Colocando um trem nos trilhos

Colocando um trem nos trilhos



Uai, gente, sô mineira!
como prometido, aqui está! desculpem a demora, blá blá bla... vamos ao que interessa:

============


Colocando um trem nos trilhos

- Enfim, sós! Agora, nada vai me impedir de passar as próximas horas prestando atenção em você, apenas você.
Sarah Laurent sorria, perfeitamente relaxada e confortável em seu sofá favorito, olhando para o que estava à sua frente: um livro de capa em tons fortes de amarelo e laranja, o título escrito em letras vermelhas e brilhantes.
Há muitos dias tentava achar um tempo para ler o livro que comprara num impulso, sem que seus filhos ou seu irmão visse, quando visitavam uma livraria na Savassi. E só agora, com Leo e Aline indo dormir na casa da “Tia Berê”, ela poderia finalmente matar sua curiosidade. O que aquelas páginas lhe revelariam, diferente do que já sabia? Claro, só tinha conhecimento de parte do que acontecera em 1998… e tinha certeza que desconhecia muita coisa importante. E o que lhe acontecera nos últimos dois meses só fizera sua curiosidade crescer, por isso não resistira à tentação de comprar “o livro 7”.
Talvez sua leitura a ajudasse a preencher a grande lacuna em suas memórias.

***

Recordava-se muito vagamente do que acontecera antes da manhã em que acordara no St Mungus, o hospital bruxo de Londres.
Só sabia que ajudara sua amiga Ana em algumas pesquisas e na assistência a Luiza, a colega trouxa de Ana que se vira envolvida sem querer numa aventura no Mundo Bruxo e num noivado repentino com um bruxo conhecido como Zacarias Smith… Tudo graças a Rita Skeeter.(1)
Sim, a repórter ainda fazia das suas, e Sarah tinha que agradecer por ter conseguido ficar fora de seu foco. Ou talvez isso fosse um mérito exclusivo de seu irmão, Severus Snape.
Com um suspiro, ela se recordou de como acordou, ouvindo sua voz chamando-a insistentemente em seus pensamentos e descobriu que estava no famoso hospital, na ala especial para acidentes mágicos. Só não entendia que acidente fora esse…
De repente, o quarto estava cheio de aurores: Tonks, Schakebolt, Harry. Ana chegara também e… bem, havia aquele homem – e que belo exemplar de homem - a quem chamavam de Sirius. Sirius Black.
Sarah levou a mão à testa. Porque sua cabeça doía tão forte, toda vez que recordava este nome? Pressionando a testa com firmeza, recusou-se a deixar de pensar naquele homem estranho, que a olhara com tanta tristeza, enquanto saía da enfermaria, levado gentilmente por Ana.
Apesar de estar se sentindo bem, a equipe do St Mungus só concordou em liberá-la na semana seguinte, insistindo que tinham que monitorar suas reações e possíveis efeitos retardados do feitiço que a atingira, por ser algo completamente desconhecido por eles.
Mas, depois da avalanche de gente visitando-a todos os dias, desistiram de mantê-la sob vigilância. Até alunos de Hogwarts haviam passado pela enfermaria no sábado, e ainda havia aquele homem que insistira em ficar a postos, sentado do lado de fora de seu quarto, até que ela fosse liberada.
De novo, aquele homem, Sirius Black. Porque ele não fora embora? Porque se importava tanto com ela? Nem mesmo era amigo de seu irmão, embora eles mantivessem a civilidade, fora fácil para Sarah perceber que não se suportavam. Parecia até que faziam isso por ela. Mas não conseguia se lembrar por que. Quando tentava, a testa doía como se um punhal em brasa a atravessasse sem nunca alcançar o outro lado de seu crânio… E ainda havia aquele anel em seu dedo, que não conseguia se lembrar de como o adquirira e tentar provocava uma nova fincada de dor.
Mas Sirius só entrara uma vez em seu quarto, no dia em que ela saíra, para lhe dizer que não hesitasse em chamar por ele, se precisasse de algo. Ela lhe sorrira, agradecendo a gentileza, mesmo não entendendo por que. O olhar divertido de Ana, rolando os olhos brevemente, fora outro motivo de confusão. A única coisa que lhe ocorria é que, repente, aquele homem talvez se sentisse atraído por ela e tentasse se aproximar. Isso lhe trazia uma sensação tão estranha! E de novo a dor forte impedindo-a de pensar.
Então, ela tentava relaxar, lembrando velhas técnicas de meditação, respirando longamente. Ia vencer essa sensação odiosa a qualquer custo.

Foi o que garantiu a Ana, uma semana depois, quando foi visitá-la, em companhia na pequena Lizzy.
A Auror a fitara com atenção, depois perguntara como quem não quer nada:
- E o Sirius Black, veio visitar você?
- Não. – ela respondeu, sentindo de novo uma fisgada na testa – Que estranho, não é? Ele não arredava o pé do hospital, e agora… nem um “hellow” pela lareira…
- Ei, temos alguma coisa aqui! – Ana brincara, e ela fizera-se de desentendida.
- Mas me diz, como estão as pesquisas? Você descobriu mais alguma coisa?
- Bem… sim e não. – Ana viu na pergunta a chance perfeita pra tentar ajudar a amiga a se lembrar de alguma coisa mais consistente - Você se lembra do que eu lhe disse a respeito, antes? E sobre o 13º gigante?
- 13º… Gigante? Não era 13º Guerreiro?
- O que? – Ana olhou para ela, mais confusa do que nunca – Do que você está falando? Não tem guerreiro nessa história…
- Aquele filme do Antonio Banderas… Não é dele que você está falando não?
- Ai meus sais… - Ana suspirou longamente. Ia ser mais difícil do que parecia à primeira vista.
- Já conversamos sobre isso antes, e pelo visto você se esqueceu. Mas tinha algo importante para você saber, que tem mais a ver com você, seu irmão, seu papel nessa história toda e, claro, ele também.
- Ele?
- Sirius Black. – Ana fitou a amiga com ar de mistério, fazendo um suspense proposital.
Serenna sacudiu a cabeça e sorriu, dizendo:
- Pare de fazer mistério e diga logo. O que é tão importante que eu preciso saber sobre esse 13º gigante?
Lentamente, num tom que lembrava muito uma professora de educação infantil contando uma história, ela repetiu o que dissera há meses:
- Na minha pesquisa, eu descobri coisas muito interessantes sobre a Abadia de Glastonbury, uma das mais antigas construções cristãs da Inglaterra. Hoje está em ruínas, só que a região toda já foi ocupada por celtas, há mais de dois mil anos. Pois bem... O traçado das antigas estradas forma desenhos imitando os doze signos do zodíaco, espalhados por toda a região de Somerset, Barton St. David, Pennard Hills, Babcary... Em círculo. Na Ordem exata. Entretanto, há um décimo terceiro símbolo, fora do círculo. Ou o “Décimo Terceiro Gigante”, como o chamam. Um enorme cão, medindo cinco milhas de comprimento. O “Grande Cão de Longport”! A cabeça do cão está em linha reta com o símbolo de Gêmeos, separando o gêmeo do norte do gêmeo do sul. – ela tenta recordar-se das palavras exatas de suas antigas anotações - Nas imediações do sudoeste do círculo do zodíaco, a figura se parece com o cão egípcio Anúbis, Guardião do Submundo. Poderia se dizer que o cão está guardando o zodíaco. Sua calda está apropriadamente localizada no lugar chamado Wagg, e o brilho da “Estrela do Cão” do Cão Maior, SIRIUS - Ana enfatizou o nome – cai no nariz do cachorro. Justo neste nariz, construído em Athelney, que é uma das linhas de margens fazem o alinhamento mais longo dos lugares pré-históricos no sul da Inglaterra.
- Meu Deus, que coisa interessante! Então, você concluiu que Sirius Black – ela recusou-se a prestar atenção na costumeira “fincada na testa” – é este “Grande Cão de Longport”?
- Sim. – Ana concluiu, feliz que dessa vez parecesse mais fácil explicar – Ele está fora do círculo, defendendo os signos do inverno ao norte, e os signos do verão ao sul.
- Ele realmente parece ser assim...
- Assim como?
- Ah… protetor, eu diria. Pelo menos, agiu assim no St Mungus... Eu sinto falta dele.
- Opa!
- Não é o que você está pensando! – Serenna retrucara vivamente
- Não pensei em nada! – Ana levantara as mãos, mas intimamente, pensava com alegria que alguém gostaria muito de ouvir sobre esta conversa…
A conversa fora por outro caminho depois disso. A lembrança de que Serenna representaria um “signo do sul” fez Ana perceber algo importante: era necessário que sua amiga buscasse a energia que lhe faltava para se recuperar totalmente. Então, havia apenas uma coisa a fazer: ela tinha que voltar ao Brasil. Do contrário, continuaria sofrendo os efeitos da estranha maldição de memória e nunca conseguiria se lembrar daquele intenso período de sua vida e do seu papel ao lado de Sirius Black.

Ana convencera Snape de que era o que sua irmã precisava, e assim, em poucos dias, ela estava no Aeroporto Internacional de Londres, embarcando num vôo para o Brasil, em companhia de seus filhos Leo e Aline, de seu irmão André e de sua admirada cunhada Susan, que viajava pela primeira vez pelo modo trouxa – mas obviamente era muito mais controlada que Rony Weasley, então não pagara muitos micos.
E fora assim que Serenna se vira novamente atendendo pelo nome Sara Laurent…

***

Sarah sorriu, divertida. Foram dois meses que tiveram de tudo, menos a tranqüilidade que seria esperada para alguém “em recuperação da saúde”.
A primeira dificuldade fora convencer as crianças de que não poderiam dizer a ninguém, nem à sua nova tia favorita, que eram bruxos. A segunda, foi Susan se adaptar ao verão brasileiro – mesmo que em Minas Gerais ele seja bem menos intenso que no Rio de Janeiro ou o Nordeste. E também, aquelas questões práticas de um dia-a-dia: como se virar numa casa completamente trouxa, como caminhar nas ruas sem susto – já que “aqui se anda do lado errado” – e outras coisas, que fizeram os dias agitados, mas divertidos.
E também visitava regularmente o orfanato de onde adotara seus filhos, revendo os amigos e colaborando com o trabalho, conversando com as freiras sobre as diferenças entre o sistema inglês e o brasileiro – claro, tomando cuidado pra não citar os mecanismos bruxos por engano.
Sarah também começara a procurar conhecer o lado bruxo da cidade. Nisso contou com a ajuda de Miss Annie, sua antiga professora de inglês e tia de Maggie O’Connor Fagundes. Ainda era estranho pensar em sua antiga colega e esposa de Murilo como bruxa.
Miss Annie tivera uma reação curiosa à visita de sua velha aluna. Ela fora vê-la, sozinha, dizendo que não podia expor seu segredo para os outros familiares. A velha professora erguera sua sobrancelha de um modo curioso, que lhe lembrou muito seu irmão Severus. Aliás, esta fora uma parte curiosa. Miss Annie podia estar a muito tempo no Brasil, mas estava muito bem informada do que acontecera no Reino Unido nas últimas décadas. Ainda mais tendo uma sobrinha auror. Por isso, saber que sua antiga aluna era também uma Snape fora um choque.
Mas concordara em sair com ela no dia seguinte, mas mostrar-lhe os principais caminhos na parte bruxa da Capital Mineira. E isso fora o início de uma nova aventura.

Pela primeira vez, Sarah via a cidade em que vivera boa parte de sua adolescência e vida adulta, de uma forma completamente nova, e sentia-se como uma turista.
Miss Annie a levou à Governadoria, o escritório estadual do Ministério da Magia Brasileiro. A passagem para a repartição bruxa foi a coisa mais curiosa que Sarah jamais imaginara. Ela e sua “tutora” pegaram tranquilamente uma das linhas circulares da cidade, descendo na antiga e conhecida “Praça da Estação”. Então, para surpresa de Sarah, ao invés de irem para as escadas que conduziriam à passagem subterrânea até a plataforma de embarque do metrô, a velha inglesa a conduziu para o prédio principal, atualmente abrigando um museu de artes e ofícios. Na lateral, uma velha estátua de um felino postada como se vigiasse a praça – a velha estátua retirada do jardim do outro lado, substituída por uma réplica - e disfarçadamente tocou-lhe nas costas três vezes, sem que Sarah ao menos percebesse que ela usara a varinha para isso. E na parede em frente surgiu uma velha porta, no mesmo estilo das demais, porém com aparência mais antiga.(2)
Depois de olhar ligeiramente para trás, para ter certeza de que ninguém notara o ocorrido, mais por costume do que por necessidade, porque existia um feitiço anti-trouxas circulando toda a ponta do edifício, passaram pelo que pareceu a Sarah uma barreira mágica com um forte feitiço de desilusão… e se viram na entrada de um túnel iluminado por lâmpadas antigas de latão, semelhantes aos velhos lampiões da época da construção da cidade, que Sarah conhecia de fotos antigas.
Em determinado ponto, havia uma bifurcação, e elas seguiram o caminho da esquerda.
- O que há do outro lado?
- A Estação do Expresso Rio Negro, claro. E também os pontos de embarque e desembarque da Patianga Noturna. – ela respondera com seu português ainda carregado de sotaque.
O nome estranho ficou sem explicação, mas Sarah não tinha pressa. Como diria antigamente, tinha todo o tempo do mundo…

Olhando pela janela magicamente ampliada – do lado de fora, ela tinha menos de um metro de largura – Sarah não conseguia acreditar que estivera tão perto e ao mesmo tão longe da parte bruxa da cidade. O longo túnel terminara em uma escada, que por sua vez viera dar no interior de um prédio magicamente ampliado, com salas divididas por balcões de madeira, como nas antigas repartições públicas. A diferença – ela logo percebeu – era que a famosa morosidade não existia por aqui. Todos pareciam atarefados e atentos, e sua presença logo foi registrada, enquanto uma funcionária da recepção – uma bruxa nova de cabelos espetados e olhos brilhantes – perguntava com voz gentil qual nome desejava usar, já que ela tinha registro duplo e dupla nacionalidade.
- Bem, já que estou “em casa”, acho melhor usar o nome que as pessoas me conhecem aqui, não é mesmo? – ela respondeu, com um sorriso tímido, recordando o quanto fora difícil se acostumar com as pessoas chamando-a por Serenna e Sarah ao mesmo tempo – Pode colocar “Sarah Laurent”. Quem me chama de Serenna não vai estar por aqui mesmo…
- Muito bem, Srta Sarah… é senhorita, não? Há lago meio estranho sobre seu estado civil também…
Miss Annie cortara a conversa com uma observação sobre não terem tempo para futilidades, e a garota entregara-lhe o crachá com um pedido de desculpas.
Sarah lhe sorriu, agradecida, anotando mentalmente a necessidade de verificar depois o que havia de estranho em seu registro.
Então, elas haviam passado por alguns setores, para conseguir todas as autorizações que precisava: o registro de sua varinha mágica, ou não seria capaz de realizar o mais leve feitiço, para instalação da rede flu em seu apartamento – sim, os brasileiros, pelo menos os bruxos, usavam lareiras, mesmo no verão – e também outras maneiras de comunicação.
- Aqui usamos corujas, também, mas de forma limitada. Ainda temos barreiras devido à colonização portuguesa, que entende corujas como portadoras de maus agouros, e constantemente temos que mantê-las sob feitiços de desilusão. Usamos alguns pássaros regionais em comunicações locais, como o gavião real. No Sul, eles o chamam de harpia. E ele consegue cobrir grandes distâncias, o que é excelente para um território tão extenso como o Brasil.
Sarah lembrou-se de Ana comentando que seus primos haviam enviado uma harpia para a filha em Hogwarts e a comoção que isso provocara (3).
Mas ela não estava mais preocupada com os meios bruxos de comunicação. Estava diante de uma ampla janela, de onde via uma paisagem conhecida: além de parte do centro da cidade e da larga avenida que, acompanhando o leito pavimentado do velho Ribeirão Arrudas, se transformava num grande viaduto, ela podia ver os bairros seguintes, ou melhor, cada um dos morros que formavam alguns dos antigos bairros da capital mineira. O “Bonfim”, ao longe o “Carlos Prates”... e então, ela percebeu onde estava. (4)
- Miss Annie...
- Sim, querida? – a bruxa sorria, condescendente, aguardando a pergunta óbvia.
- Estamos na Rua... Sapucaí?
- Mais precisamente, no número 127 – a resposta veio do funcionário atrás de uma mesa ao lado da janela, um bruxo de cabelos grisalhos muito bem penteados para trás, sugerindo o uso constante de algo semelhante à velha brilhantina e uma gravatinha borboleta aparecendo acima do pulôver xadrez (completamente inadequado ao clima lá fora, mas Sarah notou que a refrigeração na sala era bastante eficaz) e óculos antigos de aro escuro.
- Dirceu, meu caro, creio que minha pupila gostaria de saber como os sacis trabalham. – Miss Annie voltou a dizer, tirando a atenção de Sarah da larga janela, que ela sabia agora ser ampliada magicamente, pois sabia existir naquele endereço um velho sobrado necessitando urgente de uma restauração (ou seria apenas uma “fachada” dos bruxos?).
- Sim, eu gostaria muito – Sarah respondeu, tentando entender porque o homem não parecia certo de atendê-la, mas realmente curiosa para ver de perto uma criatura mágica tão conhecida do folclore brasileiro, que Miss Annie dissera ser usado como “mensageiro” em alguns casos, apesar dos transtornos.
No minuto seguinte, ela compreendeu perfeitamente a que transtornos eles se referiam. Após ele acionar um assobio, começou a segurar as coisas sobre sua mesa, sendo imitado pelos bruxos das mesas próximas. Então, um forte estalo se ouviu, um redemoinho se formou bem à sua frente, e quando Sarah piscou várias vezes, acabou se convencendo de que estava diante da criatura mágica mais incrível que jamais vira.
Um garotinho negro de olhos incrivelmente aberto, vestido de vermelho, e evidentemente pulando numa perna só e com um cachimbo pendurado no canto da boca, olhava para ela entre curioso e travesso.
- Serelepe, esta é a Srta Laurent.
- Outra? – o Saci comentou, fazendo Sarah franzir a testa, enquanto Miss Annie raspava desconfortavelmente a garganta. Sarah deduziu que seria pela suposta atitude de desrespeito para com uma “nova cliente”.
- Isso são modos, meu garoto? – o funcionário o repreendia, traindo uma nota de doçura em sua voz, antes de se dirigir a Sarah. – Serelepe é nosso contato com o Centro Rio Negro. Embora alguns imigrantes europeus no início os tenham confundido com elfos domésticos e tentado utilizá-los da mesma forma, o que trouxe conseqüências lamentáveis, atualmente, conseguimos que eles nos ajudem com nossas correspondências. Claro, é preciso saber lidar com estes pestinhas, e sempre tenha à mão um pouco de fumo, ou não atenderão ao seu pedido.
Sarah ouvia a explicação sem tirar os olhos do pequeno garoto à sua frente, claro, consciente de que sua aparência possivelmente não correspondia à sua idade. Ele seria provavelmente de idade secular.
- Não se engane, gata! – ele piscara, antes de tocar o gorro vermelho em sinal de despedida e partir num novo redemoinho.
- Esse moleque! - o bruxo exclamara, ao que Miss Annie retrucara.
- Você gosta dele, Dirceu, não se faça de bobo.
Sarah, ao ouvir novamente o nome do homem, teve um pequeno clique de reconhecimento. Não, não poderia ser…
Reparou pela primeira vez a mesa do homem, já que se detivera quase o tempo todo em contemplar a vista da cidade, e viu detalhes preciosos: na parede, um daqueles antigos quadros de colecionadores de borboleta, com a diferença de que não haviam os famigerados alfinetes espetando elas. O peso de papel também tinha uma linda borboleta e até as pontas de seus lápis e canetas eram pequenas borboletas.
- O senhor não é “ele”, é? – ela perguntou vacilante, temendo que ele se sentisse ofendido por ser confundido com um personagem de novela. Seu temor pareceu verdadeiro, quando o homem ficou rubro, quase erguendo-se da cadeira ao responder:
- E-eu… nã-naõ sou… e-e-le…I-is-isso é é u-u-ma-ma ca-ca… lúnia.
- Quem? Dirceu Borboleta? – ela não resistiu, ao ver a gagueira súbita. (5)
O pobre homem bufou, e Miss Annie interferiu, com tom divertido:
- Ora, homem, não fique assim. Sarah não teve intenção de ofender você.
- Não, claro que não! É só uma coincidência, não é? – ao ver o silêncio desconfortável deles, reiterou – Não é?
- Não! – o pobre homem soltou um suspiro – Conheci o Sr. Gomes numa viagem ao Nordeste e, ao que parece, ele me achou uma figura pitoresca… e resolveu me incluir numa de suas obras. Claro, quando eu soube, já era tarde demais, como obliviar os telespectadores no país inteiro?
- Pelo menos, com tantas figuras do “Imaginário” que esse senhor gostava de usar, ele não soube completamente da verdade. Você devia estar feliz por isso… - Miss Annie retrucou.
- Sim… claro, acho que deveria – Seu olhar era ainda mortificado, e Sarah indagou novamente:
- Por que? Que verdade?
- Eu… sou um animago. Eu me transformo numa borboleta!
Sarah olhou-o, com redobrado espanto. O homem aprecia humilhado ao admitir.
- Ora, eu conheço uma mulher que se transforma em um besouro! – ela exclamou, depois de um tempo. Sei que um inseto é pequeno, mas tem suas vantagens, não?
- Não é um animal tão… másculo… - o homem murmurou, e então, Sarah entendeu seu dilema. Tentando evitar o riso, ela comentou em tom conciliador:
- Podia ser pior. O senhor poderia ser uma joaninha… Já assistiu “Vida de Inseto”, da Disney? Há um personagem muito interessante lá, um “Joaninha-macho”…
O homem pareceu ainda mais desolado, e Miss Annie sabiamente mudou de assunto:
- Interessante você ter comentado que Serelepe atende ao Centro. Sarah tem alguns contatos a fazer com um dos professores, não é verdade, minha querida?
- Ah, sim! – Sarah sorriu – Tenho um contato a fazer com ele, a pedido de meu irmão. Eles estão planejando uma visita à escola, aproveitando que o feriado de Páscoa é mais longo na Inglaterra.
- Que ótimo! – o Sr. Dirceu afirmou rapidamente, também aliviado por outro assunto ser levantado. - E qual é o professor?
- Paulo. O professor de alquimia. Até que a lareira esteja pronta lá em casa, precisarei da ajuda de vocês para esses contatos.
- Claro, claro. Isso não será problema. Até que esteja tudo pronto, Serelepe poderá ser o mensageiro entre você e o Prof. Paulo. Entretanto, ele não poderá ser enviado a… Hogwarts, presumo?
- Sim. Meu irmão é professor, lá.
- Não me lembro de um brasileiro no corpo docente de Hogwarts.
- Ah, mas ele não é brasileiro, é inglês mesmo! Desculpe, acho que o senhor não sabe que tenho as duas nacionalidades, já que fui trazida para cá quando criança e adotada por uma família daqui.
- Sim, sim, desculpe-me. Sim, eu conheço seu caso, mas tinha me esquecido desta particularidade. É a única razão para termos concedido licença para uma lareira internacional.
- E eu agradeço muito por terem sido tão compreensivos para esta necessidade. Minha cunhada, casada com meu irmão brasileiro, também é inglesa e não queria perder o contato com a família. Já Severus ficará feliz se eu puder lhe informar diretamente os progressos de nossa negociação com o Centro.
- Sev… Severus Snape? – o pobre homem estava rubro de novo – O co… comensal da… Morte?
Sarah soltou um longo suspiro… ia começar de novo…
- Por favor, senhor. A inocência de meu irmão e suas lealdades já foi comprovada. Ele é um homem de bem, é bom no que faz, é um excelente professor. O que aconteceu no passado foi em virtude de uma situação especial: a guerra. Que, finalmente, terminou. E todos seguem suas vidas, reconstroem sua carreira, suas famílias.
O homem fitou-a, admirado. A moça se inflamara e por um momento parecera crescer. Miss Annie também admirava sua antiga pupila, boquiaberta. Sarah não sabia, mas uma energia intensa se irradiava dela neste momento e o bruxo à sua frente apressou-se a acalmá-la, temendo uma explosão involuntária de magia.
- Eu compreendo inteiramente, senhorita. Perdoe-me, mas é que eu não sabia de seu retorno à vida acadêmica, e muito menos que ele possuía família. E, nessas circunstâncias tão incomuns!
Sarah percebeu que sua reação fora demasiada e se sentou, murmurando também um pedido de desculpas.
- Eu fico tão triste por meu irmão ainda ser visto como um vilão! Perdoe-me, por favor.
- Não há de que, fique tranqüila. É muito bom ver que irmãos são tão unidos, como vocês dois. Isso, acima de tudo, demonstra o caráter de um homem. Quando sua família o defende com tanta força, é porque é bom de verdade.
As palavras amáveis pareciam um pouco forçadas, mas Sarah resolveu não render mais o assunto. As questões práticas eram mais urgentes.

Em poucas semanas, ela estava já com a Rede Flú em pleno funcionamento. Antes disso, Serelepe fora o alegre portador das cartas de Snape para o Prof. Paulo e de sua resposta. Sarah ainda se assustava com seu assobio forte ao chegar, mas sempre tinha algo para ele (não fumo, mas deliciosos chocolates que o peralta confessara preferir atualmente).
O único problema fora no dia em que o Saci surgira no meio da sala, enquanto Leo e Aline assistiam tv. Então, a bagunça se generalizara, e Sarah agradecera aos céus por nenhum de seus parentes estar em sua casa nesse instante. Como iria explicar tal coisa?
Tratar com os elfos já fora um pouco mais difícil. A libertação já ocorrera há quase dois séculos, então, as atitudes servis praticamente não existiam, e estavam presentes apenas naqueles que descendiam de elfos trazidos do Velho Continente, pois os “nativos” eram naturalmente voluntariosos e independentes.
Sarah ria sempre, claro, sem que eles percebessem, ao imaginar Draco Malfoy tentando dar ordens a algum desses homenzinhos fortes e enérgicos. E pensava no quanto Hermione Granger-Weasley gostaria deles.
Mas sua lareira ficara pronta, assim como as alterações em seu apartamento, ou melhor, no apartamento vizinho, providencialmente colocado à venda. Assim, todas as obras “mágicas”, foram realizadas nele, além de uma porta de ligação no corredor dos quartos, e Sarah sentiu-se aliviada por não ter que explicar aos seus familiares trouxas porque tinha mandado construir uma lareira na sala.
E isso era vital, pois sua irmã Berenice estava constantemente em sua casa, nos últimos dias, feliz com a novidade de ter sobrinhos (já que os filhos de Vera estavam estudando fora, em um colégio especial do qual as irmãs não tinham comentado muita coisa).

Mas, neste momento, sozinha em seu apartamento, André e Susan em seu quarto no “outro lado”, Sarah só tinha uma coisa em mente: ler o famigerado Livro 7 e descobrir finalmente como J.K.Rowling havia terminado a série…
Então, ela entregou-se à leitura…

***

(1) – Harry Potter e o Segredo de Corvinal - Belzinha
(2) – Na reforma da “Praça da Estação”, as antigas estátuas de leão foram substituídas por réplicas. As originais foram restauradas e colocadas em cada um dos lados do prédio da Estação Ferroviária, restaurado e transformado em Museu das Artes e Ofícios. Hoje, ao passar pela praça, de manhã, pensei que o arco atrás dele, substituindo uma antiga porta, seria o lugar ideal para uma passagem mágica.
(3)- Harry Potter e o Segredo de Corvinal – Belzinha
(4) – Na Rua Sapucaí, nº 127, há um velho sobrado, resistindo ao tempo e sem avanço no serviço de restauração. Até a mão de tinta amarela que deram recentemente já apresenta pixações… o que me provoca imensa tristeza. Meus padrinhos residiram no andar térreo, quando eu era criança, e a casa sempre me pareceu “mágica”.
(5) – Dirceu Borboleta, personagem da novela “O Bem-Amado” de Dias Gomes, e interpretado magistralmente por Emiliano Queiroz (só não me pergunte em que ano a Globo exibiu a novela…)
Obs: assim que conseguir fotos dos dois prédios, incluo para vocês as imagens.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.