Talvez Amor



Snape não soube o que fazer. Ficou ali, parado, observando Hermione sair de perto de si, sair de sua vida. Ele sentia que era isso que aconteceria.
Estava certo. Naquela segunda feira que se seguia ao dia do baile, Hermione entrou na sala conversando com Harry e parecendo muito bem humorada. Sequer olhou o professor. Sentou-se na última bancada, junto a Harry, sem sequer se importar com os sonserinos que zombavam dela.
Snape arqueou a sobrancelha e disse:
- Granger, você vem para frente da minha mesa, como sempre. Potter, você vai para aquele canto, como sempre. E quero que façam silêncio. Algum problema?
Hermione obedeceu sem discutir, mas ignorando o professor muito bem.
“Eu disse a ela o que sentia e agora ela se sente no direito se ficar magoada. Egoísta. Devia ser da minha casa. Vamos ver quanto tempo ela agüenta agora. Vou voltar a ser o velho Snape; vamos ver o que acontece...”
Ele fez a fórmula aparecer na lousa e sentou-se à sua mesa sem nada dizer. Começou a corrigir lições do segundo ano muito tranqüilamente. Os alunos olharam-no, como que perguntando o que era para fazer.
- Mione, fala aí com ele – murmurou Harry.
- Menos dez pontos para a Grifinória; eu já disse que quero silêncio, Potter – disse Snape entediando, sem erguer os olhos do papel.
Harry olhou para Hermione sem entender. Ela sacudiu os ombros, como se dissesse que não sabia qual era o problema. Snape disse:
- Menos mais dez pontos para a Grifinória, Granger, não é para se comunicar por meio de gestos.
Hermione mordeu o lábio inferior com raiva e começou a copiar as instruções da lousa em um pergaminho.
- Ahn... professor, o senhor não vai explicar o que vamos ter que fazer? – perguntou Draco.
- A tarefa está no quadro negro, Draco – disse Snape calmamente.
- Mas é para fazer tudo isso de poção mesmo, professor? – perguntou Hermione, desistindo de ignorá-lo.
- É o que parece, não, Granger? – perguntou ele num tom muito sarcástico, sem tirar os olhos das lições dos secundanistas.
Os sonserinos riram e Snape não os repreendeu. Neville logo percebeu o que viria a seguir. Snape voltara a ser o mesmo por uma estranha razão, portanto ele logo iria começar a andar pela sala daquele jeito cruel, pronto para humilhar o garoto.
Não demorou para que aquilo acontecesse; Snape terminou de corrigir aquelas lições e levantou-se. Começou a andar pela sala. Parou ao lado de Hermione e sussurrou:
- Cuidado para não errar, Granger.
Com o susto, ela derrubou mais serragem do que devia em sua poção. Snape disse satisfeito:
- Menos 20 pontos para a Grifinória e comece a fazer outra vez.
- Mas por que perdi pontos? – perguntou ela.
- Porque não era para você se distrair – respondeu ele calmamente.
Ele parou ao lado de Harry e disse:
- Tudo errado, Potter. Faça de novo. E, se alguém aqui me contradisser, vou tirar 50 pontos da casa. Os alunos têm que saber o seu lugar.
Hermione mordeu o lábio inferior. Não podia perder mais pontos de sua casa. E não conseguiria recuperá-los numa aula de Snape. Logo o professor parou ao lado de Neville.
- Mas que lixo é esse, Longbottom? Tudo errado, seu desastrado!
O professor fez a poção do garoto desaparecer e mandou-o começar tudo de novo.
Hermione já havia recomeçado a fazer sua poção. Perguntou-se se Snape estava apenas querendo atingi-la ou se vingar dela mesmo. Não se brinca com quem tem poder. Nunca. E quem tinha o poder era ele. Ela reconhecia isso. Pediria desculpas logo que a aula terminasse e deixaria claro que não iria mais importuná-lo com seus sentimentos infantis.
Snape conseguira se superar. Humilhara tanto os três grifinórios durante aquela aula que eles poderiam entrar em depressão se fossem um pouco mais sensíveis. Como Neville.
Hermione permaneceu na sala, depois de ter dito a Harry que ia falar com Snape sobre uma dúvida, algo que o amigo julgou um suicídio, mas não discutiu.
Estavam apenas ela e Snape na sala. Ele acabava de guardar umas lições no armário e, ao vê-la ali, parada, perguntou com desdém:
- Que está fazendo aí? O Potter precisa de alguém para ajudá-lo a fazer as lições de casa, não acha, Granger?
Hermione engoliu em seco, respirou fundo e disse:
- Me desculpe por ontem, Severo, é que...
- Do que foi que você me chamou? – perguntou ele, aproximando-se dela de modo ameaçador. – Você não tem esse grau de intimidade comigo, garota. Dê meia volta e saia já da minha sala.
- Me deixe falar, professor, será rápido.
- Não quero ouvir – retrucou Snape, pegando-a pelo braço grosseiramente e começando a arrastá-la em direção à porta. – Não estou gostando do seu tom.
- Professor, pare! – exclamou ela, tentando evitar que ele a tirasse da sala. – Por favor, me ouça... Por favor.
- Vá para o meio do inferno, Granger, que um demônio como você não deveria ter saído de lá – disse ele, empurrando-a, mas sem tirá-la da sala. Ela bateu na parede e caiu no chão.
- Por que está falando comigo assim? – perguntou ela, sem conseguir se levantar, as lágrimas começando a encher os olhos dela.
- Arrume seu uniforme, que você está parecendo uma qualquer sentada assim de saias – ele disse com desprezo, dando as costas para ela e caminhando para sua mesa.
- Me desculpe por ontem... eu... eu fui grossa, não tinha o direto de falar daquele jeito... eu...
- Granger, SAIA! – esbravejou ele. – Eu não quero ouvir!
A garota sobressaltou-se assustada. E alinhou-se, mas não se levantou. Tinha batido na parede de um jeito que a deixara toda bamba.
- O que ainda está fazendo aqui, Sangue-Ruim? – perguntou ele.
Ao ouvir o vocativo, ela ficou estática.
- Está me destruindo por que me ama ou por que me odeia? – perguntou ela, transtornada, com os olhos marejados.
- Não dou a mínima para você, garota, só quero que me deixe em paz, entende? Eu vou te deixar em paz, como você pediu tão gentilmente ontem à noite, mas eu quero que você faça o mesmo. Fingir que nunca aconteceu nada. Ah, mais uma coisa.
Ele sacou a varinha e disse:
- Obliviate.
Mas ela sacara a varinha bem a tempo de bloquear o feitiço.
- Não quero esquecer de nada – sussurrou ela. – Nem dos erros nem dos acertos... Por favor, Severo, me perdoe... Eu... eu não estava suportando a sua indiferença... Eu quis que você me odiasse, me xingasse, me agredisse... Mas a indiferença dói muito. Eu não podia suportar...
- Para o raio que a parta; não quero saber – disse ele, com uma agressividade que ela nunca vira nele. – Não me importo. Não quero saber o que você sente. Nem o que sentiu. Não quero saber de você. Faça o que quiser da sua vida. Você saiu da minha vida ontem.
- Você não sabe lidar com desprezo – murmurou ela, procurando manter a paciência. Ela sabia por que ele estava fazendo aquilo.
- Não, não sei – disse ele, como se nem tivesse ouvido o que ela tinha falado. – Saia, antes que eu te arraste para fora.
Ela levantou-se meio cambaleante, mas não saiu.
- Eu... eu não te tratei com desprezo ontem... eu só... tive medo que você quisesse esquecer de tudo o que aconteceu. Antes dissesse que foi um erro, mas não que queria esquecer... Desde aquele dia eu... eu penso... penso em você... Mas você não pensa em mim, isso me deixa tão...
- Menina idiota; não faz idéia do que está falando – disse ele, sério. – Eu não pensava em você? De onde você tirou essa idéia imbecil? Se tudo o que eu mais queria era ter você em meus braços outra vez? Eu só não podia. Tinha que afastar você de mim. Mas você não entende. Só vê o seu lado. Você devia ser da Sonserina por isso. Ontem à noite, quando eu finalmente decidi mandar tudo para o espaço para poder ficar com você, você fez aquele show estúpido. Já estamos esclarecidos? Ótimo, você já pode ir.
Hermione cambaleou e ia cair, mas Snape adiantou-se rápido para ela e segurou-a.
- O que foi? – perguntou ele.
- Nada – respondeu ela. – Você me jogou na parede como se eu fosse um copo de vidro, né, seu grosso! Bati a cabeça. Mas só isso.
Ele sentiu que ela meio que se deixava cair nos braços dele, sem forças; Snape levou-a até uma cadeira e sentou-a lá.
- Tem certeza de que você está bem? – perguntou ele, um pouco apreensivo. – Me desculpe, está bem?
Hermione não respondeu; apenas olhou para baixo com uma espécie de tristeza estampada nos olhos.
- Eu estou bem, professor, só um pouco tonta – murmurou ela. – Nada demais. Nada que não seja pior que ouvir você me chamar de “Sangue-Ruim”.
- Ah, me desculpe, está bem? – perguntou ele, mal humorado. – Mas que inferno! Ontem resolvi falar com você sobre aquela noite, mas eu não sei ser gentil, entende? Não sabia como começar. Por isso resolvi beijar você antes, mostrar que eu não tinha esquecido você... Mas você falou como se eu fosse só um safado cafajeste que queria transar com uma aluna.
Dessa vez, era a voz dele que vinha carregada de rancor.
- Mas... Severo, me desculpe, mas o que mais eu poderia pensar? – perguntou ela, em tom de desculpas. – Depois daquela noite você me ignorou solenemente. Eu não poderia esperar que alguém que sempre me humilhou tivesse confessado sentimentos verdadeiros por mim!
Snape olhou-a.
- Está bem; já que estamos acertados e você me parece bem melhor, pode sair – disse ele.
Hermione levantou-se e olhou-o, séria.
- Não, Severo – disse a garota, decidida. – Eu não vou deixar você estragar tudo, eu não vou deixar eu estragar tudo de novo.
E, ao dizer isso, beijou-o, envolveu-o num abraço forte que o pegou de surpresa. Ele abraçou-a com força pela cintura e beijou-a com intensidade. Quando se desvencilharam, ele disse:
- Menina tola, poderiam nos ver – ralhou ele. – E não posso ficar excitado entre uma aula e outra, se é que você me entende.
Hermione sorriu; ele fez-se sério.
- Não brinque comigo, mocinha – disse ele. – Depois nós conversamos.
- Depois quando?
- Depois do jantar, talvez – disse ele.

Depois do jantar. Sim, depois do jantar. Ela bateu à porta, dividida entre um sentimento de culpa e uma vontade de esquecer quem era. Não imaginava o que poderia acontecer. Snape tinha a característica de ser imprevisível.
Ele veio abrir a porta pessoalmente. Olhou-a da cabeça aos pés; claramente lutava para não perder o controle.
- Entre – disse ele, com a voz um pouco trêmula.
Quando ela o fez, entre fechou a porta e trancou-a. Depois se virou para ela e encarou-a.
- Muito bem; já esclarecemos tudo, ou quase tudo hoje de manhã, mas agora quero ser franco com você, pelo menos uma vez.
Hermione olhou-o. Não sabia por quê, mas não havia gostado do tom dele.
Snape prosseguiu:
- Dumbledore já tem um plano para acabar com o Lorde das Trevas e... bem, eu faço parte dele, é óbvio. Então, acho que estou te dizendo isso porque quero que você saiba que é mais que uma fonte de... ahn... prazer.
Hermione corou levemente; Snape acrescentou num tom com pretensões de ser brincalhão:
- Não que dois meses sem você seja muito prazeroso, mas você me entendeu bem.
E, voltando ao tom sério, ele disse:
- Mas escute: não quero que o Lorde das Trevas veja na sua mente o que aconteceu entre nós, portanto, vou apagar sua memória. Assim, você vai estar segura.
- Mas – começou ela, sentindo uma decepção sem igual invadir-lhe a alma – eu não quero estar “segura”! Eu... eu quero estar ao seu lado e...
Snape não sabia lidar com aquilo. Não se lembrava de já ter se sentido amado. Mas ele a cortou antes que deixasse suas emoções transparecerem:
- Não, não. Não quero ser o responsável por qualquer coisa que aconteça com você, Hermione... Eu só quero que você esteja bem. Bom, acho que isso prova o que eu disse sobre sentir, não prova?
Ela fez que sim com a cabeça e, como última solução, ela sugeriu:
- E se... se você me ensinasse oclumência?
Snape fez que não com a cabeça.
- Já pensei nisso. Mas tenho duas semanas até pôr o plano do Dumbledore em prática. O seu amigo Potter vai lhe dizer isso hoje, talvez. Dumbledore está falando com ele nesse momento. Você não vai aprender oclumência em duas semanas, por mais que seja brilhante...
- Me deixe tentar – pediu ela. – Por favor. E se... e se algo acontecer com você? Não tenho o direito nem de me lembrar?
- Ah, mas esse é um dos motivos pelo qual quero que você esqueça. Além de estar segura do Lorde das Trevas, você não vai ficar sofrendo por mim se acontecer o pior.
- Severo, você não vai tirar da minha memória que eu te amo – disse ela devagar. – E vou sofrer mais se você morrer e eu achar que nunca lhe disse o que sentia. Me deixe tentar aprender oclumência. Se no fim dessas duas semanas eu me mostrar uma grande incompetente, você... você pode apagar minha memória. Podemos ter aulas todos os dias depois do jantar, durante umas três ou quatro horas e...
- Seus NIEMs estão chegando – ele retrucou.
- Eu quero que tudo vá para o inferno – retrucou ela, mas, ao contrário do que parece, de modo calmo. Mas aquela fala dela o espantou um pouco. – Cansei de me preocupar só comigo, com livros mais do que com pessoas... por favor, Severo, eu posso estudar durante todo o tempo livre que eu tiver, mas essas horas depois do jantar...
Snape não soube o que dizer. Sentia-se até comovido ao ver o sacrifício que a menina pretendia fazer por ele, pois ele sabia o quanto estudar era a vida dela, a razão de ser dela. Assim como já fora a dele um dia. E então sentiu que ainda tinha um motivo para viver. Depois de tudo o que havia feito na vida, depois de todos os seus erros, percebeu que não queria mais morrer naquela guerra, como antes. Mas não conseguia ser um romântico apaixonado, não conseguia abrir mão de ser Severo Snape. Por isso, aproximou-se dela e beijou-a de modo intenso.
Hermione correspondeu com – ele sentiu isso – amor. Ela beijou-o enquanto suas mãos abriam os botões do sobretudo dele.
- Pare – disse ele, de repente.
Hermione olhou-o, um pouco surpresa, pois estava percebendo, em razão de sua proximidade com ele, que ele a desejava naquele momento.
- Que foi? – perguntou ela. – O que foi que eu fiz de errado?
Snape não respondeu de imediato; pegou-a no colo como se ela fosse uma princesa e dirigiu-se às escadas que levavam ao seu quarto.
- Você merece mais do que posso lhe oferecer, mas a minha cama ainda é melhor que a minha sala – murmurou ele, bastante trêmulo.
Hermione sorriu e deixou-se levar. Ele abriu a porta, colocou-a em cima de sua cama delicadamente e depois trancou a porta. Então se virou para ela. Ela estremeceu.
- Assustada, srta. Granger? – perguntou ele, irônico. Mas a ironia era para brincar com ela, e não para ser cruel, como era em geral.
A garota deixou-se observar. Ele aproximou-se lentamente e, tirando o sobretudo, deitou-se por cima dela. Hermione olhou-o nos olhos, com um olhar de carinho e passou as mãos pelas costas dele enquanto ele a despia. Ele a beijou demoradamente e depois desceu para o pescoço. Estava tentado ser o mais carinhoso que conseguia, mas não sabia se suportaria muito tempo.
Hermione sentia isso, e decidiu brincar com ele. Afastou-o de si quanto ele pretendia deixar as carícias mais ousadas e disse bem baixo no ouvido dele:
- Minha vez, Severo Snape.
E começou a beijar o pescoço dele, seus ombros, seu tórax. Ele não agüentou mais. Não conseguia. E ela não o impediu. Durante toda aquela noite, eles se amaram como se fosse a última vez em que fariam isso. E talvez fosse.

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