Um acordo com Draco

Um acordo com Draco






Maldizendo o mundo e o sexo oposto, Draco tentava seguir as instruções do pergaminho escrito por Borgin.

Era suposto que o barulho vindo da cabine tivesse parado mas depois de duas horas lançando feitiço atrás de feitiço nada tinha mudado.

O bloco permanecia como sempre, inundando o chão ao seu redor com reflexos cinzentos e frios, para desespero dele.

“Bem que eu podia ter pedido uma sala com lareira para reparar esta droga” murmurou o rapaz com um arrepio. Aquele espaço era enorme e percorrido por correntes de ar gelado.

Draco passou uma mão pelo cabelo para o afastar da testa suada. Estava indignado por ter de fazer tudo sozinho mas não tinha outra hipótese. Não podia confiar em mais ninguém.

No entanto, começava a considerar a hipótese de não conseguir reparar o artefacto sozinho. Tinha de pensar em outra solução.

Miss Rosmerta tinha-lhe dado uma informação muito interessante no dia anterior. Parece que o Prof Slugworn estava a fazer as suas compras de natal através do «Três Vassouras» e para Dumbledore ele tinha encomendado uma garrafa de Ogden’s Fire Wisky.

Draco podia tentar envenenar o director através do líquido. Era muito pouco fiável mas não perdia nada em tentar. Por alguma razão não se via a acabar com a vida do velho pessoalmente. Preferia muito mais agir indirectamente, tinha mais hipóteses de ser bem sucedido.

O que Draco mais temia era no fundo achar que não ia conseguir cumprir os desejos do Lord com consequências desastrosas para ele e para os seus.

Estava constantemente preocupado com a sua mãe. Em cada carta que ela lhe enviava, as letras vinham esborratadas como se estivesse a chorar ou coisa parecida enquanto lhe escrevia.

A falta de confiança da sua mãe não o ajudava a reunir forças para lutar contra os seus medos.


Para piorar o cenário, há alguns dias que o seu pai não lhe enviava mensagens pelo jornal. Talvez tivessem descoberto o seu esquema. Talvez o próprio Lord conseguisse torturar Lucius com a marca negra, enviando-lhe pesadelos envolvendo a morte dele ou de Narcissa, sua mãe.

Draco sabia que os sonhos que tinha com o seu avô e alguns pesadelos com sangue e torturas horríveis eram fruto do poder do Lord sobre ele. Todas as noites era inevitável acordar assustado e aflito horas antes de amanhecer.

O Lord Negro era um feiticeiro poderoso e um excelente oclumens. Ele estava na sua cabeça mesmo quando a marca negra não ardia sobre o seu braço. Draco já se acustumara com a dor.

Fazia parte de si como o resto do seu corpo. Esculpia a sua identidade apagando os traços de infantilidade que lhe restavam. É claro que ainda odiava o Potter e não conseguia olhar para ele sem sentir um desconforto no fundo do estômago mas já não procurava levar-lhe a melhor com provocações ou no Quidittch.

Desde que apanhara o rapaz cicatriz no comboio a espiar a sua conversa tinha ficado incomodado. Snape dizia que ele até o tinha visto a conversar com o Borgin em Knockturn.

Agora Draco encarregara-se de tomar precauções contra ele. Podia saber exactamente aquilo que o Potter desconfiava a respeito dele e se sabia ou não de alguma coisa.

Para isso bastava ouvir as conversas do trio maravilha às escondidas. Muitas vezes ele se rira para si enquanto lançava o fio cor de pele com o qual escutava Harry a tentar convencer os outros de que ele, Draco, estava a preparar alguma coisa.

Mal sabia o outro de como estava certo.

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Quim não teve tempo para se recompor da atitude de Blaise. Mal chegou ao castelo, o Prof Firenze de Adivinhação esperava por ela junto dos portões de entrada. Ela apanhou um susto enorme e o pouco sangue que lhe corria nas veias gelou «in situ».

>Quimera Merrigott, suponho? Um colega seu disse que eu a podia encontrar por aqui. Não recebeu a minha mensagem?

Ela não respondeu. Limitou-se a ficar estática na frente do centauro sem mexer um músculo.

Firenze pareceu nem se aperceber parecia olhar através dela incompreensivelmente.

“Será que lhe devo entregar o livro? Ele vai tirar tantos pontos da minha casa...era só o que faltava, agora é que o meu dia ficou perfeito” pensou Quim amargamente enquanto seguia o professor na direcção do seu gabinete.

Ela nunca tinha estado numa sala assim. Quando o centauro abriu a porta tudo o que conseguiu ver foi uma réplica assustadoramente fiel do interior profundo da floresta negra.

O céu brilhava timidamente sobre as copas das árvores cujos troncos maciços mediam várias vezes a largura de um Homem. Quim não podia sequer calcular a idade daquelas árvores mas julgando pelas copas cobertas de musgo deviam ter vários séculos de existência.

O chão era de terra preta, sem uma única espécie vegetal, apenas extensas variedades de fungos crescendo alternadamente sobre a camada de folhas mortas. “Onde é que ele trabalha? Como é que consegue corrigir os exames neste sítio e onde é que estão as suas coisas?” interrogava-se ela verdadeiramente espantada.

Firenze não disse nada. Parece que estava à espera que a rapariga falasse primeiro, com os braços cruzados sobre o torso e a cauda de um dourado claro abanando impaciente na sua retaguarda. Ao perceber o olhar fixo do centauro Quim entrou em sentido.

>Eu sei do que se trata professor. A minha colega informou-me da sua presença no dormitório e sinto muito por não o ter procurado mais cedo. Hoje mesmo eu ia devolver o livro à biblioteca e posso ir imediatamente.

Firenze parecia não ter escutado uma única palavra, continuava a olhar inexpressivamente para a rapariga com os seus olhos azuis claros delicadamente incrustados na sua face elegante parecia incrivelmente distinto.

Ela sempre pensou que criaturas como ele fossem assustadoras assemelhando-se a Homens talvez um pouco mais selvagens. Aparentemente estava errada porque Firenze parecia demasiado bonito para ser verdade.

Qualquer coisa nos seus traços delicados lhe recordava a fisionomia de Draco Malfoy. Ela sentiu-se corar e desviou o olhar. A sua mão direita voou num reflexo involuntário para o colo onde custumava estar o colar com o pendente.

Firenze que até agora não tinha iniciado um gesto, recuou com as quatro patas para trás o seu olhar fixo no movimento da rapariga.

>A noite brilhou como na aurora de tempos esquecidos.

A voz de Firenze nunca soou mais misteriosa aos ouvidos de Quim. Não conseguia entender o significado das palavras do centauro, era como se falasse noutra língua.

Ela preferia quando ele era directo como tinha sido à entrada do castelo. Talvez quando o assunto era sério, o centauro não se conseguisse exprimir de outra forma.


>Onde está a lança dos meus antepassados?

Inquiriu o centauro com um ar grave. Parecia que tinha assumido uma nova identidade, os seus olhos azuis brilhavam com a ferocidade que Quim esperava encontrar nos da sua espécie e os seus músculos estavam completamente tensos, as longas mãos de profeta cerradas ao lado do corpo.

>Tens usado o poder indevidamente, os da tua espécie agem sempre sem pensar por isso milénios de evolução nos separam. Um objecto assim não deve ser manipulado para coisas que tenham a ver com o vosso mundo. Não se pode reescrever o futuro, não é possível mudar o que está escrito.

>Deve ser o colar que o Blaise me ofereceu. O pendente tem a forma de uma seta e também tem poderes estranhos, responde ás minhas dúvidas. Mas...oh não! Já não o tenho comigo...Blaise...ele levou-o de volta.

O centauro empinou as patas dianteiras fazendo com que Quim caísse para trás com o susto.

>A jóia pertence-me. Ficou para trás quando abandonei os meus domínios assim como outros pertences de menor valor. Os outros centauros devem ter tentado ver-se livre do meu testamento sem efeito. O que a Um pertence, a Um regressa.

>Eu...eu sinto muito. Se puder ser útil de alguma forma...
Balbuciou Quim erguendo-se lentamente do chão, o cabelo ainda encharcado por causa da neve e a capa coberta de folhas molhadas e terra.

>O teu colega vai receber o aviso. O que a Um pertence, a Um regressa.

E sem mais nenhuma palavra, Firenze voltou-se nas patas traseiras e desapareceu a galope por entre as copas das árvores.

“Hoje toda a gente me vira as costas” pensou Quim sem saber o que fazer. Felizmente a porta por onde tinha entrado continuava de pé à sua frente talvez suportada por magia. Com um último relance por aquele local estranho Quim abriu a porta e saiu para o corredor cambaleando levemente.

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Em frente do fogo verde-topázio, Blaise rodava o fio de ouro entre os seus dedos num gesto ausente. Não sabia quantas vezes tinha revisto a cena de há pouco na sua cabeça.

Talvez tivesse ido longe demais e devesse ter esperado até ouvir o que Quim lhe ia dizer. Mas agora era tarde para voltar atrás com a sua palavra. Estava tudo acabado e mais valia esquecer e avançar em frente. O que não faltava eram miúdas doidas para ocuparem o lugar dela ao seu lado, pensou teimosamente.

Na mesa atrás de si Blaise podia ouvir a voz arrastada de Malfoy e cada sílaba que o rapaz pronunciava fazia a cabeça dele latejar com força. Decidiu sair dali e descansar um pouco.

Tinha toneladas de trabalhos para acabar mas não se importava com isso. Na mesa de cabeceira encontrou o pequeno frasco verde que Ostricia lhe tinha oferecido. “Bem, não custa experimentar” pensou o rapaz e tomou de um só gole todo o conteúdo do frasco.

O líquido era doce e reconfortante como nada que ele se recordasse de ter experimentado. Embalou o seu corpo em ondas quentes como raios de sol numa tarde de Julho e esvaziou a sua cabeça cheia de sentimentos contraditórios.

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Quim estava com dificuldade em encontrar o nome do autor. Não aparecia inscrito na lombada nem na contra-capa e até agora não estava em nenhuma das páginas que ela tinha inspeccionado.

“Por Merlim, sou mesmo burra!” pensou ela revoltada com a sua própria estupidez. Era possível identificar o autor de um livro desde que este não fosse impresso e estivesse escrito em caligrafia manual, foi uma das primeiras coisas que o prof Flitwick lhes tinha ensinado.

>”Revelauctore”

Disse firmemente apontando a varinha contra a capa de couro velho. O livro brilhou com intensidade e abriu-se de repente com o movimento de passagem das suas folhas amareladas como se alguém invisível o folheasse muito depressa.

A última página chegou rápidamente e na mesma caligrafia elaborada que o compunha apareceu o nome K. Malfoy III.

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Draco tinha chegado pontualmente à porta do gabinete do Prof Snape mas ele não estava lá. Foi com um sorriso desagradável que ele recebeu o professor meia hora depois. Mas o ar grave que escurecia a face do professor ajudou-o a conter um comentário sarcástico.

>Entre Mr. Malfoy.

O rapaz passou à frente de Snape e sentou-se na cadeira disponível paralelamente à secretária de mogno.

Draco enfrentou calado o olhar cortante do homem. Depois Snape subiu a manga esquerda do seu manto para revelar uma pele amarelada e a sua marca negra.

>Será que tu sabes o que ela significa verdadeiramente? Isto, Draco, é o teu destino, o elo de ligação eterno com o teu mestre, o mais poderoso dos feiticeiros negros. Não há ninguém que se lhe compare neste mundo ou no outro. Ele domina o espaço eterno que há entre os dois.

>Se é tão poderoso como é que ele não consegue matar o Potter?
Draco parecia revoltado.

>Insolente.

Sibilou Snape entre dentes.

>Isso era o que devia ter sido respondido pela profecia se não tivessem falhado miseravelmente quando a foram resgatar do ministério. Sabes o que eu prevejo para o teu futuro se continuares a agir assim? O mesmo que aconteceu ao teu pai. Vais falhar no teu dever para com o Lord Negro e desta vez não sei se ele será tão magnânimo. Se tentares fugir...bom basta olhar o exemplo de Igor Karkaroff. O mestre deu-lhe uma morte macabra.

>Eu sei, também estive nessa reunião Snape.
>Professor Snape para ti Draco. Eu fiz um juramento com a tua mãe que me obriga a proteger-te e a evitar que te aconteça alguma coisa de mal.
>Sim, nada como mostrar um pouco de confiança num comensal menor de idade.

Resmungou o rapaz com cinismo.

Snape pareceu relaxar os músculos da sua face e olhou paternalmente na direcção de Draco. No fundo tinha pena do rapaz e da sua sorte.

>Porque é que não me deixas ajudar-te Draco? As coisas podiam correr bem melhor e se calhar até conseguias cumprir as ordens do Lord sozinho com um bom plano.
>Eu tenho um bom plano.
>Antes de te meteres em mais uma asneira deixa-me dizer quem o Lord pensa mandar castigar-te. Creio que a tua familia já conhece o Fenrir? Fenrir Greyback que assasinou o teu avô, creio eu?
>Cale-se, cale-se imeditamente.

Draco tinha-se levantado e tremia dos pés à cabeça vermelho de raiva.

>É a verdade. Pensava que já tinhas ultrapassado isso.

>O quê?? Esquecer que quem esse lobisomem procurava-me a mim. Que ele me ia matar no berço se o meu avô não o tivesse impedido a tempo?

>Fenrir já pagou pelo que fez. Afinal ele tem uma dívida de sangue para com a família Malfoy não é? Pelo que eu sei vocês pedem-lhe muitos favores.

>É o mínimo que esse criatura miserável cuspida pelo inferno pode fazer.

Draco estava da cor do pergaminho. Snape arrependeu-se de ter ido longe de mais para convencer o rapaz a ter juízo e aceitar a sua ajuda. Com a varinha fez aparecer na mesa um prato de sandes, dois copos e um jarro de sumo de abóbora.

>Serve-te.

Disse o professor num tom seco e directo. O rapaz olhou com náusea para o lanche.

>Por acaso não tem por aí uma garrafa de Fire Wisky.

>Alunos não estão autorizados a ingerir álcool em Hogwarts, Mr. Malfoy.

>Eu não lhe peço como aluno mas como comensal das trevas.

Replicou Draco levantando a sua manga esquerda para mostrar a caveira com a serpente muito marcadas na sua pele pálida. Quando ele agia desta forma fazia lembrar muito o seu pai pensou Snape.

>Sendo assim...

Pela primeira vez Snape esboçou um pequeno sorriso e substituiu a comida por uma garrafa cheia de um líquido dourado e dois copos pequenos.

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>Onde é que estiveste Draquinho?

Pansy parecia preocupada.

>Não te vi durante o dia todo.

Draco pensou na reacção da rapariga se ele lhe dissesse a verdade. Será que ela ia acreditar que estivera a beber wisky com o Prof Snape durante um quarto de hora?

“Provavelmente não” pensou o rapaz com um sorriso afectado.

>Estive com os outros.

Mentiu Draco sem olhar para a namorada.

>Ah, bom...o que interessa é que agora estamos juntos não é? Sabes o que eu descobri ontem a cerca do Blaise?

O rapaz não custumava ligar aos promenores da vida dos outros quando ela começava com as histórias deste ou daquele mas desta vez escutou atentamente.

>Ele encontrou-se secretamente com a Ostricia Nott à noite na sala a seguir à estátua de Gregório o Grande.

>A sério?

Perguntou ele com uma expressão curiosa. Pansy acenou afirmativamente.

>Achas que a Quim já sabe?
>Não sei.

Mas o rapaz calou-se porque naquele momento Blaise Zabini entrava na sala comum abraçado a uma rapariga de cabelo encaracolado envolvendo-a num beijo apaixonado.

Pansy, que não conseguia fechar a boca de espanto, olhava fixamente o casal. Mas ela não era a única, longe disso. No mesmo instante todas as conversas da sala comum cessaram. As pessoas pareciam demasiado distraídas com aquela cena.

Blaise, ao reparar nas caras curiosas dos colegas riu-se e acenou descontraídamente para eles avisando a sua companheira do facto de serem o centro das atenções. E Ostricia sorriu mais abertamente que o rapaz na direcção da sala comum.

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“Devia ter calculado que uma ideia destas só podia ter saído da cabecinha de um Malfoy” pensou Quim enquanto lia a biografia do avô de Draco no Livro das personalidades da magia do século XX.

Na verdade não havia muita informação disponível sobre o Dr. K. Malfoy III, nem sequer havia uma ilustração.

Nascido em 1899, ele tinha-se dedicado desde muito cedo ao estudo da transfiguração e da construção de feitiços. De alguma maneira isto deve ter influenciado o homem a combinar a ascensão do mundo mecânico dos muggles com a dos mágicos mas sem resultados positivos concluiu ela.

Assim desistiu de criar algo a partir de objectos muggles para se dedicar inteiramente ao estudo das poções.

Se o criador das cabines foi o avô de Draco, então como é que é possível ele ensinar-lhe a reparar o aparelho? Ele já não era vivo pelo que vinha no livro tinha morrido com uma febre rara e o Draco nessa altura não devia de ter sequer um ano de idade.

Não era possível terem conversado sobre aquilo. Talvez Lucius Malfoy soubesse. Mas Quim duvidava disso, afinal o projecto era tão antigo que nem mesmo o pai de Draco devia ser nascido na altura.

> A trabalhar até tarde Merrigott?

Quim quase pulou na cadeira quando viu o rapaz loiro à sua frente. Ela fechou o pesado volume com violência fazendo com que Madame Pince gritasse da sua cadeira.

>Mais cuidado com os livros na biblioteca Miss, não volto a avisar.

Quim olhou para a mulher com um ar resentido e murmurou para si.

>Eu trato sempre bem os livros "cara de coruja seca".

Draco riu-se da reacção dela. Ele parecia muito bem humurado, o sorriso de escárnio quase lhe chegava aos olhos.

>Vieste só pelo prazer da companhia ou tens alguma coisa realmente desagradável para me dizer?

O rapaz mudou a expressão quase instantâneamente. Agora parecia sério com um toque de arrogância abrilhantando os seus traços elegantes. Puxou uma cadeira e sentou-se muito perto dela. Quim recuou defensivamente franzindo as sobrancelhas.


>A segunda hipótese.
>Já calculava. Bem, o que é que aconteceu?
>Quim, tu e o Blaise acabaram?

Ela olhou para o rapaz abismada. Não deixava de se surpreender com a velocidade com que as notícias corriam entre os alunos de Hogwarts.

>Isso não é da tua conta.

Repreendeu ela enquanto começava a guardar as suas coisas na mala sem olhar para o rapaz.

>Não te cansas de estar sempre de pé atrás comigo? Reparei que não trazes o fio que ele te deu.
>Oh, mas que observador. E calculaste logo que tínhamos acabado?

Disparou Quim com cinismo. Já não estava a gostar da conversa.

>Sim mas não foi o colar que me fez pensar nisso em primeiro lugar.

Draco falava com gravidade mas ao mesmo tempo parecia deliciado como se saboreasse um chocolate particularmente bom. A rapariga parou tudo para o olhar olhos nos olhos.

Com ares de grande importância ele pegou no volume das personalidades mágicas do século XX e abriu numa página ao acaso fingindo analizar com interesse a figura de Flátula o Mal Disposto.

>Ele apareceu na sala comum...agarrado com a Ostricia.

Ele analizou a expressão da rapariga. Estava à espera de ver lágrimas e uma explosão mas como sempre ela conseguiu surpreender as suas expectativas. Limitou-se a olhar para ele com uma expressão vazia e a responder-lhe secamente:

>Pronto. Acho que já ouvi o suficiente por hoje.

“Merlim porque é que me odeias?” suspirou Quim enquanto se levantava com a sua mala de camurça no ombro e o pesado livro na mão.

>Achei que era melhor saberes antes de ires para a sala comum onde eles estão. Quero ver derramar sangue! Já pensaste nos feitiços que vais usar? Eu tenho umas boas sugestões.

Quim olhou para ele desta vez com um ar de superioridade tão semelhante ao dele que poderia estar a ver-se num espelho.

>O quê? Um daqueles feitiços negros do «Aprendiz do Mal» que tu e os teus dois guarda-costas andam sempre a ler? Poupa-me. E já agora, o que é que te fez pensar que eu sequer penso fazer alguma coisa contra eles? O Blaise e eu já não andamos, acabámos hoje e ele é livre de se envolver com quem lhe apetecer. Não me está a trair, muito pelo contrário. E depois, quem o traiu primeiro fui eu.

Draco parecia impressionado embora o ocultasse muito bem debaixo de toneladas de arrogância e um sorriso escarninho.

>Não estás com medo pois não princesa?
>Não sou como tu.

Ripostou Quim sem lhe prestar atenção. Sentia-se de repente muito lúcida. Só desejava conseguir manter o sangue frio quando deparasse com Blaise e Ostricia.

Já devia ter calculado que não podia confiar em Slytherins. Por mais lições que o tempo lhe ensinasse ela parecia cair sempre nas armadilhas dos outros. Naquele momento detestava Blaise, repudiava Ostricia e acima de tudo, odiava Draco Malfoy.

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Quando Quim entrou na sala comum, as conversas pararam e os olhos das pessoas fixaram-se nela.

Sentia-se como se estivesse sob um expositor numa montra particularmente requisitada. O seu romance de novela com Blaise tinha surtido os seus efeitos e se até agora só tinha visto as vantagens era tempo de conhecer o reverso da medalha.

“Os deuses vendem quando dão, paga-se a glória com desgraça, ai dos felizes porque são, só o que passa!” lembrou-se Quim de ter lido num livro da sua biblioteca.

Sem vacilar mas bastante incomodada com os risos baixos e os murmúrios que se seguiram ela cruzou as várias mesas apilhadas de estudantes na direcção do quarto.

Perto da porta de acesso estava Blaise sentado num cadeirão almofadado, abraçado à cintura de Ostricia e com um sorriso apaixonado nos olhos enchia-a de beijos.

Ele nunca tinha sido assim com Quim, tão espontâneo e natural. Sem controlar os seus pés deu meia volta na direcção da porta de saída com os risos dos colegas a encherem o ar. Quando saiu o homem barbudo que guardava a entrada disse:

>Vai para ali uma festarola Heim?

Ela não respondeu já se afastava em passo de corrida. Não sabia quanto tempo conseguia aguentar até aparecerem as primeiras lágrimas. Sentia-se muito mal e apesar de não ter comido praticamente nada durante o dia não tinha fome.

Só sentia um grande vazio por dentro misturado com raiva e estava muito confusa. Não conseguiu pensar em mais nenhum sítio. Quando deu por ela estava à porta daquela casa de banho que ninguém usava e ela sabia bem porquê.

Apesar disso Quim entrou na casa de banho semi-destruída pelo tempo e pelo abandono.

A madeira das portas que encerravam os cubículos estava completamente coberta por insígnias e nomes que se perdiam nos anos. Não parecia estar ninguém por ali, por isso ela sentou-se no tampo de uma sanita e mergulhou as mãos na face para esconder a intensidade dos soluços.

Sentia-se uma fraca e sobretudo cobarde por ter fugido da sala comum. Na verdade, dava tudo para não ter de ir dormir na companhia daquelas miúdas. Só de pensar nos comentários e na sua história a correr pela boca de meia Hogwarts, fazia-a querer vomitar.

>Ooooh! Quem está ai? Sai daí ou eu juro que grito!

>Não Murta, espera, tem calma.

Balbuciou a rapariga enquanto se tentava acalmar para encarar a fantasma irritante.

>Outra chorona na minha casa de banho?? O que é que julgam que isto é? A Murta não gosta de ver outras chorarem porque só a Murta tem problemas, só a Murta pode chorar de verdade.

Quim abriu a porta do seu cubículo e olhou para a miúda semi-transparente num traje antiquado de escola com dois tótos e uns óculos grossos de fundo de garrafa.

Murta fez um beicinho quando olhou para as cores do uniforme da outra.

>És uma Slytherin, não é custume aparecerem Slytherins por aqui...quem chora mais são Ravenclaws ou Hufflepuffs.

Quim esforçou um sorriso.

>Pensava que só tu podias chorar aqui.

>Mas tu achas que alguém se importa com a pobre Murta-que-geme, ninguém quer saber, todo o mundo me despreza e me ignora, eu sou realmente infeliz.

>Sabes Murta, acho que é por isso mesmo que tanta gente aparece aqui para chorar. A tua vida é mais deprimente que qualquer problema que possa estar a afectar a outra pessoa.

A fantasma abriu um sorriso dramático. Quim podia jurar que sem querer lhe tinha acabado de dar um elogio e a outra parecia mais calma com ela.

>Sim, eu sou a mais infeliz, nenhum dos outros problemas chega sequer a ser tão horrível quanto os meus.

>Claro que não.

Incentivou a rapariga. Murta abriu um sorriso tímido.

>Porque é que não estás na sala comum dos Slytherin? Parece que houve um casal popular que acabou num grande escâncalo. O rapaz abandonou a namorada para ficar com outra. Não é delicioso??

Com uma expressão de incredulidade Quim olhou para a fantasma que flutuava lentamente no ar à sua frente deixando ver as pias e os espelhos partidos.

>Eu sei. Eu sou a namorada...ou melhor era.
>OOOOh...que terrível. Se quiseres podes chorar.

Assentiu ela com uma expressão impressionada mas divertida. Pela segunda vez naquele dia não conseguiu controlar-se e as lágrimas escorreram na sua face como gotas de chuva num vidro desprotegido.

Sem força para se aguentar nas pernas Quim deixou-se cair no chão ignorando o facto deste estar molhado e frio. Murta assistia a tudo num silêncio muito pouco habitual para ela.

>Pronto, pronto. Ao menos estás viva. Não és uma pobre alma presa entre este mundo e o outro como eu...

Ela ignorou a tentativa de consolo da outra e continuou o seu pranto até não restarem mais lágrimas dentro de si, até ficar completamente vazia de emoções como uma casca. Num gesto de dar dó Quim soergueu-se do chão e olhou para Murta mil vezes mais infeliz do que a fantasma conseguia ser.

>Estás com um aspecto terrível.

Riu-se Murta quando analizou o estado das roupas, do cabelo e dos olhos inchados e vermelhos da rapariga.

>É claro que podes ficar bem pior. Uma noite mal dormida e ganhas um belo par de olheiras para combinar com os teus olhos. Ouvi dizer que o preto é a cor da estação.

Para seu horror tal como a outra dissera a imagem no espelho partido não mentia. Ela estava completamente acabada. Mas isto em vez de piorar o seu estado de espírito deprimente ajudou-a a encontrar algo com que se ocupar. Tinha de se por bem se queria enfrentar os colegas, Blaise e Ostricia.

Não podia deixar que eles percebessem o quanto a tinham afectado.


>Acho que tens razão Murta. Não posso andar por aí assim, ainda prego um susto ao pobre Filch e ele cai redondo no chão.
Murta ficou séria e fez beicinho. Quim olhou para ela com o sobrolho levatado.
>Era uma piada Ok?
>Estás a gozar com a Murta?

Quim suspirou sem ligar à outra, não valia a pena.

Lavou a cara com a água gelada da torneira, os seus nervos acalmaram quase de imediato. Com um feitiço bastante elaborado que tinha aprendido com a sua mãe ela conseguiu prender o cabelo num coque muito elegante sobre a cabeça realçando o declive bonito do seu pescoço.

Os olhos vermelhos e inchados deram-lhe mais trabalho. Nas primeiras tentativas só conseguiu mudar várias vezes a cor dos olhos mas depois lá acertou com o encantamento e tinha a sua cor natural de volta, mas num tom mais claro de verde que a favorecia muito.
O manto foi relativamente simples de limpar.

>Só falta uma coisa.

Disse ela para uma Murta que a observava com curiosidade.

>”Accio brincos de diamante”.

Ela esperou uns minutos até os pequenos brincos esculpidos sobre a forma de duas pequenas serpentes brilhantes entrarem pela fechadura da porta. “Agora sim” pensou Quim com um sorriso aprovador “hoje nasceu uma nova Quimera, mais elegante e irresistivel que a antiga”.

>Muito bem...agora a Murta é a mais feia, a mais complexada e infeliz desta casa de banho.

Quim sorriu para a fantasma que se lamentava. Estava cheia de confiança outra vez e começava a ver as coisas sob um novo prisma, bastante egoísta mas eficaz contra a tristeza.

Quem sabe, talvez a Murta a tenha relamente ajudado a sentir-se melhor. Afinal quem podia arranjar coisa pior que estar condenado a assombrar uma casa de banho com o humor mais depressivo do planeta?

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No dia seguinte as coisas não foram fáceis mas Quim tentou passar pela situação com o máximo de calma e compustura que lhe era permitido. Ninguém se atrevera a tocar no assunto directamente com ela mas falavam como é óbvio por detrás das suas costas.

Ela não conseguia olhar para a cara de Blaise e sobretudo para Ostricia. Pansy já lhe tinha contado tudo sobre a noite depois do jogo.

Assim, mesmo no dormitório, fazia de conta que a outra era simplesmente mais uma peça de mobiliário de mau gosto que adornava os quartos comuns.

Um dos objectivos que alimentava era conseguir ser exemplar nas suas funções como prefeita para ver se no ano seguinte Dumbledore lhe dava o cargo de monitora com o qual ela poderia ter o seu próprio quarto.

Já se tinha decidido a respeito do fio e do pendente. Não podia deixar que Ostricia os tivesse em seu poder. Blaise ainda não os tinha oferecido à miúda mas não devia faltar muito para isso.

Esse era o único motivo pelo qual na noite anterior se decidira a escrever uma carta a Blaise na qual lhe explicava tudo a respeito dos poderes do objecto e de como ele era pertença do centauro.

Sentada à mesa do pequeno almoço de Domingo Quim esperava que chegassem as corujas com o correio. Ainda não tinha tocado no seu chá nem comido nada. Estava como sempre sem fome nenhuma.

Finalmente chegou o correio. Ela observou pelo canto do olho a reacção do rapaz e ficou absolutamente escandalizada quando viu Ostricia tirar a carta que ele tinha na mão e rasgá-la em bocadinhos minúsculos.

Um calor maléfico invadiu o seu corpo como ondas venenosas. Estava prestes a se levantar e amaldiçoá-la à frente dos professores e tudo. Mas Blaise também tinha culpa no cartório, pensou Quim, se ele não quisesse a outra nunca tinha feito o que fez.

Ela estava entre Pansy e Millicent. À sua frente um Harper todo sorrisos tentava iniciar uma conversa com as três raparigas.

Um pouco mais adiante estava Draco na companhia de Crabbe e de Goyle. Eles falavam como sempre de possíveis tentativas de isolar e espancar grupos de Gryffindors, sem nunca como é óbvio, passarem à acção.


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Durante as semanas que se sucederam até ao fim de Novembro, a história patética de Quim e Blaise já tinha sido esquecida pela maioria das pessoas.

Blaise e Ostricia ainda estavam juntos e ele tinha pela rapariga uma devoção invejável, uma paixão cega. A melhor maneira que Quim arranjou para ultrapassar os seus problemas foi enterrar-se em trabalho e afastar educadamente os rapazes que se tinham tentado aproximar dela desde então.

Não estava com vontade de se apaixonar tão cedo. Mas arranjava-se cada vez melhor e estava mais elegante. Os seus cabelos tinham crescido bastante e permitiam que fizesse penteados elaborados que eram cobiçados pelas outras raparigas.

Lentamente recuperava o seu lugar na subida para a popularidade em Hogwarts e cada vez mais pessoas a reconheciam e cumprimentavam com sorrisos pelos corredores.

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Na sala precisa, Draco ainda tentava arranjar o aparelho. Sempre que tinha um espaço de tempo suficientemente grande ia para lá, e praticava novas instruções que recebia de Borgin. Já era como uma espécie de refúgio mais do que um espaço de trabalho.

Draco tinha encantado um sofá verde que fizera desaparecer da sala comum sem ninguém dar por isso. Assim podia descansar entre as várias horas que passava perto do bloco de metal.

Esse dia não era excepção. Atirou-se para cima do sofá desapertando o nó da gravata com irritação enquanto passava as mãos pelos cabelos e suspirava lentamente.

Tinha de pensar no que ia fazer a seguir.

Quando olhou em frente e viu a figura que deslizava na sua direcção ele chegou a pensar que estava a ter uma alucinação.

Mas quando ela chegou perto o suficiente para lhe falar o rapaz levantou-se de um pulo com os olhos esbugalhados.

>Então, ainda não conseguiste reparar a maquineta? Tenho apreciado o teu esforço e posso dizer que estou impressionada. Nunca pensei que fosses tão persistente Draco.

Quimera estava parada na sua frente, os seus olhos verdes sublinhados a preto eram como chamarizes na pele branca da sua face.

>Então não me convidas para sentar?
>Como é que chegaste até aqui?

A voz de Draco saiu demasiado fraca para o seu gosto. Mas ele simplesmente não conseguia acreditar no que via.

Não fazia sentido nenhum, era como se estivesse num Universo paralelo na pele de outra pessoa.

>Bem, essa é uma longa história e nós não temos muito tempo. As férias de Natal estão quase à porta.
>Merrigott como é que sabias da existência desta sala?
>Foi muito fácil, só tive de te seguir e voilá!
>Tu não me gozes, fala a sério.

Ela passou bastante tempo a explicar aquilo que sabia sobre os esquemas dele.

Estavam os dois sentados no sofá virados um para o outro. Com um ar aborrecido, Quim tentava responder às últimas questões dele e ao mesmo tempo afastá-lo porque o rapaz parecia precisar de lhe tocar na cara para acreditar que ela estava mesmo à sua frente.

>Pára Draco isso é irritante.
>Realmente tu sabes algumas coisas mas felizmente estás longe de saber tudo.

Enquanto falava Draco procurava pela sua varinha nos seus bolsos. Quando percebeu que não a encontrava em lugar nenhum olhou para a rapariga inquiritivamente. Ela riu-se dele com gosto o que só o irritou mais.

>Achas mesmo que depois desta conversa tão elucidativa eu ia deixar-te fazer algum disparate?
>Então tens a minha varinha contigo princesa. Porquê? Achas que eu sou assim tão perigoso?
>Não me faças rir. A tua varinha está bem escondida num sítio que só eu conheço. Não tentes obrigar-me a dizer onde à força porque eu posso defender-me afinal tenho a minha varinha aqui.

Com isto Quim tirou a varinha para fora do manto e apontou-a à cabeça de Draco com uma expressão bastante resoluta. O rapaz franziu o sobrolho.

>Agora nós os dois temos de visitar uma pessoa que me vai ajudar a garantir que tu não tentas fazer magia negra contra mim. Vamos, veste o manto para irmos.

Sem tirar os olhos dela Draco pegou no manto e passou-o pelo ombro esquerdo segurando nele pelo colarinho com um dedo só.

Começou a caminhar à frente dela em direcção à porta com o seu andar mais prepotente e lento, como se desfilasse numa passagem de modelos.

>Mais depressa Malfoy.

Disse Quim apontando-lhe a varinha contra as costelas. Dentro do castelo ela pôde relaxar. Escolheu sempre os caminhos mais frequentados do castelo e até chegar à sala comum dos Slytherin eles foram cumprimentados por muitos colegas.

>Até que enfim. Vocês demoraram uma eternidade.

Exclamou Malcolm de um cadeirão perto da entrada da sala. Quando ouviu a voz do rapaz, Quim abriu o sorriso mais charmoso que tinha e baixou-se para o cumprimentar.





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