A amizade de Rony (Continuação

A amizade de Rony (Continuação



continuando...

- Porque eu precisava desabafar com alguém. Porque eu não suportava mais guardar tudo sozinho. Porque tudo estava excessivo, tudo estava me sufocando, e eu precisava dividir isso com alguém. – Harry disse, fitando novamente o beija-flor, sem enxergá-lo. – Eu precisava que alguém dissesse que me perdoava, mesmo depois de tantas mentiras. E Hagrid me compreendeu.
- Você contou para Hagrid e não contou pra nós...
- O que vocês iriam fazer se soubessem, Rony? – Harry sussurrou com tristeza. – Exigiriam entrar na Ordem também, vocês são tão maiores de idade quanto eu... ou iriam tentar fazer algo para ajudar... iriam se arriscar, de alguma maneira. E aí eu estaria espalhando essa minha maldita maldição em vocês novamente... – ele se virou para fitar Rony nos olhos. – Mas não adiantou bosta nenhuma, não é? – ele gritou com revolta. – Porque vocês estão aqui, agora, correndo perigo enquanto conversamos... Tem comensais à nossa volta, esperando o momento certo para nos atacar! Voldemort está aqui, e é óbvio que depois de tudo isso ele já percebeu que eu estava fingindo e vai querer se vingar! E todos vocês podem morrer. Por minha culpa.
- Nós sabemos nos cuidar, Harry! – Rony gritou histérico. – Você acha o quê, que só você sabe se defender?! Nós não somos idiotas, sabia? Como acha que sobrevivemos até aqui?
- Cedrico não era nenhum idiota e morreu. Sirius sabia se defender muito bem e morreu. Meus pais sabiam se cuidar e morreram. – Harry enumerou com amargura. – Cedrico estava comigo no cemitério. Sirius veio para cá por minha causa. Meus pais morreram me defendendo. Eu não quero que nada disso aconteça novamente. Eu não vou suportar passar por isso tudo mais uma vez.
O silêncio caiu novamente sobre eles após as palavras de Harry. Rony não conseguiu mais argumentar. Hermione sentiu um nó na garganta que ela não queria sentir. Gina mordeu os lábios, tentando se manter firme.
- Alguém mais sabia além de todas essas pessoas?
Harry fitou Gina profundamente.
- Dumbledore, mais tarde, acabou contando à McGonagall, depois que Snape e Lupin descobriram sozinhos.
Hermione se lembrou de um dia, no qual estava na sala da Profª. Minerva, conversando com ela sobre o baile que haveria na escola, e Dumbledore apareceu na lareira, chamando-a para uma reunião urgente, junto com Snape, Lupin e Hagrid...
“Sinto muito atrapalhá-la, Minerva, mas eu vou ter que pedir para que venha até minha sala imediatamente. Severo e Remo estão aqui, eles vieram conversar comigo, e agora eu preciso que você também esteja presente.”
- Eles...?
- Eles desconfiaram, é claro. – Harry se virou para Hermione. – Juntaram as pistas e montaram o quebra-cabeça. Os dois me encostaram na parede àquela noite, quando Snape me colocou em detenção porque eu azarei Malfoy antes da aula de Poções. Eles até faltaram numa reunião da Ordem da Fênix para me... “interrogar”. Depois, é claro, foram falar com Dumbledore, que confirmou minha história, e eles acabaram descobrindo tudo...
Veio à mente de Gina uma conversa que ouvira sem querer entre Snape e Lupin...
“Mas a reunião, Severo...”, Lupin tinha dito. “Não podemos deixar de ir...”
“Mas isso é mais importante!”, Snape retrucara. “Lupin, é o que estávamos esperando há tanto tempo!”
- Então é por isso... – Hermione deduziu. – ...que todas as vezes que nós tentávamos contar a qualquer um deles o que estava acontecendo com você...
- Eles arrumavam um jeito de escapar, sim. – Harry completou. – Se vocês contassem isso a eles, as coisas se complicariam, portanto eles sempre davam um jeito de não ouvir.
- E os outros membros da Ordem...?
- Provavelmente só estão descobrindo isso hoje. – Harry disse com calma, virando-se para Rony. – A idéia no começo era que ninguém soubesse, mas parece que eu não fui um ator assim tão bom...
Gina sentiu uma onda de raiva e indignação percorrer suas veias e já estava pronta para rebater o que Harry tinha dito, quando um barulhinho longo e fino, que se assemelhava a um zumbido, preencheu o silêncio da sala.
- De onde vem esse barulho? – Rony perguntou.
- Vem de você, Harry... – Neville murmurou devagar, fitando-o com cautela.
Harry ficou paralisado, sério, com uma expressão hesitante e ansiosa no rosto. O barulhinho não parou. Ele enfiou a mão entre as vestes e tirou de lá um pequeno espelho quadrado, de aspecto antigo. Fora do bolso de Harry, foi possível ouvir mais claramente o que era o tal zumbido; era uma voz conhecida, que repetia “Harry... Harry... Harry Potter”. Ele segurou o espelho na altura dos olhos, e suspirou com desânimo. Todos os outros o observaram intrigados e atentos.
- Eu estou aqui, Professor Dumbledore. – Harry disse ainda naquele tom de desalento. – Pode falar.
Ninguém entendeu absolutamente nada. Rony teve vontade perguntar o que aquilo significava, mas Hermione o segurou pelo braço, impedindo-o de falar e sussurrando:
- É um Espelho de Dois Lados...
“Onde você está, Harry?”, eles ouviram claramente a voz de Dumbledore.
- No Departamento de Mistérios, professor. – Harry disse, os cantos dos seus lábios tremendo num sorriso irônico. – Onde mais o senhor acha que eu poderia estar?
Dumbledore pareceu não se importar com a grosseria.
“Tem mais alguém aí com você?”
Harry fitou os cinco colegas por cima das lentes dos óculos por um segundo, então voltou a encarar o diretor no espelho.
- Rony, Hermione, Gina, Luna e... Neville. – ele disse, dando uma ênfase especial ao nome de Neville que ninguém, principalmente o próprio garoto, compreendeu. – Eles foram trazidos até aqui pelos comensais. Mas eu sei que há outros alunos de Hogwarts por aqui, Voldemort quis mais reféns.
“Existem mortos?”
Houve uma pausa.
- Sim.
Um suspiro de pesar do diretor foi ouvido.
“Eles já sabem sobre você?”
- Já. – Harry disse cansado e, pela frase seguinte, Gina concluiu que Harry se referia a eles. – Eu acabei de contar a todos eles.
“E Voldemort? Também já sabe?”
- Ele acabou descobrindo. Ficou furioso. Pude sentir, foi muito forte.
Novo suspiro de pesar.
“Era previsível, nós conseguimos enganá-lo por muito tempo. Você ainda não o encontrou, não?”
Havia urgência e temor na voz de Dumbledore, o que era bastante incomum.
- Não, professor. – e Harry completou com em tom selvagem, obstinado, estreitando os olhos: – Mas logo encontrarei.
“NÃO! Não, Harry! Eu o proíbo!”
Harry soltou uma risadinha confusa.
- Professor, o senhor sabe...
“Não, Harry!”, Dumbledore repetiu enérgico. Harry enrugou as sobrancelhas, intrigado. “Provavelmente, já há vários membros da Ordem aí no Ministério. Não faça nenhuma besteira, Harry! Espere até eu chegar para fazer alguma coisa!”
Houve uma pausa, na qual um súbito clarão de entendimento passou pelo rosto de Harry.
- Professor, o senhor não está... – então ele arregalou os olhos, e havia desespero em sua voz. – Não, professor! Nem pense nisso!
“Não vá atrás de Voldemort ainda, Harry! Eu estou aparatando para aí agora mesmo.”
Escutou-se o que parecia um craque, e a voz silenciou. Harry ficou fitando o espelho em sua mão ligeiramente trêmula, em choque, seus olhos arregalados. Então aproximou mais o rosto do espelho e gritou:
- PROFESSOR! PROFESSOR DUMBLEDORE! ALVO DUMBLEDORE!
Mas ninguém respondeu.
Harry fechou os olhos, mordendo os lábios que tremiam. Sua mão estava fechada, apertando o espelho, os nós de seus dedos brancos.
- Harry, o quê...
Mas Hermione não conseguiu perguntar o que estava acontecendo.
- Ele não pode fazer isso! NÃO PODE! – Harry gritou descontrolado. – Ele está se matando!
- Como? – Luna perguntou confusa.
- Dumbledore?! – Rony exclamou sem acreditar.
- Harry, o que está acontecen...?
No entanto, Harry, completamente fora de si, atirou o pequeno espelho para longe, e ele se espatifou na parede, transformando-se em mil caquinhos de vidro. Hermione já tinha visto Harry nervoso várias vezes, mas nunca daquele jeito. Ele parecia perdido, desesperado, como se tivesse alcançado o fim da linha. Ele deu um murro cego na parede, urrando de frustração, gritando em seguida:
- ELE ESTÁ SE MATANDO E SABE DISSO!
Ninguém entendeu nada. Todos se entreolharam, com expressões idênticas de confusão nos rostos, e foi Hermione quem perguntou o que todos queriam saber:
- Harry, o que houve? Como assim Dumbledore está se matando?
Harry se virou, encostando-se à parede, com uma expressão impotente e desolada no rosto.
- Ele sabe que vai morrer se enfrentá-lo... Sabe que não pode vencê-lo... Não pode...
Harry parecia falar mais para si mesmo do que para os outros. Gina fitou-o por alguns instantes, então depois observou os cacos do espelho que jaziam no chão.
- Que espelho era esse? – ela perguntou perdida. – O que isso tudo significa?
Antes de responder, Harry massageou a cicatriz, que estava muito vermelha e, por alguns minutos, seus olhos pareceram desfocados e vazios. Hermione se lembrou de como ele ficava no quinto ano quando treinava Oclumência. Estaria Voldemort tentando penetrar em sua mente naquele exato momento? Ou o nervosismo dele teria despertado Voldemort em sua cabeça? Harry passou alguns minutos quieto, em silêncio, até que respondeu à pergunta de Gina, parecendo um pouco mais controlado:
- É um Espelho de Dois Lados. – ele disse, confirmando as suspeitas de Hermione. – O mesmo que Sirius me deu de presente um dia. – ele fitou Luna de esguelha, mas depois seus olhos voltaram a ficar desfocados. – Dumbledore tem o par. Eu o encontrei há muito tempo no Largo Grimmauld, no quarto que Sirius ocupava. Eu e Dumbledore começamos a utilizá-los para nos comunicar de uma maneira mais segura. Eu costumava escondê-lo num fundo falso do meu livro de quadribol para ter uma desculpa para usá-lo quando Dumbledore queria me mostrar reuniões da Ordem, por exemplo. Era muito mais seguro do que se comunicar por Dobby, em Hogwarts, ou pelo quadro de Fineus Nigellus, no Largo Grimmauld...
O queixo de Hermione caiu. Ela, então, lembrou-se vagamente de um dia no Largo Grimmauld, no qual ela, Rony, Gina e Harry tinham sido expulsos da sala por causa de uma reunião da Ordem, e a Sra. Weasley os havia trancado no quarto dos garotos. Harry tinha sido o mais conformado de todos, estranhamente; ele se sentara em sua cama, apanhando um livro vermelho de quadribol, e começado a lê-lo. Porém, seus olhos não se moviam enquanto lia, nem Harry virava páginas...
- O que você quis dizer quando falou que Dumbledore está se matando? – Neville perguntou timidamente, com uma expressão de confusão. Harry o fitou profundamente, como se vários pensamentos passassem por sua cabeça naquele momento.
- Ele está vindo para cá... Está disposto a enfrentar Voldemort...
- Mas isso não é bom? – Rony questionou. – Dumbledore é o bruxo mais poderoso que existe e é o único que Você-Sabe-Quem teme na vida!
Harry fitou o amigo com os olhos vazios.
- Dumbledore não pode vencer Voldemort...
- Como, Harry, se...
Mas ele não deixou Hermione terminar novamente. Abaixou os olhos, pesaroso.
- A profecia... – sussurrou. – A profecia diz que não...
- Mas que profecia, afinal?! – Gina perguntou histérica, lembrando-se mais uma vez da profecia que Harry recolhera há pouco. – De qual profecia você está falando?
- Aquela que nós viemos buscar aqui... no quinto ano...
- Mas aquela profecia se perdeu! – Neville exclamou. – Eu a quebrei, Harry! Eu a quebrei e nós não conseguimos ouvi-la...
Harry se virou para Neville com um brilho estranho no olhar.
- Ou... ou não...? – ele emendou a frase, já não tão convicto ao receber o olhar de Harry.
- Você... – Hermione sussurrou, sem acreditar, quando um estalo se fez em sua mente. Ela, então, se lembrou de como Harry ficara diferente depois de todos os acontecimentos do final do quinto ano; Hermione, no entanto, sempre pensara que fosse apenas por causa de Sirius... Então, realmente, havia mais alguma coisa. – Harry, você... você sabe o conteúdo dessa profecia?
Ele assentiu devagar, dolorosamente.
- Como?! – Rony balbuciou incrédulo. – Não é... o quê...
- Foi o que eu disse antes. – Harry explicou com a voz vazia. – Sibila Trelawney fez três profecias verdadeiras. A última delas foi há pouco tempo, e sei que ela está se cumprindo... – ele disse sombriamente; Gina teve o ímpeto de perguntar se era realmente aquela sobre Harry, Voldemort e Neville, e o que ela dizia, mas acabou se calando quando Harry continuou a falar. – A segunda delas, eu ouvi. Foi no meu terceiro ano, no mesmo dia que descobrimos a verdade sobre Sirius. – Harry fitou Rony e Hermione, que pareceram compreender. – Eu acabei não contando isso para vocês, mas Trelawney, no meu exame de Adivinhação, ficou estranha e disse para mim que o servo de Voldemort – que mais tarde, no mesmo dia, descobri ser Rabicho, e não Sirius – voltaria, e então ele ressurgiria maior e mais terrível que nunca.
“Bem, essas profecias foram o motivo para Dumbledore manter uma professora tão incompetente no cargo de Adivinhação. Ele já sabia que ela tinha feito, há muitos anos, uma profecia verdadeira, e desconfiou que ela pudesse fazer mais. Ele estava certo, ela fez mais duas, essas duas.”
“E, por último, a primeira profecia. Aquela que Voldemort me induziu a apanhar no quinto ano. Ela se partiu, Neville, mas eu a ouvi. Sibila Trelawney disse essa profecia para Dumbledore, há dezessete anos. Quando voltei do Departamento de Mistérios, depois que... que Sirius morreu, Dumbledore conversou comigo em sua sala e me contou... Ele me mostrou, em sua Penseira, o dia em que ouviu a profecia dita por Trelawney...”
Harry parou de falar, engasgado. Ele respirou muito fundo, agitado.
- O que dizia... – Gina começou temerosa. – O que dizia essa profecia?
Harry fechou os olhos por um segundo, então se virou surpreendentemente para Neville, encarando-o todo o tempo enquanto falava:
- Dizia que aquele com o poder de vencer o Lorde das Trevas se aproximava... nascido no final do sétimo mês, filho dos que o desafiaram três vezes... – a respiração de Harry era longa e barulhenta. – E um dos dois morrerá nas mãos do outro... pois um não poderá viver enquanto o outro sobreviver...
Um silêncio carregado de significação tomou conta do lugar. Todos encaravam Harry, pasmos. Ele, no entanto, ainda não desviara os olhos de Neville, que parecia confuso e incrédulo.
- E esse... – Hermione começou devagar, hesitante, com medo do que iria ouvir. – Esse menino, Harry... esse menino é... você?
Houve uma pausa. Harry e Neville continuaram se encarando, Harry com um olhar significativo, e Neville, cada vez mais pálido e chocado.
- Acontece... – Harry disse lentamente. – ...que eu não sou o único que se encaixa na descrição...
Neville parecia engasgado e olhava para Harry, cada vez mais assustado. Ele recuou, girando a cabeça de um lado para outro, os olhos arregalados.
- Não, Harry... Não, você... você está enganado... Tem que estar...
- Você está percebendo, não está, Neville? – Harry sussurrou lentamente. – Está percebendo... as semelhanças... entre nós dois...
O cérebro de Rony entrou em pane. Semelhanças?! Entre Harry e Neville?!
- Mas, Harry... – Neville balbuciava, recuando, quase em pânico, como se estivesse com medo de Harry. – Não, não... não pode ser...
- Quando é que você faz aniversário mesmo, Neville?
Harry tinha perguntado aquilo de propósito, Rony tinha certeza, pois os dois sabiam muito bem qual era a data exata do aniversário de Neville...
Neville continuou recuando, tremendo. Não poderia ser verdade. Harry continuava fitando-o atentamente, mostrando-lhe todas as evidências, mas Neville não podia acreditar. Simplesmente não podia.
- Trin... trinta... – Neville disse baixinho, gaguejando. – Trinta de... julho...
- Exatamente um dia antes do meu...
Luna também estava pasma, era impossível de acreditar. O final do sétimo mês...
- E os seus pais, Neville... – Harry continuou a falar. – Os seus pais também desafiaram Voldemort três vezes... assim como os meus...
Hermione estava paralisada pelo choque. No entanto, o que Harry dizia fazia sentido... Neville também se encaixava... Mas, no entanto, Voldemort perseguia Harry, e não Neville...
- Mas não pode ser, Harry! – Neville gritou assustado, utilizando o mesmo argumento de Hermione. – Você-sa... Vol... Você-Sabe-Quem tentou matar você quando era menino, e não eu!
Harry suspirou, abaixando os olhos.
- Bem, Neville, é aí que está o porém. – ele disse devagar. – Voldemort me escolheu, e não você. Ele sabia da existência de nós dois, mas me escolheu...
- E por que ele escolheu você, Harry? – Rony perguntou lentamente. – Como ele sabia que era você mesmo?
Aquilo despertou algo na mente de Neville, e ele sentiu seu coração acelerar de pavor. Não, não podia ser...
- Harry, você não está querendo dizer... – ele quase implorou. Harry o fitou com os olhos melancólicos. – Que... que ele escolheu... escolheu... a pessoa errada...?
As palavras de Neville pairaram no ar sinistramente, como um agouro. No entanto, quando Harry quebrou o silêncio, ele parecia mais acabado do que nunca. Sua voz era um mero sussurro.
- Não... Voldemort escolheu a pessoa certa... – houve uma pausa longa e significativa. – Voldemort não escolheu você, Neville, porque você é puro-sangue... Ele escolheu o mestiço, que sou eu... Um mestiço assim como ele também é...
Neville sentiu um imenso alívio, misturado a uma sensação confusa que ele não sabia definir muito bem. Ele, Neville, era aquele de quem todos riam e ninguém achava que pudesse ser alguma coisa na vida. Harry, por outro lado, sempre fora “o menino que sobreviveu”, cheio de atenções... No entanto, os dois estavam numa profecia, os dois um dia tiveram a mesma chance de serem a pessoa que iria destruir o maior bruxo das trevas que o mundo mágico conheceu...
Neville, porém, acabou virando o garoto sem atrativos, atrapalhado, que ninguém nunca levara fé.
Harry, por sua vez, foi o escolhido. Escolhido para ter uma cicatriz, para perder os pais, para ser perseguido por Voldemort, para passar por todas aquelas coisas... escolhido para... dar um fim ao Lorde das Trevas, ou... morrer nas mãos dele.
- Por que você não contou isso pra gente, Harry? – Hermione perguntou com um fiozinho da voz trêmula. – Por que você não... dividiu isso com a gente?
Harry demorou algum tempo para responder e, quando o fez, preferiu fitar o chão, com os olhos distantes, a encará-los.
- Porque eu... não tive coragem. – ele disse num sussurro. – Porque... não tive coragem de dizer a vocês que, no final, eu seria a vítima ou... o assassino.
Aquela palavra despertou algo na cabeça de Neville. Ele ergueu os olhos para Harry, que pareceu sentir que estava sendo observado e fitou Neville de volta.
- Mas o nosso destino, Neville... – ele murmurou para o garoto. – Continua tendo semelhanças... nós teremos que fazer... coisas parecidas, no final...
Um estalo se fez na mente de Neville, e ele sentiu como se uma mão forte esmagasse seu coração. Ele se lembrou de Bellatrix Lestrange, e se virou, confuso, para Luna, que continuava com aqueles olhos protuberantes postados em Harry. Mas ela tinha dito... seria possível...?
Os pensamentos de Neville, no entanto, foram bruscamente interrompidos por uma distração em forma de uma porta se abrindo com estrondo, e cinco pessoas, com capuzes e capas negras, entrando abruptamente na sala, de varinhas apontadas. Não houve tempo para reagir. Eles só escutaram Harry gritar “ABAIXEM-SE!”, antes de cinco raios de cores diferentes dispararem para todos os lados, arrebentando vidros, derrubando armários, virando cadeiras...
Gina se jogou debaixo de uma escrivaninha velha de madeira, a varinha bem segura numa das mãos, tapando os ouvidos quando o barulho ensurdecedor de destruição invadiu o local. Ela ouviu o barulho de vidro se espatifando e, em seguida, os gritos dos comensais que tinham entrado:
- VOCÊ FOI MUITO BURRO SE ACHOU QUE IRIA NOS IMPEDIR DE ENTRAR APENAS TRANCANDO AS PORTAS, POTTER!
- NÓS TEMOS TRUQUES MUITO MELHORES QUE OS SEUS, GAROTO!
- Uediuósi! – ouviu-se a voz de Harry, e então o som abafado de algo sendo arremessado, e Luna conseguiu enxergar vários Vira-Tempos, de todos os tamanhos, disparando dos armários e atingindo em cheio a cabeça de um dos comensais, que gritou e tombou ao chão.
- SEU FILHO DA -
Mas, antes que o comensal que tinha gritado pudesse terminar de xingar Harry, Rony, ainda debaixo da escrivaninha que tinha usado para se esconder, exclamou a Azaração do Tropeço, fazendo o comensal ser apanhado pelo feitiço nos tornozelos, caindo como um saco de batatas no chão, deslizando até parar.
- MATEM OS QUE ESTÃO DEBAIXO DAS MESAS! – o comensal que estava caído no chão gritou.
Gina saiu debaixo da escrivaninha com a varinha em punho, apontando a varinha para o primeiro comensal que viu à sua frente, gritando:
- Riddikulus!
Ele gritou de dor, levando as mãos ao rosto, onde – ela sabia – estavam surgindo pústulas e grandes feridas esvoaçantes.
Hermione se arrastou pelo chão e deu de cara com o comensal que Rony tinha derrubado; a máscara dele tinha caído, e ela se viu cara-a-cara mais uma vez com o pequeno e franzino Teodoro Nott. Uma expressão de puro ódio se formou em seu rosto assim que ele reconheceu Hermione. Cego de fúria, ele gritou um xingamento grosseiro para a garota – Rony gritou de algum lado –, mas Hermione foi mais rápida e, aproveitando que Nott ainda estava enrolado com a Azaração do Tropeço, ela apontou a varinha para ele e gritou:
- Estupefaça!
Nott, porém, foi rápido o suficiente para conjurar uma barreira mágica ao seu redor, que o impediu de desmaiar com o feitiço. O garoto foi lançado a uns dois metros, deslizando no chão. Hermione viu Rony surgir do nada à sua frente, apontando a varinha para um Nott ainda perturbado, exclamando:
- Incarcerous!
Fortes cordas foram conjuradas, envolvendo Nott ao redor dos braços, das pernas e do pescoço. Enquanto isso, Gina observou o comensal que tinha atingido gritar e correr a esmo, tropeçando numa escrivaninha e caindo por sobre ela. Do outro lado da sala, ela viu Harry duelando com um outro comensal; eles disparavam feitiços numa velocidade incrível.
- HARRY! – ela gritou desesperada quando o viu ser atingido em cheio por um feitiço. Ele voou vários metros e bateu com as costas na parede, caindo por trás de uma mesa. Gina correu até lá quando o comensal pulava cadeiras viradas para chegar até Harry, e então exclamou, com a varinha apontada: - Expelliarmus!
O feitiço fez a varinha do comensal voar de suas mãos distraídas; ele se virou, por um momento, para Gina, mas antes que a garota pudesse finalizá-lo, alguém gritou “Hey!”, ele se virou mais uma vez, e foi atingido por um novo feitiço, que o fez tombar, derrotado. Gina enxergou Harry, apoiando-se no tampo de uma mesa para se levantar, sangue escorrendo por baixo de seus cabelos, mas ele sorria para ela. Gina sorriu de volta, sem pensar.
- Impedimenta! – Neville gritou quando um comensal avançava para ele, gritando feitiços dos quais ele se esquivava com dificuldade.
- Protego! -– o comensal exclamou, protegendo-se do Azaração de Impedimento, conjurando uma barreira ao seu redor. – Expelliarmus! – ele gritou, fazendo a varinha de Neville fugir de suas mãos sem que o permitisse, mas, antes que o comensal disparasse o feitiço mortal contra ele, foi atingido pelas costas por outro feitiço e caiu de borco no chão.
Neville enxergou Luna com a varinha apontada e um sorriso largo no rosto.
- Isso não foi muito justo, sabia? – ele disse, referindo-se ao fato de que ela atingira o bruxo pelas costas.
- E eu lá estou me importando com isso agora? – ela retrucou sem o mínimo pudor.
Hermione se levantou, porém, assim que o fez, sentiu algo extremamente gélido apertando seu pescoço. Quando Rony terminou de atar Nott com as cordas e se virou, ele sentiu seus membros congelarem de pavor; seus olhos se arregalaram, em pânico.
- Hermione... – ele sussurrou sufocado.
Gina também se virou, e seus olhos se arregalaram em choque. Luna e Neville se viraram ao mesmo tempo, enquanto Harry dava um passo à frente, seus olhos faiscando de fúria quando ele urrou, entredentes:
- Rabicho...
Rony estava paralisado, assistindo, impotente, Rabicho puxar Hermione, cujo rosto exibia uma expressão de terror. A mão direita dele, prateada como uma luva luminosa, estava posicionada ao redor do pescoço de Hermione, ameaçando apertá-lo. Rabicho tinha uma expressão sádica e maníaca no rosto, mesmo que tremesse loucamente e suasse muito, agitado:
- Você sabe o que eu posso fazer com isso, não, Potter? – ele perguntou com a voz tremendo de nervosismo, fitando Harry, mais além, com um sorriso insano no rosto repleto de feridas esvoaçantes. Ele agitava a mão prateada, fingindo que estava prestes a apertar o pescoço de Hermione. – Você já sabe o que vai acontecer com a sua amiga, não é?
Gina não imaginava o que aquela mão sinistra dele poderia fazer, mas tinha certeza de que deveria ser algo horrível pela expressão de Harry. Ela viu Rony, desesperado, tentar dar um passo à frente, com um tom de súplica na voz:
- Não, Perebas... por favor, não...
Rabicho riu histericamente, puxando Hermione consigo enquanto se afastava em direção à porta. A garota parecia fazer o possível para se manter calma nas mãos dele, e seus olhos não se desviavam da mão de prata muito próxima do seu pescoço.
- Perebas?! – ele repetiu em tom de deboche, gotas de saliva voando na direção de Rony enquanto falava. – Você não me defendeu quando eu precisei de você, Rony! Você esqueceu que bom bichinho eu fui quando eu mais precisei da sua ajuda!
Rony pareceu que ia avançar e gritar com Rabicho, porém, Harry, que tinha caminhado até ficar ao lado do amigo, colocou o braço na frente dele, impedindo-o. Ele tinha uma expressão tensa e calculista no rosto quando, apenas com um olhar de esguelha, pediu a Rony que deixasse aquilo nas mãos dele.
- Rabicho, pense bem no que está fazendo... – Harry disse, parecendo fazer muita força para fingir que estava controlado, pois seus olhos ainda brilhavam de ódio pelo homem à sua frente. – Hermione não tem nada a ver com isso... De que adiantaria para você matá-la? Você não ganharia nada fazendo isso...
Rony tremeu dos pés a cabeça à menção daquilo, mas usou todo o seu autocontrole para não fazer nenhuma besteira como sair correndo para libertar Hermione. Ela, por sua vez, desviou rapidamente os olhos da mão de prata de Rabicho, para fitar Harry com nervosismo.
- O que eu ganharia, Potter? – Rabicho repetiu, o suor escorrendo visivelmente por sua testa, parecendo mais nervoso do que qualquer outra pessoa na sala. – O que eu estou ganhando, Potter! Eu tenho vocês nas minhas mãos, agora. – ele riu. – Eu posso fazer qualquer coisa tendo essa menina comigo...
- Rabicho, use o seu cérebro pequenininho uma vez na vida... – Harry disse com desdém, e Gina ficou chocada que ele tivesse sangue-frio o suficiente para debochar numa situação como aquela. – Se você matar Hermione, vai morrer em seguida. Os seus colegas estão derrotados. Somos cinco contra um, ou você não sabe contar?
Rabicho tremia. Ele lançou um olhar nervoso para os outros garotos, e depois se voltou novamente para Harry.
- Você vai me matar de qualquer jeito, Potter. – ele disse com a respiração barulhenta. – Mesmo que eu solte a menina, você vai me matar, eu sei!
Harry não disse nada por um instante, apenas fitou Rabicho, parecendo pensar rapidamente. O silêncio era quase palpável.
- Eu não nego que gostaria de te matar, Rabicho, e você sabe que eu tenho motivos... – Harry disse num tom selvagem, fuzilando o bruxo com os olhos. Rabicho tremeu. – Mas eu lhe dou minha palavra que, se você soltar Hermione, eu não o matarei.
- EU NÃO ACREDITO NA SUA MALDITA PALAVRA! – Rabicho suava incrivelmente. – Você... você está blefando, Potter!
- Ao contrário de você, Rabicho, eu tenho palavra. – Harry disse num tom suave e perigoso. – Agora, se você fizer uma besteira com Hermione, eu juro que te mato, em seguida.
Rabicho pareceu ponderar. Mordeu os lábios com força; sua mão prateada tremia a poucos centímetros do pescoço de Hermione.
- Eu quero algo em troca. – ele disse depressa. – O que você me oferece em troca, Potter?
Harry pensou por alguns instantes, então disse simplesmente:
- Eu, oras.
- Harry! – Gina exclamou, mas foi ignorada. Rony olhou apavorado para o amigo. Hermione girava a cabeça de um lado para o outro, trêmula.
- Eu não acredito... – Rabicho disse. – Você não vai...
- É claro que eu vou, Rabicho. Eu vou com você até Voldemort, já imaginou? Você já entregou a ele os meus pais uma vez, pensa só como ele ia ficar satisfeito se você me entregasse agora!
Houve uma pausa, na qual Rabicho pareceu pensar. Todos os outros fitavam Harry, incrédulos.
- Você não se entregaria ao lorde assim... – Rabicho argumentou, sua voz fina e tremida. – Você não é idiota de fazer isso!
- Tudo o que eu quero, agora, Rabicho, é chegar até Voldemort, ou você acha que eu vim aqui só para dar uma voltinha? – Harry retrucou com sarcasmo. – Eu preciso chegar até ele rápido, e se você sabe onde ele está e me levar até ele, tanto melhor!
- Harry, não... – Rony murmurou com os dentes cerrados. – Não faz isso!
- Fica quieto, Rony. – Harry disse sem olhá-lo, ainda fitando Rabicho. – E então, Rabicho, o que diz? Você sai ganhando nesse acordo.
Houve uma pausa longa. Harry fechou os punhos, parecendo impaciente.
- Se você não vai fazer isso por inteligência, Rabicho, pelo menos faça para me pagar a sua dívida.
- Di... dívida?
- É, Rabicho, ou será que você esqueceu que me deve sua vida? – o bruxo engoliu em seco, cada vez mais pálido. – Será que você não está lembrado daquele dia que Sirius e Lupin queriam te matar na Casa dos Gritos, e eu impedi? Você me deve a vida, Rabicho, lembra-se?
Silêncio. Rabicho fazia um barulhinho semelhante ao de um rato acuado.
- EU NÃO TE DEVO NADA, POTTER! – ele gritou bruscamente, agitando Hermione em seus braços. – NADA, ENTENDEU?
- Quando um bruxo salva a vida de outro, forma-se um vínculo entre os dois... – Harry disse lentamente. – Você sabe disso, não sabe, Rabicho?
O bruxo não disse nada, apenas fitou Harry de volta, apavorado.
- O que aconteceria se eu contasse a Voldemort que você está em dívida comigo, Rabicho? – Harry insinuou. – Por que ele não sabe, não é? Acho que ele não iria ficar muito feliz... imagine, ter um servo em dívida logo com Harry Potter? O que você acha que ele iria fazer, Rabicho...?
- Ele... ele... ELE NÃO VAI ACREDITAR EM VOCÊ!
- Ah, não? E se eu deixar que ele veja a verdade em meus olhos? Hein, Rabicho? Você sabe muito bem que ele vê tudo só ao olhar para uma pessoa, não sabe?
Rabicho tremia loucamente e estava quase transparente de medo. Neville, com surpresa, viu que Luna caminhava lentamente na direção de Rabicho e Hermione, contornando-os. Ele a olhou interrogativamente, mas ela apenas colocou o dedo nos lábios, indicando que ele ficasse calado.
- Sabe, Rabicho, eu posso fazer isso agora mesmo! – Harry provocou. – Basta que eu deixe de bloquear minha mente, e Voldemort vai poder saber tudinho o que está acontecendo... Quem sabe, se eu dissesse... – e ele fechou os olhos por um segundo. – Hey, Voldemort, sabe, eu estou aqui com o Rabicho... e ele se esqueceu de contar pra você uma coisinha...
- NÃO! – Rabicho gritou desesperado. – NÃO, NÃO FAÇA ISSO!
Harry abriu os olhos, sorrindo.
- Não, Harry... – Hermione sussurrou. – Não vale a pena...
Mas Harry não deu ouvidos a ela também.
- Então, Rabicho, você aceita o trato?
Houve uma pausa tensa. Neville foi o único que percebeu que Luna tinha apontado a varinha para as costas de Rabicho...
- Eu... eu... eu aceito.
- ESTUPEFAÇA! – Luna gritou, e um jato de luz vermelha saiu de sua varinha, atingindo as costas de Rabicho em cheio.
Ele tombou. Caiu ao lado de Hermione, alguns dedos de sua mão prateada ainda raspando pelo pescoço e pelo braço da garota antes de atingir o chão, produzindo um grande e feio vergão na pele dela onde tinha encostado. Hermione, por sua vez, caiu para frente, de joelhos, exausta e abatida.
- HERMIONE! – Rony gritou desesperado, correndo para acudi-la. Ele a abraçou, e ela enterrou o rosto nos ombros dele, parecendo prestes a desabar em lágrimas. Rony não parecia muito melhor também.
Gina os fitou por alguns instantes, aliviada como se tivessem acabado de tirar um peso enorme dos seus ombros. Então, ela se virou para encarar Harry; ele parecia cansado. Observava Rony e Hermione tristemente, os olhos fundos, distantes e sem vida. Então ergueu os olhos para Luna, que estava um pouco mais além de Rony e Hermione e parecia muito contente consigo mesma, assoprando a ponta da varinha como os trouxas fazem com as armas de fogo em filmes de bang-bang.
- Foi um ótimo feitiço. – Harry elogiou sem ânimo.
- Obrigada. – ela disse satisfeita, sorrindo.
- Por um instante, pensei que não fosse dar certo... – Neville suspirou aliviado.
Então os olhos de Harry encontraram os de Gina por um segundo; ela sentiu o aperto no seu peito afrouxar sem que permitisse e então percebeu o quanto tivera medo de perdê-lo naquele momento.
- Harry... – alguém disse com a voz fraca, e ele desviou o olhar. Era Hermione. Ela tinha desencostado o rosto molhado pelas lágrimas dos ombros de Rony e agora fitava Harry. – Obrigada pelo que você fez por mim...
- Você é minha amiga, Hermione. – Harry disse com simplicidade. – Tenho certeza de que você e Rony fariam o mesmo por mim.
Rony e Hermione se entreolharam por um momento, então a garota se virou novamente para Harry, sorrindo timidamente.
- Nós somos seus amigos, Harry... Sempre seremos. Não vamos deixar de ser por causa do que aconteceu...
Então Harry sorriu de volta. O rosto dele se iluminou num sorriso sincero, morno e emocionado, que Gina não via há muito tempo. Ela notou (ou seria imaginação?) que os olhos dele brilharam por um instante, como que marejados, então ele virou o rosto, pigarreou e disse:
- Acho que vocês devem agradecer a outra pessoa também.
Gina forçou-se a desviar o rosto para Rony e Hermione. Os dois trocaram um olhar significativo, então Rony ajudou a garota a se levantar, e se virou para Luna, muito sério:
- Obrigado pelo que você fez, Luna. – ele disse engasgado. – Muito obrigado.
Luna pareceu simplesmente atordoada. Ela ficou paralisada, fitando Rony com aqueles olhos azuis, enormes e protuberantes, ainda mais arregalados em surpresa.
- Co... como? – ela gaguejou, a voz um pouco mais fina. Ela engoliu em seco, ainda encarando Rony como se o visse pela primeira vez. – O q... quê?
Porém, dessa vez, foi Hermione quem agiu. Ela se separou de Rony e, respirando fundo, deu um passo na direção de Luna e estendeu a mão, num gesto de amizade. Luna ficou encarando a mão estendida à sua frente, completamente chocada.
- Eu peço desculpas por ser tão implicante com você. – Hermione disse devagar, seriamente. Luna olhou várias vezes da mão estendida da garota, para o rosto dela, como se não acreditasse no que via. – Você salvou minha vida, e eu sempre vou lhe dever isso. Obrigada.
- Ainh... bem... hum...
- Vai, Luna! – Neville incentivou, fazendo gestos engraçados para Luna apertar de volta a mão de Hermione. – Vai logo!
Ela olhou nervosamente para Neville, então se voltou mais uma vez para Hermione e, ainda muito hesitante e extremamente sem graça, Luna apertou a mão da garota, e as duas permaneceram com as mãos unidas por alguns longos segundos, encarando-se.
- Não... não foi nada. – Luna murmurou, ainda muito embaraçada.
Uma pancada forte fez as duas se separarem. Todos, então, procuraram o foco do barulho. Harry tinha acabado de, com um feitiço, atirar o corpo inerte de Rabicho bruscamente à parede. Seu olhar era de puro ódio acumulado.
- Harry...
Mas ele não prestou atenção em Hermione. Seus olhos estavam focados em Rabicho e, surpreendentemente, ele exclamou, a varinha apontada bem para o coração do bruxo desacordado:
- Enervate!
Gina não entendeu por que ele tinha despertado Rabicho, mas sentiu-se aliviada do mesmo jeito. Por um instante delirante, pensou que Harry fosse matar Rabicho ali mesmo.
Os olhos do bruxo tremeram sob as pálpebras, então ele os abriu lentamente, parecendo atordoado e confuso. Quando percebeu onde estava e viu Harry à sua frente, com a varinha apontada e uma expressão furiosa no rosto, Rabicho soltou um grito esganiçado e tentou recuar inutilmente contra a parede. Seus olhos procuraram rapidamente uma saída, uma fuga, porém tudo o que encontrou foram outros cinco pares de olhos fitando-o atentamente.
- Eu acabei de colocar um feitiço em você, Rabicho. – Harry disse com calma. – Experimente tentar se transformar em rato, e você vai ter uma agradável surpresa...
Rabicho parecia prestes a entrar em colapso.
- O... o... o que... você v-vai... f-fazer?
- Bem, você imagina o que eu deveria fazer, não, Rabicho?
O bruxo tremeu ainda mais, se isso era possível.
- Vo-você... vai me-me... ma-matar?
Harry estreitou os olhos.
- Motivos não me faltam... Deixa eu ver... – ele fingiu estar fazendo um esforço mental. – Você vendeu meus pais a Voldemort... Sirius passou doze anos em Azkaban injustamente por sua causa e morreu sem que sua inocência fosse provada... Ah, você também ajudou Voldemort a ressurgir, e foi quem me prendeu naquele cemitério... Só isso seria o bastante, não? Mas, espera um pouco, tem mais! Você tentou matar Hermione agora pouco... – Harry fez uma pausa, a fim de que suas palavras produzissem efeito. – Você tem que concordar, Rabicho, que eu tenho motivos muito justos...
Todos os outros estavam paralisados. A atmosfera era tensa, carregada. Gina não queria acreditar que Harry fosse ser capaz de matar uma pessoa ali, na frente de todos eles...
- O... o seu p-pai... T-Tiago... ele teria... teria sido cle-clemente...
Harry se ajoelhou lentamente para que seus olhos ficassem na mesma altura que os do bruxo e sussurrou perigosamente:
- O máximo que meu pai fazia era humilhar os colegas de escola que ele não gostava... Mas eu acho que posso fazer melhor do que simplesmente mostrar suas cuecas pra todo mundo... Eu tenho uma novidade pra você, Rabicho. Eu não sou tão parecido com meu pai como todo mundo diz... Eu sou até muito diferente dele, sabia? Quem sabe o que eu posso fazer com alguém como você...?
Rabicho choramingou, tremendo loucamente. Harry se levantou, fitando o verdadeiro trapo humano à sua frente com altivez, apontando-lhe a varinha. Rony não queria acreditar no que estava assistindo; ele sentiu quando Hermione enterrou o rosto nas suas vestes, às suas costas, para não ver o que iria acontecer. Gina, por sua vez, também estava se forçando a continuar olhando, mesmo que houvesse um nó em sua garganta que a sufocasse.
Mas, então, eles ouviram um barulhinho baixo, aquoso, de algo pingando. Harry soltou uma exclamação de nojo, abaixando a varinha.
- Você não precisa urinar nas calças, Rabicho, é óbvio que eu não vou te matar... – ele disse entediado; o bruxo, suado e chocado, abriu os olhos. – Eu não vou sujar minhas mãos com você.
Hermione desenterrou o rosto das vestes de Rony, um enorme alívio quente se apossando dela. Era mais ou menos como todos ali também se sentiam.
Rabicho se ajoelhou e tentou beijar a barra das vestes de Harry, mas o garoto recuou, enojado.
- SAI DAQUI! – ele gritou, e o bruxo se encolheu de medo. – Eu ainda não disse o que quero em troca, Rabicho, ou você pensou que eu estava sendo bonzinho? Eu não sou mais tão idiota como eu era antes, sabia?
Hermione ficou intrigada; o que Rabicho poderia oferecer em troca por sua vida naquele momento?
- Eu quero que você faça duas coisas para mim, Rabicho. – Harry ordenou. – A primeira... onde está Voldemort?
Gina ficou alerta. Por que Harry queria saber aquilo? Seria por que... não, ele não iria atrás de Voldemort, não podia, Dumbledore pediu que ainda não fosse...
Rony fechou os punhos para que eles não tremessem, lembrando-se daquelas palavras que ouvira, há muito tempo... estava para acontecer...
- Eu... eu... eu não sei. – Rabicho choramingou.
- Ah, sabe. Sabe sim. – Harry retrucou e apontou a varinha para o antebraço esquerdo do bruxo. – Se não sabe, pode descobrir agora mesmo...
Como se tivesse acabado de ser mandado para a forca, Rabicho, apavorado, levantou a manga das vestes. Havia ali uma marca horrível, escura, na forma de um crânio do qual saía uma cobra no lugar da língua. Um arrepio percorreu a sala. Era a Marca Negra.
Rabicho, com a ponta prateada do seu indicador direito, tocou levemente a marca no braço, soltando um grito estridente de dor e retirando-o depressa.
- Ele... ele está... – ele ofegou. – Está na Sala da Morte.
- A sala do véu? – Harry confirmou. Rabicho assentiu rapidamente. – Muito bem... Agora, mais uma coisa, Rabicho. Eu vou deixar que você vá embora. – todos encararam Harry surpresos, principalmente o comensal. – Mas... lembre-se que eu o azarei antes de despertá-lo... – Harry agitou a própria varinha. – Portanto, não faça nenhuma besteira, pois eu tenho meios de saber...
- P-por que v-você vai... me d-deixar... ir?
- Porque você vai passar um recado meu para Voldemort. – Harry disse mais sério do que nunca. Rabicho ergueu os olhos. – Eu quero que você vá até ele e lhe diga que não duele com mais ninguém até que eu chegue. Você entendeu bem, Rabicho, ou vai ser preciso que eu desenhe pra você? É pra ele me esperar...
Rabicho assentiu, apavorado, porém, antes que Harry o deixasse ir, eles ouviram um barulho alto. Harry se virou, novamente tenso.
- Vocês estão ouvindo isso? – Rony perguntou.
- O quê? – Gina perguntou alerta.
Harry exclamou um palavrão de raiva.
- Eles nos acharam...
Não houve tempo para mais nada. Inúmeras portas se abriram ao redor deles estrondosamente, e os Comensais da Morte – em um número muito maior que no ataque anterior –invadiram a sala, as varinhas erguidas...
Os feitiços voaram para tudo quanto foi lado. Os garotos acabaram se espalhando, protegendo-se como conseguiam, pois os comensais eram muitos, numa superioridade numérica muito maior comparados a eles.
Desesperado, Rony procurou pelos outros, mas não conseguiu encontrá-los na confusão; ele apenas viu comensais à sua frente e só teve tempo de correr para se desviar dos feitiços. Acabou atirando uma Azaração de Impedimento para um lado qualquer – ouviu o som abafado de alguém sendo abatido – e viu de relance que Harry já estava duelando com um comensal. Atrás dele, um outro estava prestes a atacá-lo por trás. Rony o desarmou antes que conjurasse a maldição e notou uma porta aberta, muito próxima do lugar onde o amigo estava. Sem pensar duas vezes, ele correu até lá, puxou Harry pelo braço e jogou a si e ao amigo pela porta afora sem cerimônia, trancando-a com a varinha em seguida.
Eles estavam novamente na sala escura e negra, cujas doze portas começaram a girar vertiginosamente quando a porta atrás de Rony foi fechada. Harry ainda estava no chão, fitando o amigo em choque.
- Rony, o que raios você...?
- Você não ia ser idiota a ponto de querer enfrentar todos eles, não é, Harry? – ele retrucou ofegante, perdendo a paciência. – Deveria ter uns vinte caras lá dentro!
Aquele argumento pareceu ser muito forte para Harry discordar. Rony, em meio à toda aquela escuridão, conseguia ver apenas parte do rosto dele, iluminado pela luz bruxeleante das tochas que giravam. Harry se levantou.
- E os outros?
- Eu não os vi. – Rony suspirou preocupado. – Tomara que tenham conseguido escapar também...
Silêncio. Rony torcia intimamente para que estivesse certo, e que Hermione, Gina, Neville e Luna tivessem realmente fugido dos comensais. Ele nem queria pensar na opção contrária.
A sala parou de girar. Ainda havia aquele silêncio incômodo e constrangido entre os dois.
- Vamos sair logo daqui, antes que eles nos encontrem de novo. Talvez consigamos achar os outros. – Harry disse em um tom prático. – Rony, se nós perguntarmos à sala, ela nos dirá a saída, então você...
Rony riu.
- Pode parar, Harry! Nem ouse falar para eu ir embora, ou vou ser capaz de te dar um soco bem no meio da cara, entendeu?
Harry bufou, mas acabou desistindo de argumentar. Um ato inteligente dele, pois seria impossível convencer Rony do contrário. Eles se encararam por alguns instantes na escuridão, então Harry caminhou até uma porta e a abriu.
- A sala dos cérebros... – Harry disse com um certo quê de desapontamento na voz. – Não importa, vamos por ela mesmo.
Eles entraram e, quando Rony fechou a porta atrás de si, pôde notar que a sala estava muito diferente do que se lembrava. Havia escrivaninhas viradas, objetos quebrados e o tanque dos cérebros estava arrebentado; o líquido gosmento de dentro dele estava espalhado pelo chão, e alguns poucos cérebros ainda se movimentavam devagar, quase como se dessem seu último suspiro.
- Wow, parece que um furacão passou por aqui... – Rony comentou, fazendo uma careta de nojo ao pisar na gosma do chão. Harry parecia pensativo.
- Vamos embora... precisamos achar os outros, precisamos...
- Você quer encontrar a sala do véu, não é? – Rony perguntou de supetão, tão bruscamente que acabou por surpreender a si mesmo. Harry se virou para fitá-lo, os olhos impenetráveis. – É, não é? Você quer logo encontrar Você-Sa... – Rony respirou fundo. – Voldemort... e... acabar com tudo isso...?
Houve uma pausa, na qual os dois amigos apenas se encararam.
- Sim, Rony... – Harry assentiu, a respiração rasa e agitada. – Eu quero logo encontrá-lo. Quase toda a minha vida eu passei sabendo que esse dia chegaria... E, agora que chegou, eu quero que acabe depressa.
Rony abaixou os olhos por um segundo, sentindo uma sensação horrível e sufocante de medo e dor envolvê-lo. Sua boca estava muito seca, e sua garganta arranhava com a respiração. Novamente, ele se lembrou daquele dia... do dia em que descobrira o grande segredo de Harry – algo que não queria jamais ter descoberto. Fora muito difícil suportar aqueles anos, olhando para o melhor amigo todos os dia, sabendo o que iria acontecer no final...
- Rony...
Ele ergueu os olhos. Harry o fitava no fundo dos olhos, de um jeito tão penetrante, que fez com que aquela sensação embargasse Rony ainda mais. A voz dele estava carregada de culpa e arrependimento.
- Eu sei que você deve estar me odiando, agora. – Harry murmurou dolorosamente. – Assim como você, eu também me sentiria traído se estivesse no seu lugar. Eu menti, eu enganei, eu fingi. Deixei de dividir minhas aflições e meus segredos com os meus melhores amigos, e sei que isso parece falta de confiança, mas eu juro, Rony, que não é. – ele parou de falar por um momento, sua voz se tornando mais trêmula. – Eu nunca poderia deixar de confiar nas pessoas que sempre... sempre estiveram ao meu lado. Muitas vezes, Rony, se não fosse por vocês, eu não teria suportado nem metade das coisas que aconteceram...
- Harry...
- Eu confio em você, Rony. – Harry continuou falando, seus lábios tremendo. Porém, ele não desviava o olhar do amigo, mantendo-o sempre firme. – Você é o meu melhor amigo... o melhor amigo que eu poderia conseguir em toda a minha vida. O pouco que você tinha, sempre fez questão de dividir comigo, como se eu fosse mais um dos seus irmãos...
- Mas é como se fosse...
Harry sorriu.
- Está vendo? Até sua família você dividiu comigo... – ele mordeu os lábios, fechando os olhos por um segundo. – Foi muito duro mentir desse jeito... foi horrível olhar para vocês e ficar imaginando o que aconteceria quando soubessem, inevitavelmente... – Harry voltou a abrir os olhos, encarando Rony. – Eu ficava acordado, de noite, terrificado só de pensar que vocês poderiam nunca me perdoar...
Rony tentou falar, mas sua voz não saiu. Havia uma grande trava na sua garganta, que o estava impedindo de dizer a Harry tudo aquilo que queria que ele soubesse. Rony precisava dizer tudo aquilo, ou sufocaria, mas as palavras simplesmente não saíam...
- A sua amizade, Rony... é uma das coisas mais importantes da minha vida, e algo que eu fiquei muito orgulhoso de ter conquistado... Sabe, eu nunca tive amigos mesmo antes de conhecê-lo... Eu... eu sinto... sinto tanto que eu tenha estragado tudo... que eu tenha traído você e... jogado tudo isso fora... e... e...
Foi quando Rony finalmente reuniu fôlego e coragem para dizer tudo o que precisava falar.
- Você não jogou tudo fora, Harry... – ele disse devagar, fitando o amigo profundamente. – Eu confesso, eu fiquei muito zangado quando soube o que você tinha feito. Mas... eu estaria jogando nossa amizade fora também se não passasse por cima disso. – Rony riu baixinho. – Vou copiar as palavras de Hermione... Afinal, ela sempre foi a mais inteligente entre nós, não é? – Harry riu também, concordando. – Nós somos seus amigos... e, Harry, não vamos deixar de ser por tudo que aconteceu... Se te abandonássemos agora, seria porque tudo o que passamos não era de verdade... Mas foi de verdade, Harry. Foi de verdade...
Harry sorriu sinceramente. Rony umedeceu os lábios, sentindo-se aquecido, porém, sabendo também que havia algo mais a ser dito.
- Além de tudo, Harry... Eu também tenho que te pedir desculpas...
Houve uma nova pausa. Harry parecia intrigado.
- Como assim, Rony? Do que você está falando?
- Eu estou falando... – Rony começou lentamente, a voz falha, sentindo o quanto era complicado pronunciar aquelas palavras; era como se dizê-las em voz alta, para Harry, tornasse tudo definitivamente real. – ...de algo que eu descobri, há muito tempo, sobre você...
A expressão de Harry se fechou, tornando-se mais séria e compenetrada.
- Eu pensei que o que você soubesse fosse sobre a minha mentira, mas...
- Não, Harry, não era isso. – Rony retrucou engasgado e desesperado. – É algo muito maior... e bem mais complicado... Muitas vezes eu errei com você por causa disso... Mas eu juro, Harry, que não queria ter ouvido! Eu preferia mil vezes nunca ter descoberto! Foi sem querer... Eu não contei pra você porque sabia que você não queria que ninguém soubesse, e se sentiria horrível se descobrisse que eu sabia...
Os olhos de Harry penetraram fundo na alma de Rony.
- Você está falando... está falando da...
Rony assentiu, dolorosamente. Harry parecia petrificado.
- Ah, não, Rony... por favor, não isso...

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