O álbum de fotografias



Rony praguejou alto.

Foi bem mais difícil do que ele imaginava conseguir se livrar de quatro Weasleys curiosos. Seus irmãos estavam insuportavelmente insistentes naquele dia, e convencê-los de que não tinha visto absolutamente nada (o que era uma grande mentira, e Rony era péssimo nisso, ainda mais quando estava nervoso) foi quase impossível. Aliás, ele tinha quase certeza de que nenhum deles tinha realmente acreditado na sua história.

Tudo isso demorou mais do que Rony previra, e portanto, ele não estava irritado quanto tanto quanto naquele momento que abriu a porta do quarto de Bicuço. O.k., ele estava muito, muito, muito, muito nervoso mesmo (e isso ainda não refletia o exato estado de espírito dele), mas ele ainda ficaria mais seguro se estivesse ainda mais irritado. Parecia que aquilo não era o suficiente.

Ele não sabia se o que mais o enfurecia era que os dois estavam mesmo juntos (e agora nem Hermione poderia convencê-lo do contrário) ou o fato de que estavam fazendo isso escondidos. Ele até entendia que Gina pudesse se sentir encabulada de lhe contar qualquer coisa, afinal, ela ainda era uma garota (mesmo que fosse sua irmã), mas Harry não lhe ter contado absolutamente nada, era o cúmulo! Era uma traição! Uma completa falta de respeito, de consideração! Ele não conseguia admitir que seu melhor amigo de toda uma vida pudesse lhe esconder algo tão importante como isso, era... abominável! E Harry teria que se explicar muito bem para que Rony pudesse considerar a possibilidade de desculpá-lo.

A porta do quarto que dividia com Harry estava bem à sua frente. Rony sentia as veias latejando, as orelhas fervendo e as mãos trêmulas de raiva contida. Ele só esperava que Harry estivesse ali, porque ele já tinha revirado toda a casa depois de se livrar dos seus irmãos. Parecia que Harry estava aperfeiçoando seu dom de se enfurnar em algum canto daquele lugar e só aparecer quando queria (ele sempre fazia isso quando se hospedavam lá, ainda mais depois da morte de Sirius).

Rony girou a maçaneta.

E a porta rangeu, como costumava fazer sempre.

Estava silêncio. A princípio, Rony pensou em entrar aos atropelos, de tão irritado que estava, mas pensou duas vezes e entrou sem fazer barulho, cautelosamente, encostando devagar a porta atrás de si.

Ele observou Harry sentado em sua cama, observando tão atento a um livro velho, encadernado em couro, que sinceramente parecia não ter notado a entrada de Rony. Ele tinha os olhos focados no livro, tão vidrados que ele nem sequer piscava. Rony conseguiu enxergar quando ele passou levemente um dedo sobre a página aberta.

- Incomodo? – Rony perguntou num tom quase irônico, sentindo as orelhas tão quentes de fúria que elas pareciam prestes a explodir.

Harry deu um sobressalto tão grande, que deu a impressão que ele alcançaria o teto depois daquilo. Rony nunca o tinha visto tão atrapalhado. Em sua afobação para fechar e esconder o livro, acabou deixando-o escapar das mãos e cair sonoramente no chão. Rony atravessou o quarto e, antes que Harry (que tinha praticamente se jogado no tapete para alcançar o livro) pudesse apanhá-lo, o ruivo apenas se abaixou calmamente e o segurou. Ainda no chão, Harry o encarou, parecendo estar ao mesmo tempo embaraçado e apreensivo.

O silêncio no quarto era tão grande, que era possível distinguir as vozes que vinham do andar inferior, onde estava reunido o restante dos hóspedes da casa.

Rony abaixou os olhos para o livro; estava velho e surrado já, mas ainda era bastante belo. Harry se levantou, à sua frente, parecendo estar totalmente sem ação. Rony abriu a primeira página e viu um velho retrato, no qual os pais de Harry acenavam para ele, com um bebê de cabelos despenteados entre o casal.

Ele fechou rapidamente o álbum de fotos, sentindo algo estranho na garganta e tentando lembrar a que realmente veio naquele quarto. Quando Rony depositou o álbum sobre a cama do amigo, Harry rapidamente se sentou nela, apanhou-o e guardou-o numa gaveta da cômoda.

Rony começou a andar de um lado para outro no quarto, sentindo várias coisas ao mesmo tempo, mas com a imagem do quase beijo que Harry tinha dado em sua irmã ainda muito fresca em sua memória. Ele sabia que não poderia deixar aquilo acontecer. Isso o fez despertar para o que realmente queria conversar com Harry.

- Não pensei que fosse estar aqui. – ele começou, ainda caminhando de um lado para outro. Harry estava sentado na cama, parecendo ligeiramente apreensivo. – Achei que estivesse no quarto do Bicuço, com Gina.

Ele tinha decido ser bastante direto e até mesmo parou de andar para observar melhor a reação de Harry. Estranhamente, Harry não teve reação alguma; ele continuava com o mesmo olhar, ligeiramente vago, e a respiração lentamente se acalmando. Ele posicionou as mãos sobre as coxas e falou pausadamente, parecendo até mesmo calmo:

- Eu estava lá mesmo. – disse, num tom de voz sincero, e Rony sabia que ele estava sendo, pois além de senti-lo, tinha comprovado antes. – E Gina apareceu também, mas ela logo voltou a descer.

Rony não esperava que ele fosse contar o que tinha acontecido, e realmente ele não sabia se o queria ou não. Ele decidiu ser duro.

- E andou se divertindo? – disparou com o tom mais sarcástico que conseguiu.

Harry levantou os olhos para o amigo, suas sobrancelhas levemente erguidas.

- Não estou entendendo aonde você quer chegar.

Rony se aproximou do amigo, sentando-se de fronte a ele na sua cama. Ele o observou diretamente nos olhos, e Harry não desviou seus orbes esverdeados por nem ao menos um milímetro.

- Eu estou te perguntando, Potter, se você andou se divertindo com a minha irmã.

Os olhos de Harry se estreitaram. Ele se levantou brutalmente, parecendo maior do que era e realmente ofendido.

- Como você ousa falar desse jeito? – ele praticamente cuspiu as palavras, olhando Rony com um quê de nojo. – Falar assim da Gina! Eu pensei que você fosse diferente...

Rony também se levantou com tamanha brutalidade que acabou esbarrando na jarra d’água que estava sobre a cômoda, fazendo-a cair com estrépito no chão, estilhaçando e jorrando água para todos os lados. Harry parecia tão ou mais furioso do que Rony quando este o encarou, mas nenhum dos dois se intimidou com a raiva do outro.

- Não venha querendo dar uma de bom moço, Harry! – Rony retrucou, também cuspindo as palavras. – Eu sei muito bem o que você e ela estavam fazendo!

- Ah, sabe, é? – Harry provocou. Fazia muito tempo que Rony não o via agir dessa maneira. – Então, o que você viu?

- EU VI QUE VOCÊS DOIS ESTAVAM SE BEIJANDO! – Rony gritou, sem se importar se alguém lá embaixo poderia ouvi-los. – EU VI, NÃO ADIANTA MENTIR!

O olhar de Harry estava frio, frio como Rony nunca tinha visto. Ele cruzou os braços, claramente altivo, observando Rony sem piscar.

- E se estivéssemos?

Foi o bastante. Rony atravessou a distância que os separava em um segundo, segurou o colarinho da camisa de Harry e o encostou na parede com tamanha força, que deu para ouvir o som das costelas dele batendo no contato com ela. Harry foi pego tão de surpresa, que seus olhos se arregalaram por trás dos óculos ligeiramente tortos. Rony estava espumando de raiva.

- EU NÃO VOU DEIXAR QUE VOCÊ BRINQUE COM ELA, ENTENDEU? NÃO VOU PERMITIR QUE VOCÊ A FAÇA SOFRER!

Harry permaneceu calado. Parecia estar absorvendo aquelas palavras. Ele sequer piscava; encarava Rony com algo muito misterioso escondido no fundo dos olhos. Pelo estado de Rony, ele sabia que muitos teriam se intimidado com o seu ato, mas Harry não; ele apenas permaneceu lá, quieto, olhando para o amigo com aquele brilho esquisito no verde esmeralda de seus olhos.

- Eu sei o seu segredo, Harry. – Rony disse lentamente, ainda apertando o colarinho do amigo. – E sei também que será melhor para você e para Gina se não se envolverem.

Naquele momento, pela primeira vez durante toda aquela briga, Harry realmente parecia assustado. Seus olhos se arregalaram imensamente e sua boca se entreabriu. Rony não tinha certeza se ele tinha realmente entendido sua mensagem, mas pela reação, pareceu que sim. Desde que descobrira aquele segredo, Rony tinha se mantido quieto, respeitando a decisão do amigo de não contar para ninguém o que escondia. Mas ele não ia permitir que ele machucasse sua irmã e, além disso, ele sabia que também Harry iria se machucar ainda mais naquela história. E Rony não desejava nada disso nem para o seu amigo e nem para sua irmã.

- Eu não a beijei. – Harry disse devagar, parecendo realmente sincero. Seus olhos estavam opacos. – Fique tranqüilo, Rony, eu não tenho a intenção de machucá-la.

Rony permaneceu encarando-o profundamente. Sabia que Harry estava falando a verdade, mas não tinha certeza se ela era possível. Aquilo tudo era complicado e doloroso demais para que ninguém saísse machucado no final.

- Pelo amor de Deus! – eles ouviram alguém exclamar e, assim que viraram seus rostos, viram uma Hermione chocada à porta do quarto. – O que raios vocês estão fazendo?

Ela cruzou o quarto rapidamente até chegar neles, parecendo completamente abismada com o que estava acontecendo. Rony percebeu, tarde demais, o porquê, e logo tratou de dar alguns passos para trás, envergonhado, soltando o colarinho de Harry, que suspirou lentamente, parecendo muito chateado. Ele desviou o olhar tanto de Rony, quanto de Hermione, e dava a impressão de que, naquele momento, estar naquele quarto era a última coisa que queria na vida.

Hermione, boquiaberta, olhava de um garoto para outro, completamente chocada com a atitude deles. Rony teve que admitir para si mesmo que queria abrir um buraco no chão para se esconder.

- Eu perguntei o que significa isso! – Hermione exclamou severamente. – O que vocês pensam que estavam fazendo?

- Não estávamos fazendo nada, Hermione. – Rony murmurou sem jeito. – Só estávamos... conversando.

- E em que planeta isso se chama conversa?

- Você não entendeu...

- Eu entendi muito bem, Rony! Ou você por acaso acha que está escrito “idiota” na minha testa? Vocês estavam brigando, eu ouvi os gritos enquanto subia! – ela suspirou, parecendo procurar a palavra certa. – Francamente!

Harry continuou em silêncio. Rony desejou que ele dissesse alguma coisa, qualquer coisa.

- Hermione...

- Não há com o que se preocupar, Hermione. – Harry finalmente se manifestou. Rony e Hermione olharam para ele, mas o garoto permanecia focalizando o tapete melancolicamente, e sua voz era um mero sussurro obscuro. – Nós estávamos resolvendo um assunto e já está tudo bem agora. Rony me fez entender algo importante. Eu precisava disso.

A boca de Rony estava seca. Sentiu que tinha exagerado, afinal. Não conseguira se controlar e falara demais, nunca deveria ter mencionado aquilo. Era demais. Algo cresceu dentro dele, e ele se deu conta que era arrependimento. Hermione ainda encarava os dois garotos sem entender muito bem o que estava acontecendo, mas ainda severa. Ela pigarreou e disse:

- A Sra. Weasley mandou chamá-los, ela vai servir o jantar.

- Eu vou descer, então. – Harry disse, desencostando-se da parede, ainda sem olhar para nenhum dos dois amigos, e saiu em silêncio do quarto. Rony recebeu o olhar estreito e fulminante de Hermione.

- Você vai me explicar o que aconteceu, Rony? – ele abaixou os olhos, tentando não ver a expressão dura na face dela. – Não vá me dizer que você começou com aquelas infantilidades de novo.

Ele a encarou, tomando coragem. Não poderia jamais contar a verdade a ela, mesmo sendo Hermione, mesmo sendo... a garota que ele amava, sua melhor amiga. Estaria traindo, em contrapartida, seu melhor amigo se contasse. Sem contar que a faria sofrer, como ele mesmo sofria. Era impossível.

- Você não entende, Hermione. É uma das poucas coisas que eu posso dizer que você não entende.

Deixando uma Hermione confusa para trás, Rony também se retirou do quarto, sua cabeça doendo e fervilhando de pensamentos, e seu peito doendo de remorso.




Os olhos de Gina corriam de um extremo da mesa de pedra da cozinha até o outro, como se estivesse em um... como Hermione dizia que se chamava mesmo aquele esporte de trouxas? Ah, “tênis”. Gina ainda não entendia por que chamavam aquele esporte assim, com o nome de um calçado. Era um tanto... excêntrico demais. Hermione bem que tentou explicar, certa vez, mas a única explicação plausível que Gina encontrava era que trouxas eram completamente malucos.

O jantar de Natal estava bastante farto e alegre. Vários membros da Ordem da Fênix tinham resolvido parar um pouco de caçarem bruxos das trevas para se deliciarem com a comida de Molly Weasley. Modéstia à parte, a garota tinha certeza de que não estavam errados: sua mãe realmente cozinhava bem.

Somente duas pessoas destoavam do restante naquela mesa enorme, cheia de gente e risadas: Rony e Harry. Cada um deles estava sentado em um extremo da mesa, calados e com expressões diversas. Harry parecia bastante pensativo, distraído e desanimado. Já Rony, às vezes aparentava estar bravo, às vezes chateado, e então voltava a ficar bravo e depois chateado, fechando um ciclo. Gina, que estava no meio da mesa, sentada ao lado de Tonks e de Carlinhos, estava achando aquela situação muito esquisita.

- ...ah, o de sempre, você sabe. – ela ouviu Quim Shakelebolt lamentar, enquanto conversava com Gui. – Eles nunca se cansam.

- O Ministério e suas trapalhadas... – foi a vez de Gui reclamar. – Fudge não se cansa de meter o dedo nos assuntos de Dumbledore, mesmo depois de tudo que já viu...

Gina desviou sua atenção para Moody e seu pai. Eles conversavam baixinho, próximos à prataria dos Black, que Harry tinha deixado cair em seu primeiro dia no Largo Grimmauld.

- ...é, eu sei, Alastor... – Arthur falou com desânimo. – Também gostaria de saber do quê, ou melhor, de quem se trata, mas se Dumbledore quer manter segredo, temos que respeitar. – ele suspirou e prosseguiu. – Dumbledore sabe o que faz.

- Disso tenho certeza absoluta. – Moody concordou prontamente. – Mas ainda acho que os membros da Ordem deveriam ter acesso a informações como essa... Poderíamos ajudar!

- Talvez Dumbledore saiba que não podemos. – Arthur disse sabiamente. – Talvez seja algo tão grande que não possamos ajudar...

Moody encostou-se à parede, refletindo. Seu olho mágico girava em todas as direções, freneticamente.

- Mas eu ainda gostaria de saber quem está com ele, e o quê estão fazendo...

Dizendo isso, o olho azul elétrico dele se focou bem na direção onde Gina estava sentada. Tendo uma sensação de que talvez ele pudesse estar realmente olhando para ela, a garota decidiu não mais bisbilhotar a conversa dos outros. Ela se virou de costas para o lugar onde estavam seu pai e Moody, e então seu olhar bateu em Harry, do outro lado da mesa.

Ele estava remexendo seu resto de pudim de chocolate como se considerasse seriamente mergulhar ali dentro. Ao lado dele, Fred, Jorge e Mundungo contavam piadas para Tonks, que se acabava de rir ao lado de Gina, trocando a cor dos cabelos para cores cada vez mais chamativas a cada gargalhada. Gina observou o garoto por algum tempo, imaginando se ele estaria cansado, com sono, chateado, e se aquilo seria sua culpa pelo que tinha acontecido mais cedo ou se era outra coisa. Mas não conseguia chegar a conclusão alguma.

- Harry, você quer mais pudim, querido? – Molly perguntou amavelmente ao garoto, que levou um susto tão grande que quase saltou da cadeira.

Gina gelou. O que ela mais temia, durante todo aquele tempo que estavam no Largo Grimmauld, era que sua mãe desconfiasse de algo a respeito de Harry. Até tinha achado estranho Molly não ter comentado nada, nem com ela ou com Rony ou Hermione (pelo menos que Gina soubesse). Mas a garota não ficaria sossegada enquanto o dia de retornar a Hogwarts chegasse e, então, sua mãe não comentar realmente nada sobre o assunto.

- Não... obrigado, Sra. Weasley. – Harry disse timidamente, levantando-se.

- Já vai, filho? – Molly perguntou intrigada e preocupada, enquanto Harry se levantava.

Apesar de apreensiva pela situação, Gina não conseguiu deixar de sorrir ligeiramente; depois da morte de Percy, sua mãe começara a chamar Harry carinhosamente de “filho”. Gina sabia que, para a mãe, era como se ela estivesse “adotando” um filho, pois tinha a imensa necessidade disso devido à ausência de um dos filhos de sangue. E Harry, ao menos quando era ele mesmo, nunca se importou com isso, pois jamais disse nada a respeito, apesar de continuar sempre chamando Molly de “Sra. Weasley”. Mas Gina se lembrava de algumas poucas vezes, no ano anterior, que Harry sorria quase imperceptivelmente quando Molly o chamava assim.

- Eu... – Harry começou a dizer, olhando de esguelha para a matrona dos Weasleys. Gina não conseguiu enxergar nenhum vestígio de sorriso ao observá-lo. – Eu estou com sono, Sra. Weasley. A senhora... se importa? – ele perguntou com incerteza, parecendo cauteloso.

- Não, querido, claro que não. – ela respondeu amável, mas Gina sabia que havia algo mais escondido em seus olhos enquanto observava Harry. – Pode ir, descanse. – ela deu um beijo na bochecha dele, e Gina percebeu que Harry ficou muito sem jeito. – Boa noite, filho.

- Boa noite...

Harry se esgueirou por entre os gêmeos, que riam e gesticulavam, tentando passar despercebido, decerto. Todos estavam absortos demais para o notarem deixar a cozinha. Mas Gina percebeu que sua mãe ainda permaneceu observando o garoto com um olhar meio astuto, meio preocupado – olhar de mãe, ela sabia. Isso não estava indo nada bem.

Girando o rosto para o outro lado da mesa, Gina viu que não só ela e sua mãe tinham percebido a saída de Harry. Rony e Hermione, sentados lado a lado, também o observavam. Rony, com uma expressão esquisita (Gina pensou em “arrependimento”, mas não entendia por que seria isso), fez menção de se levantar. Porém, ao seu lado, Hermione colocou uma mão no seu braço, impedindo-o de sair da mesa. Por sua vez, foi ela mesma que saiu, desviando-se de Bichento, que passou correndo pela cozinha e se escondeu debaixo da pia.

Gina olhou para o irmão, que suspirou longamente e baixou seus olhos para seu prato de torta de maçã, parecendo que queria se esconder entre o recheio. Aproveitando-se disso, Gina também deixou a cozinha discretamente, torcendo para encontrar Hermione.

Certamente ela deveria saber o que estava acontecendo. Gina não poderia ter certeza, mas achava que algo muito esquisito tinha acontecido entre o mais conhecido trio de Hogwarts. E isso não era nada bom. Gina começou a sentir um frio na barriga. Será que Harry tinha mencionado, sem querer, o que estava acontecendo com ele? Ou então ele poderia ter resolvido contar, mesmo sem Gina querer? Ou pior, Rony e Hermione poderiam tê-lo pressionado tanto (Gina sabia que eles estavam desconfiados), a ponto de ele contar o que havia de errado?

Foi com o coração aos pulos que ela, ao pé da escada que antigamente possuía cabeças de elfos domésticos, encontrou Hermione quase no topo. Sem raciocinar direito, Gina a chamou:

- Ei, Mione!

Ela se virou assustada e claramente surpresa ao enxergar Gina. Fez sinal para que a garota ficasse quieta e subisse até ela. Gina assim o fez.

- Gina, você poderia ter acordado o quadro da Sra. Black! – a monitora-chefe da Grifinória repreendeu. – Daria a maior confusão!

- Ih, desculpa. – Gina disse envergonhada, subindo o último degrau. – Eu me esqueci...

Hermione fez uma cara de “pois não deveria esquecer”, mas não disse mais nada sobre o assunto.

- O que você queria comigo?

Gina abaixou o tom de voz.

- Você vai procurar o Harry? – perguntou de supetão. Hermione arregalou os olhos.

- Não, eu... eu ia... buscar uma coisa no nosso quarto.

Aparentemente, Hermione percebeu que Gina não caiu na dela, porque remendou.

- Eu perdi minha escova de cabelos, você sabe onde ela foi parar?

- Em cima da cômoda, onde você sempre deixa, Hermione. – Gina respondeu rabugenta. – E você precisa treinar histórias melhores, sabia?

Hermione suspirou e mordeu o lábio inferior, brava consigo mesma e sem saber o que dizer.

- O que aconteceu? O Rony e o Harry estavam esquisitos todo o jantar, e você agora está agindo assim... algu-

- Bem, o Harry está esquisito faz tempo, não é, Gina? – Hermione perguntou incisivamente. – Ou será que você não notou?

Ela tinha percebido. “É claro, Gina, sua estúpida! Você acha que a primeira em tudo em Hogwarts não iria perceber o seu segredinho com o melhor amigo dela, que ela conhece há quase sete anos?” Que ela conhece bem melhor que você..., uma vozinha irritante completou dentro de sua cabeça. “Bem, Gina, sua burra, vamos ver se você consegue enrolá-la um pouco mais, pelo menos até ter coragem para dizer a verdade a ela e Rony. Pelo menos enrolar você sabe, não é?”

- Você achou, Hermione? – tentou dizer com a cara mais deslavada do mundo. – Eu nem tinha percebido...

- É mesmo? – Hermione continuou jogando, medindo forças com Gina. – Mas você tem andado bastante com Harry ultimamente, não é? Tornaram-se mais amigos de uns tempos pra cá...

- Você e Rony têm estado mais juntos ultimamente, Hermione. – Gina seguiu firme. – O Harry ficou meio sozinho e, por isso, sim, nós conversamos mais de uns tempos pra cá.

Hermione ficou um pouco sem jeito depois disso, como se um balaço tivesse passado de raspão por ela e feito com que ela deixasse a goles escapar momentaneamente. Gina decidiu investir antes que Hermione conseguisse recuperar a goles.

- Mas você imagina por que ele está tão esquisito assim?

Estava claro que Hermione era uma ótima jogadora e não desistiria. Ela encarou Gina profundamente, como se a avaliasse.

- Não, mas eu vou descobrir, Gina. – e, depois de uma pequena pausa angustiante. – Eu tenho esse defeito, admito... Quero sempre saber mais do que deveria...

Antes que Gina pudesse dizer ou perguntar qualquer coisa, ela lhe deu as costas, ainda falando calmamente:

- E obrigada por me dizer onde estava minha escova, Gina! Eu estava procurando-a há horas!

E Gina ficou lá, parada, sentindo o estômago revirar. Hermione tinha acabado de recuperar a goles, deixando-a a ver navios.




Os últimos dias no Largo Grimmauld, após o Natal, não foram tão agradáveis quanto poderiam, mas ainda assim Hermione não saberia dizer se ainda eram ou não melhores do que a perspectiva de retorno a Hogwarts. Montanhas de deveres a mais, pressão devido aos N.I.E.M.s, obrigações da monitoria-chefe, e mais um monte de problemas voltariam com a volta ao castelo. Hermione tinha que admitir que estava exausta e que, pela primeira vez, não estava muito animada para voltar para a escola. O.k., não era tanto assim a primeira vez; ela também sentiu o mesmo nas férias de inverno do quinto ano, quando Hogwarts estava sob a tirania de Dolores Umbridge, e todas as vezes que brigara com Rony e Harry (principalmente o primeiro).

Entrementes, a sede da Ordem da Fênix estava ainda mais agitada nos dias subseqüentes ao Natal. Membros da organização entravam e saíam da sede a todo momento, sem descanso. E era muito irritante não poder saber o que de tão importante estava acontecendo (e parecia ser algo ruim também). Ao menos ela tinha consolo de que, além dela, também Rony, Gina e Harry não sabiam de nada. No entanto, eles eram os únicos dentro daquela casa enorme.

Da Profª. McGonagall a Snape (que apareceu em uma madrugada chuvosa e tenebrosa), vários professores de Hogwarts e membros da Ordem apareceram por lá. Lupin vinha de dois em dois dias, no mínimo, e dificilmente ficava para jantar. Tonks, que geralmente era a que mais ficava na casa, sumiu por uma semana até voltar, machucada, exausta e com uma aparência de dar medo (estranhamente, quando apareceu, ela parecia uma bruxa malvada, mas logo voltou ao normal no dia seguinte, com um cabelo amarelo ovo). Hagrid e Madame Maxime apareceram juntos, e os garotos tentaram arrancar informações do meio gigante, mas ele estava com tanta pressa que nem deu tempo para falar o que não devia.

Porém, o que mais chocou foi o dia em que Dumbledore apareceu. Algo terrível parecia ter acontecido. Era uma noite escura, fria e com uma tempestade de neve horrorosa lá fora. O diretor parecia um bonequinho coberto de chantilly quando adentrou a antiga casa dos Black. Todos estavam muito nervosos e apreensivos naquela noite. Foi realizada uma reunião de emergência da Ordem, mas nem todos os membros puderam comparecer; Snape, por exemplo, esteve de fora, em uma missão, ao que parecia. Muita gente se reuniu na enorme cozinha, a portas fechadas. Hermione, Rony, Gina e Harry ficaram observando tudo do alto das escadas, escondidos.

- Deve ter realmente fedido para Dumbledore aparecer... – Rony tinha falado, com espanto. Gina, ao lado dele, parecia dividida entre a curiosidade de ficar e tentar ouvir o que diziam lá embaixo, e uma vontade estranha de sair correndo quando viu Dumbledore entrar.

- Eu queria saber o que de tão ruim aconteceu. – Hermione dissera preocupada. Harry tinha olhado de esguelha para ela nesse momento, o verde dos seus olhos mais escuro que o normal.

– Dá até medo quando eles se reúnem assim. – Gina comentara, ainda meio tentando ver os adultos lá embaixo, meio tentando ir embora e levar todos os outros juntos.

Eles tentaram de tudo para ouvir nem que fosse um pedacinho da reunião. Ficar com o ouvido grudado na porta era idiotice e Orelhas Extensíveis eram inúteis depois do feitiço de Impertubalidade que a Sra. Weasley tinha colocado na porta. Rony tentou convencer seus irmãos, Fred e Jorge (que pertenciam a Ordem desde o ano anterior), a engolirem uma meleca das Gemialidades Weasley, mas era óbvio que os gêmeos sabiam muito bem que aquela meleca era quase como um ponto ou microfone, numa comparação ainda muito distante que Hermione fazia com os mecanismos de espionagem dos trouxas, e riram na cara de Rony. Nem eles diziam absolutamente nada do que acontecia nas reuniões.

Na realidade, Rony, Hermione, Gina e Harry só deixaram mesmo de pentelhar os adultos para tentar descobrir algo quando a Sra. Weasley os enxotou até o quarto de Harry e Rony e os trancou, com magia, lá dentro. Nem Alorromora dava jeito.

- Você não sabe nenhum feitiço avançado para nos tirar daqui, Mione? – Rony perguntara, revoltado, tentando forçar a porta inutilmente.

- É claro que sua mãe usou um feitiço que ela sabia que nenhum de nós poderia quebrar, Rony.

- Mamãe sabe mesmo uns feitiços bons para esses momentos. – Gina comentara.

Harry, estranhamente, parecia o mais conformado. Ele tinha se sentado na sua cama e apanhado da gaveta um livro vermelho sangue, meio velho, e o lia tão concentrado, que Hermione tinha estranhado. Um: Harry não era tão louco por livros que nem ela; dois: ele parecia quase não mover os olhos e virar as páginas. Mas depois ela achou que fosse besteira sua, porque Harry tinha virado várias páginas e lido bastante quando largou o livro de novo na gaveta. Quando Hermione quis ver o livro, Harry lhe mostrou a página que estava lendo; havia uma foto em movimento de um jogo de quadribol – “o que mais você queria que ele estivesse lendo, Mione?”, Rony perguntou irritantemente – e Gina tinha sorrido para Harry ao ver isso.

- De que adianta ter cérebro privilegiado se não pode usá-lo para nos ajudar quando mais precisamos? – Rony reclamou, ainda sobre a história da porta trancada.

Ele e Hermione tiveram mais uma de suas famosas discussões a respeito disso mais tarde, para deleite e diversão de Harry e Gina.

A reunião demorou tanto para terminar (ou a Sra. Weasley tinha-os esquecidos lá mesmo) que Gina e Hermione acabaram tendo que dormir no quarto dos garotos mesmo. Elas tentaram de tudo para que isso não fosse necessário, mas não dera certo. Rony até teve a brilhante idéia de tentar aparatar, mas a proteção do quarto era tão poderosa, que ele sumiu e apareceu na porta, bateu de cara nela, e ficou desacordado por dez longos e desesperados minutos. Obviamente, depois do susto, todos riram muito dele (o nariz dele ficou vermelho com a batida, e seus cabelos pareciam mais despenteados do que os de Harry, se isso era possível). Gina até tentou mandar uma mensagem pela Edwiges, mas nem a coruja conseguia sair pela janela. Não tiveram alternativa senão dormirem todos juntos.

Foi bastante constrangedor. Hermione nunca tinha dormido junto a garotos (mesmo que fossem seus melhores amigos) em um quarto trancado e escuro. Gina, obviamente, já tinha dormido junto aos irmãos, mas dormir só com os irmãos e dormir com o irmão e o amigo dele era totalmente diferente. Harry e Rony tinham insistido em dormir no tapete, mas Gina e Hermione não deixaram. Rony até ganhou um beijinho por causa do seu cavalheirismo, e Hermione tinha reparado que Gina e Harry se olharam rapidamente: Harry ficou vermelho, Gina engoliu em seco, e os dois se dirigiram a direções opostas do quarto. Ainda bem que Rony não tinha visto, mas foi difícil Hermione controlar o riso. Estava começando a achar que Rony não estava totalmente errado quando afirmava que poderia estar acontecendo algo entre os dois...

No final das contas, Hermione e Gina dormiram na cama de Rony, enquanto os garotos dormiram na cama de Harry. As meninas se divertiram ao verem a discussão boba entre os dois garotos; eles deitaram em direções opostas na cama, tentando ficar o mais longe possível um do outro, e tanto tentavam, que viviam se descobrindo. Harry caiu duas vezes no chão devido aos chutes que Rony dava nele. Na terceira, ele estava prevenido; foi para o chão, mas puxou o cobertor, e demorou uns bons quinze minutos para que Rony conseguisse desenrolar o cobertor dele, pois Harry parecia decidido a dormir no chão, sim, mas com cobertor. Hermione e Gina, que como garotas não tinham esse problema de nojo que eles tinham, apenas assistiam rindo (Hermione bem que queria um saco de pipocas naquele momento, parecia que estava assistindo a um filme de comédia).

Além de tudo aquilo ser muito engraçado, Hermione também estava bastante feliz por seus amigos terem voltado a se dar bem. Ela não sabia se, desde aquele dia que brigaram, Harry e Rony tinham voltado a ter alguma conversa séria, mas alguns dias depois eles tinham voltado a se falar direito. Depois que deixara Gina sozinha na escada, naquela noite do dia de Natal, Hermione decidiu não ir falar com Harry, como planejara. Acabou achando melhor não se meter no assunto dos amigos e, felizmente, eles voltaram a se darem bem sozinhos.

Finalmente, eles conseguiram dormir. Gina estava com sono e como não conseguiriam dormir com aquela barulheira que Harry e Rony faziam, ela pediu para Hermione dar uma solução àquilo. A garota conjurou travesseiros e um cobertor sobressalente, e os garotos fizeram um muro de travesseiros na cama; quase não tinha espaço para eles, mas também não havia perigo de se encostarem durante a noite. O resultado foi que, no dia seguinte, quando eles acordaram com a Sra. Weasley finalmente abrindo a porta e os chamando para o café, a cama conservava a barreira de travesseiros intacta, mas Harry e Rony estavam no chão, um de cada lado da cama – mas ainda tinham seus cobertores.

Essa foi, de longe, a situação mais engraçada durante aqueles dias finais no Largo Grimmauld. No entanto, o clima estava tenso e parecia que a situação estava cada vez pior, e o Profeta Diário que Hermione recebia todos os dias só anunciava desgraças. Os membros da Ordem estavam cada vez mais sérios, calados e estressados. Apesar da curiosidade, os garotos concordaram em não perturbá-los mais, enchendo-os de perguntas e reclamações – poderia ser perigoso e também para não ficarem, da próxima vez, trancados no quarto.

O dia da partida amanheceu claro, mas cheio de nuvens. O frio era congelante e ainda havia vestígios da neve do dia anterior nas janelas da casa. Hermione colocou luvas pela manhã, mas mesmo assim seus dedos estavam enregelados. Ela estava vestindo o gorro quando a Sra. Weasley entrou no quarto que a garota dividia com Gina, trazendo as últimas roupas lavadas das duas que faltavam.

- Gina, faça que nem a Hermione e se agasalhe! – ela recomendou. – Não quero que pegue um resfriado!

- Eu já estou agasalhada, mãe! – Gina respondeu irritada. – Vou virar uma bola de lã e sair rolando no chão se colocar mais algum casaco!

- Você não colocou o gorro!

Gina olhou tristemente para o seu gorro de lã (rosa bebê, com desenhos de gatinhos e um enorme pompom amarelo no topo; Rony dizia constantemente que ele parecia um dos gorros que Hermione tricotava para elfos, o que dava a impressão de ser um insulto para Gina, e Hermione não via o por quê) e suspirou profundamente. A Sra. Weasley ainda emendou:

- Não sei por que você reclama tanto desse gorro! Você adorava quando era criança!

- Exatamente, mãe. Eu o adorava quando tinha cinco anos de idade!

- Não discuta! Ponha o gorro!

Hermione achou que partiu umas duas costelas no esforço para não rir da amiga. No entanto, com aquele gorro na cabeça, Gina não pareceu nada ameaçadora quando olhou feio para a garota. A Sra. Weasley tinha quase fechado a porta quando a abriu novamente e falou, dirigindo-se às duas garotas:

- Eu queria perguntar uma coisa, meninas. – ela disse seriamente, torcendo as mãos e parecendo um pouco preocupada. – É muito importante.

Gina e Hermione se entreolharam. Gina parecia ter engolido palha fede, principalmente quando Hermione disse:

- Claro, Sra. Weasley, pode perguntar.

- Bem... – ela começou sem jeito. – É sobre o Harry. – Gina adquiriu uma coloração ligeiramente esverdeada. – Ele esteve muito estranho e mais distante que o normal durante todas as férias... – Hermione teve medo de que os olhos de Gina pulassem em cima de si, de tanto que estavam arregalados. – Vocês se importam de me dizer o que anda acontecendo com ele?

- Na verdade, Sra. Weasley, eu também gostaria de sab-

- Que eu saiba não aconteceu nada, mãe! – Gina interrompeu a frase de Hermione, falando tão depressa que atropelava as palavras. – Ele está como sempre foi, não é? – e ela lançou um olhar significativo para Hermione, que dizia com todas as letras “ou concorda comigo ou leva uma maldição”.

- Vocês têm certeza? – a Sra. Weasley insistiu. – Por que ele parece tão isolado, tão... deslocado. Não age como sempre agiu, fazendo um monte de perguntas sobre a Ordem, não que eu esteja reclamando disso, especificamente. – e ela lançou um olhar severo para as garotas, que diferente de Harry, viviam enchendo os ouvidos de qualquer um que pudesse dizer uma única frase a respeito da Ordem. – Mas não é do jeito dele, entendem? E ele... é tão esquisito dizer isso... parece que ele não nos conhece mais!

Gina definitivamente estava verde musgo, e Hermione decidiu ajudá-la agora e encostá-la na parede mais tarde.

- Acho que ele só está um pouco triste, Sra. Weasley. – ela inventou, mas sabia que isso não deveria ser mentira alguma. Gina olhou surpresa para a garota. – A senhora sabe, essa casa... lembra muito o Sirius. Harry nunca superou a perda dele, eu acho.

A Sra. Weasley ficou em silêncio alguns instantes, mas logo seus olhos ficaram um pouco mais opacos e tristes também. Um pouco desconcertada, ela murmurou:

- É, vocês têm razão, deve ser isso mesmo... Posso entendê-lo, tadinho. Perder alguém que se ama é muito complicado mesmo, a gente nunca supera na realidade... Não importa o tempo que passe...

Tanto Gina quanto Hermione abaixaram os olhos. Sabiam que ela estava se referindo a Percy. A Sra. Weasley deixou o quarto logo depois, de cabeça baixa. Um silêncio um tanto constrangedor caiu no quarto. Gina olhou de esguelha para Hermione, e parecia decididamente apavorada. Tentando disfarçar, ela arrancou o gorro rosa da cabeça e o jogou no chão.

- Odeio esse gorro velho! Ele é ridículo!

Hermione se aproximou, abaixou-se e apanhou o gorro. Para uma criança era bonitinho, mas para uma adolescente era realmente humilhante. Solidária à dor da amiga, comentou lentamente:

- Eu posso fazer um para você... mais discreto. – Gina a olhou com um meio sorriso. – Você sabe que eu melhorei bastante, não é? Já até aprendi a tricotar casacos, um gorro vai ser fácil. E eu não vou fazê-lo como se fosse para um elfo doméstico, claro.

- Ainda bem, né? – Gina riu, jogando o gorro atulhado no malão. – Por que eu não sou tão miúda quanto um elfo doméstico.

Hermione riu, mas logo voltou a ficar séria. Ela se sentou na cama de Gina, que se ocupava em guardar seu uniforme de Hogwarts no malão. Deveria ser algo bastante sério o que Gina escondia, e isso tinha ocupado seus pensamentos por várias noites. Hermione decidiu que tentaria ser mais delicada com ela.

- Gina, você sabe que pode confiar em mim, não é?

Ela parou no meio do ato de dobrar as meias, mas logo recomeçou o movimento novamente, fingindo casualidade.

- Claro, Mione.

- E então, você sabe também que não precisa esconder nada de mim... E que eu não vou ficar brava com você se...

- Não precisa dizer onde quer chegar, Hermione. – Gina disse um pouco nervosa demais, terminando de jogar o resto das roupas no malão de qualquer jeito. – Eu não estou... – ela tentou fechar o malão, mas as coisas estavam de qualquer jeito lá dentro, e ele estava emperrando. – ...escondendo... – ela deu um soco no fecho, e o malão se abriu todo. – ...absolutamente... – ela fez uma força descomunal, chutou-o umas duas vezes, e ele finalmente fechou. – ...nada de você.

Hermione a encarava séria e atentamente. Gina estava vermelha pela força que tinha feito para fechar o bendito malão, e alguns fios vermelhos dos seus cabelos estavam grudados no seu rosto.

- Não insista, Hermione, por que não há nada para você descobrir.

Então, ela saiu, carregando o malão com dificuldade e soltando uma exclamação veemente quando Bichento cruzou seu caminho na porta. Hermione suspirou. Teria que descobrir sozinha mesmo.




Mais tarde, depois de muitas despedidas e recomendações, Harry, Rony, Hermione e Gina saíram para o céu nublado e a praça coberta de neve do Largo Grimmauld. Tonks e Quim os acompanharam (Moody iria com eles, mas acabou tendo uma missão; Mundungo se ofereceu para ir, mas a Sra. Weasley o vetou imediatamente, de modo que Quim acabou ficando com o encargo, mesmo tendo aparecido de passagem na sede naquela manhã).

Diferente do dia em que Tonks foi buscá-los na estação, dessa vez ela e Quim estavam bastante nervosos e irritadiços. Olhavam para todos os lados, parecendo Olho-Tonto Moody, e quando Rony comentou isso com Tonks, ela deu um tapinha irritado na sua cabeleira cor de fogo. Rony decidiu não falar mais nada, e isso serviu de exemplo para os outros garotos.

Eles pegaram o Nôitibus Andante, cheio de gente esquisita e dando saltos e solavancos constantes. Hermione enjoou. Gina parecia tão absorta, que nem estava prestando atenção nas manobras malucas que o motorista fazia. Nas cadeiras mais atrás, onde estavam Rony e Harry, o cobrador chamado Lalau não parava de tagarelar com Harry sobre Harry e sobre as coisas que saíam dele no jornal. Hermione, nos poucos momentos em que conseguiu olhar (achava que iria vomitar se ficasse se mexendo muito), achou que o amigo ou estava muito entediado com aquela conversa, ou não estava dando a mínima mesmo, porque ele parecia muito mais preocupado com as manobras do Nôitibus. Rony conseguiu bater seu recorde e caiu da cadeira exatamente dez vezes (quatro seguidas).

Lalau, por fim, acabou só deixando Harry em paz quando Gina (aparentemente cansada de toda aquela tagarelice), mandou-o para o inferno. Quim também colaborou para que Lalau ficasse quieto, pois o avisou com sua voz retumbante de que teria que lhe aplicar um feitiço silenciador se ele não se calasse.

Tonks e Quim acompanharam os garotos até os portões de Hogwarts depois de deixarem o Nôitibus e ainda ficaram os observando atravessarem parte dos jardins cobertos de neve até a altura dos joelhos por alguns minutos. Quando Rony já estava de saco cheio e tentado a se virar para eles e, a exemplo de Gina, mandá-los para o inferno também por toda aquela proteção irritante, os dois já tinham desaparatado. Rony descarregou sua raiva tentando chutar a neve, tropeçando e caindo de cara nela. Foi o suficiente para que todos (menos ele, é claro) ficassem de bom humor pelo resto do dia.

Eles até pensaram em visitar Hagrid depois de colocarem suas coisas no Salão Comunal, aproveitando o finalzinho das férias, mas além de estar muito frio, Hagrid não estava na cabana. Resolveram ficar na Torre da Grifinória mesmo, conversando com os colegas que estavam por lá. Neville estava bem feliz por causa de alguma coisa que não quis contar e não largava por nada o seu cachecol (por alguma razão desconhecida, essa atitude dele fez Gina cair em gargalhadas e murmurar que precisava falar com Luna Lovegood), mas parecia que só Neville tinha realmente alguma coisa boa para se alegrar. Depois que ele deixou a Torre, alegando que ia procurar uma pessoa, a conversa entre os grifinórios convergiu para um assunto nem um pouco agradável: a guerra contra Voldemort.

O medo era muito evidente em todos, mas estava tudo tão excessivo que todos começaram a desabafar um pouco com os colegas como se sentiam durante aquele período difícil. Parvati estava muito deprimida; acabou contando, entre lágrimas e soluços, que tinha perdido os tios mais próximos em um ataque de Comensais. Dino também estava muito chateado, mas acabou não querendo contar o porquê. Simas e Lilá comentaram as manchetes do Profeta Diário e não eram raros os olhares para Harry; ele, por sua vez, permaneceu calado quase todo o tempo, senão todo mesmo. Gina lançava olhares para ele, condescendentes, e às vezes ficava retraída e se encolhia. Rony falava bastante (é claro que nenhum dos garotos comentou nada que tinham passado as férias na sede do combate contra Voldemort), mas ele estava, estranhamente, falando umas coisas muito sérias e maduras. Hermione se surpreendeu. O que mais a deixou estarrecida foi quando, no final, ele disse a todos:

- Talvez, os próximos meses, sejam decisivos...

E lançou um olhar esquivo e discreto para Harry, que só Hermione pareceu notar...

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