Capítulo II
Hermione aplicava sombra nos olhos, com uma desagradável sensação de apreensão ao pensar na noite que viria. Eram convidados para uma recepção na Embaixada de um dos novos países africanos e era a primeira noite que estaria com Draco desde a sua volta, havia uma semana.
Ele se mantivera ocupado desde que chegara, trabalhando no escritório até altas horas da noite. Mesmo assim fora uma semana muito difícil.
Antes da viagem de Draco aos Estados Unidos eles costumavam conversar bastante, sempre sobre negócios, mas o relacionamento dos dois nunca fora tenso como era agora. E tudo por culpa dela. Será que era mesmo?
Pôs o pincel impacientemente em cima da penteadeira e olhou sua imagem no espelho, com cuidado. Procurou pelo rímel e começou a retocar os cílios. Pensou em seus amigos de infância que Draco queria que ela abandonasse para viver à sombra dele. Pensou em Harry Potter. Ela o conhecia havia anos, e houve um tempo em que pensava em se casar com ele. Mas agora isso pertencia ao passado. Eram somente bons amigos e era desprezível ver Draco insinuando que havia algo mais entre os dois.
Passou brilho nos lábios, enquanto um véu de preocupação cobria seus olhos. Quantas vezes no passado ela passara pela vergonha de ouvir uma pessoa “muito bem-intencionada” que Draco estava se encontrando com outra mulher? A princípio, sentia-se humilhada e diminuída; depois, teve de aceitar que não podia fazer nada. Draco era um homem muito sensual e sempre havia mulheres dispostas a satisfazer seus instintos...
Levantou-se da banqueta da penteadeira e observou o reflexo de sua figura no espelho. O negligé de renda branca revelava as curvas redondas e esguias de seu corpo, as pernas longas e perfeitas. Ela sabia, sem falsa modéstia, que era bonita; Draco tinha se casado com ela por causa disso.
Com um suspiro, foi vestir-se para a festa. Estava colocando os brincos de brilhantes quando ouviu uma batida firme na porta. Tensa, respondeu:
- Pode entrar!
A porta se abriu e, pelo espelho, Hermione viu Draco, muito atraente vestido com seu smoking.
- Você está... Bonita. – Falou, pensativo. – Mas tenho certeza de que já sabe disso...
Hermione conseguiu controlar a tensão que havia tomado conta dela.
- É sempre agradável ver nossa opinião reforçada. – Falou delicadamente.
Draco inclinou a cabeça com ironia e tirou do bolso uma caixa de veludo bege.
- Tenho um presente para você. – Falou, levantando a tampa. – Gosta?
Estendeu a mão e Hermione olhou o colar cintilante que descansava contra o forro de veludo azul-marinho. Era de platina, uma frágil corrente onde se misturavam diamantes, esmeraldas e rubis. Era tão lindo que ela ficou sem fôlego, mas seu rosto continuou impassível.
- Muito obrigada. – Disse apenas, dando um leve sorriso. – Quer colocá-lo para mim?
- É claro. – Concordou. E, igualmente controlado, colocou o colar em volta do pescoço da esposa, prendendo o fecho com dedos ágeis e leves. – Pronto! Acho que combina com seu vestido, não concorda?
- Sim. É lindo. – Falou inexpressivamente.
Draco observou-a por um longo tempo, como se tentasse adivinhar a verdadeira reação dela ao presente. Depois, encolheu os ombros.
- Comprei em Nova York. Achei que ia gostar.
- E gostei. – Hermione se inclinou para pegar a bolsa. – Está pronto?
Draco pegou uma estola de visom que estava ao pé da cama e ajudou-a a vesti-la.
- Sim, estou pronto. Latimer já está tirando o carro.
Em baixo, Latimer os esperava no hall.
---x---x---x---x---x---
Quando chegaram à Embaixada, Draco ajudou Hermione a sair do carro. Entraram em um hall de mármore onde empregados uniformizados orientavam os convidados para a chapelaria. Hermione deixou Draco por um momento para guardar a estola. Quando voltou, um homem de meia-idade com um farto bigode falava animadamente, enquanto Giles St. John e sua esposa, Jennifer, escutavam, ao lado dele. Jennifer acenou energicamente quando a viu e Hermione foi ao encontro do casal, muito animada.
- Hermione, querida! – Jennifer beijou o rosto da amiga com afeto. – Faz tempo que não vejo você! O que tem feito por aí, se escondendo?
Os olhos de Draco procuraram o rosto da esposa ligeiramente corado e Hermione sentiu intensamente aquele olhar. Sabia que Draco era perfeitamente capaz de dar a impressão de que estava totalmente atento a um assunto, quando na verdade estava pensando em algo completamente diferente. E ela percebeu o seu interesse pelo que iria responder. Portanto, sorriu de maneira contida e disse:
- Estive muito ocupada. E, depois, com a volta de Draco dos Estados Unidos... – Deixou que o resto da frase se diluísse num sorriso e num gesto impreciso.
---x---x---x---x---x---
Os salões de recepção, no topo da escadaria, estavam repletos, com todos os convidados falando, rindo e servindo-se de bebidas, enquanto um mordomo anunciava as pessoas que entravam. Um dos auxiliares do embaixador saudou-os polidamente e os apresentou a outros altos funcionários da Embaixada. Depois, mais alguém chegou e eles foram deixados à vontade.
Hermione viu que Draco olhava à sua volta com grande interesse. Conhecia aquele olhar. Era o olhar predatório do tigre quando se prepara para saltar sobre a presa, e sabia que àquela altura a mente de Draco estava ocupada somente com negócios. Confirmando isso, Draco pediu licença com o pretexto de falar com alguns políticos e sumiu no meio da multidão antes mesmo que alguém pudesse se opor. Jennifer olhou para a amiga e comentou:
- Imagino que só vamos ver seu marido daqui a uma hora ou duas.
- Acho que você tem razão. – Falou, com um meio sorriso.
---x---x---x---x---x---
Então, Giles as conduziu pelo salão, cumprimentando pessoas e conversando animadamente. Hermione estava entediada, se perguntando por que Draco a levava em festas como aquela para depois abandoná-la e ir tratar de negócios. Foi nesse momento que encontrou Harry Potter.
- Harry! – Exclamou, surpresa. – O que está fazendo aqui?
Jennifer e Giles também se voltaram. Giles conhecia Harry muito bem e ambos se cumprimentaram com naturalidade. Mas Jennifer deu a ele seu sorriso mais encantador.
- Harry, querido! Que maravilha encontrar você! Garanto que Hermione também está encantada. O marido dela a abandonou, e estamos nos sentindo meio perdidos, aqui sozinhos, não é, minha querida?
Hermione olhou fixamente para Jennifer. A última coisa que desejava era que Harry imaginasse coisas. Ela gostava dele, eram amigos, mas era só. Não gostaria que fosse mais que isso.
Agora ele sorria, os olhos fixos nela.
- Na verdade, vim apenas para ver Hermione, Jennifer. Consegui entradas para aquele concerto do Mabler que ela queria ver, e achei que podíamos combinar alguma coisa.
Hermione fez um gesto hesitante.
- Oh... Ah, me lembro. Mas receio... Não sei, Harry. Isto é, quando falamos no concerto, Draco ainda estava nos Estados Unidos. Agora... Bem... Ele voltou e talvez seja desaconselhável...
Jennifer ouviu as desculpas de Hermione com impaciência.
- Céus, Hermione, e você acha que Draco pensaria em você se quisesse ir a algum lugar? Por Deus, ele não é seu carcereiro! Tome uma decisão: torne-se independente! Tenha seus próprios amigos. Ele tem os dele.
- Eu não sei, Harry... – Começou a dizer, quando viu que ele ficou repentinamente tenso. Olhando para trás, deu com seu marido vindo até eles, com passo decidido. Tinha uma expressão endurecida no rosto.
- Bem, bem. – Falou naturalmente ao reunir-se a eles, deslizando os dedos em atitude de posse pelos braços de Hermione. – É Potter, não? O que um advogado de vida mansa como você está fazendo aqui?
A insolência era evidente no tom de sua voz, embora o que tivesse dito não fosse propriamente um insulto.
- Na verdade, Malfoy, vim até aqui para ver sua mulher. Tenho entradas para um concerto que ela deseja assistir.
- Compreendo. – Respondeu então, aceitando um cigarro que Giles oferecia. – E por que você imaginou que eu não levaria minha mulher a esse concerto, se ela realmente estivesse interessada em ir?
Harry hesitou.
- Hermione me disse que a música clássica não o emociona, Malfoy.
- Então minha mulher disse isso? – Draco inclinou a cabeça para acender o cigarro no isqueiro que Giles apressadamente lhe oferecia, e continuou: - Você precisa me contar o que mais minha esposa disse de mim, Potter. Estou muito interessado em saber a opinião dela sobre meus conhecimentos musicais...
- Draco, por favor, não faça uma cena! – Hermione falou, controlada. – Eu já... Eu já disse a Harry que não posso aceitar o convite.
- E por quê? Eu a proibi de alguma coisa?
- Não! – Hermione olhava à sua volta, desesperada. – Draco, não quero ir.
- Mas eu insisto! – Disse Draco, irredutível. – Afinal de contas, se Potter se deu ao trabalho de comprar as entradas, o mínimo que você pode fazer é aceitar. E quando é o concerto, afinal, Potter?
- Na próxima quinta-feira. Dia vinte e três. – Falou um pouco tenso.
- Dia vinte e três? – Draco franziu a testa. – Ah, agora me lembro! Vai haver uma conferência no dia vinte e quatro, em Paris, e eu provavelmente estarei fora essa noite. Tenho certeza de que Hermione apreciará sua companhia.
Hermione olhou furiosa para ele, odiando-o por dispor de sua vida com tanta negligência. Por que estava fazendo aquilo? Giles então sugeriu que todos fossem até o bufê comer alguma coisa, e Harry aproveitou a oportunidade para se desculpar e sair, combinando telefonar outro dia para Hermione.
Depois que ele saiu, um silêncio desagradável caiu sobre o grupo.
---x---x---x---x---x---
Quando chegaram em casa, Hermione foi para o living. Na penumbra, tudo ali parecia muito acolhedor. A Sra. Latimer havia deixado na mesinha ao lado do sofá alguns sanduíches e uma salada de frango, no caso de estarem com fome ao voltar.
Hermione deixou cair a estola e inclinou-se para ligar a cafeteira. Essas tarefas triviais tinham o poder de acalmá-la. Mas por que estava se sentindo tão culpada? Afinal de contas, não tinha feito nada de errado, nada de que pudesse se envergonhar.
Draco entrou passando a mão nos cabelos lisos. Tinha desabotoado o casaco do smoking e estava perturbadoramente atraente. Hermione se sentou num sofá, aparentando frieza.
- Quer um pouco de café? – Perguntou, erguendo os olhos.
Draco acenou negativamente com a cabeça, atravessou a sala até o bar e serviu-se de uma dose de uísque. Hermione olhou cuidadosamente para ele, mas Draco estava de costas. Resignadamente, despejou o café em sua xícara. Draco, afastando-se do bar, parou diante da lareira. Hermione evitava olhar para ele. Tinha receio daqueles olhos penetrantes e não queria que Draco percebesse quanto a perturbava naquele momento. Até então Hermione tinha enfrentado muito satisfatoriamente toda a situação. Mas também, reconheceu desalentada, até agora tinha concordado com tudo que ele dissera ou pedira, e nunca havia dado nenhum motivo para que o marido a considerasse mais do que aquilo: a mulher que ele mantinha em sua casa de Londres e que recebia seus convidados. O fato de ela usar sua aliança não era nada mais do que uma conveniência, em respeito às leis sociais do país.
Hermione segurou a frágil xícara de porcelana nas mãos, sentindo o forte aroma do café moído recentemente. Ao cobrar seu direito de fazer amizade com um homem, havia, inadvertidamente, rompido as barreiras que ela mesma erguera como parte da estrutura de seu casamento.
Draco terminou seu uísque e Hermione podia sentir o olhar acusador dele sobre ela.
Com uma calma admirável, pousou a xícara na mesa e levantou-se, esperando que o silêncio fosse o único sinal externo de sua ira. Mas, quando virou-se, Draco falou com voz áspera:
- Aonde pensa que está indo?
- Estou cansada, Draco. – Respondeu, passando a mão na testa. – Vou dormir.
- Você está sempre cansada. – Reclamou, sombrio. – Principalmente quando tem de enfrentar algo desagradável.
Hermione tomou fôlego.
- Não vejo por que seja necessário dizer algo desagradável aqui. – Ela retrucou cuidadosamente. – Não fiz nada de que pudesse me envergonhar. Não sou criança, Draco, para ser repreendida pelos meus maus modos quando chego em casa. E se está aborrecido com a história de Harry, devia ficar zangado com você mesmo, que foi o único culpado.
- Eu, o culpado? Meu Deus, Hermione, você é uma pedra de gelo! Por que pensa que vou aturar isso?
Hermione suspirou.
- Draco, não acha que já me humilhou bastante por hoje? Nem sei o que Giles e Jennifer devem estar pensando.
- Não sabe? – Draco olhou para ela muito sério. – Mas então não conhece seus amigos muito bem, não é? Bastaria eu estalar os dedos para ter Jennifer em meus braços!
- Você é... Você é desprezível! – Hermione falou com ódio. – E não acredito no que diz. Jennifer não é assim.
- Quer que eu prove? – Perguntou com frieza.
Hermione levantou os olhos para ele, encarando-o por um longo minuto. Depois baixou o olhar diante da raiva que viu nos olhos de Draco.
- Oh, não! É lógico que não!
- Por quê? Tem medo de que eu prove que tinha razão?
Hermione se virou, pegando a bolsinha que estava no sofá.
- Vou para a cama! Não quero mais falar sobre isso.
- E, naturalmente, isso encerra a discussão. – Observou, zombeteiro.
Hermione encaminhou-se para a porta.
- E o que temos mais a dizer? Eu simplesmente não consigo entender você. Queixou-se quando saí uma noite com Potter, e agora praticamente me força a ir a esse concerto com ele...
- Enquanto eu estava nos Estados Unidos você costumava sair com Potter, não é? – Draco indagou, com voz mansa. – Não se importou nem um pouco com o que os outros poderiam pensar, não é mesmo? Bem, quando ficarem sabendo que eu mesmo arrumei este encontro com Potter, a especulação sobre seu relacionamento com ele vai acabar. Ninguém faz Draco Malfoy de bobo, não se esqueça!
- O que está dizendo agora? – Perguntou Hermione, parando de repente.
- Você está cansada. Não vou perturbá-la com detalhes.
- Oh, Draco! – Hermione olhou para ele trêmula, odiando seu ar de superioridade e de zombaria.
- Vá para a cama, Hermione. Como disse, você não me entende. Mas entenderá, acredite em mim, entenderá!
Hermione deu-lhe as costas abruptamente e saiu. Teve vontade de falar a Draco do que ouvira sobre o comportamento dele com outras mulheres, mas não teve coragem. Pareceria ciúme e, até então, esse tipo de emoção não a tinha perturbado. Quer dizer... Até aquela noite!
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!