Onde Tudo Começou
Não demorou nem duas semanas para que Hermione estivesse completamente curada, graças aos esforços de madame Pomfrey e – ele pediu para ter o nome ocultado – de Snape. Ele preparou poções, foi visitar Hermione algumas vezes enquanto a medibruxa tratava dela e às vezes passava lá na hora do almoço, só para ver se ela estava bem.
Snape obedecera a Dumbledore; se não era o mais simpático dos professores com os grifinórios, ficou bastante desagradável com os sonserinos.
Até que, num belo domingo daquele outono gelado, ela abriu os olhos pela primeira vez desde o acidente. Na ocasião, Snape, madame Pomfrey, Dumbledore e Minerva estavam presentes.
- Ah, finalmente, criança – disse Minerva, alegre, adiantando-se para sua aluna mais brilhante.
Hermione olhou-a, séria, depois sorriu. Tentou levantar-se, mas levou as mãos à cabeça, como se aquilo pudesse aliviar a dor. Snape se ocultara nas sombras; apenas observava a cena.
- Ah, está tudo girando – reclamou Hermione. – Há quanto tempo estou aqui? Perdi muitas aulas?
- Você está aqui há duas semanas – disse Dumbledore calmamente. – Seus amigos vêm te visitar todos os dias. Estavam preocupados.
- Ah... eu perdi duas semanas de aulas? Ai, caramba!!! – lamentou ela, tentando sentar-se, em vão.
- Mas todos os professores vão te ajudar a repor as suas aulas e logo logo você estará bem de novo – disse Minerva, reassumindo o ar de diretora durona.
- Não quero ficar em Hogwarts – disse a garota, fazendo uma careta por causa da dor de cabeça. – Tenho que pedir uma transferência e...
- Ah, não poupe Hogwarts de sua inteligência! – disse Dumbledore num tom de velhinho bonzinho que só ele sabia.
- Nem lembro o que aconteceu direito – disse Hermione, tonta. – Eu sei que rolei escadas abaixo... e também sei por que isso aconteceu. Já é o suficiente para eu saber que não sou bem vinda aqui.
- Por que essa súbita revolta? – perguntou Dumbledore calmamente.
- Ah, não sei – disse a garota. – Só estou menos paciente do que costumava ser... Mas tenho que pedir desculpas ao professor Snape mesmo assim... Eu fui tão grossa, e na frente de todo mundo! Ele tava errado, ah, tava sim, mas eu gritei com um professor... eu mereço uma detenção descascando batatas pelo resto do semestre...
- Não seja tão rigorosa – disse Minerva. – Nós sabemos muito bem que o Severo é muito chato e fica pior quando quer ser desagradável.
Hermione soltou uma risadinha espontânea, mas logo se arrependeu, pois sua cabeça doía.
- Ah, acho que estou há muito tempo deitada... que dia é hoje?
- Domingo – respondeu a medibruxa.
- Ah, então acho que vou andar perto do lago, respirar um pouco... espero que essa dor de cabeça suma! – disse Hermione, fazendo todo o esforço para se levantar.
Dumbledore e McGonagall correram para ajudá-la.
- Ai, minha cabeça! – exclamou ela, quando já estava sentada. – Tá tudo girando... Onde tá o professor Snape, hein? Ele tá lá naquela masmorra fria, né? É melhor eu ir lá falar com ele... Professora, acho que a Grifinória vai ficar com menos 100 pontos agora...
- Severo estava aqui agora há pouco – comentou Minerva, olhando em volta.
Assim que ouvira seu nome, Snape dera um jeito de sair do lugar e ouvir tudo atrás da porta. Quando Minerva falou seu nome, ele caminhou um pouco para trás e fez que estava vindo. Abriu a porta com aquele ar mal humorado e entrou dizendo:
- E a Sabe-Tudo? Já acordou?
Ele olhou para a garota, que olhava para ele com um sorrisinho sem graça.
- Ahn... professor, me desculpe e...
- Ah, está bem, Granger, não comece – disse ele, parecendo entediado. – Já está bem? Ótimo. Dumbledore, estarei na minha sala se precisar de mim.
Ao dizer isso, Snape saiu sem dar oportunidade para ninguém falar nada, e caminhou para sua sala o mais depressa que pôde. Enquanto isso, Hermione sacudiu a cabeça negativamente.
- Ele é tão teimoso! – disse ela. – Vai me fazer descer até lá...
- Mas vá passear antes, respirar um pouco – disse Dumbledore. – E pensar se você quer mesmo sair de Hogwarts, se vale à pena trocar tudo o que você construiu por causa de uma bobagem...
Hermione suspirou e assentiu. Não queria discutir. Com esforço, levantou-se e ficou um momento tentando se equilibrar em pé. Minerva estava preparada para segurá-la a qualquer momento, mas não foi preciso.
- Certo, acho que já estou bem – disse Hermione. – Agora, eu vou pensar na vida. Se for possível, não deixem ninguém vir falar comigo... eu quero ficar sozinha...
- Tudo bem – disse Dumbledore.
Hermione foi andando. Sentia cada músculo de seu corpo doer a cada mínimo movimento, mas, teimosa que era, insistiu. Foi andando pelos corredores mais desconhecidos e menos usados no velho castelo, pois não queria encontrar ninguém. Mas encontrou.
Draco Malfoy, Crabble e Goyle estavam no corredor e, a julgar pelo lugar, não estavam tramando boa coisa. Assim que a avistaram, aproximaram-se dela.
- Ah, você acordou... – disse Draco com um sorriso cínico. – Eu já estava ficando preocupado. Com quem o professor Snape ia brigar nas aulas se você fosse embora de Hogwarts?
- Ah, Malfoy, só me deixa em paz, que eu prometo que te ignoro – disse Hermione, sem disposição para discutir.
Mas Draco sacou a varinha e apontou para ela.
- Ah, mas eu não gostei do jeito que você falou com o professor Snape, e nem do jeito que você fala comigo... e nem de você, sua sangue-ruim nojentinha. Você merece um castigo.
- E o que você vai fazer? – desdenhou Hermione. – Vai ficar muito bravo e dizer pra todo mundo que sou uma sangue-ruim? Vai lá, faz isso. Nem ligo.
Mas Draco adiantou-se para ela e sussurrou:
- Crucio.
A menina começou a se contorcer de dor; foi ao chão. Mas não gritou; reprimiu o grito. Apertou os olhos, não sabia como estava agüentando tanta dor, sendo que seus músculos já doíam antes. Ouviu então uma voz que nunca esperara se alegrar em ouvir antes:
- Mas o que está fazendo, Draco?
O castigo foi suspenso de uma hora para outra. Hermione deixou-se ficar no chão, sem conseguir levantar, sentindo uma dor alucinante. Ela chorava.
Snape aproximou-se dos três; estava furioso.
- Vai me obrigar a tirar 50 pontos da minha própria casa, seu imbecil – disse Snape irritado. – Agora empatamos com a Grifinória. Acho bom você recuperar esses pontos durante a semana, e em aulas que não sejam as minhas. Isso porque você vai ver Dumbledore assim que eu atender a Granger. Agora, sumam das minhas vistas. Os três!
Nenhum dos três sonserinos discutiu; saíram correndo pelo estranho corredor. Snape abaixou-se ao lado de Hermione, olhando-a.
- Você está bem? – perguntou ele.
- Bem? Já não bastava a dor que eu estava sentindo, ainda tinha que ser torturada por aquele... ahn, desculpe. Eu não ia ofender o Malfoy.
- Consegue se levantar? – perguntou ele.
Hermione tentou se mexer, mas todas as partes de seu corpo doíam imensamente.
- Consigo – disse ela, orgulhosa. – Não, não precisa me ajudar; estou bem.
Mas ela não conseguiu lutar contra as reclamações de seu corpo. Snape olhava-a com desdém, esperando que ela admitisse que precisava de ajuda. Mas ela não pediu. Conseguiu sentar-se e nada mais.
- Acho que você está sendo teimosa – disse ele, cruzando os braços. – Vamos, me dê a mão.
Hermione suspirou, mas aceitou. Não dava para puxá-la só pela mão; ela gritaria. Ele envolveu-a pela cintura e levantou-a. Já de pé, ele não a soltou.
- Consegue ficar em pé? – perguntou ele.
- Acho que sim – murmurou ela, constrangida por estar nos braços do professor.
Desconfiado, ele soltou-a; ela se manteve em pé.
- Eu... eu queria tomar um banho, me trocar dessa merda desse uniforme, me livrar dessa sensação de que ainda estou no hospital, mas nem consigo andar até o salão comunal da Grifinória. Tá tudo doendo, professor, tudo!
Snape fez uma mesura.
- Venha comigo – disse ele por fim.
E girou sobre os calcanhares, tomando o caminho das masmorras. A garota seguiu-o.
- Será que o senhor poderia andar mais devagar? – perguntou ela.
Snape suspirou como que entediado e esperou-a; ela parou.
- Se não quer me ajudar, não precisa, professor, eu falo com a professora McGonagall; vai ficar tudo bem e...
- Anda logo – disse ele, com alguma rispidez.
Hermione, um pouco assustada, apressou-se tanto quanto pôde. Já perto das escadas para descer, Hermione hesitou. Snape, ao notar que ela estava insegura, passou uma das mãos em torno da cintura dela, aproximando-a bastante de si e, ao mesmo tempo dando a ela uma sensação de medo e segurança.
Desceram as escadas assim e ele a soltou imediatamente quando alcançaram os corredores da masmorra.
- Ahn... professor...
- Que é? – perguntou ele, sem parar de andar e sem olhar para ela.
- Me desculpe por ter falado com o senhor daquele jeito... Foi, foi... foi burrice minha, me desculpe mesmo, estou muito arrependida.
- Não exagere, Granger – disse Snape. – Se você não tivesse sofrido aquele acidente quando saiu da minha sala daquele jeito, eu teria te tirado uns bons 60 pontos, mas estamos quites agora; tive que ficar preocupado por uma semana. Se você sofresse algo de grave eu teria que suportar o Potter e o Weasley me acusando de assassinato.
Hermione nada respondeu.
- Claro. Se eu morresse o senhor se sentiria culpado... nada mais que obrigação moral... – murmurou Hermione.
- E o que você esperava? – perguntou ele com rispidez.
- Do senhor? – perguntou Hermione, com um meio-sorriso forçado. – Nada além disso.
Aquilo, de alguma forma, fez Snape se sentir mal por dentro, mas ele não sabia como. Chegaram à sala, Snape disse para ela entrar e entrou logo em seguida.
Ele foi até seu armário e, depois de pegar um vidrinho com um líquido azul e entregá-lo a ela, disse:
- Beba de uma vez só; vai ajudar a parar a dor. Mas beba de uma vez; isso tem um gosto forte.
- Poção contra-dor? – perguntou a garota, um pouco incerta.
- Isso – resmungou Snape. – Mas parece que você já está bem; voltou a ser a mesma Sabe-Tudo de sempre.
Hermione nada disse; bebeu tudo de uma vez só. Mas não mudou de expressão; apenas disse:
- Deviam processar o cara que inventou uma poção tão ruim – comentou ela. – Vai mesmo demorar só alguns segundos pra fazer efeito.
Snape arqueou a sobrancelha e murmurou:
- Levante-se.
Hermione obedeceu; abriu um sorriso em seguida.
- Ah, já fez efeito! Poção bem preparada.
- Naturalmente; eu mesmo a preparei. Rasgaria o meu diploma se eu não soubesse fazer uma poção tão simples?
- Simples? – perguntou ela. – Simples? Eu não acho que poções que demoram duas semanas pra ficarem prontas sejam simples.
- Você é uma aluna, que mal tem 17 anos – retrucou Snape.
- Isso, fala como se o senhor fosse o maior velho da história mesmo – disse Hermione, mais relaxada. – Ah, valeu, professor. Ah, quando é mesmo o outro passeio pra Hogsmeade?
- Acho que no próximo sábado.
- Ah, sim. Bom, obrigada. A gente se vê na próxima aula.
E saiu, muito calmamente. Snape ainda ficou pensando o quanto gostaria de ajudá-la a subir as escadas outra vez.
Na hora do jantar, lá estava Hermione, entrando no salão. Rony e Harry correram para abraçá-la, e os outros grifinórios vieram depois. Estavam felizes em vê-la tão bem, e até sorridente.
- Ah, tenho que pegar a matéria com vocês depois – disse ela a Harry e Rony, depois que tinha se livrado de tantos colegas que tinham vindo cumprimentá-la.
Os dói se entreolharam.
- Você quer que matérias mesmo? – perguntou Rony.
- Ah, já sei – adivinhou ela. – Vocês não fizeram nada de útil, né? Ficaram moscando essas duas semanas em que não tinha ninguém pra pegar no pé de vocês, né?
- Bom... é – disse Rony. – Mas a gente fez as lições da sala, só atrasamos umas lições de casa...
- Levamos umas broncas do Snape... – acrescentou Harry.
- E a Minerva disse que se a gente não começasse a estudar direito, ela ia tirar a gente do time de quadribol – disse Rony.
- Ah, isso seria muito bom! – disse Hermione com um riso divertido.
Na manhã seguinte, quando Harry e Hermione estavam indo para a sala de Poções, Harry disse-lhe:
- Só não dê um susto na gente de novo.
- Ah, prometo que vou me controlar dessa vez...
Chegaram à sala. Draco não estava lá, mas, de resto, todos os alunos estavam. Hermione foi para uma bancada mais ao canto, mas ainda assim, era a primeira. Neville estava ainda se recuperando da última bobagem que fizera na aula da segunda anterior, por isso não estava presente, de modo que Harry e Hermione eram os únicos grifinórios presentes.
Snape entrou na sala com o habitual ar mal humorado e disse:
- Não, nada de Potter e Granger juntos – disse ele, assim que os viu. – Granger, você vem para cá, na frente da minha mesa. Potter, você pode ficar bem aí. E vocês também, da minha casa, tratem de se separar bem. Se eu pegar alguém olhando para o alto, vou tirar 5 pontos por fio de cabelo do ser, então tratem de se concentrar em suas poções. As coordenadas estão no quadro; quem tiver alguma dúvida pergunte. Mas que não seja uma dúvida muito imbecil.
Depois daquele discurso, Snape sentou-se à sua mesa.
- Granger – disse ele, e todos olharam para lá. – Eu acho que eu disse “Granger”. Isso, voltem a fazer suas poções. Granger, a cada dia dessa semana você vai ter uma matéria, para repor as aulas que perdeu, como a McGonagall deve ter te falado. A minha é hoje, depois do jantar. Os outros professores vão dar as suas aulas durante a tarde, mas eu não. Afora, pode continuar.
Hermione assentiu e continuou fazendo sua poção.
Já passavam quinze minutos de aula quando Snape começou a circular pela sala, observando as poções.
- Tenho uma espécie de paz quando Longbottom está bem longe – comentou Snape, com um sorriso irônico, falando aos sonserinos, que riram. – Crabble, essa poção está ótima para ir para a pia. Faça outra vez.
O garoto imediatamente se fez sério; todos os sonserinos pararam de rir.
- E o que aconteceu com o draco, professor? – perguntou Pansy.
- Ah, ele está com problemas. Andou fazendo gracinhas a mais do que devia.
Hermione sentiu raiva. Snape não responderia tão educadamente se ela tivesse perguntado, em vez de Pansy.
- Professor, para dobrar a quantidade de poção eu tenho só que dobrar os ingredientes ou eu tenho que fazer algum cálculo absurdo.
Snape olhou-a por um tempo, pensativo. Não estava pensando na resposta que ia dar, pois isso ele já sabia, só estava pensando no quanto gostaria que Hermione fosse sonserina. Aquela era uma pergunta inteligente.
- Não, Granger – disse ele, como se estivesse entediado. – Não pode só dobrar a quantidade de ingredientes. Tem que recalcular tudo.
- E como se recalcula? – insistiu ela. – Essa regra vale para qualquer poção?
“Ela está testando a minha paciência”, pensou ele. Tentou não parecer satisfeito que ela soubesse fazer perguntas de nível, procurou parecer distante:
- Para recalcular uma poção, você tem que conhecer como os ingredientes interagem entre si, por isso é muito diferente de uma poção para outra. Nem sempre quando aumentamos a quantidade de um ingrediente temos que aumentar a do complementar.
- Ah, é? – ela parecia interessada. – Pode me dar um exemplo?
- Posso dar muitos exemplos, mas não é esse o tema da aula. E isso já é Estudo Avançado das Poções, que você só vai ver na faculdade.
Hermione pareceu decepcionada.
- Mas, se você acertar a sua poção de primeira, eu posso lhe explicar isso de tarde – disse ele, como se a idéia fosse horrível para ele, e tendo quase certeza de que ela ia recusar.
- Isso! – exclamou ela, voltando todas as atenções para seu caldeirão. Fora desafiada. E queria mesmo saber o que tinha perguntado, portanto, se concentrou tanto, mas tanto, que nem percebeu o professor se aproximar para ver como andava a poção dela.
- Está certo, por enquanto – informou ele com frieza.
Ela teve um sobressalto para trás.
- O que foi? – perguntou ele.
- Eu não tinha visto o senhor se aproximar – disse ela envergonhada.
Snape permitiu-se um leve sorriso. Gostava de alunos que se concentravam. Alunos assim, ele só conhecia ele mesmo.
Ele andou para perto de Harry. Olhou a poção do garoto com frieza. Hermione, embora olhasse para seu caldeirão, prestava muita atenção no que Snape diria a Harry.
- Potter, tenha cuidado com as medidas – ralhou o professor. – Seu desastrado, vai estragar tudo. É menos do que isso. Não, Potter, menos ainda. Você está pretendendo matar alguém? Isso, é essa a quantidade. Mas não jogue tudo de uma vez. Aos poucos... Eu disse AOS POUCOS, Potter!
Hermione abafou o riso. Snape estava tentado explicar a Harry como fazer o certo, isso a alegrava. E, ao mesmo tempo, era engraçado ver Snape perder a paciência tão rápido.
- Potter, se você quiser morrer, esteja à vontade, mas não vai levar a minha sala junto – disse Snape impaciente. – Isso, Potter, agora sim. Não é tão difícil usar o cérebro, é? Ele foi feito para pensar, sabe, Potter.
E se afastou, para sentar-se a sua mesa outra vez. Olhou para a poção de Hermione. E observou que ela parecia bem alegre.
- Posso saber o que é tão engraçado, Granger? – perguntou ele, com rispidez.
- Ah, nada demais – disse ela, distraidamente, enquanto terminava de mexer sua poção. – Eu só ouvi o senhor falando com o Harry... Com tanta paciência assim, é difícil prever o que seria do Harry se Dumbledore não existisse...
E abafou outro riso. Snape nada disse, por mais estanho que isso pareça. A poção de Hermione estava mesmo certa, e o resultado disso é que Snape passou duas horas depois do almoço explicando para ela o que ela perguntara. E, o que mais o espantou, ele estava gostando disso. surpreendeu-se por estar gostando de dar uma aula particular para uma nascida trouxa da Grifinória. Recriminou-se por isso, mas o fato é que ela era tão inteligente que dava prazer explicar a ela. Ela entendia rápido a lição, perguntava coisas inteligentes, algo bem diferente de todos os estúpidos que tinha que suportar.
Depois do jantar, ela ainda foi para a sala dele. Ele já a esperava.
- Ah, eu vou ter muita lição para fazer? – perguntou ela, assim que se sentou.
- Aqui, até que não, são só duas poções, que você poderá fazer ao mesmo tempo. Entregue-as para nota, ainda hoje. Agora, como tarefa, você terá muito o que fazer.
Snape entregou a ela um pergaminho de um metro, com todas as especificações do que ela faria na aula extra e fora dela.
Hermione pegou seu material e logo começou a fazer a primeira poção. Quando esta entrou em ponto de ficar só cozinhando, ela começou a fazer a outra. O professor corrigia lições do segundo ano e parecia concentrado nisso, por isso ela decidiu não perguntar nada.
Ele, por sua vez, corrigia as lições com desprezo. “A Granger não era tão imbecil no segundo ano”, ele pensou. E recriminou-se. O que estava acontecendo, afinal que não conseguia tirá-la de sua cabeça?
Olhou para ela, que olhava para um caldeirão, enquanto mexia o outro.
- Professor – disse ela, erguendo os olhos. – É uma quantidade muito grande de poção do sono; pra que tanto, se o senhor só vai pegar um vidrinho?
- Ah, madame Pomfrey me pediu para fazer, mas estou sem tempo pra isso – disse ele, distraidamente. E depois se arrependeu; lembrou-se que tinha que ser ríspido, insensível, mal educado.
Hermione prendeu a respiração.
- Mas... e se eu errar? – perguntou ela, apreensiva.
- Você tira uma nota ruim, eu jogo tudo fora e eu mesmo faço depois – disse ele simplesmente. – Mas, aqui entre nós, você não vai errar.
Hermione desviou o olhar e permitiu-se sorrir. Havia algo estranho ali. Snape não a estava tratando como lixo. Era uma sensação muito nova – que ela gostou. Mas logo ficou séria; temia que sua alegria fosse estragada se ele notasse o que ela estava pensando. Ele poderia manter a velha máscara.
Ela terminou e disse isso a ele. Quando ele aproximou-se para olhar o caldeirão, ela sentiu algo que não esperaria sentir nunca antes: vontade de tê-lo perto, de abraçá-lo... Mas logo afastou esses pensamentos. Snape recolheu uma amostra e disse que ia analisar. Como a outra poção também estivesse pronta, ele recolheu uma amostra da outra também e dispensou sua aluna.
Ela pegou seu material, desejou-lhe boa noite e saiu. Estava alegre, e não sabia bem por quê. Talvez fosse bom ser bem tratada por aquele que se fizera seu carrasco por tanto tempo.
Mas ela sentiu algo diferente. Lembrou-se de quando ele a ajudara a descer as escadas, e desejou que ele fizesse aquilo de novo, mas logo repudiou essa idéia, sacudindo a cabeça negativamente.
Quando chegou ao quarto, pôs sua camisola – que era branca e esvoaçante, lembrava um pouco as da Idade Média dos trouxas. Mas não quis dormir. Queria pensar, pensar em tudo. Pensar se passar a vida só estudando, sem fazer mais nada, era o que ela queria...
Decidiu que ia passear perto do lago, respirar o ar da brisa noturna. Sabia que estava frio, mas nem pensou nisso. Apenas andou pelos corredores. Parecia uma fada andando. Andou; o portão do castelo fora esquecido aberto e ela saiu. Sentiu o vento gelado; estremeceu, mas não se importou com isso.
Quando chegou perto do lago, sentou-se no gramado e ficou observando o nada. Estava revendo o que tinha acontecido. Sua viagem à França... o encontro com aqueles comensais terríveis... como ela escapara deles e salvara seus pais... Teve medo. Tinha adorado estar na França, mas a Inglaterra era sua paixão, sua terra. Nem sequer imaginara como seria a vida fora de Hogwarts, longe de Harry e de Rony.
Seus pensamentos tomavam diferentes direções, quando sentiu uma mão em seu ombro. Assustou-se e olhou para ver quem era: Snape.
- Ah, professor – disse ela, pondo-se em pé. – Ahn, eu... eu... eu não tava muito bem, tava sem sono, juro que eu vou pra minha cama agora mesmo e...
- Você vai ficar doente com esses trajes aqui fora – comentou ele, olhando-a da cabeça aos pés. – E não queremos isso, não é?
- Ah, está bem, senhor, já vou dormir – murmurou ela, um pouco envergonhada com o olhar do professor.
- Será melhor para você. Vou fingir que não vi, está bem? Sem perdas de pontos.
Hermione olhou-o, sem entender.
- Professor, o senhor está bem?
- Estou em dívida com você, Granger – disse ele. – Depois de uma cruciatus, o Malfoy devia ter sido expulso.
- Ah, não se incomode com isso, senhor, porque ele só fez aquilo porque eu estava frágil ele não faria isso se eu estivesse bem...
- É, bem covarde – comentou Snape. – Não é bem a característica mais sonserina dele.
- O senhor está tentando se desculpar por proteger os alunos da sua casa? – perguntou ela, curiosa.
- Ora, não seja ridícula, Granger – disse ele com rispidez.
Hermione corou.
- Desculpa. É que o senhor não deve estar acostumado a se desculpar, achei que quisesse ajuda...
Snape olhou-a.
- Você está estranha, Granger. O que foi que aconteceu? Conheceu algum trouxa por quem se interessou na França?
Ele procurou fazer aquela pergunta o mais natural e ironicamente possível; ela corou em segundos.
- Professor! – exclamou ela em tom de reprovação. – isso é coisa que se pergunte?
- Não precisa responder, Granger – disse ele, com um meio sorriso debochado.
- O senhor não é mais espião d’Aquele-que-não-deve-ser-nomeado, é? – perguntou ela.
Snape arqueou a sobrancelha.
- Por que essa pergunta, Granger?
- Não deve ser... – murmurou a garota. – Já vou dormir, senhor, com licença. E obrigada por não descontar pontos.
Snape segurou-a pelo braço com delicadeza, para retê-la, e disse:
- Por que a pergunta, Granger?
Hermione olhou-o assustada e olhou para a mão dele, que lhe parecia ameaçadora mesmo segurando-a com aquela delicadeza roda.
- Ahn... é que... o senhor teria sabido se ainda fizesse papel de fiel comensal, né?
- Teria sabido do que? – perguntou ele, segurando o braço dela com um pouco mais de força.
- Bom... do que aconteceu na França... eu não devia ter te perguntado isso...
- E o que foi que aconteceu na França, exatamente?
Hermione sorriu.
- É, o senhor não está ao lado deles mais... Foi... ah, nada demais.
Snape puxou-a para si com alguma agressividade, que a assustou.
- Me explique do que você está falando, que isso está me irritando.
Hermione tentou se desvencilhar, mas ele a segurou.
- Me solte, professor, eu... eu não pensei que o senhor fosse ficar tão bravo, me desculpe... O ataque dos comensais... que eu e meus pais sofremos na França... eles não queriam me deixar continuar no mundo dos bruxos, mas, como fui eu sozinha que livrei meus pais e eu mesma de todos aqueles oito comensais, eles me deixaram vir... Foi só isso. E, como o senhor não falou de nada, achei que o senhor não estava mais atuando como espião para o nosso lado. Foi só isso. Por favor, me solta. O senhor está me assustando!
Mas Snape olhava-a fixamente.
- O senhor está vendo a minha mente? – perguntou ela.
Ele estava. Quando terminou, disse:
- Inacreditável que alguém com tão pouca idade saiba fazer o que você faz...
- Ah... bom... eu... eu não sei se teria feito metade se o senhor estivesse lá... O senhor está me assustando. Me solte, por favor...
Hermione realmente parecia estar com medo dele. Snape, finalmente se dando conta do que tinha feito, soltou-a e afastou-se.
- Me desculpe, Granger – disse ele, olhando para o lago. – Eu me descontrolei... Não gosto de me lembrar do que fazia quando era comensal...
Hermione sentiu-se desconcertada. Estaria o cruel Severo Snape se abrindo com ela? A garota não sabia o que fazer. Aproximou-se um pouco e disse:
- Ahn... todos erram, professor...
- Você teve muita sorte – comentou ele, num tom amargurado. – Nem imagina o que aconteceria com você se eles a tivessem levado.
- Ah, imagino sim – disse ela. – E imaginar me deixou tão desesperada que quis me livrar de tudo de uma vez só. Mas por que o senhor não está mais trabalhando como espião para o Dumbledore?
- O Lorde das Trevas começou a me pedir coisas que eu não faria nem em um milhão de anos. Portanto, sou o maior traidor de todos os tempos agora – respondeu Snape.
Para espanto de Hermione, ele não mandara uma reposta do tipo ”Isso não é da sua conta, Granger”. Aquilo fez Hermione pensar que ele precisava se abrir com alguém. Ela aproximou-se um pouco mais, ainda apreensiva, mas insistiu:
- E o que ele te pediu?
Snape olhou-a.
- Tudo bem, professor, eu sei o meu lugar... não devia ter perguntado isso.
- Não, tudo bem... – disse ele. Nem parecia o mesmo professor cruel e irônico, que tantas vezes a fizera chorar. – Mas não quero responder. É sujo demais.
- Mas o senhor se recusou a fazer o que ele disse – falou ela, um pouco mais confiante. – Isso já é muito. O senhor tem caráter.
- Ter sido um comensal da morte não é bem o que eu defino como “ter caráter”.
- Todos comentem erros, eu já disse – insistiu ela. – E o senhor se corrigiu quando Você-Sabe-Quem estava mais poderoso. Não virou a casaca na hora que ninguém mais precisaria do senhor.
- Tanto tempo maltratando você porque você nasceu trouxa e porque você é da Grifinória – comentou ele. – Sabe a quantidade de vezes que desejei que você fosse pelo menos mestiça e pelo menos da Corvinal?
Hermione sorriu. Não esperava por mais aquilo.
- Bom, o chapéu ia me pôr na Corvinal, mas não quis... decidiu pela Grifinória... Embora eu não me ache tão corajosa...
- Poucos enfrentariam oito comensais – retrucou Snape.
- Necessidade de viver é diferente de coragem, professor.
Ela sentou-se no chão. Para seu espanto, Snape sentou-se ao seu lado.
- Ah, está bem, Granger, vou dizer, mas se você disser para alguém alguma coisa do que eu disse nessa conversa, vou negar até a morte. Me desculpe. Não tenho sido exatamente um exemplo a ser seguido.
- Bom, hoje o senhor tentou explicar alguma coisa pro Harry – disse ela, sorrindo abertamente agora. – Já é um bom começo, embora eu tenha notado que a sua paciência é bem... escassa.
E riu. Uma risada espontânea. Snape sorriu. Não era um grande sorriso, mas era um sorriso. Aquilo espantou Hermione.
- Nossa, como o senhor fica diferente quando sorri! – exclamou ela. – Eu nunca tinha visto... é... estranho... O senhor só sorri pra debochar de mim, ou de algum grifinório.
- É, o Dumbledore brigou comigo depois do seu acidente – disse Snape. – Ele disse que você me admira como professor e que eu estava te decepcionando sendo tão injusto. Eu achei que era mentira dele, claro, porque você não tem motivos nem para simpatizar comigo e...
- Mas ele disse a verdade, professor – disse Hermione.
Snape olhou-a, um pouco surpreso.
- Mas então é por isso que o senhor veio me pedir desculpas... ordens superiores... eu bem que tava achando estranho. O senhor não é disse.
- Dumbledore não me mandou fazer nada, Granger – retrucou Snape com alguma rispidez. – Eu só disse isso porque você realmente é uma boa aluna e... eu não ia me sentir bem se fosse o responsável por sua saída de Hogwarts.
Hermione sussurrou:
- Não achei que fosse só por isso... o senhor tá pondo aquela máscara de novo... e o senhor é tão legal quando tá sem ela... é uma máscara feia, amarga... esqueça dela. Só agora.
Snape olhou de novo para o lago e disse, num tom amargo:
- Eu não posso. Não poderia ter esquecido a minha máscara nem por um segundo. Só pra não perder o hábito, vou tirar alguns pontos da Grifinória. Assim, volto a ser eu mesmo e você volta a me odiar e tudo volta ao normal.
- Não! – pediu ela. – O senhor me explicou tudo tão bem hoje à tarde. E estava tão bom conversar com o senhor... tanto de tarde como agora... Por favor.
Snape olhou-a.
- Você não entender, Granger.
- O que? – perguntou ela, num tom desafiante.
- Não me atrevo a explicar – disse ele, outra vez desviando o olhar para o lago.
Hermione andou de joelhos e parou na frente dele, olhando para os olhos dele.
- O que? Explica aí! Eu quero saber.
- Não, não quer – disse Snape, pondo-a de volta no lugar onde ela estava antes.
- O senhor gosta de enrolar, hein? – perguntou ela, tentando entender o que estava se passando.
Snape olhou-a. Então, fez algo que a surpreendeu e até a assustou: passou uma das mãos pela cintura dela, e com a outra, virou o rosto dela para si e beijou-a. Ela aceitou o beijo, abriu a boca e corresponde. Um beijo diferente de todos os que ela já havia experimentado; um beijo que ela gostou muito. Mas era um beijo meio urgente, meio desesperado, como se ele estivesse precisando daquilo há muito.
Quando ela sentiu a mão dele que estivera em sua cintura passando por suas pernas de forma mais ousada, ela afastou os lábios dos dele com um sobressalto.
- Me desculpe – disse ele, num tom amargurado. – Eu... eu sei que não devia... e não foi minha intenção desrespeitá-la... Agora deve estar me achando um monstro pior do que o que você imaginava. Abusar de uma aluna! Mas foi você que insistiu que eu explicasse.
Ela estava sem ação. Muito espantada, ainda mais com a reação dela mesma em relação àquilo: ela havia gostado.
- Ah... não, tudo bem, fui eu que insisti... – hesitou ela, sem saber se era certo agir daquele jeito. – É que eu... bom eu nunca... nunca tive nada com homem nenhum...
Ela fez-se escarlate e desviou o olhar para o outro lado. Snape olhou-a.
- Bom, acho melhor você entrar antes que fique doente – disse ele.
Hermione estremeceu com o vento mais forte que se fez. A primeira reação de Snape foi abraçá-la para protegê-la daquele frio. Hermione sentiu-se estranhamente protegida.
- Isso... não é certo – disse ela num sussurro.
- Eu sei – disse Snape. – Mas não fale nada; vai estragar o momento. Deixe as coisas assim por mais alguns segundos, apenas para que eu tenha uma boa recordação.
Hermione não soube o que dizer. Não soube quanto tempo ficaram ali abraçados, mas achou que não foi muito. Ele soltou-a e disse:
- Você tem que ir dormir – ele levantou-se e ofereceu a mão para ajudá-la a se levantar. – Vamos.
Ela aceitou a mão dele. Mas ele logo se afastou dela. Hermione notou que ele tremia, mas não de frio, provavelmente. Sentiu-se um pouco assustada com aquilo. Não sabia como reagir. Percebia que ele se controlava ao máximo para não desrespeitá-la.
Andaram em silêncio até o castelo e entraram. Ele disse:
- Se Filch a vir, diga a ele que você estava cumprindo seu horário de aulas comigo, que eu confirmo.
Ela assentiu e, antes de ir, disse:
- Não vou dizer pra ninguém o que aconteceu, professor, porque o senhor teria problemas e, bom... eu gostei também, afinal... Eu deixei... E... o senhor não fez nada que eu não quisesse.
Ao dizer isso, ela subiu as escadas o mais rápido que pôde. Mas Snape ainda ficou por ali, um tanto pensativo.
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