Os irmãos Weasley



A cama afundou ligeiramente quando ele se sentou, desolado, em cima dela. Ouvindo apenas os rangidos agudos do estrado, ele apoiou seus cotovelos sobre as coxas e enfiou as mãos nos cabelos. Sua cabeça doía, mas não era isso que mais o incomodava no momento. O que realmente doía, machucava, dilacerava, eram aqueles olhares vagos e inconscientes, aqueles sorrisos ingênuos, aqueles gestos tolos... Era isso que o angustiava.

Todo Natal era assim para Neville Longbottom. No dia 25 de dezembro, ele e sua avó saíam de casa, pegavam uma via de Flu e chegavam ao Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Eles se dirigiam ao quarto andar, o de Danos Causados por Feitiços, e visitavam Alice e Frank Longbottom.

Neville deixou-se cair sobre a cama, de braços abertos, observando o teto.
Ele não sabia se ainda conseguiria agüentar aquela situação... Há quantos anos via os pais daquela maneira? Desde bem pequeno, pelo que se lembrava. Quando tinha cinco anos, ele se recordava muito bem, acabara perguntando à sua avó por que seus pais não sabiam seu nome. E foi com cinco anos mesmo que ele soube que seus pais foram torturados até a insanidade por seguidores de um bruxo terrível, que não deveriam nem ao menos nomear...

Neville se lembrava muito bem do rosto perverso e fanático daquela comensal que fez isso com seus pais... Bellatrix Lestrange... Ele ainda tinha bem vivas em sua memória as lembranças daquele dia, no quinto ano, no Departamento de Mistérios... A dor daquela maldição imperdoável que aquela desgraçada tinha lhe lançado... O seu olhar de sinistra diversão... Ele até conseguia ouvir o grito de triunfo e via nitidamente aquele sorriso maligno quando ela matou o padrinho de Harry como se fosse algo banal, algo divertido... algo prazeroso...

Ele sonhava com o dia que se vingaria daquela mulher, quase com o mesmo desejo com que imaginava, com uma ponta de esperança, o dia em que veria seus pais novamente, como pessoas normais... O dia em que verdadeiramente os conheceria, o dia em que os ouviria chamando-o, conscientemente, de “filho”.

Mas ele também ia perdendo as esperanças a cada dia, como se elas fossem sendo minadas por alguma força estranha e invisível. Ele via o mundo mágico em guerra, via o... Lorde das Trevas se fortalecendo... Pessoas morrendo, pessoas sendo torturadas como seus pais tinham sido... Neville, assim como muitos outros, via o mundo ruir ao seu redor, e qualquer esperança parecia ridícula perante aquela muralha de poder e maldade.

Ele levou um susto quando algo macio caiu sobre seu rosto, escurecendo sua visão. Foi com espanto e surpresa que se sentou na cama, tirando a coisa de seu rosto. Reconheceu, ao segurá-la, como um pacote amarelo, embrulhado toscamente com uma fita laranja fluorescente, formando um laço exagerado. Esquisito. Neville olhou para cima e viu uma coruja parda, de pêlos arrepiados, dar várias voltas no seu quarto até esbarrar no topo do armário, para depois, finalmente, encontrar a janela por onde tinha entrado e sumir no céu esbranquiçado pela neve.

Muito estranho...

Neville voltou sua atenção para o pacote. Não se lembrava de mais ninguém que fosse lhe mandar presentes de Natal; já tinha recebido todos pela manhã, antes de saírem para o hospital. Quem poderia ter-lhe mandado aquilo? Bem, ele só saberia se abrisse. E foi o que fez.

Seus olhos se arregalaram. Entre os dedos, ele sentiu escorregar o seu cachecol da escola, nas cores da Grifinória, cuidadosamente dobrado e com um perfume de limpeza, Neville sentiu ao levar a lã às narinas. Ao fazer isso, um envelope amarelo caiu na cama. O garoto abaixou os olhos e viu, escritos em uma letra torta e quadrada o seu nome e o seu endereço.

Ele enroscou o cachecol no pescoço, sentindo-se menos angustiado do que já estivera por todo aquele dia, somente por causa daquele perfume. Algo na sua cabeça já o alertava para quem teria lhe mandado aquele presente, mas ele não queria acreditar, precisava ter certeza e, por isso, Neville abriu o envelope, um pequeno sorriso se formando em seus lábios.

No topo da carta havia várias palavras riscadas. Tentando decifrar, Neville encontrou algo mais ou menos assim:

Caro Neville Amigo Neville

Neville,

É, eu sei que não é muito educado de minha parte mandar um presente como esse. Eu deveria ter comprado algo, mas sabe, eu achei que isso seria bem mais legal. Eu juro, juro mesmo, que tentei achar um bom presente, mas eu não sei muito bem do que você gosta... Quer dizer, eu acho que você gosta de plantas, não? (me desculpe se eu estiver errada) Eu até vi uma arvorezinha pequena (acho que usaram um feitiço redutor nela) e pensei em comprar. Mas, no final, achei que o cachecol fosse ainda o melhor. Espero que não esteja me achando uma “mão de vaca” por isso...

Bem, de qualquer forma, eu precisava devolvê-lo, e essa foi a melhor maneira que eu encontrei. Assim eu só precisava mandar uma carta, não estaria te vendo. Não sei se as coisas são assim com você também, mas eu fico meio desajeitada quando preciso falar com alguém. Acabo dizendo bobagem, e as pessoas me acham idiota. Talvez eu seja mesmo. Ah, sei lá, dane-se se for.

Eu espero que você ainda esteja lendo essa carta. Provavelmente já deve tê-la jogado pela janela, de tão idiota que isto soa. Se não tiver feito isso, você realmente é muito (eu deveria ter sublinhado isso), muito paciente mesmo!

Ah, o que importa (você já notou que eu estou enrolando?) é que eu preciso muito explicar o que aconteceu... aquele dia... em meio a todo aquele cocô de coruja. Sei que você ficou bravo. E, olha, eu não vou querer tirar minha culpa não, eu sei que você teve razão. Mas eu só precisava explicar algumas coisas...

Eu não ri por mal, eu juro de todo coração. Olha, eu até beijo meus dedinhos se for necessário (estou fazendo isso agora). Eu não estava achando graça, não estava não! Você provavelmente vai me achar ridícula, idiota, maluca! Mas eu juro pelo que há de mais sagrado que eu ri só porque senti... ai, como isso soa estúpido... eu ri porque senti CÓCEGAS! Pronto, escrevi! (posso ouvir suas risadas daqui)

Bem, você não precisa mais ficar complexado... Garotos ficam assim numa situação como essa, eu acho. Olha (ai, como é estranho escrever isso... estou... muito sem jeito...), pode crer que eu... gostei muito... do... beijo. É, eu fiquei feliz de saber que alguém gosta de mim, se importa... Não é qualquer dia que isso acontece. Aliás, não tem muita gente que gosta de mim.

Foi bom, foi bom mesmo. Eu fiquei feliz, e fazia um tempo que não ficava assim. E eu sinto muito se o magoei, não era mesmo minha intenção. Sei que é esquisito discutir isso por carta, mas é o único jeito que encontrei. Bem, eu não sei o que pensar, eu não sei o que sentir, eu... ah, sei lá. Espero que entenda. (não tenho muita esperança, mesmo assim, já que eu mesma não entendo)

Você deve estar me achando muito esquisita, não? Ah, esqueci, provavelmente você sempre me achou estranha. Bem, a verdade é que eu sou mesmo. Tá, e daí, eu gosto disso. Se você não quiser mais falar comigo, eu vou entender.

De qualquer maneira, aí está o seu presente de Natal (por mais que seja esquisito... ah, estou apenas te devolvendo algo que você me “emprestou”). E... eu espero que passe um Natal muito bom.

Afetuosamente

Carinhosamente

Até breve,

Luna, Loony, Di Lua, “Trevo” ou seja lá que for...

A princípio, Neville ficou surpreso. Depois, chocado. Passou para uma leve alegria e depois um grande contentamento. Tinha sido a primeira vez que algo realmente bom tinha acontecido no Natal. Tinha sido um grande presente, Luna, e ele iria retribuir.

E Neville passou o resto do dia imaginando como...




Hermione abriu a porta do quarto que dividia com Gina sorrateiramente. Não sabia se já havia alguém acordado, mesmo que já fosse quase nove e meia da manhã, mas ainda assim ela não queria arriscar incomodar ninguém. A porta rangeu um pouco, mas lá na cama, Gina apenas se moveu um pouco, e Hermione encostou a porta com cuidado.

Ela estendeu sua mão direita à frente do rosto, um sorriso enorme insistindo em brincar em seus lábios. De todos os presentes de Natal que tinha ganhado, naquele Natal e em outros, ela achava que aquele era o melhor. Não pelo valor dele, mas sim pelo que representava. Ela nunca pensara que aquilo fosse realmente tornar-se realidade...

Caminhou pelo corredor fracamente iluminado pela luz opaca da única janela, de vitrais, daquele aposento. Continuava observando sua mão, com aquele mesmo sorriso bobo, praticamente sonhando acordada. Estava tão distraída, que nem percebeu que alguém vinha andando no sentido oposto ao seu. Quando percebeu, já era tarde demais...

- Ai!

- Ei!

- Eita!

Ela sentiu uma dor pronunciada nas suas nádegas quando estas se encontraram bruscamente com o piso. Em outras palavras, ela tinha caído estatelada de bunda no chão. E putz, ela não se lembrava de como doía!

Como se isso não fosse o bastante, ela viu, logo à frente, Jorge Weasley rindo de se acabar, prestes a engasgar, suas mãos segurando a barriga e seu corpo totalmente contorcido pelo riso incontrolável. Um pouco mais abaixo dele, também no chão, e com a mesma careta de dor que a garota, estava Fred, que lançou um olhar rabugento para seu irmão gêmeo:

- O.k., maninho, queria ver se você riria tanto se a sua poupança estivesse em chamas!

Aparentemente, ao menos daquela vez, Jorge estava incapacitado de retrucar com mais uma de suas tiradinhas. Ao invés disso, ele se jogou no chão, literalmente rolando de rir. Hermione não sabia se também ria ou chorava diante daquela cena ridícula. Resolveu ficar no meio termo, dando um sorriso torto e colocando a mão direita sobre a boca, tentando tapar a sua quase risada que queria sair.

Ela não notou que estava dando sopa para o azar, como diria Olho-Tonto.

Fred, ainda no chão, arregalou os olhos ao ver o que estava no dedo de Hermione. Seu queixo caiu. Ele apontou para a mão dela, boquiaberto, mas logo após um sorriso maroto se formou em seus lábios. No início, Hermione não tinha se dado conta do que estava acontecendo, mas percebeu um pouco tarde do que se tratava quando Fred abriu a boca:

- JOOOOORGEEEEE!!! PÁRA DE ESTREBUCHAR AÍ E VEM VER ISSO!!!

Ainda soluçando de rir, Jorge se levantou. Antes que Hermione conseguisse esconder sua mão, ele segurou seu braço, observando atento a sua mão. Seus olhos, a exemplo dos do irmão, arregalaram-se até atingirem o tamanho de batatas e ele balbuciou:

- Isto... isto é...

Hermione puxou rapidamente sua mão, suas bochechas instantaneamente ficando vermelhas sem permissão. Mas não adiantava mais; aquilo que era para ser um segredo, iria se espalhar pela casa como fofocas em Hogwarts. Ela se surpreenderia se o mais longínquo membro da Ordem não soubesse a novidade até o fim da manhã.

- É UM ANEL DE COMPROMISSO!!! – Fred e Jorge gritaram ao mesmo tempo, entreolhando-se. – RONIQUINHO VAI DESENCALHAR!!!




Ele estava sonhando algo tão bom... Sonhava que estava jogando quadribol contra a Sonserina, e que todos eles tinham se transformado em passarinhos verdes e prateados... Draco Malfoy era um passarinho particularmente engraçadinho; suas penas, no topo da cabeça, pareciam emplastadas de gel e pintadas de loiro, o que dava a impressão de que ele tinha achatado a cabeça em algum lugar. Os passarinhos que representavam Crabbe e Goyle eram tão gordos, que seus pequenos olhinhos pareciam apenas duas minúsculas castanhas moídas, mas Rony tinha certeza de que seus cérebros eram bem menores que aquilo. Até Snape, que apitava o jogo, tinha virado um simpático urubu filhote, e ele parecia que tinha acabado de sair de uma panela cheia de banha de porco. Argh!

Mas isso não era o mais brilhante de tudo. O mais fantástico, sensacional, estupendo, era que Rony tinha um estoque infinito de goles! E ele as atirava, seguidamente, em cada um dos sonserinos! E depois ele via, feliz, eles caindo... caindo... caindo... até se estatelarem no gramado! Draco Malfoy parecia apenas um montinho de bosta estragada e mofada lá no chão. E Rony era aplaudido de pé, por todos os torcedores, de todas as casas... pelos professores... pelos jogadores do seu time... E ele acenava para todos, que cantavam:

Ei, ei, ei! Weasley é o nosso rei!

Ei, ei, ei! Weasley é o nosso rei!

Roniquinho finalmente desencalhou!

No dedo da Hermione um anel ele colocou!

Ele ainda continuava sorrindo, mas achava estranho... Aquela música não fazia sentido...

Quem diria, Weasley é o nosso rei!

Vai casar e ter um monte de sardentinhos!

E “sabe-tudos” pentelhinhos!

Ei, ei, ei! Roniquinho vai acabar casando, que eu sei!

Rony, ainda com a cara no travesseiro, percebeu que aquilo não era mais um sonho. Gritos enchiam seu quarto, o som da porta batendo, alguém resmungando perto dele, risadinhas, gargalhadas e mais gritos histéricos. Passos, também havia passos, gente correndo? Corujas esperneando! O que diabos estava acontecendo?

- FRED E JORGE WEASLEY, VOLTEM AQUI!!!

Ele reconhecia aquela voz... Estranho... Ele se virou na cama, sentindo a claridade ofuscar seus olhos entreabertos. Seu cérebro ainda não funcionava direito... Ele só pegou no tranco quando alguém pulou em sua cama, depois outro e o terceiro acabou tropeçando no seu pé esticado e caindo sobre ele. Foi então que ele sentiu seu corpo pressionado por outro, macio, pequeno e perfumado, e sua visão obscurecida por uma impressionante quantidade de cabelos espessos. Olhos castanhos estavam assustadoramente próximos dos seus, um nariz praticamente entortava o seu e lábios rosados estavam a quase meio centímetro dos dele.

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!

Dois segundos depois, ele estava encostado na cabeceira da cama, encarando de olhos arregalados uma Hermione vermelha como um pimentão na ponta oposta da cama, também com os olhos tão grandes que pareciam que iam saltar das órbitas. Atrás dela estavam Fred e Jorge, rindo de se acabar ao lado do quadro de um velho – Finneus Nigellus – que tinha as sobrancelhas erguidas e soltava risinhos cínicos de claro deboche.

Rony e Hermione estavam completamente paralisados. Rony sentia suas orelhas ferverem intensamente, enquanto Hermione parecia que estava sendo enchida com água quente. Eles ouviram alguém na cama ao lado – Harry – virar-se, tapar o ouvido com o travesseiro e resmungar:

- Onde é o incêndio, hein?

Ainda em choque, tanto Rony quanto Hermione observaram Fred e Jorge se sentarem um de cada lado da cama, no chão, e apoiarem seus cotovelos no colchão, os mesmos sorrisos debochados nos rostos iguais.

- Tsk, tsk, Roniquinho... Que feio! – Fred repreendeu. – Você ficou noivo e nem contou para a família!

- O QUÊ? – o garoto exclamou, engasgando. Hermione tapou o rosto com as mãos, mas elas não escondiam a vermelhidão do seu rosto. Foi então que Rony viu o que estava usando no dedo anelar da mão direita... o anel folheado a ouro com um pequeníssimo rubi que ele tinha lhe mandado de presente de Natal.

Por um momento, ele esqueceu a zoeira que seus irmãos faziam. Ele observou Hermione e sorriu. Se ela já estava usando o anel, significava que tinha gostado. Ele passou quase um ano juntando dinheiro para comprar aquela jóia, pensando durante todo esse tempo se estaria ou não fazendo a coisa certa, indeciso se aquilo era ridículo ou se ela realmente iria gostar. Aquilo era um segredo tão somente seu, que nem Harry sabia. Ele tinha feito tudo às escondidas, tinha até mesmo vendido suas vestes a rigor que nem tinha chegado a usar, somente para juntar dinheiro para aquele presente, planejando o dia em que daria aquele presente a Hermione e, finalmente, a pediria em namoro.

Ele viu quando Hermione abriu lentamente seus dedos e espiou por eles, encontrando os olhos de Rony. Ela também sorriu ao ver o sorriso no rosto do garoto, e parecia que, naquele momento, eles tinham se entendido apenas pelo olhar.

Rony teve vontade de beijá-la ali mesmo, mas a muito custo, se controlou.

Ao mesmo tempo, Fred e Jorge já tinham se levantado novamente e sentado um de cada lado da cama de Harry, puxando as cobertas do garoto, que resmungou irritado. Rony e Hermione se viraram para olhar. Harry se sentou, seus olhos verdes reduzidos a fendas, seus cabelos mais despenteados do que nunca, tanto que dava a impressão de que cada mínimo fiozinho estava espetado para um lado diferente. Ao redor dos olhos, ele tinha olheiras profundas, como se tivesse ficado a noite inteira acordado; sua expressão era de sincero e carregado cansaço. Ele olhou de Fred para Jorge, praticamente se arrastou até a cômoda e apanhou os óculos, que rapidamente colocou no rosto. Piscando várias vezes com um ar de zumbi recém desperto, ele respirou fundo e perguntou:

- Que é que foi?

Fred e Jorge, que pareceram não notar todas aquelas características diferentes em Harry, como Rony e Hermione notaram, apenas colocaram cada um o braço em volta dos ombros do garoto e apontaram para os amigos dele, que ainda estavam paralisados na outra cama:

- E então, Harry? – Jorge perguntou animado. – Eles já te chamaram para padrinho?

- E quem será a madrinha? – Fred completou, uma insinuação muito leve em sua voz. – A Gininha?

- Já imaginaram que precioso todos no altar... A família reunida... – Jorge emendou, piscando freneticamente e fazendo cara de emocionado. – Mamãe vai ficar tãaaaao orgulhosa do Roniquinho!

- Lá vem a noiva, toda de branco! – Fred entoou, e Jorge fingiu secar lágrimas fingidas.

- DÁ PRA PARAR?! – Rony finalmente exclamou, suas orelhas prestes a explodir. Ele notou que Harry tinha assumido um tímido e maroto sorriso no rosto cansado. – JÁ RIRAM O BASTANTE DO RONY!

E ele se levantou, empurrando os irmãos cantores quarto a fora, ouvindo sua cantoria desafinada ainda por um bom tempo enquanto desciam as escadas. Quando ele encostou a porta e se virou, viu a pintura de Finneus soltar mais risadinhas e exclamar, troçando:

- Como são todos ridículos...

E depois de lançar um olhar esquisito para Harry, que se ocupava em observar Rony e Hermione, o velho ex-diretor de Hogwarts sumiu, deixando o quadro vazio. Rony se voltou para os amigos. Hermione parecia dividida entre o riso, o choro e a vergonha, e estava decidida a alisar um pedaço completamente liso do lençol da cama de Rony. Harry observou os amigos por alguns instantes e, antes que Rony se pronunciasse, ele se levantou, um pequeno sorriso nos lábios.

- Erm... acho que eu preciso ir ao banheiro... – e ele piscou para Rony; Hermione cobriu novamente o rosto. Quando ele passou perto do amigo, murmurou um pouco desajeitado: - Você... me avisa quando eu puder voltar? Ainda preciso trocar o pijama!

Sem saber o que dizer e completamente chocado, Rony apenas assentiu, abrindo espaço para o amigo passar e fechar a porta atrás de si. Um silêncio caiu no quarto. Apenas o pio irritante e alegre de Pichi quebrava aquela quietude. Rony, ainda um pouco paralisado, observou Hermione sobre sua cama, de joelhos e com o rosto tapado. Lentamente, andando como se todos os seus membros fossem feitos de ferro, Rony se aproximou da sua cama e se sentou na borda dela.

- Ei... erm... Mione?

- Eu nunca me senti tão envergonhada na vida! – ela exclamou de súbito, então pareceu pensar melhor e completou, ainda de olhos tapados: - Quer dizer, isso chegou muito perto daquele dia na ala hospitalar...

O garoto riu baixinho. Ele olhou de esguelha para a garota. É claro que ele iria acertar as contas com Fred e Jorge mais tarde, mas ali, naquele instante, ele queria aproveitar somente aquele momento com Hermione. Devagar, ele se aproximou dela na cama, e por estar com o rosto coberto e tão abalada, Hermione pareceu não perceber. Ele se sentou de frente a ela e, delicadamente, foi soltando um por um os dedos do rosto dela, revelando um par de olhos castanhos brilhantes, bochechas estupidamente vermelhas e lábios rosados que enfeitiçavam Rony.

Ele permaneceu com as mãos dela nas suas e, abaixando os olhos por um instante, observou o anel que ela tinha posto no dedo. Tocou-o de leve, sentindo a pedra entre os dedos, e a encarou um tanto envergonhado:

- Foi o melhor que eu pude comprar... Veja, eu juntei o máximo de dinheiro que consegui, mas só deu mesmo para comprar esse... A pedra é bem pequena, mas eu achei que ficaria bonito em você... – ele sentiu um nó na garganta, falar aquilo era um tanto complicado, principalmente para ele, que jamais se imaginara naquela situação. – Foi... a única maneira que consegui pensar para... – pigarreou. – Você quer namorar comigo, Mione?

Ele viu quando os olhos dela se arregalaram e marejaram. Seus lábios se entreabriram lentamente, mas Hermione parecia sem palavras. Eles ficaram apenas se olhando, por vários instantes, e o coração de Rony palpitou apressadamente em seu peito. Ele não esperava aquela reação, e não sabia se era um sim ou não. Teorias absurdas começaram a surgir em sua mente... ele via Hermione rindo dele, ou então lhe dando um sonoro tapa... via-a jogando o anel nele, xingando-lhe, dizendo que aquilo tudo era completamente ridículo... Ele só não esperava, de novo, a reação dela.

Hermione o empurrou. Assustado, Rony caiu de costas no colchão macio. Seus olhos arregalados viram Hermione respirando muito rápido e, antes que pudesse perceber, ela estava sobre ele! Rony estava chocado, e mais chocado ainda ficou quando o rosto dela rapidamente se aproximou do seu, e ele pôde enxergar os cílios da garota. Ele sentiu o nariz dela roçar, prazerosamente, no seu, e viu quando ela fechou os olhos e encostou violentamente seus lábios nos dele.

Aquilo sim era brilhante...

Fantástico...

Sensacional...

Estupendo...

Mágico...

E era incrivelmente prazeroso ser beijado. Rony nunca tinha sido beijado. Ele sentia Hermione penetrar na sua boca, surpreendentemente de uma maneira ao mesmo tempo delicada e quase selvagem, como se aquilo fosse o seu desejo explodindo de uma maneira incontrolável... desesperada...

Ele até esqueceu que deveria abraçá-la, segurar sua cintura, ou os seus cabelos, ou o que quer que fosse... Ele apenas ficou paralisado, enquanto Hermione o beijava...

Ela segurou seu rosto entre as mãos, enfiando as unhas nos seus cabelos de uma maneira que doía e excitava, que o deixava louco, que o fazia desejá-la cada vez mais... Ele sentia que as mãos dela escorregavam pelo seu rosto molhado de suor, ele sentia os cabelos dela grudando na sua face, sentia o corpo dela sobre ele, sentia como se cada célula da sua pele tremesse, sentia o cheiro gostoso que emanava dela, sentia seus pêlos da nuca eriçados e seu sangue palpitando nas veias...

Quem disse que era necessário respirar? Essa sim era a regra mais estúpida que já tinha sido criada na face da Terra! Respirar, pra quê? Eles não precisavam disso, eles só precisavam um do outro, e que se danasse que o fôlego deles estava se esvaindo... Eles iriam até não poder mais, até...

Até o momento em que ouviram a porta abrir rangendo.

Viraram os rostos ao mesmo tempo, ofegantes, suados e quentes.

E viram uma garota de cabelos vermelhos, chocada, paralisada. Suas sobrancelhas se ergueram, logo depois, e ela deu um sorriso muito, mas muito cínico...

- Oooooops!

E Gina riu e fechou a porta, deixando dois adolescentes em pânico para trás.




Meia hora depois, Gina estava na mesa da cozinha do Largo Grimmauld, mordendo um generoso pedaço de bolo de Natal. Harry, ao seu lado, também tinha um sorriso cômico parecido com o dela. Até mesmo ele estava achando engraçada aquela história do Rony e da Hermione.

Era óbvio que Fred e Jorge já tinham espalhado TODA a história para TODOS os presentes na sede naquele dia. Isso significava: todos os Weasleys – Gina, que não tinha visto a cena, mas já sabia de tudo em detalhes; Gui, que tinha passado a noite ali; Carlinhos, que chegara cedinho, e os pais de Gina, que sempre estavam por lá -, além deles, souberam também da história Lupin, que tinha passado para desejar Feliz Natal, mesmo que logo fosse voltar a Hogwarts; Tonks, que pernoitara na casa; e Moody e Mundungo, que tinham aparecido também de manhã (este último para muito contragosto de Molly).

- Ei, será que eles não vão descer hoje? – Tonks perguntou para Gina, sua voz sendo abafada pela algazarra que os gêmeos e Mundungo faziam na cozinha.

- Provavelmente estão cavando um buraco para se enterrarem nele... – Gina brincou, lembrando-se da cena que tinha acabado de ver. Tonks riu e acabou derrubando sua xícara de leite no chão.

- Eu os vi agora pouco. – Harry murmurou. – Quando fui trocar o pijama... Pareciam normais... quer dizer, quase.

Gina riu, e ele prosseguiu, falando baixo:

- Mas eu não entendo por que vocês estão achando isso tudo tão engraçado!

A garota abaixou ainda mais tom da voz, mesmo que ninguém fosse ouvi-la em meio a toda aquela bagunça:

- Ora, Harry, você já viu o bastante para saber que Rony e Hermione são o casal mais engraçado de Hogwarts!

Ele sorriu e abaixou o rosto.

- É, eu gostaria de poder participar disto tudo assim como vocês...

Gina não disse mais nada. Não sabia o que dizer. Preferiu ficar calada, mas sentiu uma súbita melancolia. Felizmente, a entrada de Rony e Hermione na cozinha e a bagunça que se seguiu a isso a tiraram daquela situação embaraçosa.

Foi muito complicado para os dois explicarem que o que Rony dera a Hermione era apenas um anel de compromisso, e que eles só estavam namorando agora (ao menos, oficialmente). Molly já planejava fazer mais coisas para o almoço de Natal, que seria ainda mais especial. Ela convidou todos (menos Mundungo) para ficarem para almoçar, mas Lupin alegou que só viera resolver uns pequenos assuntos e desejar Feliz Natal, pois logo precisaria voltar para a escola. Moody também foi embora – “alguém precisa resolver os problemas no feriado!”. Mundungo queria ficar, mas o olhar de Molly foi tão estreito, que ele pensou duas vezes e disse que tinha uns assuntos a resolver bem longe dali (mas Gina o ouviu conversando com os gêmeos e combinando de voltar mais tarde, para trazer uns artigos para a loja de logros deles). Sobraram apenas Tonks, que tinha feito plantão no dia anterior e estava exausta demais para fazer algo, os Weasleys, Harry e Hermione.

Mais tarde, depois de um almoço farto e muitas risadas envolvendo piadas sobre Rony e Hermione, todos estavam satisfeitos e com sono. Molly e Artur subiram para o quarto deles e, Gina sabia, aquele era o momento em que ficariam sozinhos, e sua mãe iria se lembrar do único filho que estava ausente naquela data. Os irmãos de Gina estavam não se sabia onde; ela estava acostumada, geralmente quando toda a família se reunia eles sumiam e ficavam juntos, fazendo uma espécie de “reunião dos Weasleys”, da qual ela sempre, desde pequena, esteve excluída por ser a caçula. Tonks conversava sobre assuntos de garotas com Hermione; Gina ficou um tempo com elas, mas começou a se sentir inquieta e murmurou que iria pegar alguma coisa no quarto. A verdade é que ela estava preocupada com Harry.

Ele tinha sumido desde o final do almoço e, na confusão, Gina não tinha a mínima idéia de onde poderia ter-se metido. E ela não gostava disso. Harry não estava tão acostumado com aquela casa o quanto deveria e, mesmo que já não fosse tão dependente dela e conseguisse se virar quando lhe faziam perguntas embaraçosas, ele ainda assim era um perigo para si mesmo. Poderia se denunciar, e Gina nem queria imaginar o que poderia acontecer se todos os membros da Ordem da Fênix descobrissem juntos o que tinha acontecido com ele.

Por um lado, ela sabia que eles poderiam ajudar, mas por outro, ela também sabia que era arriscado muita gente saber esse segredo. Poderia chegar a ouvidos indesejáveis, e esse era o último desejo de Gina na vida. Era por isso mesmo que ela hesitava tanto em contar para alguém aquilo. Mas ela sabia que teria que, logo, contar tudo a Rony e Hermione, e estava adiando isso, temendo a reação deles. Sentia que tinha deixado passar muito tempo, e que tudo tinha se transformado numa imensa bola de neve: era óbvio que ficariam tremendamente magoados por algo como aquilo ter sido escondido deles por tanto tempo. E Gina não queria, pelo menos naquele momento, acabar com a felicidade deles trazendo esse problema enorme.

Ela começou a procurar pela casa gigantesca, vasculhando com cautela cada cômodo. Harry não estava no seu quarto, nem na sala de visitas, nem em qualquer outro canto do lugar. Gina estava começando a ficar em pânico. Ela abriu a porta de outro quarto, ouvindo vozes, mas se decepcionou quando encontrou o lugar secreto onde seus irmãos estavam reunidos.

- Ih, olha quem resolveu aparecer... – Fred lamentou em um tom descontraído.

Gui e Carlinhos, que estavam na sacada, viraram-se, olharam para Gina e sorriram amigavelmente. Fred e Jorge, sentados em cadeiras com o encosto à frente, entreolharam-se erguendo as sobrancelhas. Rony estava sentado na cama, encostado displicentemente à cabeceira dela. Qualquer um que visse aquele monte de cabeças vermelhas num quarto pensaria que se tratava de um incêndio.

- A chata aqui se enganou de quarto. – Gina retrucou irritada.

- Era bem melhor quando ela era uma garotinha e não respondia assim pra gente, né? – Jorge comentou em tom de desagrado.

Gina lançou um olhar estreito para o irmão. Gui saiu da janela, atravessou o quarto, e Gina não gostou nada do sorriso dele.

- Ah, não falem assim com a pequena Gininha! – ele disse em tom infantil, dando-lhe um abraço sufocante e apertando-lhe as bochechas, fazendo todos rirem. – Ela ainda é a nossa garotinha!

- Cai na real, Gui! – ela reclamou, afastando-se dele para não ser amassada. – Vocês são todos uns babacas!

Carlinhos riu e lançou um olhar penetrante para a irmã.

- Vai, Gina, diz logo o que você tá procurando!

Que droga, ele sempre percebia o que ela queria. De todos os seus irmãos, Carlinhos era o que mais lhe compreendia e percebia o que se passava com ela apenas a olhando.

- Eu pensei que o Harry estaria aqui com vocês. – ela disse depressa, tentando parecer desinteressada. Ela gelou quando sentiu o olhar estreito que Rony lhe lançou, como se a examinasse por completo.

- Ah, o Harry é um cara legal, mas você sabe que na reunião dos irmãos Weasley só participam membros com o cabelo vermelho... – Fred falou em tom de deboche.

- E a menos que ele pinte suas madeixas... – Jorge fez um gesto exagerado, enrolando as pontas do cabelo com o dedo.

- Não poderá entrar no clã! – Fred emendou.

Gina não gostou nada da maneira como Carlinhos sorriu para ela depois daquilo. Rony, parecendo subitamente aborrecido, remexeu-se na cama e protestou:

- Eu disse para ele vir. Mas o Harry anda muito esquisito, falou que queria ficar um pouco sozinho...

- Talvez o problema dele seja somente essa casa... – Gui sugeriu com um olhar significativo. – Hoje é Natal, todos estamos mais sensíveis... Mamãe e Papai estavam muito chateados no almoço também...

Todos se lembraram, ao mesmo tempo, de duas pessoas que estavam faltando: Sirius e Percy. Mas Gina sabia muito bem que Sirius não poderia ser o motivo para Harry estar chateado; ele não se lembrava do padrinho e, conseqüentemente, não tinha como sentir saudades dele.

Gina murmurou que ia embora e não os atrapalharia mais. Carlinhos ainda disse para ela não se preocupar com aquela besteira deles, mas ela sabia que eles queriam ficar sozinhos. Coisa de homens. Mas ela ainda sentiu o olhar estreito de Rony quando ele lhe perguntou:

- Você vai procurar o Harry?

- Não. – Gina respondeu, tentando não demonstrar sua tensão na voz. – Se ele quer ficar sozinho, não serei eu que irei incomodá-lo.

Quando ela encostou a porta atrás de si, ouviu alguns murmúrios, mas não se importou. No entanto, ao invés de voltar para a sala, onde estavam Hermione e Tonks, ela tomou o caminho contrário, lembrando-se de um lugar que ainda não checara. Seria esquisito se Harry estivesse lá, mas não custava nada tentar. Se ele não estava bem, era ela que teria que conversar com ele, já que era a única a saber seu segredo.

Ela entreabriu a porta do quarto de Bicuço, cautelosamente, e se surpreendeu quando viu Harry sentado no chão, sobre a palha, encostado à parede. Uma perna sua estava dobrada e a outra esticada, seu pescoço meio torto, enquanto ele observava, absorto, o hipogrifo arranhar o chão em busca de pedaços de ratos mortos. Ele parecia completamente imerso em pensamentos, seus olhos tão caídos, que dava a impressão de que ele estava quase adormecendo. Seus óculos estavam fechados nos seus dedos da mão direita, largada, sobre a palha, e algumas mechas dos seus cabelos despenteados caíam-lhe sobre os olhos.

Gina encostou a porta atrás de si, sentindo novamente aquela súbita melancolia inexplicável. O barulho da porta encostando pareceu despertar Harry de seus devaneios, porque ele fez um movimento brusco, sentando-se ereto, e logo colocou os óculos no rosto, para poder enxergar quem tinha entrado. Um pouco encabulada, Gina murmurou:

- Desculpe, eu não quis assustá-lo...

- Tudo bem... – ele disse com a voz fraca, parecendo cansado. – Foi bom você ter aparecido...

Gina, sem saber explicar como, sentiu como se algo quente corresse dentro dela e isso a fez sorrir ligeiramente. Ela sentiu as mãos um pouco suadas, e torceu uma contra a outra, nervosa. Pisando sobre a palha, ela atravessou o quarto; Bicuço nem notou, de tão ocupado que estava vasculhando o chão em busca de comida. Harry a observou se aproximar, com um olhar que Gina não conseguia definir.

Ela se sentou ao lado dele, também encostada à parede. Sorriu timidamente, e recebeu outro sorriso em troca. Harry desviou o olhar e voltou a observar Bicuço mais à frente.

- Estranho você ter vindo parar justo aqui... – Gina murmurou, tentando iniciar uma conversa. – Não se assustou com o Bicuço?

Harry sorriu novamente, olhando intrigado para ela.

- Como?

- Bicuço é o nome dele. – Gina disse pacientemente, apontando o animal. – Ele é um hipogrifo.

- Ah... – Harry se limitou a dizer, com a boca aberta, voltando a olhar o bicho. – Por que iria me assustar, é um animal tão... sei lá, fascinante.

- Tem razão. – Gina disse, achando esquisito que Harry não tivesse se impressionado com um animal tão estranho. Será que isso significava que ele estava começando a se lembrar de algo, que tinha achado Bicuço familiar? Ela sabia que aquele hipogrifo tinha toda uma história, que envolvia Sirius também. Uma ponta de esperança se acendeu dentro dela. – Harry, você não consegue se lembrar de nada? Não lhe parece familiar esse lugar, esse animal... todas essas pessoas?

Harry pensou por alguns instantes antes de responder, seu olhar ainda em Bicuço, que não parava de remexer o chão.

- Não sei como explicar... Eu não me lembro de nada disso... mas... é como se eu já tivesse vivido aqui antes. Em Hogwarts também. É como... como se eu já tivesse estado aqui, como poderia dizer... em outra vida, ou algo assim.

Ele suspirou profundamente. Parecia cansado. Gina também respirou fundo.

- Rony me disse que você queria ficar sozinho... que você disse isso pra ele...

- Eu estou me sentindo sozinho perto de todas aquelas pessoas, Gina, então por que seria melhor ficar perto delas? É melhor que fique realmente sozinho então, não acha?

Gina não disse nada, mas sentiu o coração apertado e uma imensa culpa. Ela ouviu quando Harry pegou alguns ratos mortos que estavam num saco e jogou para Bicuço, que se fartou deles.

- É tão... estranho... ter todas essas pessoas ao meu redor, que me conhecem e gostam de mim... – Harry murmurou. – Mas eu não as conheço... E isso me faz sentir tão... separado, afastado de todos...

- Você pode não se lembrar deles, Harry, mas todos aqui gostam muito de você... Eu posso garantir que todos aqui te amam.

- Mas eu não sei se eu gosto deles. – Gina ergueu a cabeça para olhá-lo. – Todos são muito bons comigo, mas eu não me lembro deles, então não tem como eu saber se gosto deles... É muito complicado... – ele deu uma risadinha chateada.

- Um dia você vai se lembrar deles, de tudo, Harry. – Gina tentou consolá-lo. – Eu prometo, eu vou te ajudar a se lembrar...

- Eu queria me lembrar de você, Gina. – ele disse subitamente, finalmente encarando-a nos olhos. Gina sentiu um arrepio ao ver aqueles olhos verdes profundos olhando-a daquela maneira, como se não apenas a visse, mas a enxergasse. – Você sempre está comigo, sempre se preocupa... Sempre está tentando ajudar... Eu só queria poder entender o porquê.
“Porque eu te amo...” Gina queria dizer aquilo, mas entre querer e fazer, há uma grande distância. Além disso, de que adiantaria Harry saber disso, daquele jeito que estava? Ele não sabia a história, não entenderia por que ela o amava... Ele nem poderia correspondê-la, mesmo que quisesse, porque aquele não era o Harry... Quando ele se lembrasse de tudo, provavelmente acharia aquilo muito idiota e voltaria a tratar Gina apenas como a irmã do melhor amigo...

- Nós somos amigos... – ela praticamente sussurrou.

Os olhos verdes dele pareciam dizer algo que seus lábios não conseguiam pronunciar, ou não podiam.

Gina sentiu um estranho frio na barriga ao observá-lo se virando para vê-la melhor. Aqueles olhos verdes espetaculares a encarando, estranhamente, deixavam-na extremamente tensa.

Bicuço ainda revolvia a palha, alheio ao que estava acontecendo. Gina ouviu um barulho seco e agudo, mas não deu importância a ele...

Harry se aproximou. Ela sabia que os olhos dele, ao se abaixarem ligeiramente, observaram seus lábios, e depois voltaram aos olhos. Gina, porém, estava hipnotizada ao observá-lo. A ausência das lentes dos óculos tornavam-no ainda mais bonito, ao menos para ela. Gina sorriu ao sentir isso. Harry também o fez.

Ela ouviu o som da palha sendo mexida pelo movimento que Harry fazia para se aproximar mais. Gina estava nervosa, ansiosa, mas não se moveu nem um milímetro; era como se estivesse congelada. Ela só sentia seu coração batendo muito rápido, suas mãos suando, apesar do frio e um arrepio subindo pela sua espinha. Esse arrepio ficou mais pronunciado quando Harry, com a ponta dos dedos, tocou primeiro as costas de sua mão, para depois subi-los lentamente por cima da blusa da garota, fazendo com que os pêlos do braço dela se eriçassem prazerosamente. Finalmente, ele alcançou seu rosto, acariciando-o gentilmente com a mão esquerda.

Gina sentiu a boca extraordinariamente seca. A respiração de Harry, alta, produzia uma névoa quente quando ele expirava, e de tão próximos que estavam, esta se confundia com a que Gina fazia. Ela viu Harry entreabrir seus lábios e fechar seus olhos; a cada movimento dele, a pressão sangüínea da garota aumentava, e parecia que seu coração ia saltar pela boca de tão rápido que batia.

Naquele momento, ela não se importava que ele não fosse Harry...

Ela estava fechando os olhos, lentamente, quando a porta bateu alta e subitamente.

Gina se sobressaltou e, num impulso, abriu os olhos e levantou-se num salto. Ela ouviu o som da mão de Harry, que segurava seu rosto alguns segundos antes, cair secamente no chão de palha e um longo suspiro da parte dele.

A porta estava fechada, mas Gina tinha certeza que tinha ouvido-a bater. Ela se dirigiu até ela e abriu-a: não havia ninguém no corredor. Mas a sensação que a deixava inquieta permanecia.

- O que você está procurando?

Ela se virou e viu Harry atrás dela; ele também observava a porta, mas não parecia tão preocupado como Gina. Na realidade, ele parecia muito mais desanimado do que interessado na bendita porta.

- Eu acho que ouvi alguém...

Harry olhou novamente a porta. Agora, ele parecia aborrecido. O garoto deu às costas a Gina e voltou a se sentar no chão, olhando emburrado o hipogrifo. Gina se sentiu muito embaraçada.

- Eu acho que vou descer... – ela murmurou. – Você vai ficar aqui ainda?

- Daqui a pouco eu vou para o quarto. Não se preocupe comigo, eu acho que aprendi a andar nessa casa.

O tom que ele utilizava era ligeiramente irritado. Gina queria se desculpar pelo que acontecera, mas não tinha coragem de dizer mais nada. Chateada, ela apenas saiu, encostando a porta atrás de si.

Ela caminhou pelo corredor, deixando seu pensamento vagar novamente para o beijo que não aconteceu – pela segunda vez. Parecia que o destino não queria que acontecesse... ou ela mesma. Tinha que admitir para si mesma: estava com medo de se machucar. Beijar Harry tornaria tudo mais real dentro dela, e Gina não sabia se suportaria ser deixada por ele quando tudo aquilo acabasse.

Sim, porque ela tinha consciência de que um dia, não importava o quão distante pudesse ser, aquilo terminaria.

Mas algo ainda a intrigava: quem poderia ter batido a porta?




- Você está esquisito, Roniquinho.

Por incrível que pudesse parecer, Fred tinha dito aquela frase no tom mais sério que conseguia. Rony ainda permaneceu observando a porta que Gina tinha encostado alguns segundos após ela sair.

Aquilo o incomodava... extremamente. Não importava o que Hermione dissesse (e geralmente ele levava a sério o que ela dizia, mesmo que fingisse que não; Hermione tinha o dom de captar a verdade no ar), mas Rony ainda achava que algo estava acontecendo entre sua irmã e seu melhor amigo.

Aliás, desde alguns meses que Rony sentia como se não conhecesse mais Harry. Tá certo que seu amigo nunca fora um livro aberto, mas ele parecia uma incógnita mais insolúvel a cada dia que se passava. Harry não ficava mais à vontade nem na sua presença, nem na de Hermione, e dava a impressão de que ele sempre escondia algo... E Rony achava que esse “algo” tinha alguma relação com Gina.

- Vai ver ele só está preocupado com a sua namoradinha... – Jorge debochou.

POW. Um travesseiro voou e bateu bem na cara do ruivo.

- Dá pra vocês calarem a boca uma vez na vida? – Rony retrucou aborrecido. – Às vezes faz bem, sabiam?

Jorge jogou o travesseiro de volta e, num reflexo, Rony o apanhou. Ser goleiro do time de quadribol da Grifinória tinha suas vantagens, afinal.

- Eles têm razão. – Gui emendou, sentando-se na beirada da cama e observando o irmão mais novo. – Você ficou muito tenso quando a Gina perguntou sobre o Harry.

- É isso mesmo, Rony? – Carlinhos interveio. – Você acha que a Gina tem algo com o Harry?

Todos ouviram o som de Fred e Jorge se levantando abruptamente e se aproximando também. Em um instante, Rony se viu cercado por seus quatro irmãos mais velhos. Droga, ele odiava quando eles faziam isso; sentia-se pressionado... diminuído... Humpt.

- Eu não sei de nada. – Rony se defendeu. – Parem com isso.

- Mas você é que deveria saber. – Gui disse coerentemente. – Afinal, vocês estão juntos em Hogwarts... Harry é seu melhor amigo... Quem melhor para saber o que está acontecendo?

Rony soltou um palavrão, levantando-se.

- Eu não sei! – ele exclamou. – Agora parem de bafejar em cima de mim!
Ele saiu, mas quando estava no corredor sentiu os irmãos seguindo-o. Droga, por que eles tinham que ser tão insistentes?

- Nós também temos o direito de saber! – Fred protestou, postando-se do lado direito de Rony.

- Somos tão irmãos de Gina quanto você! – Jorge completou, do lado esquerdo. Rony sabia pelo som dos passos que Gui e Carlinhos estavam bem atrás.

- Dá pra parar de me seguirem?

- O que é isso, uma caça ao tesouro? – Gui disse brincalhão. – Quantos galeões vamos ganhar se encontrarmos Gina e Harry?

- Nós não devíamos estar fazendo isso... – Carlinhos ponderou. – É meio se intrometer demais na vida dos outros, não é?

- ELA É NOSSA IRMÃ! – Fred e Jorge disseram ao mesmo tempo.

- Analisando por este ângulo, não estamos nos intrometendo... – Gui franziu as sobrancelhas.

Carlinhos olhou torto para ele.

- Você gostaria que espionássemos você e Fleur?

- Isso é outro caso...

Rony parou no meio do corredor e se virou para olhar seus irmãos com uma careta.

- Quem disse que estamos procurando Harry e Gina?

- Você está, maninho. – Jorge disse. – E nós vamos junto com você.

Rony abriu a boca, observando o irmão, e a fechou em seguida.

- Eu estou procurando... – ele disse a primeira coisa que veio à sua cabeça. - ...o banheiro.
- O banheiro fica pra lá, não é? – Carlinhos apontou para trás, parecendo meio indeciso.

- Se ele não mudou de lugar, é pra lá mesmo. – Gui falou.

As orelhas de Rony ficaram vermelhas. Ele sabia que isso estava acontecendo, não precisava ver.

- Mas não é tão impossível ele ter mudado de lugar nessa casa maluca, hein?

Fred o empurrou.

- A sua função é encontrar aqueles dois, Rony. Cumpra-a.

Resignado, mas ainda emburrado, Rony continuou andando, seus irmãos seguindo-o. Era verdade que ele iria procurar Harry e Gina, mas não contava com esse bando atrás dele. Mas em se tratando da caçula dos Weasleys, todos os irmãos Weasley eram superprotetores.

Ele passou pela porta do quarto de Bicuço. Jorge bateu fortemente nas suas costas quando Rony estancou, tendo uma súbita idéia.

- Por que você não deu um sinal de que iria parar? – ele resmungou, alisando o nariz.

Rony não se importou. Deu meia volta, esbarrando em Gui ao passar, e abriu ligeiramente a porta do quarto de Bicuço, o suficiente para que somente ele pudesse ver o que havia lá dentro. Ele ouviu quando Fred praguejou por causa disso.

A primeira coisa que ele viu foi uma parte do hipogrifo, que parecia revolver a palha. Não dava para enxergar muita coisa; a fresta possibilitava uma visão limitada do quarto. Mas Rony conseguiu enxergar o que lhe interessava, e ele estava certo quando teve a idéia de abrir aquela porta.

Conseguiu distinguir Harry e Gina, na parede oposta do quarto. Nenhum dos dois conseguia enxergar a porta dali, então ele estava protegido. Rony rangeu os dentes; Harry estava se aproximando de Gina. Os dedos dele subiram pelo braço da garota, até encontrarem seu rosto para tocá-lo. Eles estavam muito próximos agora... Rony sentiu algo se revirar dentro dele, e suas orelhas ficaram novamente quentes. Ele viu Harry fechar os olhos e se aproximar ainda mais de sua irmã... Não dava para ver o que Gina estava fazendo, porque ela estava de costas... Eles estavam muito, muito próximos...

Rony bateu a porta, não se importando com o estrondo que produzia. Seus irmãos o encararam ligeiramente assustados.

- O que você viu?

- Eles estavam aí dentro?

- Parece que você viu uma assombração, Roniquinho.

- Não havia... ninguém... lá dentro... – Rony disse engasgando. – Vamos embora.

- Mas nós não íamos à caça ao tesouro? – Gui perguntou.

- Vamos embora! – Rony disse categórico, temendo que ou Harry ou Gina abrissem a porta e os vissem ali.

Um tanto contrariados e confusos, eles voltaram, ainda olhando intrigados para Rony. Este, não se importou e permaneceu em silêncio. Um único pensamento lhe povoava a mente:

Teria uma conversa com Harry mais tarde. Uma conversa muito séria.

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