Nas Coisas mais Simples
Hermione acordou bem cedo naquele dia do outono britânico. Aquele dia estava tão frio que era até noite aquele horário: seis horas da manhã. Ela deveria acordar às sete; decidiu esperar amanhecer na cama. Não sabia o que poderia fazer mais. De repente, teve uma idéia: podia ir para a biblioteca e matar o tempo lá até a hora do café da manhã.
Lembrou-se de que ia ter os dois primeiros tempos de Poções naquele dia, e sentiu um desânimo interior. Mesmo assim, levantou-se, trocou de roupa e já pôs o uniforme. Pensou que precisaria comprar outro uniforme, havia crescido mais do que esperava naquelas férias; sua saia estava um pouco mais curta do que deveria e sua camisa, um pouco mais justa. Lavou o rosto, penteou os cabelos, fez a higiene toda.
Pôs as vestes da escola, pegou sua varinha, seu material e saiu do dormitório com cuidado para não acordar ninguém. Aquele seria o seu primeiro dia do sétimo ano, e já estava sentindo falta daqueles corredores e de todas as aventuras que estes tinham lhe proporcionado.
Saiu da torre da Grifinória e caminhou pelos corredores escuros rumo à biblioteca. Temia ser pega por Filch no caminho, mas estava com um espírito estranhamente aventureiro, talvez até um pouco insolente.
Mas não encontrou Filch no corredor – nem Madame Nor-r-ra. Estava tudo muito silencioso. A biblioteca estava trancada, mas isso não era um problema para ela, que simplesmente disse “Alorromora” e adentrou a grande sala de livros.
Pegou um exemplar de Hogwarts: Uma História e, sentando-se à sua mesa habitual, começou a lê-lo. Já tinha até decorado o livro, mas queria lê-lo do mesmo jeito. Sentiria falta daquela biblioteca. Olhou em volta e, com um suspiro, disse para si mesma:
- Ah, como eu amo esse lugar!
Mas ouviu um barulho. Um farfalhar de capa, algo que se moveu perto de estantes próximas. Ela levantou-se de um salto e pegou a varinha:
- Quem está aí?
Apareceu a pessoa que ela menos desejaria que aparecesse: Severo Snape.
- Ahn... – ela pareceu muito surpresa. – Professor? O que o senhor faz aqui tão cedo?
- Engraçado, Granger, eu ia perguntar a mesma coisa – disse ele, com aquele ar sarcástico bem dele. – A diferença é que eu tenho direito de perguntar. Eu posso andar por aqui a hora que eu quiser; você, não. Não devia estar na cama?
- Ah, é que... – começou ela, mas Snape não a deixou terminar.
- Ah, Granger, será que já vai começar o dia perdendo pontos da sua casa? A Grifinória já vai começar o ano com pontos negativos? Que feio para uma insuportável Sabe-Tudo como você, não acha?
- Professor, eu só acordei cedo, estava sem sono, e decidi que ficar deitada ia me deixar com dor de cabeça. Então decidi vir até a biblioteca para ver se encontrava algo o que fazer até a hora do café da manhã; é só isso! – argumentou Hermione.
- Srta. Granger, acho que dez pontos a menos vão servir para ver se você consegue aceitar que regras são regras – disse Snape, que parecia se divertir ao fazer a garota se sentir mal.
- Mas professor...
- Não discuta comigo, Granger. Vá, vá com o seu namoradinho Weasley... ou seria o Potter?
- Não! – disse ela, com súbito acesso de coragem; lágrimas lhe escorrendo pela face. – O senhor não tem esse direito! Não é errado não conseguir dormir, nem vir à biblioteca antes do horário e...
- Ah, então a biblioteca estava trancada por motivos alheios à inteligência na Terra, não é mesmo, Granger? A tranca não significa que alunos não podem passar, não é? E mais dez pontos, pela ousadia de me contradizer.
Hermione baixou os olhos para a varinha, que ainda tinha em mãos. Guardou-a e, depois de guardar na estante o livro que lia, disse:
- Bom dia para o senhor também, professor, e também é muito bom revê-lo – disse a garota. E saiu.
Snape não esperava mais aquela demonstração de ousadia da garota, mas não teve tempo de brigar com ela, que já estava longe.
Hermione andou tão rápido quanto pôde, mas lembrou-se de que havia esquecido seu material na biblioteca. Não queria ver Snape de novo, mas não queria deixar lá seus preciosos livros e pergaminhos. Por isso, deu meia volta e andou a passos firmes até a biblioteca.
Entrou sem fazer barulho; olhou em volta para ver se Snape ainda se encontrava, mas viu-o mexendo numa estante, à procura de algum livro.
- O que faz aqui, Granger? – perguntou ele, devolvendo à prateleira o livro que estivera olhando.
- Ah, é que eu esqueci meu material – murmurou ela, decidindo que não era bom desafiar Snape, ainda mais sabendo que suas duas primeiras aulas eram com ele. – Só vim pegar e já vou embora.
- Acho bom.
Ela pegou o material e arriscou olhar para Snape. Ele devolvia outro livro à prateleira; parecia um pouco irritado.
- Ahn... professor, que livro o senhor está procurando? – questionou ela, um pouco apreensiva.
- Isso não é da sua conta, é, Granger? – perguntou ele, com desdém, sem tirar os olhos do livro que estava em suas mãos.
- Bom, eu só quis ajudar – disse ela. – Se for algum de Poções mais avançadas, talvez esteja nas últimas estantes...
Severo Snape parou e olhou para ela. Não queria aceitar a ajuda daquela Sabe-Tudo, mas já estava ali havia três horas e não conseguia encontrar o livro que procurava. E ele tinha que reconhecer que Hermione tinha muitas chances de saber onde estava o tal livro.
- A Arte do Preparo de Poções 7 – Anos de Reconhecimento, de Andrew Von Shünemman – disse em tom desdenhoso.
- Ah, se o senhor tivesse falado antes! – disse Hermione com um sorriso. Ela correu até uma estante bem ao lado da que ele procurava e abaixou-se, puxando uns livros grandes e revelando um livro escondido.
Snape não pôde deixar de notar que a saia dela parecia um pouco mais curta do que devia...
- Aqui – disse ela, triunfante, entregando o livro a ele.
Ele pegou o livro dela com alguma grosseria, e perguntou com desdém:
- Como sabia que estava aí?
- Ah, é que eu vi Madame Pince escondê-lo bem no fim do ano passado. Não queria que o Harry pegasse, desde que o viu com... o seu livro, sabe.
- Está bem; já pode voltar para o seu quarto.
Mas Hermione não foi. Ficou parada, olhando para o professor com uma expressão enigmática.
Ele, ao perceber o olhar dela, perguntou com grosseria:
- O que ainda está fazendo aqui, Granger? Quer perder mais pontos da sua casa?
- Não senhor, professor – disse ela. – Mas é que me pareceu que o senhor tem alguma coisa de diferente... Está tudo bem?
Snape fitou-a sério por um momento.
- Nada que seja do seu interesse – disse ele rispidamente.
- Bom, o senhor é meu professor e...
- Volte para a torre da Grifinória, Granger.
Hermione não retrucou. Apenas jogou a mochila nas costas e foi saindo da biblioteca.
- Cinco pontos para a Grifinória – anunciou ele, lendo o livro que ela lhe entregara.
Ela virou-se para ele, muito irritada, sem saber o que tinha feito mas, antes que pudesse falar algo, ele disse:
- Estou concedendo os pontos, Granger. Você poupou o meu tempo. Agora, a sua casa vai começar com apenas 15 pontos negativos.
Hermione bufou, mas se controlou bem rápido. Sentiu um ódio imenso invadir-lhe a alma, mas nada disse. Apenas se virou e saiu.
Severo Snape ainda ficou na biblioteca, apenas pensando, enquanto procurava a informação de que precisava no tal livro. E pensou que era lamentável que Hermione fosse sua aluna e tão mais nova. E de repente, para sua própria surpresa, pegou-se desejando que ela fosse de sua casa.
No café da manhã os todos os alunos reviram seus amigos e seus rivais. Hermione, segundo os amigos repararam, estava mais bonita. Pela primeira vez, parecia muito uma moça.
Antes não tinham tido essa impressão, porque viam-na todas as férias, mas naquelas em especial ela fora para a França e não os vira nenhuma vez. Ora, três meses sem ver aluem é muito; as pessoas mudam. E Hermione parecia ter mudado muito. Os cabelos estavam mais cacheados, em vez de estarem um emaranhado de palha, como costumavam ser. Ela parecia muito mais... feminina.
Harry e Rony não foram os únicos a reparar. Fora os amigos diretos dentro da própria casa, meninos de outras casas também repararam o quanto ela estava bonita.
- Parece que os ares franceses te fizeram bem – comentou Harry para a amiga. Não conseguia ver nada nela além de uma grande irmã. Ele só queria que ela fosse feliz, mas não podia deixar de reparar o quanto ela estava bonita.
Rony fez uma careta. Vários garotos olhavam para Hermione.
- Ah, eu não comprei novos uniformes – lamentou ela, olhando em volta. Estava envergonhada. – Eu cheguei anteontem à noite da França, quase não cheguei a tempo para pegar o Expresso...
- Ah, mas tem uma loja de uniformes em Hogsmeade – disse Harry. – Você pode ir comprar lá alguma coisa. O primeiro passeio já é na semana que vem.
Hermione sorriu. Os dentes dela não estavam tão grandes agora; estavam mais proporcionais.
- Mione, você mudou tanto nessas férias! – exclamou Rony. Ele não parecia dos mais felizes, mas isso era por causa das duas aulas vagas que ele teria sem a companhia dos amigos, já que não ia cursar Poções naquele ano.
- Ah, Ronald, que é isso – disse ela, aparentemente achando a idéia muito besta. – Vamos, Harry, o Snape tá meio de mau humor...
- Como se existisse um dia em que ele estivesse de bom humor! – exclamou Rony entediado.
- Ei, como você sabe? – perguntou Harry.
- Ah... eu encontrei ele na biblioteca de manhã... – disse Hermione, corando.
- Ah, então é por isso que já estamos com pontos negativos antes de começar as aulas! – disse Harry. – E o que você tava fazendo lá, Mione?
- Bom, eu tava sem sono, só queria me distrair... Não pensei que fosse encontrar o Snape lá!
Ela e Harry foram andando a passos largos para as masmorras. Não era ansiedade para aquela aula, mas sim medo de dar motivos para Snape lhes tirar mais pontos.
O pior de tudo era que eram duas aulas conjuntas com o sétimo ano da Sonserina. Está certo que na havia muitos alunos na sala, mas Draco, Pansy, Crabble e Goyle estavam entre eles.
Da Grifinória só havia Harry, Hermione e Neville, que iriam se sentar juntos, claro, apenas para sobreviver à aula.
- Mione, o que você quer fazer quando acabar o colégio? – perguntou Neville, enquanto caminhavam para as masmorras.
- Ah, eu quero fazer Licenciatura – murmurou ela. – Em DCAT... mas pra isso preciso cursar Poções, Aritmancia, DCAT, lógico, Feitiços, Transformação.
- Quer ser professora em Hogwarts? – perguntou Harry. – De DCAT? E se o Snape te matar?
Os três riram e chegaram à sala de Poções. Entraram e sentaram-se à única bancada que estava livre: aquela bem à frente da mesa de Snape. Isso porque mesmo os sonserinos tinham medo dele.
Snape entrou na sala a passos largos, com aquele característico farfalhar de capa. Parou ao lado de sua mesa e disse:
- Espero que saibam que vocês são os poucos que se mostraram dignos de cursar a minha matéria, portanto espero que façam jus a isso. Por incrível que pareça, o Potter está entre nós.
Os sonserinos riram; Hermione retrucou em voz alta:
- Pelo menos ele está aqui porque tem competência própria, e não porque a diretora da grifinória ajudou ele.
Snape olhou-a com aquele olhar mortal; a sala tornou-se silenciosa.
- Eu não pedi a sua opinião, sua insuportável Sabe-Tudo – disse ele, com aquela voz sussurrada e letal.
Hermione sustentou o olhar dele, embora seus olhos estivessem marejando.
- Essa sangue-ruim nojentinha – disse Draco, em tom de reprovação. E os sonserinos da sala riram.
- Draco – disse Snape, como se o estivesse repreendendo, mas naquele tom irônico. – Não fale assim com a sua colega na minha frente.
- Ah, está bem, professor – debochou Draco, mas ele debochava de Hermione, e não do professor. – Não podemos falar mal dos trouxas, afinal Dumbledore poderia não gostar...
- O seu mestre é mestiço, seu nojento! – esbravejou ela; lágrimas incontroláveis lhe escorriam pelo rosto.
- De que mestre está falando, Granger? – perguntou Draco, ainda no mesmo tom.
Ela nada disse; levantou-se e caminhou para a porta. Mas Snape fez a porta de fechar com um simples movimento de varinha.
- Aonde você pensa que vai, Granger? – perguntou ele, com aquela voz letal. – Você tem uma carga horária a cumprir.
- Eu não tenho que agüentar desaforos – disse ela, enxugando as lágrimas com a manga do casaco, sem se virar para ele.
- Não terá mais “desaforos” – disse ele, contrariado. – Agora volte e venha ouvir as instruções para a primeira poção do ano.
Hermione, contrariada e com peso na consciência por ter perdido quinze pontos de sua casa antes mesmo das aulas começarem, voltou à bancada. Harry deu um tapinha no ombro dela.
As instruções apareceram no quadro negro e ele sentou-se à sua mesa, para observar aqueles sete alunos que lá estavam. Em seu íntimo, aonde nem ele chegava, ele não queria que Hermione saísse da sala porque sabia que ela seria a única que conseguiria fazer a poção pelo menos se parecer com o que ele pedira. Sabia que ela dissera a verdade sobre Harry estar lá por mérito próprio, sem ser ajudado por ele, ao contrário de seus quatro alunos da sonserina, que ele ajudara generosamente na nota final.
Ela começou a cortar as raízes de mandrágoras secas com agilidade, enquanto Harry copiava as instruções e Neville começava a pegar seu material. Snape estava impressionado com o quanto Neville mudara. Embora continuasse sendo um desastrado imbecil, conseguira o “Ótimo” necessário para freqüentar suas aulas.
Era humilhante para ele como professor e como diretor de casa ter alunos tão imbecis quanto aqueles sonserinos que lá estavam. Draco estava tendo dificuldades até mesmo para decifrar as coordenadas da poção pedida. Snape decidiu rondar para que ninguém fizesse nada de errado, afinal, aquela era uma poção que tinha muitas chances de explodir se desse errado.
Até que uma fumaça verde-bandeira invadiu a sala; todos começaram a tossir muito. Era Neville. Ele sabia fazer, mas deixara cair mais asas de barata do que deveria. Snape correu para acudir, mas Hermione acabava de lançar o ingrediente certo e na quantidade certa para neutralizar a bobagem que o colega fizera.
Snape suspirou aliviado e fez aquela fumaça se dispersar.
- Granger, eu já disse que não é para ajudar o seu amigo – ralhou Snape, embora devesse agradecê-la, pois aquela fumaça era extremamente tóxica. – A poção é para ser feita individualmente.
- Ah, eu não ajudei o Neville, eu me ajudei, porque eu não queria morrer por asfixia... – retrucou ela, mas em tom o mais respeitosos que pôde produzir.
Harry abafou um riso, fingindo que ia tossir. Snape arqueou a sobrancelha e encarou-a.
- Está bem, mas da próxima vez que vir que seu amigo vai nos matar, me chame.
- Sim, senhor, só não chamei agora porque não ia dar tempo...
- Sei disso, Sabe-Tudo – retrucou ele, aproximando-se da bancada dos grifinórios para ver como andavam as poções deles, já que as dos sonserinos estavam uma completa desgraça.
A de Harry estava indo bem. Não era das melhores, mas estava indo bem. Já a de Hermione estava perfeita, algo que raríssimos alunos conseguiam fazer. A de Neville estava até indo bem, depois que Hermione interviera.
E a sala continuou assim por algum tempo. Snape voltou a seu lugar e analisou seu esquema de aulas.
- Professor, que raio de ingrediente é esse, que eu nem imaginava que íamos precisar? – perguntou Hermione, olhando o próximo item da lista um pouco desconcertada.
- Ah, é, o inútil que mandou as cartas não viu esse ingrediente aí – lembrou Snape. – Tem na minha estante, na prateleira de baixo.
Ela levantou-se e parou em pé à frente da estante, procurando com os olhos.
- Está mais para o fundo – disse ele, sem tirar os olhos de seu planejamento.
Hermione olhou indecisa para a prateleira, tão baixa, tão inacessível, mesmo que sua saia fosse do tamanho normal.
- Algum problema, Granger? – perguntou o professor, parando de olhar o planejamento e virando-se para ela. A estante ficava bem ao lado da mesa dele.
Aquela situação deixou-a muito constrangida, mas fazer a lição era tudo para ela, então ela disse, reduzindo o tom de voz tanto quanto podia:
- Ahn... é que eu não... não alcanço o vidro que o senhor disse...
- É, em pé não vai alcançar mesmo – retrucou ele, calmamente.
- É, mas eu não vou abaixar, entende? – perguntou ela, corando.
- Ah... claro – disse Snape levantando-se, acabando de entender o problema dela. – Precisa de uniformes novos. Se não tiver dinheiro, é só pedir emprestado ao seu amigo Potter, acho que ele tem o bastante...
Aquela ironia não a agradara. Snape abaixou-se para pegar o vidro; a menina se afastou quando ele se aproximou. Ele deu um daqueles sorrisos no canto da boca e disse:
- Eu não mordo.
Pegou o vidro de ingredientes para ela e entregou-lhe.
- Eu... não tive foi tempo pra comprar novos uniformes – murmurou ela envergonhada. – Fui viajar com meus pais e passei os três meses longe. Eu só tenho o material porque passei correndo pelo Beco Diagonal.
- Ah, entendo – disse ele. – Vá terminar logo a sua poção.
- Sim, professor.
Ela foi sentar-se novamente à sua bancada e jogou a quantidade necessária do último ingrediente – pó de ovo de dragão.
Começou a mexer no sentido horário a poção, que adquiriu o tom verde-limão, indicando que estava pronta.
- Acabei, professor – disse ela.
Snape olhou para o caldeirão, incrédulo, mas não demonstrou sua surpresa. Sabia que ela era uma nerd de primeira, mas não imaginou que ela seria capaz de fazer uma poção como aquela sem errar nenhuma vez.
- Traga para mim uma amostra – mandou ele.
Ela pôs uma quantidade no vidrinho e levou-o ao professor. O vidrinho vinha cuidadosamente com uma etiqueta que tinha seu nome, sua série e sua casa. Ele olhou-o e disse:
- Vou analisar isso depois. Num primeiro momento, parece certo. Agora vá sentar e espere a aula acabar.
Harry também estava quase terminando. Snape se dedicou a observar cada ato dele. Hermione viu que Harry ia pôr a quantidade errada de pó de ovo de dragão e olhou para Snape, um pouco aflita. O professor olhou-a com um ar de “se você ajudá-lo eu te mato” e ela desviou o olhar para a janela.
A poção ficou azul e Snape, em tom irônico, disse:
- Parece que você vai ter que começar tudo de novo, Potter, que pena.
Harry encarou-o com ódio; Hermione, sem agüentar a língua dentro da boca fechada,murmurou para o amigo:
- Suco de duas folhas de salgueiro.
- Granger, eu já disse para não ajudar seus amiguinhos! – disse Snape, muito irritado.
- Mas o senhor viu que ele tava fazendo errado – esbravejou Hermione, alteando ligeiramente a voz. – E é sua obrigação ensinar a fazer o certo, ajudar a gente a aprender, em não ficar esperando um grifinório errar só para poder zombar dele!
- Mione, deixa, eu faço de novo – disse Harry.
- Não! Não precisa fazer de novo! – gritou ela, muito irritada. – é a obrigação dele explicar o certo!
- Granger, menos 20 pontos para a Grifinória – começou Snape.
- Isso, tira 100 mil pontos da minha casa! Terei o resto do ano para recuperar os pontos com os professores justos! – esbravejou ela, alteando a voz cada vez mais. Ela levantou-se. – Vou largar essa merda dessa matéria. Pelo menos, até que eu tenha um professor de verdade!
- Mas Mione – disse Harry, baixando o tom de voz, já que todos olhavam-nos. – Você quer ser professora de DCAT, vai precisar de Poções em seu currículo escolar.
- Dane-se! – gritou ela. – Não quero mais ser professora de merda nenhuma!
- Mione, você sempre quis ser professora – lembrou Neville, tímido.
- É, mas eu queria ser uma boa professora, e não estou tendo bons exemplos – disse ela.
- Granger, eu não te dou o direito de falar assim comigo e de mim. Menos 50 pontos e uma detenção e...
- Não quero nem saber! – gritou ela, com um súbito ataque de “o mundo que se exploda”. – Se o senhor quiser destruir a minha vida, terá que tentar outras oportunidades! O senhor venceu! Vou pedir a mina transferência para Beauxbottoms. É claro que vão aceitar uma aluna com as minhas notas!
E, sem sequer olhar para o material que deixava em cima da bancada, dirigiu-se para fora da sala. E, novamente, Snape fez a porta se fechar.
- Nenhum aluno fala comigo desse jeito, Granger – disse ele, naquele tom letal, que parecia ameaçá-la.
- Quem liga? – perguntou ela, irritada. – Só porque o senhor conseguiu se livrar de mim? Não foi por isso que lutou durante todos esses seis anos? No sétimo, o senhor consegue! Olha só que ótimo! Tchau, hein!
Ela abriu a porta e saiu correndo. Não via o caminho. Só chorava de ódio. Chegou às escadas, indo para um caminho que descia ainda mais, mas nem estava vendo. Tropeçou e rolou todos os degraus abaixo, parando somente num patamar em que alunos do primeiro ano acabavam de chegar. Eram alunos perdidos pelas masmorras, que estavam indo para suas primeiras aulas de Poções.
Ao ver a monitora ali, desfalecida, com um corte enorme na lateral da cabeça, ficaram apavorados e começaram a gritar. Filch imediatamente apareceu para ver o que estava acontecendo e, ao ver a aluna, disse para que não mexessem nela, que ele mesmo ia chamar madame Pomfrey.
Os alunos ficaram ali, quietos, amedrontados com a cena. As pernas todas arranhadas, os braços, aquele corte na cabeça, sangrando...
Nem ouviram o sinal para entrar na sala de aula, ficaram ali. O zelador estava demorando tanto! Ninguém apareceu. Até que alguém, do alto da escada, chamou-os:
- Mas o que estão fazendo aqui? – perguntou aquela voz letal e pouco acima de um sussurro.
Eles abriram caminho; Snape descera até lá, mas estacou ao ver ali a detestável Sabe-Tudo. Ele olhou para os primeiranistas apavorados e perguntou:
- O que aconteceu?
- Não sei, professor, ela simplesmente chegou lá em cima da escada, mas parecia que tava chorando, nem viu nada, tropeçou e rolou até aqui em baixo... – disse uma garotinha.
Snape olhou-a com frieza, tentando absorver a informação. Chorando? Nem via o caminho? Aquele acidente era culpa sua?
Mas não teve muito tempo para pensar. Logo viu Dumbledore, madame Pomfrey e Filch vindo pelos corredores escuros.
- Ah, Severo! – exclamou Dumbledore. – Mas que horror, não? O acidente aconteceu antes do sinal, pelo que Argo me disse...
E olhou Snape por cima de seus óculos meia-lua. Depois olhou para Hermione, que madame Pomfrey examinava com cuidado.
- Milagrosamente não quebrou osso nenhum – disse a medibruxa aliviada, olhando para o diretor. – Mas temos um problema grave aqui. Esse corte. E um sinal de traumatismo craniano aqui... Vou ter que lavá-la para a Ala Hospitalar, mas vai ser difícil... Ela é um cristalzinho...
- Ah, vamos dar um jeito de removê-la – disse Dumbledore. – Severo, dispense seu primeiro ano, quero falar com você, com Harry e Neville.
Snape assentiu e olhou para os alunos.
- Vamos, vão ler o primeiro capítulo do livro... – disse ele com rispidez. – Quero um relatório para amanhã, e espalhem isso para toda a sua turma.
Assustados, os primeiranistas correram dali.
- Accio maca! – disse madame Pomfrey, puxando a varinha e recitando o feitiço em seguida.
- Vá chamar a Minerva, Argo – disse Dumbledore. – Ela tem que saber que nossa melhor aluna sofreu esse acidente.
O zelador resmungou qualquer coisa e partiu em direção a algum lugar que só ele sabia; a maca chegou.
A medibruxa, com todo o cuidado, começou a ajeitar Hermione sobre a maca, até que a garota estivesse bem reta sobre ela.
- Ah, vamos ver se ainda sei levitar, Alvo – disse a medibruxa, com um riso nervoso. Era visível que ela estava preocupada. – Mas como isso foi acontecer?
Dumbledore, mais uma vez, olhou para Snape por cima de seus óculos meia-lua, mas nada disse. Puxou sua própria varinha e levitou a maca da menina com precisão. Com cuidado, ele, a medibruxa e Snape seguiram pelos corredores pelos caminhos mais curtos até a Ala Hospitalar. Lá, madame Pomfrey pôs Hermione numa cama.
- Ah, uma queda daquelas! É um milagre estar viva!
McGonagall entrou às pressas no lugar, parecendo muito preocupada, e mais preocupada ainda ao ver sua melhor aluna ali, naquela situação.
- Ah, céus! O que foi que aconteceu, Alvo?
- Ah, estou esperando o Harry e o Neville chegarem para que, junto ao Severo, possam explicar por que ela estaria tão... transtornada. Pelo que ouvi os alunos do primeiro ano falando ao Severo, ela estava chorando, parecia nem ver o caminho de tão nervosa... e foi antes do sinal que marca o fim da aula.
Minerva olhou para Snape com um ar desconfiado. Ele estava arrumando um jeito de explicar as injustiças que cometera em sala. Quando Harry e Neville chegassem, estariam protegidos por Dumbledore, diriam exatamente o que aconteceu, piorando ainda mais o que ele fizera.
Papoula Pomfrey examinava Hermione, limpou o corte na cabeça, tentou fazê-la beber uma poção, mas a garota cuspiu tudo. Mesmo desmaiada, parecia estar semiconsciente. Não conseguia fazer a garota engolir a poção.
- Temos um problema aqui, Alvo – anunciou a medibruxa.
- Outro...
- A Granger não está engolindo a poção sono sem sonhos...
- Ela vai delirar, então – resumiu Dumbledore com um suspiro abatido.
- Isso – disse a medibruxa. – Mas esperemos que os sonhos dela não sejam ruins... vai ser difícil fazer ela se curar logo se ela tiver pesadelos...
Ela apontou a varinha para Hermione e começou a recitar feitiços aos murmúrios. Logo Harry, Neville e Rony entraram correndo.
- O que aconteceu? – perguntaram , chegando perto da cama.
- Ah! Sem visitas agora! – disse madame Pomfrey.
- Deixe-os ficar, Papoula, eles vão explicar o que aconteceu, junto ao professor Snape.
Harry e Snape trocaram um olhar ameaçador e desafiante.
- Vamos ver, a quem perguntar primeiro? – perguntou Dumbledore, mais para si mesmo do que para os outros. – Harry? Sua versão da história?
- Mas o que aconteceu com ela? – perguntou o garoto, sentando na ponta da cama e segurando a mão da amiga.
- Os primeiranistas disseram que ela estava chorando e que parecia muito nervosa, e por isso parecia não ver o caminho. Tropeçou e rolou escadas abaixo. Em suma, foi isso – esclareceu Snape, como que entediado.
- A culpa é dele – disse Neville baixinho, indicando Snape.
- É, a Mione fez a poção dela e já tinha terminado – concordou Harry. – Aí ela ficou me olhando fazer a minha. Só que ela deve ter percebido que eu ia pôr a quantidade errada do ingrediente lá... mas ela não me avisou. O professor Snape tava me olhando fazer também. Pelo o que eu entendi dos berros da Mione com o professor, ele viu que eu ia fazer errado e me deixou fazer errado. Aí a minha poção ficou azul e devia ter ficado verde-limão. Aí o professor Snape ficou debochando da minha cara e disse que eu ia ter que fazer de novo. Então a Mione me disse que era só pôr duas folhas de salgueiro que ficava certo. E o professor brigou com ela, porque não era pra ela me ajudar. Aí ela ficou meio revoltada, sabe, começou a gritar, disse que ele não era um professor de verdade, que ele devia me explicar o certo em vez de só me esperar errar pra poder deixar os sonserinos rirem de mim... E o professor Snape disse que não era pra ela falar daquele jeito com ela. Ela disse que ia desistir da matéria dele, que ia desistir de ser professora, que ia pedir transferência para a Beauxbottoms... ela passou as férias na França, e gostou muito de lá, pelo que ela tava falando no café da manhã. Aí ela saiu da sala. O professor não queria deixar, mas ela saiu assim mesmo. Foi isso o que eu vi.
- Foi assim mesmo – confirmou Neville.
- É, Dumbledore, foi isso o que aconteceu – disse Snape, sem mudar de tom.
Ele ficara aliviado de não ter ele mesmo que contar; confirmar era muito mais fácil. Mas essa atitude espantou os grifinórios.
Minerva olhou Snape com um ar de repulsa e, olhando para madame Pomfrey, perguntou apreensiva:
- Ela vai ficar bem, não vai, Papoula?
A medibruxa tentou esboçar um sorriso, mas em vão.
- Bom... não dá pra acreditar... mas... parece um caso bem difícil... – murmurou Papoula. – Agora saiam, vou ver o que posso fazer. Ah, Snape, você tem poção sono sem sonhos? Não consigo fazê-la engolir isso!
- Ah, claro. Vou ao meu escritório para pegar...
Severo saiu da enfermaria a passos largos. Sentia-se imensamente culpado pelo que acontecera à maldita Sabe-Tudo. Por mais que tentasse desmentir sabia que, se não tivesse sido injusto ao extremo, nada disso teria acontecido.
Suas reflexões foram interrompidas pela voz de Dumbledore, que vinha atrás dele.
- Severo.
Snape olhou para trás e esperou, para esperar o diretor alcançá-lo. Quando isso aconteceu, ele voltou a andar; Dumbledore acompanhou seu passo.
- Severo, eu...
- A culpa não é minha – disse Snape, muito irritado, quase aumentando o tom de voz. – Não fiz nada de diferente do que faço desde que leciono em Hogwarts, diretor, ela é que devia estar com um grande problema.
- Calma, Severo – disse Dumbledore, num tom sereno.
- Estou calmo – disse Snape, pouco convincente.
- Acho que a srta. Granger te admira muito...
Snape olhou o velho diretor como se ele fosse um grande louco, mas deixou o diretor continuar.
- E, por isso, quando você simplesmente não faz jus à imagem que ela tem de você, ela se decepciona.
- Nunca passei imagem nenhuma para ninguém – retrucou Snape, num tom desdenhoso. – A minha forma de agir é constante.
- Ah, não é não – disse Dumbledore com um sorrisinho enigmático. – Você é um bom professor, Severo, só é bastante injusto. A srta. Granger vê mais o primeiro lado e, quando não o encontra, se decepciona. Acho que foi o que aconteceu hoje.
- Deve ter sido – concordou Snape de má vontade.
- Então, vou lhe pedir que pare de privilegiar a Sonserina, porque nós dois sabemos que nenhum dos seus alunos do sétimo ano que estão freqüentando Poções mereciam essas aulas.
Snape nada disse. Não discordaria de Dumbledore, principalmente sabendo que o diretor estava certo.
Chegaram às masmorras; Snape foi até seu armário e pegou a poção que madame Pomfrey havia pedido. Dumbledore disse que ia falar com Harry, Rony e Neville em seu escritório e disse para que Snape fosse logo entregar a poção na Ala Hospitalar.
Snape acelerou o passo e, lá chegando, não viu mais os alunos; só madame Pomfrey, que ajeitava as roupas da aluna, para que as pernas não ficassem muito expostas.
- Ah, Snape, como você demorou! – exclamou ela, vindo pegar o vidrinho das mãos dele. – Ela não se acalma!
- Ela parece bem calma agora – disse Snape, naquele tom desdenhoso, bem diferente do que sentia por dentro.
- Ah, mas não está – disse a medibruxa, indicando as mãos da garota, que apertavam de tal forma os lençóis que chegavam a rasgá-los.
Snape aproximou-se. O corte na cabeça era grande, mas já estava limpo e bem cuidado. Só precisava cicatrizar, algo que madame Pomfrey estava tendo trabalho para fazer.
A medibruxa tentou dar a poção à garota que estava deitada na cama, mas esta cuspiu tudo tão longe que tanto a madame quanto Snape tiveram que se afastar para não se molharem; Hermione engasgou, começou a tossir e a se debater.
- É melhor eu preparar algo um pouco mais forte para ela... – comentou Snape.
- Ah, não, Snape, tenho que ir pegar umas ervas com a Sprout. Você vai ficar aqui, cuidando dela.
- Mas o que eu faço?
- Apenas cuide para que ela não caia da cama, nem se machuque, nem nada assim – disse madame Pomfrey, caminhando depressa para a porta.
- Mas eu posso ir buscar as ervas e você pode cuidar da Granger.
- Ah, não, porque não sei que ervas que eu quero – disse a medibruxa. – Vou escolher por lá mesmo. E não invente que você tem que dar aulas, que eu sei que você está com o resto do dia livre.
Snape suspirou e procurou uma poltrona perto da cama de Hermione e sentou-se nela, observando a garota. Estavam só ele e ela ali.
Ela havia parado de se debater, mas estava claramente tendo pesadelos. Tinha uma expressão de medo no rosto, suas mãos apertavam o colchão com muita força.
De repente, ela se levantou. Uma variação de sonambulismo; era claro que ela não estava acordada. Estava de olhos fechados. Ele não pensou; levantou-se e parou à frente dela, para impedi-la de andar. Ela continuou avançando. Ia pegar a varinha, mas ele teve o cuidado de tirá-la das mãos dela.
Hermione bateu de frente com ele e cambaleou para trás; Snape segurou-a, impedindo que ela caísse. Então, teve a idéia de tentar fazê-la beber a poção naquele momento. Pegou o vidrinho – que tinha apenas metade de seu conteúdo agora – e levou-o à boca da garota. Desta vez, ela o engoliu e ia cair desfalecida no chão, se Snape não a tivesse segurado com força.
O professor teve cuidado ao colocá-la de volta na cama. As roupas dela estavam muito desconjuntadas; ele achou que, se não as ajeitasse, ele acabaria olhando para as pernas dela mais do que devia. Um pouco hesitante, ajeitou a saia dela, para que ficasse certa, e tentou o máximo ajeitar a camisa dela, mas achou que estaria passando dos limites se fechasse os dois botões de cima que estavam desabotoados. Voltou a sentar-se e ficou observando a aluna dormir. Ela parecia muito mais tranqüila. Tinha uma expressão até mais alegre e ficou imaginando se ela não estaria sonhando com Harry ou Rony. Ficou surpreso ao descobrir que queria ser ele a estar nos sonhos dela.
Madame Pomfrey voltou umas duas horas depois que saiu e ficou espantada ao ver Hermione tão tranqüila. Snape naturalmente explicou a ela o que havia acontecido, omitindo suas reflexões enquanto observava a garota.
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