Diga-me o que vê
Helga estava acamada naquele dia. Deitara-se para morrer de dor enquanto sua amada sobrinha enfrentava perigos incalculáveis. Recusara-se a comer e só aceitou beber um caldo ralo porque Rowena ameaçou-a com feitiços das trevas que na verdade ignorava. Sentava-se na beira da cama de Helga enquanto esfregava as mãos em aflição e falavam de coisas amenas. A colheita fora farta, os elfos que chegaram das terras altas em busca de abrigo no castelo, os fantasmas que haviam se estabelecido na torre de astronomia e que Helga em vão tentara expulsar. "Deixe que fiquem," dissera Rowena. "Para que serve um castelo sem fantasmas?" E deixaram que os velhos filósofos se acomodassem nas ameias da torre a calcular estrelas enquanto Zibby, sua amada Zibby, avançava em direção à morte.
– Onde errei? perguntava Helga, atribuindo-se culpas de mãe, enquanto fungava nas mangas de Rowena.
– Você não errou– consolava a verdadeira mãe. – Ela tem nossa curiosidade e ousadia, traçou seu destino como todo Griffindor antes dela, caiu de amores pelo desconhecido como a mãe. Que poderíamos fazer? Ela é livre e forte, e por ser assim ela voltará, sã e salva, você vai ver, querida Helga.
Os dias haviam se passado antes disso, e as semanas e os meses, e Rowena temeu que sua filha não voltasse. Godric recolhera-se aos seus afazeres de administrador da comunidade bruxa e mantinha-se tão ocupado que raramente voltava para casa. O castelo era um lar de elfos naqueles dias, que mantinham corredores e torres, escadarias e estábulos brilhando de tão limpos. Faziam banquetes que ninguém comia e suspiravam atrás das portas de compaixão por seus mestres que, pouco a pouco, abandonavam o gosto pela vida. Deixaram então de espanar os livros que Rowena abandonara abertos na biblioteca, e já não limpavam os frascos nem lavavam as roupas. Vestiam-se com trapos e em andrajos vagavam pelos corredores. Na falta de motivação e por seu seu anseio de ajudar fruto de suas naturezas alteradas pela maldição, passavam os dias cavando túneis que ligavam o castelo a outros lugares nas redondezas, as vezes partindo de uma parede, ou sob uma estátua no quinto andar, apenas para passar o tempo. Num dia cinzento de inverno, desesperados e impotentes, reuniram-se, num último esforço conjunto de se verem úteis, para criar com sua antiga magia única e incompreensível, uma sala para Zibby. Se um dia ela voltasse e encontrasse os ossos de seus pais e tia mortos de dor pela sua ausência e os restos das centenas de elfos que foram acolhidos no castelo, encontraria um lugar para repousar e ter suas necessidades atendidas, fossem quais fossem, para suavizar a perda de sua família. Chamaram-na a Sala do Pedido. Mas por mais que se esforçassem não puderam ver seu pedido, de ter Zibby de volta, atendido.
A primavera chegou e os lírios abundavam nos campos dos arredores do castelo. Helga não saíra da cama como há muito decidira e Rowena lhe fazia companhia. Godric olhava pela janela da torre como tudo parecia tão bonito do jeito que sua filha costumava afirmar ser como um sonho. Ela amava aquele castelo, os campos, as aldeias e tudo que vivia nos arredores. "Tão cheia de vida e alegria, tão desobediente e atrevida... Como ousara – pensou Griffindor, como fizera vezes sem conta, – envolver-se com artes das trevas? Como não pudera ensinar-lhe nada, nada, que pudesse entrar naquela cabeça dura? Nenhuma advertência que lhe fizesse hesitar diante de um livro suspeito, uma invocação tenebrosa, ao menos o temor do desconhecido?"
"Logo completará um ano que partiu. Não ouso pensar que não sobreviveu. Se não fosse por suas habilidades mágicas confiaria que o jovem Le Fort mostre-se capaz de mantê-la a salvo dos perigos que a ameacem. Mas e se não for suficiente? E se apenas no campo de batalha contra armas sólidas ele saiba defender-se e atacar? Diante das artes tenebrosas que outro senão um bruxo das trevas poderia safar-se?"
A tarde se arrastava como costumava arrastar-se desde que, resolvidos os problemas mais prementes da comunidade bruxa –os estatutos de secreto, as definições dos seres mágicos e a proteção dessas criaturas dos olhares trouxas, o estabelecimento do ministério e a escolha do lorde da magia, cargo que Griffindor recusara veementemente preferindo ficar nos bastidores–,recolhera-se ao castelo de seu clã para sofrer com sua mulher e sua amiga. Mas não mais podia sofrer com elas. Olhava para Rowena e sentia-se miserável. Fizera incursões, movido pelo desespero, a inúmeros lugares que diziam ser usados por bruxos das trevas em busca de notícias de sua filha, mas em vão. Ela simplesmente havia desaparecido no ar.
Godric não cansava de recriminar-se. Já fechava os pesados cortinados sobre a janela, resolvido a sair e iniciar outra busca, quando avistou ao longe, na estrada que chegava pelo oeste, o que parecia serem dois vultos, dois cavaleiros que trotavam pelo caminho. Griffindor abriu a cortina e deitou o corpo pela janela, tentando ver melhor quem se aproximava. Sentiu o pulo no peito quando viu o movimento do que pareciam saias sobre o cavalo baio e sua garganta ficou seca quando o elmo do outro cavaleiro lembrou-lhe daqueles usados pelos soldados de William. Sua voz morreu e não pode gritar às mulheres o que bem poderia ser uma alucinação, o desejo de seu coração em miragens que se formavam a sua frente, possivelmente resultado de sua mente cansada avisando que sua morte era próxima. Mas o que via parecia tão real! Afastou-se da abertura e estendeu a mão a procura de um elfo entre tantos que vagavam pelo castelo. Um pequeno elfo de orelhas peludas e vestido com restos de uma velha saia florida de Helga aproximou-se temeroso da insanidade que brilhava no rosto de seu mestre. Griffindor agarrou-o pelas roupas e o ergueu até a janela, tremendo.
– Diga-me o que vê, elfo. Diga-me!
O elfo olhou o caminho e anunciou:
– Vejo dois cavaleiros, meu senhor e patrão, um homem vestido como romano e uma mulher com a cabeça coberta com um manto.
– Você vê um homem e uma mulher? Os reconhece?
– Não os reconheço, meu senhor e patrão, mas quase ninguém vem aqui e desde que cheguei ao castelo Griffindor n...
Godric largou o elfo, que se estatelou no piso de pedra, e desceu correndo as escadarias da torre, irrompendo a toda velocidade pelo salão de entrada, parando de correr apenas quando chegou às portas gigantescas. Com um movimento do pulso as portas se abriram e Godric posicionou-se no alto da escadaria de entrada. Calado, trêmulo, esperou que os cavaleiros se aproximassem.
Zibby retirou o capuz de seu manto de viagem assim que viu o pai parado à porta e lhe sorriu. Apressou o cavalo e, contendo-o ao chegar ao pé da escadaria, saltou e correu até onde o velho bruxo se encontrava, pálido e ansioso. Godric abraçou a filha e decidiu que nunca a soltaria novamente. Após alguns minutos, deixou que a moça respirasse, a contragosto. Ergueu o rosto que só ambicionava a face da filha para o homem postado alguns passos dali.
– Confiei que milorde traria minha filha a salvo e não me enganei. Seja bem-vindo.
Griffindor abraçou o soldado e os apressou a entrar no castelo.
– Não reparem no estado da casa – desculpou-se –, abandonamos trivialidades como limpeza quando era ainda outono.
Dito isso, Godric puxou pela varinha e fez um movimento breve. Depois chamou os elfos que ali estavam aguardando ordens, com seus imensos olhos esbugalhados, e pediu uma refeição para os recém chegados, um banquete digno de um rei! Os elfos abriram grandes e assustadores sorrisos e dispararam em direção às cozinhas.
Num instante Rowena, seguida por uma Helga vacilante pelo longo tempo acamada, entraram no salão e correram a abraçar a moça, apertando-a e afagando seus cabelos e fazendo muitas perguntas ao mesmo tempo, entre gritos de satisfação e aleluias. Não cabiam em si de felicidade nem acreditavam no que viam. A bruxa em sua capa de viagem, parecendo mais velha e mais sábia, não importavam à mãe e à tia. Queriam assegurar-se de que filha e sobrinha, seu bebê, havia voltado viva e inteira mesmo que nada tivesse aprendido e trouxesse na bagagem apenas fracassos. A amada Zibby estava em casa e nada mais importava.
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