qual o problema?


Ele era apenas mais uma coisa na lista de afaze­res e coisas afins na vida dela, afinal de contas. Uma noite perfeita nos braços de Harry Potter. Tudo bem, isso não era bem o que ela escrevera em seu caderno, mas ela estava apenas com 13 anos. Uma garotinha estúpida, romântica e magricela que não tinha muita noção das coisas.


O que ela escreveu naquele tempo, agora o mo­mento era outro. A noite passada não foi nada mais do que um pontinho em seu plano mestre, mais um tijolo em seu muro de ambições.


Então, por que o seu coração parecia se despe­daçar?


— Hermione, Hermione, Hermione... — ele repetiu o nome dela, levando a mão dela até sua boca, beijando-lhe a palma da mão, enquanto um choque de desejo in­vadia seu corpo. — Por favor...


— Sinto muito Potter — ela disse, grata pelo toque da campainha. Nada mais poderia tê-la salvo do calor do desejo que queimava nos olhos dele... isso pelo menos foi real. — Creio que seja minha mãe. — Ela puxou a mão, tentou ajeitar a cama e juntou as roupas dele. — Ela vai me ajudar na loja hoje.


Ele rolou para o lado e fitou-a. Ela de repente se sentiu nua, desprotegida...


— Eu também posso ajudar. E então poderíamos conversar.


Conversar? Oh, certamente, ela acreditava mes­mo que ele queria conversar.


Ela deixou as roupas ao lado dele na cama.


— O interrogatório vai ter que esperar, sinto muito. Você não está na minha lista de afazeres de hoje.


Ele não se mexeu, apenas assistiu enquanto ela abriu uma gaveta à procura de roupas de baixo. Ela desistiu do sutiã e vestiu uma calça jeans com uma blusa de moletom.


— Você vestiu a blusa ao contrário — ele disse, ela já estava a meio caminho de tirá-la quando percebeu que ele estava brincando.


— Oh, muito engraçado.


— Você não pode culpar um homem por querer manter você nua. Diga à sua mãe que algo mais urgente apareceu.


Ele não tinha a menor vergonha de si mesmo. Continuava deitado, com as mãos atrás da cabeça como se planejasse ficar ali deitado o dia inteiro. Parecia querer ficar ali até que ela voltasse para terminar o que haviam começado. Esse era o pro­blema da tentação. Uma vez que você se rende a ela, era muito mais difícil dizer não. Era por isso que ela precisava sair de perto. Antes que aquilo virasse um vício.


Pensei que você quisesse conversar — ela disse desviando o olhar e ao mesmo tempo procuran­do os sapatos. Qualquer coisa para despistar sua mente do que o seu corpo lhe dizia.


— Quero mesmo. Vamos brincar um pouco, con­versar um pouco, comer um pouco... temos o dia inteiro.


— Você pode até ter. Eu tenho trabalho a fazer. Use as escadas de trás quando for embora — ela disse. — Mas fique de olho na escada de Dave no lobby. Mi­nha agenda para visitas de hospitais já está cheia.


— O que sua mãe está fazendo na loja?


— Ela vai me dar uma ajuda para deixar tudo pronto para amanhã.


— Se houver algo pesado para carregar, vai pre­cisar de mim.


— Você está de terno, Potter. — Um terno mui­to caro, diga-se de passagem. Não que a assinatura do estilista tivesse sido surpresa. Ele andava numa moto Harley, dirigia um Jaguar de colecionador, e mesmo que ela nunca tivesse ido a uma festa em um castelo, sabia que isso não era nada barato. Ele pode até trabalhar por conta própria, mas não como biscateiro. Harry Potter era muito mais do que isso. Ela queria apenas que ele dissesse o que fazia para viver.


Mas ele não falou. Contou apenas a história de sua filha e pronto. Não disse nada sobre si mesmo.


Essa omissão dizia a ela tudo o que precisava saber. Não que isso fizesse alguma diferença.


— Vou em casa trocar de roupa.


— Não! — E continuou: — Você não entende. Mi­nha mãe vai dar uma olhada para você e saberá que... — ela engoliu.


— O quê? Que passamos a noite juntos? Você não é criança, Hermione.


— Não é isso. — Ele franziu a testa. — É que...


— O quê?


Por que diabos ela teria que explicar? Ele já havia conseguido tudo o que queria. Na experiência limitada e assumida dela, ficar para conversar de­pois de uma noite de sexo não fazia parte da agen­da de homem algum.


— Já fiz uma bagunça da minha vida. Foi ela quem me colocou de pé de novo. Ela dará uma só olhada em você e verá o tipo de homem de que qualquer mulher sensível passaria longe. Ela dará uma olha­da em você e chamará logo um médico para mim. Encare a realidade, Potter, você é mau. Ele fingiu parecer ofendido.


— Não, não sou. Sou bom, muito bom. Foi o que você me disse diversas vezes na noite passada. — Ele sorriu e, imitando uma voz feminina, acrescentou: — Oh, Harry. Oh, sim! Oh, você é tão boooom...


— Mentira...


— Tem certeza?


— Por favor, quer ir embora? Estou implorando, Potter. Você não resiste a isso, esqueceu?


— Dê-me um beijo e pensarei sobre isso.


— Mimiiii... — O grito insistente de sua mãe a salvou da tentação. Ela olhou pela janela e viu sua mãe perto da porta, na calçada. — Você já está acordada?


Ela se inclinou na janela e gritou:


— Espere aí, já vou descer. — Ela pegou as chaves e evitando olhar para Harry disse:


— Preciso ir.


Ele já tinha pulado da cama e bloqueado a por­ta antes que ela se desse conta.


Ele era o espertalhão, não ela, e ele queria que ela soubesse disso. Ele achava que era muito esper­to com as brincadeiras. Pensava que isso era ape­nas um doce interlúdio com alguém que, por exem­plo, não olhava para ele como uma oportunidade de jantar ou desejando um emprego. Ele podia simplesmente relaxar, aproveitar o momento. Ajudar um velho amigo e dar prazer a uma bela mulher...


Na noite passada ele se deu conta de que estava enganando a si mesmo. Da primeira vez em que a ouviu falar, do momento que ela ignorou as inves­tidas dele com o sarcasmo necessário, ele soube que aquilo não era apenas mais um flerte. Era diferente. Estar com ela, fazê-la feliz, era mais importante que qualquer outra coisa, e ele precisava dizer-lhe isso. Dizer tudo a ela.


Ele pensou que teria o dia todo para contar-lhe a verdade. Explicar tudo. Tempo entre fazer amor com ela, tomar café juntos na cama, entrar mais uma vez juntos debaixo daquele chuveiro no banheiro mi­núsculo.


— Deixe-me ir, Potter.


Agora ela o chamava dePotter de novo. O erro foi dele de chamá-la de princesa quando ela estava alerta o suficiente para notar. Ela não ligara para isso quando se encontrava perdida em desejo. Na verdade, ele tinha certeza de que ela não estava ligando para isso. Agora ela o chamava assim para distanciar-se dele. Por que ela fazia isso agora?


— Não, espere um segundo aí. Mimi? — Se ele ape­nas conseguisse fazê-la rir... — Você me dá uma bronca quando lhe chamo de princesa e você per­mite que sua mãe lhe chame de Mimi?


— Ela mereceu o direito de me chamar do que quiser. Sai da frente, Potter.


Nem um sinal de sorriso.


— É isso? — ele disse com um toque de desespero ao sentir que algo precioso lhe escorregava por entre os dedos. — Dispensado sem nem um beijo?


— Sem beijo — ela disse, olhando-o bem de frente. — Já lhe paguei um jantar. Todas as dívidas foram acertadas. Não faça barulho quando sair. Nada antes soara tão decidido. Parecia um adeus, e, então, ela já não olhava mais para ele. Ela não olhava para nada, e quando tentou agarrar a maçaneta da porta, perdeu um sapato.


Ambos pararam para apanhá-lo, mas ele foi mais rápido e ao entregar a ela olhou para ele com os olhos brilhando e disse:


— Obrigada.


Hermione desceu as escadas correndo e destrancou a porta, deixando a mãe dela entrar.


— Deus do céu, Mimi, você está horrível.


— Desculpe, dormi demais. Foi uma noite longa. Longa, linda e inevitavelmente destruidora de mulheres...


Ela se enganou pensando que apenas uma noite seria suficiente. A tentação de um dia longo e pre­guiçoso ao lado dele mostrou-lhe como ela estava errada. Seria duro demais lidar com as conseqüên­cias disso, seguir em frente. Se ela se permitisse um dia prazeroso com Harry Potter, nunca mais se recuperaria da dor de perdê-lo.


— Quer colocar a água para ferver enquanto dou comida ao Archie?


— Acalme-se, Mimi.


— Não, preciso me manter ocupada. Estava pen­sando em propor um livro de auto-ajuda para mu­lheres — ela disse, sem saber se queria enganar sua mãe ou a si mesma. — Do tipo gerenciamento de tempo para sua vida ocupada. — Ela quase não pa­rou para respirar. — E talvez pudesse escrever al­guns artigos mais simples para revistas femininas. Tenho feito algumas pesquisas... — Ela ia fazer al­gumas pesquisas... — O que você acha?


— Talvez você devesse pensar em escrever um romance policial. Um sobre uma mulher que sai li­vre depois de matar um homem mentiroso e traidor e domina o mundo. Aposto que seria um best-seller.


Duas boas idéias numa manhã. — Ela sorriu. — É melhor anotar isso na minha lista de construção de carreira antes que eu me esqueça. — Ela olhou à vol­ta, procurando seu caderno, mas, em sua ânsia por escapar tinha deixado o caderno lá em cima. — Faço isso mais tarde. Agora temos trabalho a realizar.


Ainda que não estivesse ocupada demais para ignorar a dor, pelo menos não teve tempo de mer­gulhar de cabeça nela.


Era como receber um golpe de martelo.


 


Harry não se moveu por um bom tempo. Ele sabia desde o começo que a vira antes. Havia algo em seus olhos, em sua voz, até mesmo sobre seus cabelos, que tocou em memórias muito distantes.


Mas ela era apenas uma criança magricela e de tranças. Ela era provocada por um grupo de meninas adolescentes, de maquiagem e mini-saias. Elas a provocavam pela forma como ela falava. Ao tentar escapar delas, Hermione tropeçou e caiu, espalhando todo o conteúdo de sua mochila. Ele foi ao socorro dela, pegou seu caderno antes que uma das meninas o pe­gasse. Ajudou-a a pegar o restante de suas coisas.


Seus olhos estavam repletos de lágrimas e ela sofria muito quando ele lhe entregou o caderno, Hermione olhou para ele e disse:


— Obrigada. — Com muita doçura.


E ele disse:


— De nada, princesa.


Ele não sabia o nome dela, apenas a chamou assim porque era assim que ela parecia. Depois disso ele cuidou para que ninguém a provocasse quando ele estava presente.


Meu Deus, ela deveria ter sabido quem ele era desde o princípio. Por que diabos ela não disse nada? Não, esquece isso. Que pergunta estúpida.


A resposta estava lá naquele momento quando ela abriu a porta. Ele acabara de se proclamar para ela como seu cavaleiro errante e ficou ali parado feito um idiota, feliz consigo mesmo, feliz com a vida, aguardando uma calorosa recepção em retor­no pela sua boa ação; mas o que ele conseguiu foi um longo silêncio. Ela o reconheceu no momento em que o viu. E esperou que ele a reconhecesse.


Droga, isso era absolutamente improvável, e ele diria isso a ela já. Ela estava em desvantagem, ele disse a si mesmo. Ele não mudara muito. Engordou um pouco, envelheceu um pouco, só isso. Nada drástico. Droga, ele até andava de moto. Ela o teria reconhecido em qualquer lugar. Mas Hermione...


Sua princesinha mudara demais. Era uma mu­lher. Uma mulher linda, autoconfiante e sexy. Como ele ia saber que era a mesma menina patética de antes?


Exceto pelo fato dele ter sabido. Não num nível consciente, mas bem no fundo, onde as memórias confabulam para nos enganar, tornar as coisas mais complicadas quando menos se espera. Ele sabia. E sem nem ao menos pensar, ele a chamou de princesa


Ela pensou que ele havia mentido sobre isso. Mas não mentiu. Ela era a única. Sempre seria a única Ele precisava dizer isso a ela e de alguma forma fazê-la acreditar que isso era verdade.


Para tanto, ele precisava fazê-la ouvir o que ele tinha a dizer, mas não havia um jeito certo de ganhar a atenção dela. Ele não perdeu mais tempo. Vestiu-se, pegou as chaves, carteira e bloco de notas da mesinha-de-cabeceira antes de ligar para um táxi e pedir para ser apanhado no final da rua. Ele torcia para que seu arquiteto não tivesse planos para hoje...


 


Hermione estava exausta. Ela trabalhara muito para não ter que pensar nele. Estava cansada demais para comer e a viagem até o hospital acabara com seu animo. Quando chegou ao apartamento, no andar de cima, tinha apenas energia suficiente para cair na cama. A última coisa que se lembrava ter pensado foi que os lençóis tinham o cheiro de Harry Potter. E que lavá-los seria a coisa mais difícil que teria de fazer.


— Vou continuar o trabalho no apartamento agora que acabamos aqui embaixo, srta. Granger.


Hermione estava passando por uma espécie de dile­ma Dave lhe dissera que estava desempregado quando a Duke's faliu. Disse que na sua idade seria difícil conseguir outro emprego. E o apartamento precisava ser decorado tanto quanto a loja.


Mas ela não queria acumular mais dívidas com. Potter.


Mas havia mais uma coisa que ele podia fazer para Maggie.


— Prefiro que você pinte o exterior da loja, Dave. Se não estiver abusando de sua boa vontade. — Ela o levou para fora. — Preto brilhante com letreiro dourado. Você conhece um bom gráfico? Maggie e eu decidimos renomear a loja. Vai chamar Kiss * Kill. Seria bom que estivesse pronto quando ela saísse do hospital.


— Apenas me diga o que a senhora quer e estará pronto.


Ela pensou no terno caro de Potetr e tentou não se sentir culpada ao explicar o serviço.


 


— Harry? Onde você está?


— Neil, agora não posso falar.


— Talvez não, mas precisa escutar. Marty Duke pode até ter saído do país, mas sua esposa não. Ela anda falando com a imprensa...


 


Apesar do obstáculo do lado de fora impedindo os fregueses de olhar o que havia na loja, Hermione teve muito trabalho embrulhando os livros que não venderiam mais para retornar às editoras; embrulhan­do os pedidos que haviam chegado pelo correio conversando sobre uma página da livraria na Inter­net com um amigo de Saffy.


E colocando um cartaz na vitrine convidando todos os interessados a participar de um grupo leitura de romances policiais para telefonar para a mãe.


Depois do almoço, Saffy foi até a confeitaria para pegar os bolos que Hermione havia encomendado para o grupo de leitura mensal que se reunia naquela tarde pela primeira vez com guloseimas.


— Hermione, sua mãe já morou na rua Milsom? -Saffy perguntou ao retornar.


— Sim, anos atrás.


— Antes dela ter nascido.


— Por que a pergunta?


— Alguém que olhava o cartaz lá fora me per­guntou.


Hermione se levantou e foi de encontro a um homem alto, magro, quase elegante. Ela lhe estendeu a mão.


— Olá, sou Hermione Granger. Soube que você perguntou sobre minha mãe.


Ele ficou tão pálido que ela achou que ele fosse desmaiar. Hermione o pôs sentado numa poltrona ali mesmo do lado de fora da loja.


— Saffy, traga água, por favor.


— Não, não, estou bem, de verdade, é que é um choque muito grande. Você é a cara dela. — Ele ba­lançou a cabeça. — Nunca achei que ela fosse casa­da e tivesse filhos.


— Perdão?


— Becky. Becky Granger. Ela é sua mãe? — Ele não esperou pela resposta. — Você leva essa imagem na cabeça, não leva, das coisas como eram? Para mim ela sempre foi aquela menina na plataforma do trem de calça jeans e camiseta branca ace­nando para mim na minha partida.


— Você conheceu minha mãe?


— Ambos éramos adolescentes. Eu... eu me mu­dei para longe. Escrevi com o meu endereço logo que me assentei. Ela prometeu escrever de volta...


E só então ela se deu conta de que estava olhan­do para o seu pai. Que ele não a havia abandonado, fugido. Que ele nem ao menos sabia que ela exis­tia. E que sua mãe não fora abandonada pelo seu jovem amor e também nunca chegara a contar-lhe que tinha uma filha.


— Aonde você foi?


Ela perguntou num tom mais ríspido do que pre­tendia.


— Aonde fui?


— Quando deixou Melchester.


— Oh. Bem, Cornwall. Meu pai trabalhava para um banco e foi transferido quando recebeu uma pro­moção. Eu não queria ir, mas ambos estávamos na escola ainda. Eu teria voltado, mas como ela não respondeu à minha carta, achei que tinha encontra­do alguém. Isso acontece, não é mesmo? É claro que éramos jovens demais...


— E você? Encontrou alguém?


— Ninguém que chegasse aos pés de Becky. Nin­guém com quem pensaria em me casar, viver junto...


— Saffy — ela disse. — Por favor, ligue para minha mãe. Diga a ela para parar o que estiver fazendo e vir aqui, agora. E depois faça um café. Ou talvez você prefira chá... — Ela quase não podia falar. — Sinto muito, não sei seu nome.


— Walker. James Walker. E uma xícara de chá seria maravilhoso. Obrigado.


— Mione? — Sua mãe entrou pela porta cinco minutos depois. — O que houve?


E, então, quando viu o homem se levantar lenta­mente, ela derrubou tudo o que havia em suas mãos e as levou até a boca.


— James... — Ela esticou uma das mãos e ele a pegou. Em seguida estavam nos braços um do outro.


Saffy disse:


— O que diabos está acontecendo?


— Romance, Saffy. Menino encontra menina, menino perde a menina e menino encontra a meni­na de novo. — Ela apontou para a nova seção de romances da livraria e disse: — Está nesses livros aí.


Ela parou o olhar no jornal que sua mãe havia derrubado junto com sua bolsa.


Construtor Misterioso Revelado


E abaixo da notícia estava uma fotografia de Harry Potter.


A campainha tocou e antes de se virar para olhar ela já sabia quem era.


— Hermione...


— Sr. Potter. A que devemos o prazer da visita? Você veio olhar o terreno do seu novo estacio­namento?


— Tentei chegar aqui antes que você visse isso.


— Por quê? — Ela se sentiu muito calma, talvez por que estivesse amortecida. Era muita coisa acon­tecendo ao mesmo tempo. — Que diferença teria feito se você tivesse chegado antes?


— Eu ia lhe dizer que... — Ele hesitou, olhando para a mãe dela e para James, que olhavam fixa­mente para os dois.


— Oh, por favor, não se faça de desentendido. Você ia me dizer ontem de manhã. Você pensou que se me levasse para a cama poderia fazer o que quisesse de mim? Que eu esqueceria a Prior's Lane e as pessoas que trabalham aqui? Como a sua queri­da amiga Maggie?


A loja pareceu cheia de repente, mas isso não tinha importância, quanto mais pessoas ouvissem o tipo de homem que ele era, melhor.


— Você se acha tão esperto, sr. Potter. Fingin­do não se interessar sobre o que estávamos fazen­do para salvar a Prior's Lane, mas não me impe­diu de falar, não é mesmo? Estava sempre pronto com uma pergunta, caso eu mudasse de assunto. Você até me deixou pagar pelo privilégio, seu vi­garista barato.


— Hermione, por favor, deixe-me explicar...


Ela estava consciente, de alguma forma, que es­tava se comportando de maneira muito rude. Mas ela passou a vida inteira se comportando tão bem enquanto todos à sua volta mentiam.


— O quê? Não sou mais sua princesa?


Talvez ele tenha se dado conta de que não havia mais nada que pudesse fazer ou dizer, que explica­ria o tamanho da traição, pois ele não respondeu.


— Não, claro que não. Bem, você pode achar que venceu. Que vou entrar num buraco e parar de amo­lar você, mas está errado. — Ela deu um passo na direção dele. — Já estou farta de fazer o que as pes­soas querem, farta de fugir de confrontos, farta de ouvir mentiras. Vou lutar contra você enquanto ti­ver forças. — Ela deu um soco sobre o casaco que ele usava. — Faça o que tiver de fazer. Nunca deixa­rei você destruir algo que as pessoas valorizam tanto. — Ela deu outro soco pois era bom estar lutando contra ele.


Ele segurou a mão dela antes que ela repetisse o soco pela terceira vez.


— Hermione, eu amo você.


Ela riu.


— Ah, por favor. Agora sei que está desesperado.


Quando ela se virou de costas para ele, viu que poderia ter uma dúzia de mulheres olhando para ela de queixo caído.


— Vocês são do grupo de leitura? — ela perguntou. — Sinto muito, estamos tendo um dia extraor­dinário: meu pai desaparecido há tempos surgiu do nada, bem como o homem que resolveu transfor­mar essa área num estacionamento. Só falta apare­cer o homem que destruiu minha carreira e o jogo fica completo.


—Hermione!


Dessa vez foi sua mãe quem chamou, mas ela a ignorou também.


— Vocês querem ir lá para trás, senhoritas? Ten­tamos deixar tudo o mais aconchegante possível para vocês, e se quiserem, digam a Saffy se prefe­rem chá ou café... — E como ninguém disse nada: — Se me dão licença, preciso ir a algum lugar onde possa gritar.


Não adiantava subir para o apartamento para que o seu desejo de gritar fosse satisfeito. Ela não levou muito tempo para descobrir que todas as pessoas de quem ela corria logo viriam atrás dela, e ela não estava pronta para encará-las.


Logo ela teria que se desculpar com todos pelo seu comportamento — bem, com a maioria deles —, mas não ainda. Não antes que tivesse a chance de se recompor e aceitar aquela enorme traição.


Ela pegou o casaco e desceu pelas escadas da parte de trás. Quando abriu a porta, descobriu que Harry havia antecipado a fuga dela e estava, espe­rando por ela. Sua única fuga era subir de volta as escadas.


— Precisamos conversar — ele disse.


— Não tenho nada a dizer...


— Mas eu tenho. Vamos subir ou prefere uma caminhada?


— Eu... eu...


— Então vamos caminhar — ele disse, ao pegar o casaco dela para ajudá-la a vesti-lo. — Está frio — ele disse quando ela resistiu ao convite.


Ela aceitou em silêncio antes de bater a porta e começar a caminhar pela alameda na direção do rio, deixando-o para trás. Ele foi atrás sem dizer nada, até que ela parou no parapeito da ponte para recu­perar o fôlego e segurar as lágrimas que eram nada mais do que uma reação ao vento frio.


No rio, os antigos armazéns se refletiam na água, e ela desejou ter ido em outra direção, para o lado da catedral. Algo que Potter jamais poderia possuir.


Ele a alcançou, trazendo uma xícara de chá que comprara no caminho.


— Aquele era seu pai? Na livraria?


— Parece que sim.


— Como você se sente com isso?


Ela o fitou. Ele queria mesmo falar sobre a apa­rição inesperada do pai dela?


— Como você acha que eu me sinto? Minha mãe mentiu para mim. Ela me disse... fez com que eu acreditasse que... que ele simplesmente fugira. Abandonara a ela... e a mim.


— E não foi o que aconteceu?


— Ele nem fazia idéia que eu existia. Quando ele me viu pensou que ela havia se casado com al­guém. .. pensou que eu fosse filha de outra pessoa.


Sem tentar esconder as lágrimas, ela olhou para ele:


— Por que ela fez isso?


— Você poderia perguntar isso a ela. — Ele deu de ombros. — Ou então use sua imaginação. Eles deviam ser muito jovens.


— Ainda estavam na escola. Algo que você co­nhece bem.


— Sim, bem, talvez ela quisesse que ele fosse li­vre para conquistar tudo aquilo que era capaz. Tal­vez ela o amasse tanto a esse ponto. Se ele soubesse, nada o teria mantido tão longe e por tanto tempo.


— Como você sabe disso?


— Porque, se eu não ficasse sabendo, minha fi­lha sentiria o mesmo que você.


— E você acha que Gina estava pensando no seu futuro quando tentou manter segredo sobre a gravi­dez?


— Sei que Gina só estava pensando nela, mas não estávamos apaixonados.


Ela bebeu o chá e fez uma cara feia.


— Você pôs açúcar nisso?


— Achei que você precisasse de um pouco. — E então: — Não menti para você Hermione.


— Você não me disse a verdade.


Ele olhou para o rio.


— Quando chamei você de princesa, foi puro ins­tinto.


Ela franziu a testa. Não era sobre isso que ela estava falando, e ele sabia disso...


— Não é um apelido carinhoso que uso freqüen­temente, embora não a culpe por pensar assim. A verdade é que já usei esse apelido antes. Havia uma menininha na escola com olhos cinzentos, grandes demais para seu rosto... — Ao vê-la tremer, ele tirou seu próprio cachecol e enrolou no pescoço dela. E então passou o polegar em seu rosto para limpar as lágrimas.


— Harry...


— Ela deixou a mochila cair e eu a ajudei a juntar suas coisas. — Ele tirou algo do bolso: — Esse caderno.


Hermione olhava para ele.


— Nunca soube o que havia acontecido com ele — ela disse, sem pegá-lo.


— Eu o peguei ontem, por engano — ele disse, deixando-o ao lado dela. — Tenho um muito pareci­do com ele.


— Eu sei. Você escreveu as medidas do vidro nele. Eu... eu aposto que você o leu.


— Se eu fosse um cavaleiro errante, teria resistido a tentação. Mas nunca fingi ser.


— Não mesmo.


— É um documento impressionante. Você tinha uma idéia muito clara do que queria fazer e alcan­çou praticamente tudo o que propusera.


— Sou muito disciplinada. Uma vergonha não ter conseguido a direção da empresa.


— Estou mais preocupado com o fato de a maioria das ambições não realizadas estarem no campo de diversão. Acho que deveria gastar mais tempo preenchendo as lacunas.


Pelo contrário. Ela fez um bom começo ao passar a noite com ele, mas esse não parecia um bom mo­mento para mencionar isso, então ela disse apenas:


— Será que eu deveria começar com um corte de cabelo espetado?


— O seu cabelo é lindo... Mas se é isso o que quer, por que não?


— Não, nunca quis isso. Só queria ser como todo mundo.


— Não há porque se amargurar por não ter ido à Disney ou Paris. Eu também não fui.


— Estou guardando essa para ir quando tiver qua­tro filhos para levar comigo.


— Notei os quatro filhos no seu plano mestre. Se me permite dizer, Hermione, você não está ficando mais jovem. Precisa começar a trabalhar nisso logo...


— Obrigada pela parte que me toca.


— ... e como o pai escolhido, fico feliz em coope­rar quando você quiser, embora deva insistir que você me transforme em um homem honesto e se case comigo. — Até então, ele tinha estado sério, mas, sem avisar, abriu um sorriso que podia levar qualquer mulher a cometer uma loucura. — Essa não é uma oferta que faço à toa, Hermione. Na verdade, é a primeira vez que a faço.


— Os filhos ou o casamento?


— Ambos.


Ela tentou resistir ao amolecer de seus lábios, e tentou impedir seus olhos de traírem seus sentimentos.


— Obrigada, poter, mas vai levar muito mais do que a promessa de uma viagem a Disney e quatro filhos para me fazer esquecer os seus planos para a Prior’s Lane.


— Alguém já lhe disse que você é muito exigente no que diz respeito a cavaleiros errantes, princesa?


— Você esperaria algo menos da futura mãe de seus quatro filhos, Potter?


— Nada menos — ele admitiu. — Talvez se eu lhe mostrasse o que tinha em mente para aquela parte da cidade você reconsiderasse minha oferta?


Ele não esperou pela resposta dela e enfiou a mão no casaco, retirando um longo envelope e es­palhando todo o conteúdo para que ela pudesse ver.


— Isso é apenas um desenho artístico, é claro — ele disse. — Hilliard rabiscou isso para mim ontem. Pedi que trabalhasse com você nele.


Ela olhou para o esboço da Prior's Lane exata­mente como havia imaginado, até mesmo com o telhado de ferro protegendo os fregueses dos ele­mentos.


— Não sei o que dizer, Harry.


— Sim? — ele sugeriu ao dobrar o desenho e en­tregar a ela.


— Sim?


— Bem, se você disser não, talvez construa mes­mo aquele estacionamento.


— O quê? Mas isso é chantagem.


— Você mesma disse... eu sou mau.


E, de repente, ela não pôde segurar um sorriso que despontava em seu rosto.


— Talvez eu tenha sido dura demais, embora...


— E tem mais?


— Bem, estive pensando sobre a Duke's Yard. São vários homens bons desempregados e me parece que se eles tivessem onde se organizar numa espécie de cooperativa com um gerente de escritório para organizar a papelada...


— Só se você organizar.


— Isso eu posso fazer.


— Não duvido, mas há algo que ainda precisa­mos acertar.


— Oh?


Ele pegou um recibo rasgado de cartão de crédi­to e entregou a ela.


— O que é isso?


— Só para lhe garantir que se você disser sim para tudo isso não estará se casando com um vigarista barato.


Ela olhou para o recibo em seguida para ele, e quando ele a pegou em seus braços, não houve mais necessidade de palavras. Os lábios dela diziam sim, sim, sim, e com mais eloqüência e mais calor que qualquer afirmação listada no dicionário. Razão pela qual talvez nenhum dos dois tenha ouvido o som do caderno batendo na água, quando caiu do para-peito da ponte, afundando sem deixar rastro.


 


— O que é isso? Mais cartas de fãs falando do novo livro?


Hermione olhou para o marido enquanto ele olhava para a criança deitada no berço ao lado dela, e se­gurou um sorriso ao ver tamanho poder deitado ao lado de um bebezinho tão pequeno.


— Tem um cartão de Chloe, cheio de agradeci­mentos pela irmãzinha. Ela virá no final de semana para vê-la em pessoa... — Ela entregou o cartão a ele para que pudesse ver com os próprios olhos. — Tem um cartão-postal de mamãe e de papai também, acho que mandaram logo antes de voltar correndo da lua-de-mel. Sinto-me tão culpada sobre isso.


— Não há nada que os impeça de ter outra lua-de-mel quando quiserem. Isso é um cartão de Maggie?


— Espero que ela esteja bem.


— Jimmy está cuidando bem dela.


— Hum. Acho que não é coincidência que o tra­balho perfeito apareceu para ele no projeto de re­novação da área, não é mesmo?


— É para isso que servem os amigos. O que é isso?


— Isso? — Ela segurou uma carta escrita em papel pesado cor creme. — Apenas uma carta do lorde Markham perguntando se estou pronta para me juntar à diretoria da Markhan and Ridley. Por alguma razão, os acionistas não ficaram felizes com o ne­potismo de sua última escolha.


— Apenas mais um dia no paraíso, então? Quanto estão lhe oferecendo?


— O dobro do salário que poderiam me pagar se fossem inteligentes.


— Tentada a aceitar?


— Nem de longe. — Ela deixou a carta cair no chão e pegou o bebê, colocando-a no colo de seu pai. E, então, inclinando-se para beijá-lo, ela disse:


— Tudo o que sempre quis está bem aqui.


 

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