Um lar para os tesouros
Após o jantar, farto e delicioso, acompanhado do melhor vinho das adegas do castelo, reuniram-se todos na sala da torre. As chamas na lareira crepitavam amigavelmente e os comensais, satisfeitos e inebriados, ouviam a aventura ser contada pelos lábios dos dois viajantes.
– Mal posso crer, pelas barbas de Merlim! dizia Helga . Entraram na terra das fadas e voltaram, isso sim é uma grande proeza.
– Lamento saber da Senhora do Lago, disse Rowena, entristecida pela dolorosa perda. Ela fará falta ao mundo dos bruxos.
– Ela cumpriu seu destino com coragem, minha mãe. Levou o usurpador consigo para o abismo entre mundos.
– Nunca pensei que Salazar chegaria a tal ponto. – lamentou Godric. – Arriscar todo o mundo dos vivos por uma ambição sem freios. Que satisfação lhe traria possuir esses objetos, mesmo mágicos?
– Ele ambicionava o poder absoluto, meu senhor Griffindor. – sentenciou Richard Le Fort. – Seria um rei invencível caso dispusesse das relíquias.
– Sim, mas a que custo!
– A ele não importava o custo – concluiu Richard – já que pagaria com moeda alheia.
– E que destino darão às relíquias que lhes foram entregues? questionou Rowena intrigada.
Zibby, olhando de soslaio para o embrulho que trouxera na viagem, explicou.
– Saimos da Terra do Verão com duas relíquias e outros dois reflexos. Liberamos o primeiro ainda em Glastonbury, na capela do monastério. Ele ficará sob a guarda dos monges. Não nos deram ouvidos quando lhes falamos da natureza da taça. Pareciam enfeitiçados, convencidos que estavam de se tratar do mesmo cálice que foi trazido desde o leste longínquo pelo peregrino José, da cidade de Arimatéia, que fundou a pequena igreja onde eles habitam hoje. Acreditam possuir poderes inimagináveis por ter recolhido o sangue daquele mestre que seguem e que chamam Filho de Deus. Por isso creio que estará muito bem cuidada e protegida.
– Quanto a lança, bem - assumiu o relato Richard - encontramos um velho...
– Realmente muito velho– assegurou Zibby.
– Sim, e ele nos esperava à saída da fenda. Disse estar ali para isso, que a lança lhe pertencia por merecimento mesmo que a preferisse destruida. Chamou-a Lança do Destino e lamentou a morte da Senhora do Lago. Segundo ele, ela lhe prometera o descanso após séculos vagando pelo mundo, mas não recusou seu fardo e a carregou consigo quando partiu para as terras do norte. Contou-nos sua triste história e acreditamos nele.
– Mas acreditaram num estranho apenas por ouvir dele uma história triste? – recriminou Helga, não sem arrepender-se logo após.
– Ele nos provou dizer a verdade, afirmou Le Fort.
– Sim, – apoiou Zibby, – sem sombra de dúvida. Curou-se de um ferimento mortal diante de nossos olhos sem usar de magia outra que não a própria natureza de suas carnes e espírito.
– E mostrou-nos a cicatriz em forma de cruz que traz incrustrada em seu peito.
– E seu olhar tinha uma tristeza infinita, – lamentou a moça – sua voz vinha de tão longe, e sabia tudo a respeito de nossa missão e sobre a Terra do Verão.
– E tudo a respeito da lança, finalizou Le Fort.
– Se assim o dizem, está correto para mim e muito bem decidido. – concordou Godric. – Mas o que fará o velho com a lança? Disse-lhes onde a guardará?
Zibby e Richard trocaram um olhar cúmplice.
– Sim, continuou Richard. Ele a entregará à Morte quando ela um dia o encontrar e apenas nas mãos Dela, para que decida seu destino quando ele se for.
– Então a taça e a lança têm seu destino decidido. – questionou Rowena – E quanto às outras duas relíquias, que fim levaram?
Zibby levantou da cadeira estofada em que estava e andou até o embrulho. Quando se voltou tinha numa mão uma espada e na outra um prato de ouro e elas refulgiam intensamente, cegando os presentes com sua luz dourada e quente mas que logo se suavizou até que o brilho desapareceu.
– Aqui estão as relíquias, pai e mãe. E vocês dois devem cuidar, com suas artes mágicas para que nenhum outro que não tenha em si as suas virtudes sejam capazes de encontrá-las. E dizendo isso entregou o prato à sua mãe e a espada a seu pai.
Griffindor ficou mudo por vários minutos, admirando aquela que havia sido a espada de seu rei e amigo, Arthur, e que se acreditava perdida para sempre. Vira quando Percival a jogara no mar enquanto o barco em fogo levava Arthur para a Terra do Verão, onde viveria para sempre nos braços de sua amada sacerdotisa. Ou era essa a lenda que contavam naqueles dias.
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– Adequado uma espada para um guerreiro. Mas este guerreiro já não lutará mais. – Meditou observando Excalibur com seu punho de jóias e lâmina perfeita e disse, como se brincasse: – A guardarei em meu chapéu.
Helga achou muita graça e ria, mas sorria a toa desde que a sobrinha pusera os pés adorados no seu lar.
– E você Rowena querida, que fará de seu prato? Comerá nele? – zombou, galhofeira.
Rowena, que comprara o bem humorado peixe que Helga lhe oferecia disse:
– Eu o equilibrarei na cabeça. E rindo, como raramente fazia, colocou o prato no alto dos cabelos escuros e o prato contorceu-se e moldou-se na curvatura de seu crânio e, dobrando-se, criou uma suave ponta, transformando-se num diadema, que ela usaria por toda a vida.
Zibby e Richard casaram naquele verão, no pomar diante do castelo que se encontrava carregado de frutas cheirosas. Helga cobrira o campo de flores silvestres para que o vestido da noiva surgisse como o mais branco dos buquês. Tecera com magia o tecido pessoalmente e encomendara os enfeites às criaturas mais improváveis. Mas nada era demais para sua preciosa sobrinha.
Rowena, com seu diadema, estava sentada à direita do pequeno altar improvisado, um altar cristão em homenagem ao noivo, e Godric, vestindo seu reluzente uniforme de batalha, erguia-se à esquerda, portando Excalibur na bainha.
Richard e sua família esperavam diante do altar que Zibby aparecesse e a comunidade bruxa espalhava-se pelos gramados. Quando a noiva surgiu, atravessando o arco de flores que assinalava a entrada da capela campestre, precedida por uma dúzia de elfos domésticos vestidos a rigor, com meias coloridas e gorros pontudos, e seguida por sua tia Helga a amparar a cauda do vestido bordado com lágrimas de fada, Godric já não lamentou o abandono do amigo.
Sua vida estava completa.
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