A cabine escondida

A cabine escondida



Quim estava confusa com as últimas palavras do Draco. Não sabia se ele tinha dito aquilo da boca para fora só para a irritar ou se no seu romance de novela com Blaise havia de facto algo errado.

É claro que ela conhecia muito bem aquele rapaz, afinal estavam no mesmo ano e eram ambos Slytherins. Muito provavelmente Draco não quis sair por baixo depois da recusa dela e decidiu aborrecê-la com um comentário maldoso. “Típico Malfoy! Quando é que este rapaz vai mudar?”

Ela lembrava-se como se fosse ontem dos primeiros dois anos que tinha passado em Hogwarts, de como tinha odiado o chapéu seleccionador por tê-la colocado numa casa que não tinha nada a ver consigo. “Vejo aqui muitas potencialidades...hum...o apelo às origens e a necessidade de agradar aos seus são definitivamente Slytherin...e vejo aqui mais qualquer coisa, um destino forjado com outro” foram as palavras vagas que o chapéu lhe tinha murmurado ao ouvido segundos antes de gritar com estrépito o nome da sua casa.

Se se concentrasse ela ainda podia sentir o chão tremer debaixo dos seus pés enquanto se encaminhava para a mesa verde e prateada sem saber o que pensar ou como agir. Ao lado dela já estava sentado um rapazinho loiro muito corado pela emoção do momento mas com uma pose demasiado altiva para a sua idade, um sorriso cínico desenhado em cada linha do seu rosto. Quim não gostou do rapaz nem da conversa para a qual ele a puxou sobre mansões, posses e nomes sonantes no mundo mágico. Mas com o tempo a rapariga assustada cresceu e aprendeu a lidar com as cobras venenosas da casa Slytherin.

Os comentários maldosos, as intrigas, as facadas nas costas...de facto que sabor tinha a vida se os outros não mostrassem sempre o que de pior e mais deplorável havia no ser Humano?

Agora, com as hormonas aos pulos, rapazes e raparigas deixavam de lado rivalidades para se concentrarem em explorar as suas fronteiras. Era isso que tinha acontecido acidentalmente entre ela e Draco, uma experiência sem resultados positivos. Blaise, pelo contrário, revelara-se um amante dedicado, coisa que muito espantara Quim.

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A manhã do dia seguinte veio depressa. Quim arranjou-se demoradamente antes de descer para o salão principal. O tempo estava a ficar mais árido e lá fora já fazia muito frio. Ela tinha acordado a tremer, enrregelada nos lençois de linho sob o cobertor de veludo verde. Ainda se sentia estranhamente fria, cheia de arrepios.

Desejou estar perto de uma lareira para se aquecer e beber uma chávena de chá preto sem pressas. E era exactamente isso que ia fazer assim que estivesse na mesa de pequeno-almoço. Mas por outro lado, assim que descesse teria de enfrentar uns certos olhos prateados e admitia estar um bocadinho ansiosa quanto à reacção do rapaz.

Será que ele ia provocar alguma situação embaraçosa? Ela realmente não sabia o que esperar. Podia ser qualquer coisa. O que tinha acontecido não tinha qualquer lógica nem trazia nenhum tipo de benefício para qualquer um deles. Isto aliviou-a visto que, como bons Slytherinianos que eram tanto ela própria quanto Draco, não fazia sentido agitar o ambiente sem ter algum proveito. “Ele não se vai dar ao trabalho de referir nada”.

Afinal um rapaz como Draco estava sempre a roubar beijos das raparigas que o atraíam. Mesmo nas costas da pobre da Pansy ele fazia isso sem temer nenhuma consequência porque sabia bem como a namorada era apaixonada por ele.

Assim decidida a enfrentar o que viesse por aí, ela desceu para o salão verde. Estava muita gente ali, ela conhecia a todos de vista. Em frente à última lareira estava o seu namorado conversando em surdina com Malcolm Baddock sobre algo que parecia sério. Curiosa, Quim avançou mas quando Blaise notou a sua aproximação, pôs fim à conversa rapidamente e iluminou-se com um sorriso de bons-dias. Malcolm também sorriu na sua direcção mas foi mais amarelo, logo arranjou uma desculpa para se retirar e deixar o casal a sós.

>O que é que lhe deu?
Perguntou ela sentando-se no cadeirão que o outro rapaz deixou vago, ao lado de Blaise.

>Oh, o custume...tu conheces o Malcolm, ele detesta segurar vela.
>Vocês estavam muito concentrados na conversa.
>Ah sim? Nem me tinha apercebido.
>Parecia sério..
>Coisas de rapazes querida...na verdade ele está muito preocupado com uma coisa e veio pedir-me conselhos. È bastante embaraçoso.
Sorriu Blaise com gozo e num tom misterioso. Ele adorava vê-la a morrer de curiosidade.

>Oh, sim??
>Parece que ele está a sofrer de amores não correspondidos pelo Prof. Snape. Aliás agora que me lembro bem ele ficou de te pedir umas explicações de poções para ficar mais bem visto nas aulas. Pobrezito, eu bem lhe disse que era melhor procurar umas frases bem românticas e ir ao escritório do Prof para se declarar e para de sofrer...detesto ver um companheiro nessa situação, mesmo snapeaníaco e tudo.

Finalizou ele com um sorriso de canto de boca malandro, esforçando-se por conter o riso. Já Quimy não se conteve e desatou às gargalhadas imaginando um Malcolm muito sério e rígido de mãos dadas com um Prof. Snape mal humorado de grinalda branca sob os cabelos oleosos.

>O casamento vai ser imperdível!!
>Casamento?? Não sabes se o Snape vai aceitar o namoro, afinal ainda há o Potter como rival e o Prof tem uma queda por cicatrizes e por quatro-olhos.
>Sim, e depois há aquele clima todo do “quanto mais me bates, mais gosto de ti!”
Os dois gargalharam maldosamente, “prazeres de se ser Slytherin”, pensou Quim. Ela nunca gostara de Malcolm porque ele era um machista arrogante que não respeitava nanhuma rapariga e sobretudo porque ele era tinha fama de intriguista e invejoso. Mas havia muita mesmo muita gente na casa dos Slytherin com essa fama e com essas exactas características

Então, interrompendo os seus pensamentos, Blaise aproximou-se dela para conseguir um beijo mas Quim, num reflexo impensado soube esquivar-se e recomeçou a conversa rápidamente. O rapaz não pareceu reparar e recostou-se relaxadamente no divã de pele verde.

>Pobre Prof. Snape, isto não é nada justo, ele defende sempre os interesses dos Slytherin.
>Oi! Tu és minha namorada, nada de pensar no gorduroso...
>Não consigo resistir. Ele é um íman de miúdas!!
>Sim, mas o segundo da lista do mais desejado, em primeiro lugar está o Prof. Binns, depois o Filch e o gigante abrutalhado que guarda os campos.
>Ha, ha, ha, muito bem Zabini esse é o humor afiado que caracteriza todo o bom Slytherin.

Blaise e Quim olharam em simultâneo para a figura alta que tinha dito aquilo numa voz muito arrastada e deliberadamente provocadora. Era Malfoy, o cabelo loiro muito claro caíndo sobre os seus olhos cínicos ainda em mechas molhadas, provavelmente tinha saído à pouco tempo do duche, pensou Quim. Num gesto elegante ele afastou o cabelo com a mão esquerda, enquanto se afundava num cadeirão em frente do casal esticando demoradamente as pernas compridas para ficar mais confortável.

Blaise sorriu-lhe e cumprimentou-o com alguma arrogância pasando o braço direito num reflexo instintivo sobre os ombros de Quim e começou a afagar os cabelos da rapariga onde eles caíam em ondas suaves sobre os ombros.

>Está se bem Malfoy?
>Belo!
Quim sabia que Blaise não tinha nenhuma ideia do que se tinha passado entre ela e o Malfoy, mas alguma coisa nos olhos do rapaz ou na maneira como ele os tinha encarado, disparou o alarme de masculinidade possessiva do seu namorado.

Na verdade não era nada que Quim já não tivesse observado na presença de Draco, os outros rapazes parece que entravam em sentido, ficando mais tensos numa espécie de alerta. Esta sensação intensificava-se quando estavam raparigas por perto. Os outros tinham noção do charme dele da maneira como ele flirtava com o olhar para seduzir as outras pessoas e conseguir delas o que queria.

Era, admitiu Quimera, muito dificil resistir-lhe porque a elegância e o charme apareciam espontâneamente em Draco, de forma tão natural como o seu sorriso escarninho se desenhava arrogantemente no canto da boca. No entanto, se às vezes o rapaz acordava aquilo que de mais primitivo havia nos outros, ele próprio parecia nem notar, aceitava tudo com muita naturalidade e graça. Isto conferia-lhe adoração por parte de quase todas as raparigas e respeito (ainda que invejoso) por parte dos rapazes.

>Oi Quim, dormiste bem? É que sinceramente não pareces muito relaxada hoje. É claro que eu sei como pode ser custoso habituarmo-nos a estes colchões duros de Hogwarts na primeira semana, não há, afinal, nada que substitua o conforto da nossa própria casa.

Disse Draco olhando para Quim com um sorriso charmoso e olhos divertidos. Em grupo, ele nem custumava dirigir-lhe uma palavra que fosse. As conversas começavam e acabavam sempre com Blaise que por sinal e para aflição dela, também tinha estranhado aquilo.
Ela decidiu respondeu-lhe serenamente e com doçura exagerada para o provocar.

>Que estranho Malfoy, não será impressão tua? Passei uma noite muito confortável e agora que me lembro bem acho que sonhei com o meu Blaise por isso foi realmente agradável.
>Hum, sonhaste comigo querida??

Quim virou-se para Blaise e sorriu docememte. Ele parecia muito satisfeito. Draco assistia à cena em silêncio e parecia muito à vontade com aquela demonstração de carinho. Blaise aproximou-se de novo da namorada e ela parecia nao ter alternativa desta vez senão corresponder com um beijo que não lhe apetecia nada dar. Mas os dois foram interrompidos pela voz suave de Malfoy que continuava esparramado no cadeirão a olhar para eles com um ar muito natural.

>Sabem, eu nem me importo de fazer de “voyer”, mas só desta vez porque os vários anos de prática que tenho permitem-me dizer que a minha atenção é muito mais bem empregue na realização do acto do que noutra coisa qualquer. Mas estejam à vontade, façam como se eu não estivesse aqui.
>És mesmo um nojento Malfoy, sabias disso?

Blaise não soou irritado, parecia bastante satisfeito com o comentário do rapaz e até tirou o braço de cima dos ombros da namorada para se deitar ao comprido no divã numa espécie de companheirismo para com Draco. Quim ficou satisfeita por um lado, por não ter de se envolver com Blaise naquelas condições e por outro lado irritou-se com a facilidade com que Draco lhe tinha dado a volta à cabeça. “Homens!”, e abanou o cabelo irritadamente. Quando Pansy e as outras raparigas desceram para se lhes juntar partiram em conjunto para o salão principal.

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O resto da semana correu normalmente. Quim continuava a namorar firme com Blaise apesar de se aperceber que não correspondia aos seus beijos como costumava. Por isso culpava o comentário àcido de Malfoy a respeito de uma possível infidelidade que ela bem tentou descobrir em vão pois não achou nada contra Blaise. Depois sentiu-se estúpida por desconfiar do rapaz que gostava tanto dela pelo que deijava transmitir com carinhos, prendas, e elogios.

Durante esses dias, Quim reparou, que o seu grupo íntimo de amizades crescia para abarcar mais pessoas, talvez devido à proximidade de Blaise com Draco e os outros Slytherins com interesses pelo lado negro da magia.

Ela empenhava-se por ser agradável com todos e só respondia à letra quando era provocada deliberadamnte por um deles ou quando lhe perguntavam sob a sua família de puros-sangue admirados com o facto de não serem simpatizantes do Lord das Trevas.

Quim tentava esclarecer sempre muito bem a imparcialidade dos seus familiares respectivamente à tomada de posições e justificava isso com os trabalhos absorventes dos seus pais e avós. Todos pareciam conhecer a história dos Merrigott, até mesmo alunos que ela não conhecia bem e dos quais só se lembrava de vista.

Às vezes sentia-se empurrada contra a parede sendo a única aluna Slytherin cuja família se recusava a tomar posições decisivas em relação à ambivalência de posições no mundo mágico. Era de prever uma simpatia, se não mesmo um envolimento mais marcado com o Lord e as suas ideais preconceituosos. Ela tentava fugir áquelas questões sempre que podia com subtileza tal como a sua
mãe lhe havia admoestado.

Até a família de Blaise tinha uma certa tendência para defender a posição daquele cujo nome não deve ser pronunciado, apesar de não existirem devoradores da morte ou comensais (que ela soubesse).

Mas a quantidade de alunos Slytherin com ligações familiares ao Lord das Trevas era impressionante de entre os quais Draco Malfoy era o mais acérrimo defensor da prática de magia negra em descendentes de muggles. Muitas vezes ele discursava sobre o assunto, defendendo os direitos dos verdadeiros mágicos e a sua superioridade e, enquanto os outros bebiam as suas palavras, Quim assustava-se com a profundidade dos ideais negros daquele rapaz.

Ela não conseguia entender como é que ele ainda pensava assim pois de entre todos os que tinham sofrido com a justiça do ministério, ele foi o mais prejudicado porque tinha ficado sem o pai. Parecia que a lealdade do filho ao seu pai ainda era maior com este em Azkaban e sempre que falava em Lucius Malfoy os seus olhos brilhavam com admiração e orgulho. Ele olhava muitas vezes na direcção dela enquanto falava desses assuntos e Quim sentia-se obrigada a responder com um sorriso mudo enquanto Draco continuava o seu monólogo negro com um entusiasmo de líder.

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Os detalhes da sala estavam esquecidos mas cada palavra, cada acção jazia impressa na sua memória a ferro e fogo.

Várias figuras encapuzadas encontravam-se dispostas sobre um pentagrama vermelho escuro horrivelmente semelhante a sangue seco no chão. “Provavelmente é sangue” pensou Draco com um movimento involuntário de nervosismo. No centro da figura, rodeado pelos seus servidores mais fiéis estava o Lord, uma encarnação decrépita num esboço amaldiçoado de carne e ossos. Parecia ter sido cuspido pelo próprio inferno.

>Aproxima-te, filho de Lucius, herdeiro dos Malfoy.

Draco escondeu um esgar de horror. Já tinha estado na presença daquela criatura mais do que uma vez na companhia do seu pai, como observador, agora ia tornar-se activante aos dezessete anos de idade. Caminhou por entre os outros comensais até à figura isolada de olhos vermelhos como as cobras rasgados no rosto esticado sobre os ossos cadavéricos. Era inacreditável como um ser tão nauseabundo podia ainda ser um dos mais poderosos feiticeiros negros.

>Ajoelha-te para receber o Dom dos obedientes, Draco Malfoy.
O rapaz dobrou-se aos pés do manto negro de Lord Voldemort e olhou-o corajosamente enquanto este lhe puxava o braço esquerdo para revelar a carne branca debaixo das vestes. Os seus dedos pareciam extensões cruéis de papiro velho mas o toque era o mesmo do metal frio da ponta de uma cimitarra.

>A partir deste momento deves-me lealdade e fidelidade eternas que te custarão o preço da tua vida e da vida dos teus.
Com a varinha, o Lord murmurou algo que Draco não ouviu. As suas entranhas contorceram-se com a dor mais hedionda que podia sentir e sobreviver. No seu braço, a pele fundia-se com a carne e com o osso como um metal derretendo a altas temperaturas, pronto a ser modelado.

Pensou que ia desmaiar, ou tremer ou demonstrar qualquer tipo de reacção medrosa e pouco adequada mas para sua surpresa, a dor não se prolongou nem por mais um segundo porque no instante seguinte ele estava ajoelhado numa sala cheia de luz branca e olhava a face de um homem com alguma idade e aspecto imponente que ele conhecia.

O Homem sorriu-lhe e na expressão dos seus olhos havia admiração, orgulho e confiança que Draco sentiu como sendo dirigida a si e não deixou de lhe sorrir igualmente enquanto segurava a mão que o seu avô lhe estendia e permitia que este o ajudasse a levantar-se para o olhar de frente.

>Draco, o meu sangue corre puro nas tuas veias e tu hoje honras o nome da família e por isso honras-me a mim.

A sua voz era grave e profunda, os olhos de um cinzento muito claro, quase transparente, não fosse pelas enormes pupilas negras que brilhavam acicutadamente enquanto ele analizava o rapaz. O seu longo cabelo branco-prateado parecia irreal numa face demasiado jovem para que fosse a de um ancião.

Draco lembrou-se imediatamente do retrato na moldura prateada por cima da lareira na sala principal da mansão, parecia ter-se materializado e ganhado vida ali à sua frente.

>Tens tudo para te tornares num Homem grande e poderoso. Está ao alcance das tuas mãos, o Lord oferece-te aquilo que mais desejas em troca da tua palavra. Podes ser maior e melhor que Harry Potter. Eu sei que o invejas Draco, eu vejo e estou ao teu lado quando o ódio te invade a alma. Esse sentimento também foi forte em mim como é forte no teu pai e agora em ti. Quando o teu sangue ferve de raiva, eu respondo ao chamamento. Mas para ti pode ser fácil eliminar esse ódio se fores fiel ao Lord. Ele possui os meios para conseguires os fins. Esmagar os teus inimigos e crescer com as vitórias tornando-te cada vez mais alto, honrando o teu nome, limparás o mundo de impuros e traidores. O resultado vai ser finalmente justo para os puros.

Klaus Malfoy apertou fraternalmente os ombros do rapaz olhando-o fundo nos olhos. Draco não conseguia exprimir por palavras aquele momento. O discurso do avô preenchera-lhe a alma de coragem. Estava confiante em si e acreditava nas suas capacidades. Para o avô ele não era um miúdo demasiado novo para decidir sobre a sua vida, fazer as suas escolhas, ele era um homem prestes a entrar numa batalha onde lutaria pelos seus desejos mais fervorosos.

>Então meu filho, sangue do meu sangue, tu aceitas cumprir esta responsabilidade?
>Sim, avô, aceito. Hoje e sempre servirei o Lord com a minha vida.

Mal conseguiu ler a aprovação no sorriso altivo do avô e ainda procurava os seus olhos quando a dor voltou mais lacinante que no início. Desviou com repugnância os olhos da face amarelada do Lord que caíram inevitavelmente sobre o seu braço nú onde agora brilhava a negro uma caveira com língua de serpente.

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O fim de semana chegou rápidamente. Quim conseguira ganhar vinte pontos para a sua casa durante a semana de aulas com as suas respostas correctas aos professores. Snape, apesar de ser uma professor estremamente exigente, parecia satisfeito por finalmente um dos seus alunos conseguir atingir um nível de preparação tão elevado quanto o daquela aluna dos Gryffindor, a Granger.

Quim não simpatizava muito com os alunos da casa Gryffindor. Havia um certo choque de personalidades entre os alunos dessa casa e os da sua casa e por isso ela nunca tinha realmente tido uma conversa civilizada sem enfrentar por parte dos outros uma certa resistência e até antipatia com ela mesmo sem que tivesse acontecido nada. O facto de ser Slytherin não ajudava em nada as relações com os alunos das outras casas. Os seus colegas reagiam com agressividade às brincadeiras e galhofices dos Gryffindor. Certa vez, Quimera tinha ficado para trás na aula de Runas com a intenção de se dirigir a Hermione Granger pois ela tinha sido a única a conseguir decifrar um texto completo dado pela professora e Quimy por mais que antevesse uma reacção fria por parte da outra rapariga, resolveu mesmo assim aproximar-se dela enquanto esta arrumava a mala.

>Olá, és a Hermione Granger não é?
>Sim, quem deseja saber?
Quim sorriu-lhe com sinceridade, tinha respeito e uma certa rivalidade com aquela rapariga no entanto as duas nem sequer se conheciam.

>O meu nome é Quimera e queria perguntar-te se te importavas de me mostrar algumas partes do teu texto. A professora disse que tu tinhas conseguido decifrar tudo e eu dei voltas e mais voltas mas não consegui chegar nem a meio! Tenho noção que é um texto muito complexo e acho mesmo impressionante o teu esforço.
>Ah, claro obrigada. É claro que podes ver o texto e até podes levar contigo se quiseres e devolver-me segunda feira durante a aula de poções. Tu tens poções comigo não é?
>Sim, agradeço muito.
Hermione sorriu e pareceu satisfeita consigo própria, Quim pensou que ela até tinha sido muito simpática em emprestar-lhe assim um trabalho tão complexo mas aceitou e sentiu que aquela rapariga de cabelos frizados também admirava um bocadinho que fosse o seu trabalho. E assim nasceu uma empatia invulgar, uma espécie de companheirismo e afinidade de pensamento sob a mesma maneira de encarar o trabalho como algo verdadeiramente importante e acima de quaisquer rivalidades entre as casas.

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Muito cedo nessa mesma manhã em Hogsmeade, uma mulher loira muito bonita preparava-se para sair do seu estabelecimento vazio. Tinha uma missão importante a cumprir que envolvia uma ida a Londres, mais propriamente, às ruas da Diagonal.

Tinham-lhe mandado aparatar e não usar outro transporte porque as lareiras dos estabelecimentos estavam sobre vigilância, assim como o céu da vila. Ela tinha de ser cuidadosa porque haviam aurores a patrulhar as ruas a todas as horas.

«Tac», com um movimento de espaço muito semelhante a um salto de cabeça para o vazio e conseguiu ver as primeiras lojas sobre a luz ténue do principio do dia. As ruas estavam vazias e as portas fechadas.

Uma luz de vela brilhava por detrás das janelas sujas da «Borgin and Burkes» na travessa Knockturn, onde ficavam os espaços destinados à venda de produtos mágicos para fins obscuros. Num casaco comprido brilhante cor de beringela sob os saltos altos azuis celeste, Rosmerta parecia completamente deslocada naquela viela maltratada pelo tempo. Apressou-se a entrar na loja. Lá dentro, tal como lhe tinha sido dito, um homem baixo com aspecto decrépito esperava-a com um ar curioso. Ele olhou-a de alto a baixo antes de lhe perguntar o nome.

>Madame Rosmerta, presumo?
>Sim, vim buscar o pacote.
Ele pareceu desconfiado mas mesmo assim procurou atrás do balcão de madeira velha.

Rosmerta nunca tinha estado num sítio assim, tudo ali tinha um aspecto estranhamente negro e arrepiante, desde uma inofensiva pregadeira de estanho sob um espositor até aos frascos cheios de um líquido amarelo bílis com pedaços de tecido inidentificáveis a olho nú boiando placidamente. Não era de forma alguma o sítio mais agradável para fazer as compras do fim de semana. Mas ela obedecia a ordens que estava fora do seu controlo questionar por isso recebeu a pequena embalagem das mãos do homem juntamente com uma carta selada com cera negra e guardou-os no bolso.

>Foi um prazer de certo?
>Com certeza.
O homem despediu-se untuosamente com um esgar desagradável. Rosmerta saiu aliviada e práticamente correu sempre com atenção para ver se ninguém a seguia, os seus saltos estalando sobre as pedras gastas do passeio cinzento.

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Draco voltou a guardar o galeão no bolso, afastou lentamente o cabelo dos olhos. Estava a suar mas não sentia muito calor.
A mulher tinha recebido a encomenda e também as instruções que ele pedira ao Borgin.
Arrastou o olhar cinzento escuro para as chamas verdes-jade da lareira em frente da qual estava mas sem que absolutamente nenhum dos movimentos do fogo dançante achassem reflexo nele.

Ele não estava com certeza com medo, agora era tarde de mais para voltar atrás.
Ia tirar uma vida com o objecto amaldiçoado que tinha reservado antes de vir para Hogwarts. Se tudo desse certo, o colar devia chegar às mãos do velho Dumbledore e quando ele lhe tocasse teria morte imediata.
Para que tudo desse certo precisava de ir a Hogsmeade nessa tarde. Mas tinha aulas suplementares de transfiguração com a velha Macgonagal. Estava tudo a correr como planeara na semana anterior. Agora precisava que alguém se fizesse passar por ele e ficasse em Hogwarts no seu lugar. Falaria com Malcolm, ele já estava a par da situação. Uma simples poção polisuco feita de véspera, dois fios de cabelo e a troca estaria completa.

Com um movimento violento, enrrolou o manto sobre o seu ombro direito e caminhou decidido para a porta de saída da sala comum, as chamas vaiando a sua partida no interior sombrio das sete lareiras.

Blaise estava muito entusiasmado com a visita a Hogsmeade deste fim de semana. Parecia um rapazito de onze anos a experimentar aquela sensação pela primeira vez. Ele dizia-lhe que a queria levar a um sítio muito especial para uma surpresa. Ela ria-se na espectativa desse dia. Iam só os dois o que era de facto reconfortante. Quimy estava feliz por não ter de aturar nenhum dos outros rapazes ou raparigas e dedicar um dia todo ao seu namorado.

Partiram depois do almoço num grupo de Slytherins do sétimo ano amigos de Quimy. O dia estava desagradável e o céu de um cinzento chumbo, ameaçava uma tempestade de neve.

Blaise queria arrastá-la para uma casa de chás onde todos os casaizinhos de Hogwarts se reuniam, mas naquele dia frio o pequeno espaço já se encontrava cheio de gente. Assim decidiram ir para o «Três Vassouras», aproveitar o ambiente acolhedor com cervejas de manteiga. Blaise ainda tentou convencer a mulher que atendia às mesas a servir-lhes Ogden´s Fire Wisky mas desperdiçou todo o seu charme em vão.

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No Três Vassouras, Draco fazia-se passar por Malcolm o que se revelara uma tarefa bastante fácil. Malcolm não era popular, nem tinha afeições particulares por isso não precisou de fazer muito teatro para passar naturalmente pelo rapaz.

A rapariga que ele procurava tinha acabado de entrar nos sanitários femininos. Ele entrou a seguir e trancou a porta com um feitiço.

>Imperius!
Disse Draco com firmeza mal a rapariga o tinha visto e se preparava para gritar. Ela parou com a boca e os olhos muito abertos, uma expressão vazia no olhar que lançava a Draco.

>Leva este embrulho a Dumbledore. Diz que é um presente apenas para ele, não o deves entregar a mais ninguém.
Ela abanou a cabeça em assentimento, passou por ele e saiu pela porta como se nada fosse. Draco estremeceu com a sensação estranha de estar no corpo de outra pessoa quando olhou para um dos espelhos e viu um rapaz de cabelos e olhos escuros devolver-lhe o olhar e os movimentos.

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O dia passou depressa para Quimy e Blaise. Tinha sido revigorante. Agora já era noite e iam tomar o caminho de volta para Hogwarts no meio de um temporal de chuva e neve. Ainda tinham de andar uma distância razoável visto que estavam em frente à cabana dos sustos, Quimy apertava com força as mãos do namorado mas estava tão gelada que não conseguia sentir os dedos por debaixo das luvas de lã.

Quimy abraçou-o com mais força, absorvendo o calor do seu corpo sob o casaco forrado de camurça macia, sentindo o cheiro bom da pele da sua face. Ele era lindo, ao anoitecer, os cabelos castanhos caíam com suavidade sob os olhos cor de avelã, o seu semblante forte fazia-a sentir-se protegida e segura.

>Gostaste de passar o dia comigo?
>Foi o melhor dia que tive desde que cheguei a Hogwarts.
>E qual foi o segundo melhor dia??
>Quando tu me levaste a passear de vassoura, lembras-te? À noite que nem doidos por cima dos campos correndo o risco de sermos apanhados pelo guarda dos campos.
>Ah, sim belo dia esse! Temos de ver se repetimos a dose, mas desta vez vamos voar na mesma vassoura.
E com isto ele inclinou-se para beijá-la aficcionadamente. Ela já se tinha rendido novamente aos seus beijos, já se sentia nos seus braços como se estivesse simultâneamente com o seu amigo mais querido e com o amante mais devotado. Ela perguntava-se se interiormente ele pensava nela da mesma forma, ou se não. A resposta veio mais cedo do que ela esperava.

>Tenho um presente para ti Quimy.
Ela riu-se baixinho e beijou-lhe a testa enquanto ele se separava desajeitadamente do abraço para procurar um embrulho dentro do bolso das calças.

>O que é Blaise?
Ele tiha tirado o embrulho e segurava-o atrás das costas. Tinha um sorriso malandro no canto da boca.

>Tens de vir buscar...
>Uhm...estou a ver.
Quimy aproximou-se como se pretendesse dar-lhe um beijo novamente e ele fechou os olhos na espectativa mas depois ela começou a fazer-lhe muitas cócegas no pescoço e na cintura e o rapaz não aguentou de riso.

>Ei, ei, assim não vale!
Com muita delicadeza ela deu-lhe um beijo na bochecha antes de pegar no pequeno embrulho azul que ele tinha preso na mão. Ele olhava para Quimy enquanto esta desfazia o embrulho com alguma espectativa mas visivelmente satisfeito. Dentro de uma caixa verde oval estava um simples cordão comprido e fino que parecia de ouro. Quimy pegou no cordão e ergueu-o. Era de tamanho médio e pesava um bocadinho mais do que ela estava à espera, olhando de perto ela reparou que o cordão era feito de um belo entrelaçado em forma de ramo com algumas folhas que escapavam e se entrelaçavam com outras para unir as várias partes num circulo perfeito. Era uma peça lindíssima e parecia de facto preciosa demais para ser verdade.

>Blaise, Oh...Blaise não me digas que é...
>Sim é ouro, eu próprio mandei analisar na Diagonal esta semana.
>Mandaste analisar??
>Sim, sim juntamente com o medalhão, olha no fundo da caixa.
Num movimento fácil ele procurou no fundo da caixa por algo que parecia do tamanho de um nickle mas de cor dourada que ele rodou agilmente entre os dedos da sua mão.

>Encontrei-o nesse fio de ouro um dia quando a professora Sprout me mandou apanhar floberworms na orla da floresta. Mas tu não fazes ideia de como esses bichos nojentos são difíceis de encontrar, então eu escavei vários buracos e fui avançando para uma clareira que eu consegui ver entre as árvores, não muito longe dos campos. Escavei com a ajuda de um feitiço porque estava a ficar tarde e não me apetecia conviver com a fauna nocturna da floresta. Queria despachar aquilo depressa, e estava a conseguir, porque no meio da terra preta que eu juntei numa pilha ao meu lado, eu encontrei vários bichos desses, mais do que suficientes para a aula e para a prof fazer o jantar também. Mas Quim, havia qualquer coisa a brilhar a no fundo do buraco e felizmente eu dei com isso antes de voltar a pôr a terra no sítio. Era este fio e este pendente com a forma de uma seta.

A rapariga olhava o namorado sem palavras, completamente boquiaberta. Enquanto falava ele tinha colocado o pendente por uma abertura redonda no cimo da seta, dentro do fio dourado. No conjunto era uma peça de joalharia muito fina e Quimy estava abismada com a sua beleza.

>Blaise imagina o trabalho que o artesão teve para esculpir os detalhes de folhas e ramos num cordão de ouro tão fino, é quase inimaginável, eu nunca tinha visto nada assim...
>Foi o que disse o homem que o analisou quando eu o achei e requeri uma avaliação da peça.
>E o que é que ele disse?
>Disse que nunca tinha visto peça igual e que era estremamente preciosa. Disse-me que a idade desse ouro ronda o século mil antes de cristo! Eu tive dificuldade em acreditar nisso para ser sincero, acho que ele me estava a aldrabar.
>Ele deve estar certo Blaise eu não posso aceitar um presente destes, é demasiado.

O sorriso eclipsou-se juntamente com a alegria da face de Blaise. Ele olhou para ela muito sério meio ofendido.

>Olha eu quero que fiques com ele, a sério.

Quimy ficou totalmente sem palavras. O rapaz entretanto afastou os cabelos castanho-dourados da rapariga para passar o fio fino com a seta pela sua cabeça.
Isto, pensava ele, devia ser o suficiente para ganhar a admiração dela. Ele precisava de firmar as suas intenções e fazê-la perceber que tinha intenções sérias.

>Então não gostaste do presente Quim? Achei que te ia ficar bem assim que o vi. Foste a primeira pessoa em que eu pensei.
>Não, não digas isso, não penses sequer numa coisa dessas. É lindíssimo por si só mas o facto de teres sido tu a encontrá-lo e depois cuidar dele para me oferecer é que na minha opinião lhe dá toda a beleza...Blaise eu amo-te.
Com uma necessidade imensa de acarinhar o rapaz ela parou de andar e abraçou-o. Não sabia porquê mas de repente tinha os olhos húmidos e já não sentia frio nem desconforto apesar do ar lhe escapar condensado, em pequenas nuvens brancas por entre os lábios.

>E eu amo-te Quimera Merrigott.

Levantou-lhe gentilmente o queixo e passou com o seu polegar pelos lábios da rapariga antes de se baixar para beijá-la com determinação.

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Fizeram juntos o caminho de volta ao castelo no meio da escuridão e do vento cortante da tempestade. No grande hall, o jantar já estava a ser servido. Ainda a respirar com dificuldade arranjaram lugar na mesa ao lado de uns amigos de Blaise que conversavam excitadamente sem se darem conta da chegada do casal. Um rapaz magro com cabelo loiro curto e orelhas grandes muito vermelhas quase se engasgou quando olhou para eles e se apercebeu que também estavam ali à mesa.

>Oi, vocês dois, voltaram tarde Heim?
A Quimy olhou com um sorriso nos lábios para o Blaise.

>Andámos perdidos.
Disse ela ainda com os olhos no namorado. Ele piscou-lhe o olho marotamente.

>Pois foi e olha que até tínhamos deixado umas migalhinhas de pão para lembrar o caminho.
O outro rapaz não deixou Blaise acabar a frase e olhou com esperteza para Quimy.

>E quando olhaste para trás também te apercebeste que tinhas escolhido justamente o lobo mau para o passeio, certo?
Com um ar deliciado Quimy riu-se e Blaise olhou desconcertado para o rapaz.

>Ah! Então nessa história o lobo mau sou eu?
>Blaise!
Exclamou ela num gritinho. O rapaz loiro olhava para eles com uma cara enojada como se assistisse ao ritual de acasalamento de um casal de cobras cegas gigante.

>Não, nada de amassos aqui arranjem um quarto please!
Blaise compos-se muito depressa e com um ar grave perguntou ao rapaz o porquê de tanta agitação.

>Então vocês não sabem o que aconteceu hoje à tardinha a meio caminho de Hogsmeade para Hogwarts?? Uma rapariga da equipe de Quidittch dos «Grefindos» ficou paralisada por causa de um colar amaldiçoado com um feitiço mortal que ela trouxe de Hogsmeade! Ela está em estado crítico, quem sabe se já não morreu enquanto falamos.

Quimy e Blaise olharam na direcção da mesa dos Gryffindor e estava realmente mais vazia que de custume e as únicas pessoas que restavam ou eram primeiros anos ou grupos isolados de alunos, comendo à pressa enquanto outros faziam sandes e partiam na direcção das escadas para o salão da sua casa. Ainda lá estavam alguns Hufflepuffs e outros tantos Ravenclaw conversando mais entre si do que comendo. A mesa dos Slytherin era a mais preenchida e animada naquele serão. “Somos mesmos os colegas ideais para se ter em situações de perigo de vida, podem contar conosco para ver sempre a parte positiva dos ataques com magia negra” pensou Quimy cinicamente enquanto o loiro contava fascinado a sua versão dos acontecimentos.

>Diz-se que foi uma vingança contra a miúda acho que o nome dela é Bell, Katie Bell, mas não tenho a certeza. Quem viu diz que foi horrendo, que ela subiu dez metros acima do chão em convulsões horríveis que lhe desfiguraram o rosto, outros dizem que espalhou sangue até um kilómetro dali e que os profs tiveram um trabalho do caraças para conseguir apagar os vestígios da terra.

Quimy olhou para a mesa dos professores apenas a professora Trelawney de adivinhações e a prof. Sinistra de astronomia estavam por ali. Dava a ideia que estavam só para vigiar os alunos visto que nenhuma delas tinha tocado nos pratos. A professora Trelawney levava a mão à boca num gesto estranho, como se estivesse a beber de um recipiente invisível. A prof. Sinistra olhava para ela com um ar reprovador, as duas sobrancelhas negras muito juntas.

>A sério? E ela ainda está em Hogwarts?
Perguntou Blaise aos outros que entretanto tinham parado a refeição para comentar a história.

>Não, a prof Macgonagal e o prof Snape levaram-na para St. Mungos porque estava em estado crítico.
Disse uma rapariga do sétimo ano com um ar entendido.

>Bom, vejamos pelo lado positivo da questão, pelo menos foi uma sangue-sujo dos «Grefindos» ainda por cima bastante abaixo dos padrões de beleza convencionais. Acho que não perdemos nada.
Sem poder de deixar reconhecer o dono daquela voz arrastada, Quimy quase conseguia imaginar o sorriso debochado de Malfoy mesmo antes de olhar na sua direcção. Com um remexer de tecido grosso, o rapaz loiro atirou a capa para cima do banco corrido antes de se sentar nele com uma perna para cada lado, virado para Quimy.

Olhou para a sua recém-formada plateia e atirou o sorriso mais galanteador, capaz de derreter rocha a cada uma das faces. Logo uma rapariga se engasgou para concordar com ele e ouviram-se muitos outros múrmúrios de aprovação. Quimy olhou de Draco para Blaise que parecia grave mas também acenava afirmativamente, depois olhou para Draco novamente, desta vez, toda a surpresa se tinha esvaído das suas feições e a rapariga disparava raios mortais com o olhar. Tentava perceber alguma diferença nos olhos prateados que lhe retribuiam fixamente o olhar com o mesmo grau de intensidade.

Draco lia claramente a revolta em cada um dos traços da cara da rapariga. Ele levantou a cabeça arrogantemente na sua direcção e sorriu com convicção e um brilho feroz como o de uma adaga prateada em posição de ataque iluminou-o de repente preparando-se para esburacar as órbitas dos olhos de Quimy.
Assim, sem proferir uma única palavra ele conseguia ferir mais do que com mil e um dos seus comentários asquerosos.

>Como, como é que podes dizer isso Malfoy?? Se não foi intencional podia ter sido qualquer um de nós, podíamos estar agora a falar da possível morte de um Slytherin, isso é tentativa de homicídio, é grave, muito, muito grave dá direito a pena em Azkaban.
A voz tremia-lhe um pouco mas mesmo assim ela estava satisfeita por ter encontrado a coragem dentro de si para retribuir aquela confissão silenciosa de Draco. Ela não sabia dizer como mas sentia fiel e verdadeiramente que aquele rapaz tinha sido responsável por isto.

Ela realmente não sabia, não tinha argumentos lógicos nem provas concretas, ele tinha passado o dia em Hogwarts a cumprir um castigo com a Macgonagal logo não era possível que fosse responsável por aquilo, era impossível.

Mas mesmo contra todas as hipóteses ela ainda podia jurar que tinha sido ele e se de facto era verdade, então Draco Malfoy estava mais perdido, mais embrenhado no mundo da magia negra, no espaço do Lord das Trevas, do que ela podia alguma vez supor. Aquilo que pensava ser apenas uma maneira de se fazer superior tinha-se agravado e crescia perigosamente. Era grave, muito grave e era de loucos deixar tanto poder nas mãos de um miúdo imberbe.

>Então é bom que o responsável já se tenha posto a milhas daqui não é? Espero que tenha conseguido apanhar o expresso das seis e meia!
Todos na mesa se riram debochados, menos Quimera que apertava com força entre as mãos o pendente do seu novo colar e parecia perdida em pensamentos.

Atiçado pelos risos Draco continuou a gozação.

>Se calhar essa pessoa não se importa sequer de ir para a Azkaban. Pode ser um amigo dos Dementors e andar por aí com crachás pregados à roupa que dizem «Salvem os Dementors» ou então «Os Dementors são os nossos amigos encapuzados» e até nem se importavam de receber um beijo deles.

O rapaz loiro e magro sentado à frente deles ia caíndo do banco de tanto rir. Depois entre lágrimas acrescentou maldosamente:

>Cá pra nós, eu desconfio que a prof Macgonagal deve fazer parte de um grupo desses. Afinal nunca apareceu ninguém vivo para comentar o seu beijo! É uma afinidade adorável.

Um outro rapaz ruivo muito pálido juntou-se à conversa.

>Oi! Agora vendo bem as coisas provavelmente é assim que os dementors são debaixo dos capuzes. Sim se eles têm caras iguais à da Macgonagal então não os censuro de se tentarem esconder. Alguém devia sugerir que ela fizesse o mesmo, tornava as aulas bem mais agradáveis.

A mesa dos Slytherin vibrava e já puxava a atenção dos outros alunos. Um a um os alunos esforçaram-se por se acalmarem nos seus lugares.
Com os olhos fixos no seu prato vazio, Quimera estava calada, perdida em pensamentos. Segurava com força a medalha em forma de seta dentro da sua mão.

Draco por sua vez continuava sentado ao lado dela sorrindo para os colegas e até para Zabini.

Finalmente depois de uns minutos mais de contemplação muda, Quimera levantou-se e sorriu para Blaise.

>Estou esgotada Blaise, acho que vou já para a sala comum.
>Espera, eu acompanho-te Quim.
>Não, de maneira nenhuma, quero que jantes bem e descanses bastante. Ah e Blaise?
>Sim Quim?
>Adoro-te.
Foi o que Quimy disse ao seu namorado antes de virar costas e partir em passo rápido na direcção das escadas. O seu pensamento viajava a mil à hora e ela tinha apenas uma ideia fixa: encontrar a porta da sala do requerimento.

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Snape estava enervado mas não deixava que isso transparecesse a ninguém. Mantinha sempre a postura custumeira, o ar compenetrado. Ele desconfiava de quem tinha sido o causador disto e estava furioso, mesmo irritado. Como é que Draco podia comprometer assim os desejos do Lord Negro? Como é que ele podia ser tão obtuso e estúpido ao ponto de pensar que se ia safar com tudo aquilo. “Não se brinca com assuntos tão sérios” pensou o professor de DCAT.
Agora Draco andava a fugir, a tentar escapar ao raspanete que lhe era devido.

Uma voz estridente cortou a linha de raciocínio do professor de poções.

>Então caro Severus, certamente que vai participar na pequena reunião que eu estou a planear para a próxima quarta feira. Com certeza pondera no traje a usar, então posso adiantar que está longe de ser uma festa formal no entanto penso que caíria bem usar roupa fora do vulgar. Eu próprio já pus de parte um conjunto de mantos violeta maravilhoso oferecido por um custureiro francês que conheci durante uma viagem a Versailhes. Muito útil, sem dúvida o ideal para tal ocasião. Que lhe parece?

Severus Snape nem parecia ter escutado o professor Slugworn. Olhava para o homem baixinho e barrigudo do alto do seu metro e noventa e do seu nariz adunco. Não mexeu um músculo sequer para responder secamente:

>Certamente. Mas faço sempre um custoso esforço para redimir os meus pensamentos sobre folias quando tenho trabalho a desenvolver.
Com isto virou as costas e saíu em grandes passos com um movimento ondulante do manto negro na direcção da porta da enfermaria.

>Está muito certo, primeiro o dever, depois a diversão. Apareça para uns ananases em conserva!

Guinchou ainda o professor Slugworn na sua direcção antes de o ver desaparecer nas sombras.

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Draco estava ainda muito excitado com tudo o que tinha acontecido. Imaginava a reacção de Snape ao perceber como fora ludibriado e ria-se por dentro. Agora pensava apenas em ser cauteloso e sobretudo não aceitar nada ingerível das mãos do professor. Ele era bem capaz de lhe tentar fazer beber soro da verdade dessa forma.

Em cima da sua cama de dossel, imaculadamente arranjada, estava uma carta com um selo verde e o «Profeta Diário», que ele tinha deixado por ali quando recebera o correio de manhã.

Com o correio nas mãos, Draco arrancou o manto e atirou-o para a cadeira mais próxima, tirou os sapatos fazendo-os voar violentamente pelo ar. Estava cheio de energia. Mesmo assim deitou-se ao comprido na cama desarrumando a cobertura de veludo para ficar mais confortável. Começou a cantarolar para si o êxito musical “A minha vassoura é maior que a tua” das Esquisitonas, coisa que só acontecia quando estava mesmo muito bem humorado.

Começou por abrir o Profeta e deixou a carta para último lugar. Passou as notícias principais que não tinham nenhum interesse para ele e saltou directamente para a página dos obituários que quase ninguém lia. Era exactamente por isso que os devoradores da morte a usavam para se comunicarem, e era assim que ele falava com o seu pai em Azkaban onde ele também recebia o jornal.

Muitas vezes Draco colocava anúncios naquela página e recebia a resposta dessa forma, geralmente frases de encorajamento escritas em latim.

“Non, nisi parendo, vincitur”, “para bem mandar é preciso saber obedecer” traduziu Draco para si. “Que irónico pai” pensou consigo mesmo sem deixar de engolir em seco.
“oderint, dum metuant”, “que eles me odeiem, contando que me temam”.

“propria domus omnium optima”, “a nossa casa é a melhor de todas...”

“Pronto, já acabou, por hoje, malditas palavras, como se alguma delas importasse...todas as teorias, todos os malditos manuscritos não servem para merda nenhuma quando se quer passar à prática.” Furioso, Draco rasgou o jornal e com a varinha pegou fogo aos pedaços deixando uma queimadura de aspecto duvidoso no chão de madeira. Ele olhou para a mancha negra que tinha aparecido sem se importar muito. “Aqueles elfos incapazes que tratem disso, afinal é para isso que foram cuspidos ao mundo” resmungou ele entredentes. Ainda tinha de ler a carta da sua mãe, mas sem disposição para mais, fechou os cortinados da sua cama de dossel e adormeceu em seguida.

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Numa parede de pedra no corredor vazio do quarto andar apareceu uma porta de madeira e ferro. Quimera empurrou a porta enquanto uma voz dentro da sua cabeça lhe dizia que ali ela ia encontrar as respostas que procurava. Com a mão direita bem apertada sob o símbolo dourado da seta, ela avançou e fechou a porta atrás de si.

Estava numa grande sala, semelhante às masmorras do castelo, cujas paredes eram compostas de rocha negra do tecto até ao chão. Grandes blocos de pedra mármore e xisto, desciam sólidamente empilhados para formar uma fila dupla de colunas que levavam até um local circular iluminado pela luz do sol por uma grande abóbada de quartzo que parecia esculpida directamente da pedra. Era um espaço imponente que ela não se recordava de alguma vez ter visto dentro do castelo, nem via como é que isso era possível.

À sua frente, iluminado pela luz da abóbada estava uma estrutura metálica, mais ou menos da altura de um homem com uma forma cúbica, muito larga. Parecia um bloco de metal maciço, o seu brilho frio espalhado pelas pedras negras do chão.

Quando Quimera se aproximou para tocar nesta estrutura, um enorme painel deslizou lentamente para cima com um zumbido mecânico e arrastado. Assim apareceu um orificio suficientemente grande para deixar passar uma pessoa. Não era possível ver para dentro dele por ser muito escuro mas um som arrepiante, semelhante ao uivo do vento sob as falésias de uma enseada no mar, ecoava misteriosamente do nada.

Ela soube o que era esta estrutura assim que lhe pôs a vista em cima: a cabine de ligação. Mas onde é que ela ia dar? Porque é que estava ali e para que serviria?

Instintivamente, a mão de Quimy voltou a voar para a seta pendente do seu colar. Então pode percepcionar de novo uma voz distante, a susurrar-lhe ao ouvido, a dar-lhe indicações para iluminar as suas ideias: “O livro está na biblioteca, vai agora e serve-te do seu conhecimento”.

Sem esperar por mais, ela desatou a correr, deixando a cabine para trás, a sua mente mais veloz que os pés sob o chão àspero da sala.

No corredor conteve-se mas sem deixar de caminhar a passos largos, o pendente batia contra o seu peito com os seus movimentos rápidos. Estava mais alerta do que nunca, mais flexível e forte mesmo não tendo comido nada sentia-se cheia de vitalidade. Fazia cálculos de cabeça, fervilhava de ideias.

Madame Pince estava na biblioteca assim como bastantes outros alunos mas a biblioteca não tardava a fechar. Ela tinha de ser rápida e eficaz. Dirigiu-se à bibliotecária com um livro “As crónicas de Spultozovitz” cuja parte da capa ela tinha encantado previamente com um feitiço de escaldar de maneira a que a parte com que ela segurava no livro estivesse normal enquanto a parte que a livre da lombada, por onde a mulher ia pegar nele, fervesse como carvão em brasa.

>Boa noite Madame Pince, como está?
Perguntou Quimy com um sorriso cativante.
A mulher franziu o sobrolho mas acenou afirmativamente.

>Precisas de alguma informação?
Ela já tinha reparado no livro, era hora de agir.

>Sim queria levar este livro fabuloso para me entreter durante o fim de semana!
Com isto Quimy estende o livro para Madame Pince que o agarra com força para o soltar logo a seguir com um uivo de dor. O livro cai sobre o tinteiro aberto da secretária e o resultado revela-se deliciosamente catastrófico, não só houve tinta entornada sobre esse livro como sobre os restantes que haviam por ali.

A mulher ficou muito vermelha de repente e depois assustadoramente arroxeada como se estivesse a aproximar-se do ponto de asfixia. O seu berro mandou todos os alunos para fora da biblioteca, mas não Quimy que já se tinha esquivado no meio da confusão para o corredor inautorizado. Foi fácil achar o livro pois ela lembrava-se bem da sua posição. Assim que o arrancou da prateleira, escondeu-o debaixo do manto e espreitou para fora. A bibliotecária tinha saído para pedir ajuda ao Filch, o encarregado da manutenção do castelo. “Perfeito” sorriu Quimy de si para consigo.

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No seu gabinete, o professor Snape guardava uma grande variedade de objectos, uns mais exóticos que outros. Dentro de um baú, aparentemente normal ele tinha amostras de mais de dois mil tipos de poções diferentes, que ele havia preparado enquanto leccionava a antiga cadeira.

Com um ar compenetrado, o professor abriu o baú e lá dentro dispostos em escadinhas umas por cima das outras, perdendo-se na profundidade do fundo, frascos de todos os tamanhos e feitios armazenavam soluções de todas as cores e texturas.

Ele puxou uma solução transparente e inodora, presa num frasco fino com algumas medidas apontadas em runas, na sua letra apertada. Quem não reconhecesse o facto do menisco, quando se olhava de perto, estar invertido, até podia dizer que se tratava pura e simplesmente de água.

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Finalmente Quimy podia descobrir para que serviam as cabines de ligação. O livro estava escrito sob a forma de diário com ilustrações rigorosamente desenhadas. Servia para trnasportar pessoas e objectos, de um sítio para o outro sem recorrer à magia. Era um aparelho engenhoso mas requeria muita manutenção e começou por ser um projecto que aliava os conhecimentos tecnológicos dos muggles às capacidades mágicas. Foi abandonado pois não se encontrava utilidade para as cabines.

Todos os mágicos, mal ou bem conseguiam aparatar ou transportar-se por pó de floo através de lareiras. Segundo “Hogwarts: Uma História”, não era possível aparatar dentro do castelo ou nos campos da escola devido às fortes barreiras mágicas existentes. De facto, uma cabine de ligação permitia fazer o transporte de objectos ou de pessoas sem problemas para dentro da escola.

As lareiras e os campos ao redor de Hogwarts eram neste momento bem vigiados por aurores do ministério. Os alunos e professores estavam protegidos das ameaças ao mundo mágico desde que ficassem dentro do terreno. Mas a cabine de ligação significava para quem tivesse conhecimento dela, a possibilidade de transportar pessoas ou objectos estranhos sem necessáriamente passar pelo controlo apertado da segurança.

Quimera começava a entender o interesse de Malfoy naquele equipamento. Ela não pensou nem por um instante que o director de Hogwarts, Albus Dumbledore, não tivesse conhecimento da existência de uma porta de entrada e saída como aquela mesmo no interior do seu castelo. Ele não podia ignorar a presença desta cabine no castelo, provavelmente até sabia a exacta localização da outra cabine.

Mas se Dumbledore controlasse realmente a cabine de ligação que ela tinha visto, então porque é que o Malfoy tinha tanto interesse naquilo? O director não podia permitir a entrada de material para a prática de magia negra nos recintos de Hogwarts...ou podia? Qual era o interesse de dar livre arbítrio ao rapaz?

O problema complicava-se cada vez mais. Quimera resolveu descansar e ponderar no assunto no dia seguinte.

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