Uma Estranha Herança



Capítulo II

Uma Estranha Herança

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Toc, toc, toc. Três pancadas leves e secas na porta.

- Entre, por favor! – disse cortesmente uma voz elegante e doce vinda do interior da divisão.

Draco entrou sem fazer barulho no quarto dos pais. A mãe estava sentada a ler num elegante cadeira de baloiço prateada, situada mesmo em frente a uma enorme janela. Estava profundamente mergulhada na leitura e não parecia ter dado pela entrada do filho. Draco reparou como ela era bela: os seus cabelos louros compridos, levemente ondulados nas pontas, caíam elegantemente pelos seus ombros e a luz proveniente da janela iluminava o seu rosto, pálido e fino, de onde sobressaíam os encantadores olhos cinzentos amendoados, levemente contraídos no momento, as sobrancelhas altas e graciosas, o nariz fino (tão parecido com o de Draco!) e os lábios bem desenhados, levemente abertos como se saboreasse cada palavra. Resplandecia elegância, brilho e altivez. – Bom-dia, mãe…

Narcissa acordou bruscamente da leitura, mas a surpresa e ligeiro aborrecimento que por momentos bailaram no seu olhar transformaram-se instantaneamente em contentamento e ternura no momento em que viu o filho:

- Bom-dia, querido! Dormiste bem?

Pousou o livro numa mesinha próxima e aproximou-se do filho. Deu-lhe um beijo na testa e olhou-o com os seus olhos penetrantes e misteriosos. – Estava à tua espera…

- E qual é o motivo de tão urgente chamada? – Perguntou Draco, com o seu famoso sorriso superior.

- Humm…Curioso, hein? Já irás saber…Dá-me só um minuto…Mas senta-te, por favor, Draco. – Pediu Narcissa, afastando-se para a outra divisão do quarto. Draco puxou uma cadeira das três que circundavam uma mesa redonda, onde ainda estava o tabuleiro de pequeno-almoço da mãe, e sentou-se nela. Enquanto esperava, entreteve-se a observar o quarto de Lucius e Narcissa, onde o prateado e o azul-pálido predominavam. O quarto, que fora decorado com o gosto requintado da mãe, era formado por dois compartimentos, separados por um arco gótico cuidadosamente trabalhado: uma espécie de hall, onde Draco se encontrava, e o quarto propriamente dito.

Neste último, sobressaía a cama, grande e sumptuosa, coberta por um dossel de seda azul, que condizia com a colcha e com as almofadas. Existiam também nesta divisão alguns móveis de gavetas e prateleiras e um toucador, sobre o qual estava um enorme espelho trabalhado. Dois anexos partiam ainda desta parte do quarto: uma dependência onde o casal guardava a roupa e os acessórios e uma casa de banho privada.

No compartimento onde Draco se encontrava, além da elegante mesa rodeada de cadeiras, havia uma lareira com uma porta transparente e, no centro da divisão, marcava presença uma bonita fonte de pedra prateada, onde pequenas fadas-de-água nadavam graciosa e acrobaticamente por entre exóticos nenúfares. O chafariz da fonte tinha a forma de um castelo, iluminado por dentro, caindo água das suas ameias. Algumas fadas voavam também à volta e por dentro do “castelo”, deixando um rasto de brilho e magia.

Aquela fonte (uma excelente e bem-conseguida ideia de Narcissa) sempre exercera sobre Draco um fascínio imenso. Lembrava-se de como em criança ia ao quarto dos pais apenas para olhar para ela, completamente encantado. A mãe gostava de o observar, enquanto lia ou pintava, e fartava-se de rir quando ele tentava apanhar as fadas, que fugiam rapidamente, emitindo gritinhos agudos. “Po’que elas fogem, mamã? Venham cá ou eu “feitiço-as”!”, exclamava então ele, irritado, o que fazia a mãe rir ainda mais. Quando se cansava de tentar caçar as pequenas fadas, Draco aninhava-se no colo da mãe, amuado. Aí, ela abraçava-o, contava-lhe histórias ou ensinava-lhe canções. Como ele gostava desses momentos de ternura com a mãe! Mas é claro que estes só eram possíveis quando o pai não estava, pois ele achava que “mimo a mais” tornava o menino demasiado “mole”.

Draco tentou desviar este pensamento cinzento da sua mente, movendo o olhar para o extremo oposto do quarto. Ali, encontrava-se uma cadeira de baloiço almofadada, o sítio preferido para as leituras de Narcissa, ao lado de uma poltrona, uma escrivaninha e, encostado à parede, um estirador. O rapaz levantou-se e aproximou-se deste para tentar ver o que a mãe estava a pintar de momento. Franziu ligeiramente o sobrolho de admiração, pois normalmente a mãe gostava de pintar paisagens ou determinados “momentos”, mas desta vez, o pano de fundo da pintura era um céu escuro salpicado de estrelas que brilhavam à volta de uma lua cheia e cintilante. Sob a noite, num bosque, uma rapariga loura, com um vestido azul, estava sentada na relva a observar as estrelas. Ao fundo, a assinatura tão particular da mãe: um narciso pintado de negro, uma ideia excelente e misteriosa de rubricar quase anonimamente Narcissa Black. Olhando com mais atenção o céu estrelado, reparou que uma das estrelas era maior e brilhava de forma diferente das outras, reflectindo uma expressiva luz azulada…Erro do pincel ou diferença propositada? Curiosamente, era para essa mesma estrela que a personagem parecia dirigir a sua atenção. Deteve então o seu olhar na rapariga, que curiosamente era bastante parecida com…

- Desculpa, ter-te feito esperar, querido… - Sorriu Narcissa, enquanto atravessava o arco, carregando duas caixas.

- Não faz mal… - Respondeu Draco, sem desviar os olhos da pintura. – Este quadro está muito giro, mãe.

- Ah, muito obrigada! – Agradeceu Narcissa, colocando as caixas com cuidado em cima da mesa redonda. Aproximou-se então do estirador, com um brilho de aprazimento no olhar. – Ainda bem que gostas! Esse quadro é muito especial…

- É, também acho…E estarei eu enganado, ou a rapariga do desenho é o alter-ego da pintora? – Perguntou Draco, olhando a mãe com um ar sabido.

A mãe deixou escapar um riso elegante:

- Não te consigo mesmo ludibriar! Sim, realmente é, mas não foi de propósito…Comecei por desenhar o céu…E depois, achei que ela se enquadraria bem no cenário…

- Hum-hum, concordo…Ela transmite poesia, graça e…parece-me ver também um traço de melancolia, saudade, se calhar… – Interpretou Draco, olhando o quadro com atenção. - Ou melhor, nostalgia, ideia que é reforçada pelo bosque solitário e escuro…Será?

- Oui, maítre! Tens o olhar e a perspicácia de um crítico de arte, Draco! – Elogiou Narcissa, sorrindo. – Sim, conseguiste captar a minha mensagem, o estado de alma da personagem… - “De mim própria…”, pensou. – Sonhador, melancólico, saudoso…Ela olha as estrelas tentando nelas encontrar respostas, perguntas, recordações, ilusões perdidas ou um ponto de fuga…

Durante um momento, nenhum dos dois falou, mas Draco conseguiu captar a sombra que enublara de repente o olhar da mãe, como uma nuvem escura que anunciava chuva próxima, por isso decidiu puxar outro assunto:

- Hum…Há uma estrela que parece ser…diferente das outras, mais brilhante…Há alguma razão?

- Ah… - Suspirou Narcissa, agora mais parecida com a personagem do quadro do que nunca. – É… Sírio…A estrela mais brilhante que vemos, à noite…Tentei ser o mais… – Narcissa hesitou, tentando encontrar a palavra certa, e, nesse momento, Draco percebeu que a pintura tinha outro significado ou interpretação especial que a mãe não queria revelar. - …realista possível! Bem, mas agora, preciso de te mostrar uma coisa…

Narcissa afastou-se em direcção à mesa e Draco seguiu-a. A mãe pegou na caixa maior, uma espécie de pequena arca de madeira, e virou-se para ele com um ar cerimonioso.

- Ora bem Draco, vamos então conversar. Aproxima-se o teu 6.º ano em Hogwarts e também estás quase a fazer 16 anos. E os 16 anos têm um…sabor especial, eu sei… – Disse Narcissa, com uma nota subtil de cumplicidade na voz. – Por isso, como penso que já és responsável e que sabes medir as consequências dos teus actos, decidi entregar-te isto, como prenda por teres sido nomeado chefe de turma…

Narcissa abriu então a caixa e os olhos de Draco arregalaram-se de espanto:

- Um manto de invisibilidade! Não sabia que a mãe tinha um!

- É natural, eu não o costumo usar…Só nos casos em que é…imprescindível… – Explicou a mãe, forçando o pensamento a bloquear as recordações de tão “imprescindíveis” momentos…

- Mas…são bastante raros, não é? – Draco olhava o manto ainda algo surpreso. Como é que a mãe nunca lhe tinha contado? Afinal, um manto daqueles significava, para Draco, poder e uma ajuda preciosa!

- Sim, não são muito fáceis de encontrar… – Concordou Narcissa. – Foi o teu avô que mo deu, quando fui também nomeada chefe de turma, em Hogwarts…Como sabes, ele era um homem muito influente…mas não sei se o adquiriu na altura ou se o herdou…

- Hum…Então as tias também receberam um? – Perguntou Draco, sem referir os seus nomes, porque ambos eram proibidos na casa dos Malfoy, embora por razões completamente distintas.

- Não. Só eu recebi um manto destes… – Contou a mãe, quando um sopro de tristeza sobrevoou a sua face. – As duas também foram chefes de turma, mas Andrómeda recebeu como prenda a viagem a Paris que ela tanto queria…. E quanto a Bellatrix…Bem, ela preferiu outra prenda…Algo que pudesse exibir e que lhe desse ainda mais brilho e protagonismo: uma jóia.

- E a mãe escolheu o manto como presente… -Tentou adivinhar Draco.

- Não, por acaso, não fui eu que escolhi… - Confidenciou a mãe. – Mão teu avô achou que era o indicado…E até deu bastante jeito, especialmente nas idas nocturnas à biblioteca, para procurar encantamentos novos na secção dos reservados! – Narcissa riu com agrado ao recordar as tropelias do seu tempo de escola, “Quando tudo era possível, realizável e eterno...” – Bem, agora dou-te a ti o manto que o meu pai me deu quando tinha a tua idade…Espero que te seja útil e, por favor, usa-o bem…

Narcissa olhou o filho nos olhos, enquanto lhe entregava o manto e Draco viu no olhar da mãe o eco pesado das suas palavras: “Usa-o bem, usa-o bem, usa-o bem…”.

-Muito obrigada, mãe! – Agradeceu o rapaz, olhando deliciado para o manto que agora era seu, seu! Sentindo o doce sabor amargo do poder e da responsabilidade, passou os dedos levemente pelo tecido leve e este pareceu-lhe ser feito de ar e de sombra. Olhou para a mãe e sorriu-lhe. – E não se preocupe, vou tentar dar-lhe o melhor uso possível!

- Sei que sim, querido! – Narcissa sorriu e pegou na outra caixa que colocara em cima da mesa, enquanto Draco guardava o manto na caixa com cuidado, acariciando-o mais uma vez: “Que maravilha! Ainda não acredito que tenho uma preciosidade destas!”. – Mas há mais uma coisa que te quero entregar…

Draco olhou curioso para o estojo que a mãe segurava, que era pequeno e achatado e revestido de veludo cinzento, tentando adivinhar o que estava no seu interior. À primeira vista parecia um guarda-jóias…Mas uma bijutaria não lhe parecia o presente mais adequado…

O olhar perspicaz de mãe de Narcissa percebeu a curiosidade do filho, mas decidiu deixar o suspense no ar mais algum tempo:

- Fui…digamos…encarregada de depositar isto nas tuas mãos pelo teu avô Cephisus Black… - Narcissa aplicou um tom pomposo no seu discurso, o que fez Draco sorrir. – Ele pediu-me para to entregar quando eu achasse que fosse a melhor altura, pois é uma coisa muito importante, que está na família há muitas gerações…

- E o que é? – Perguntou Draco com um olhar quase suplicante, não conseguindo conter mais a sua curiosidade.

Narcissa decidiu então não torturar mais o filho e respondeu abrindo lentamente a caixa. Draco começou por vislumbrar apenas um brilho prateado que se foi transformando em câmara lenta num fio fino de prata onde estava preso um pingente lindíssimo: uma lua em quarto minguante, um C perfeito e muito brilhante de um tom muito familiar ao rapaz…

- Mas…O que é…Mas porque é que… - Draco não conseguia articular uma pergunta completa, parecia ofuscado pelo brilho ou pelo estranho poder do pendente. Isto enfureceu-o um pouco, pois uma onda de perguntas inundava o seu pensamento.

- É um colar…Ou melhor, um talismã…E tem a cor dos teus olhos, já reparaste? – Narcissa olhou para o filho com curiosidade, esperando a sua reacção.

- Sim, é encantador, mas…Porque é que o avô decidiu entregá-lo a mim? – Perguntou Draco, surpreendido. Sentindo-se então um pouco ingrato, tentou emendar - …Quer dizer…Parece ser uma prenda mais indicada para uma senhora, não?

Narcissa sorriu compreensivamente e passou a mão pelo cabelo do filho:

- Ou, não penses assim, Draco! Este não é um colar normal e, para além disso, carrega consigo a história e o destino de muitos dos teus antepassados…Porque este é um talismã muito especial e exigente e está associado a uma lenda antiga…

O rapaz olhou para a mãe, curioso e levemente incrédulo e fez um ligeiro aceno com a cabeça, incitando-a a continuar.

- Não sei ao certo há quanto tempo está na família nem como chegou até às mãos dos Black, mas o teu avô contou-me que é bastante antigo, por isso podes ver como é especial, pois continua brilhante e belo como se fosse novo… – Indicou a mãe, tocando ao de leve no colar. – E quanto ao facto de o teu avô to ter legado a ti, tem uma explicação: a lenda a que este talismã está ligado diz que este só deve ser confiado a um descendente primogénito da família…Ora, como tu sabes, o teu avô só teve três filhas raparigas e embora eu seja a mais nova, nenhuma das minhas irmãs mais velhas tiveram filhos rapazes; portanto, tu és o herdeiro natural do amuleto…

- Hum…Realmente, tem lógica… - Assentiu Draco, pensativo. – Mas então, porque só agora mo deu, mãe?

- Ah, como penso que já te disse, o teu avô, que era o anterior proprietário do talismã, pediu-me para to entregar quando eu achasse que era a melhor altura, embora já o tivesse guardado para ti desde o dia em que nasceste… - Esclareceu Narcissa. – E pareceu-me ser agora a altura apropriada para to entregar…

- Hummm…Está bem…Mas, só mais uma pergunta…O que tenho eu que fazer com isto? Afinal, qual é a sua finalidade? – Perguntou o rapaz, ainda um pouco de pé atrás, observando desconfiadamente o colar. Não via como lhe poderia ser útil em alguma coisa! – Ele tem algum… alguma propriedade especial?

- Pelo que sei, apenas o deves trazer sempre contigo, porque…bem, vale mais contar-te o que sei desde o início. Afinal, ainda não te contei a bela história deste colar! – Decidiu Narcissa. - Na verdade, desconheço alguns pormenores desta lenda, pois fui apenas ouvindo algumas coisas pelo teu avô e também descobri alguns pormenores nas crónicas breves do “Livro de Linhagem dos Black”, mas já é um bom começo…

Draco acenou levemente, ávido de informação e sentou-se numa das cadeiras que rodeavam a mesa. Narcissa sentou-se também e sacudiu levemente a cabeça para afastar para trás uma madeixa loura que se inclinava sobre a sua face. Preparou-se então para contar a história, adquirindo involuntariamente a mesma expressão sonhadora com que costumava contar a Draco histórias para adormecer.

- Ora bem, há muito, muito tempo, não te rias, não faço mesmo a mínima ideia de quando isto se passou, uma jovem e bela rapariga da família Malfoy foi prometida em casamento a um membro da família Black… -

- Que coincidência! – Interrompeu subitamente o rapaz, sorrindo pela sua descoberta. – Um Black e um Malfoy, tal como a mãe e o pai, só que invertido…

- É…É uma coincidência interessante… - Concordou a mãe: “Mas não é a única coincidência da história...” - Mas, voltando à história, a jovem Malfoy estava desesperada com a ideia daquele casamento arranjado, pois estava perdidamente apaixonada por outro rapaz, que retribuía os seus sentimentos…Porém, este era um romance proibido, porque ele provinha de uma família menos…pura e de uma classe social inferior à dela…

Draco sorriu trocistamente com um ar de já-estava-mesmo-à-espera-de-um-triângulo-amoroso e tentou antecipar o final, com a sua habitual pressa e o ar altivo de dono-da-verdade:

- Então, mas ela decidiu casar com ele, não? Quer dizer, ela não amava o Black, portanto…

- Lamento decepcionar-te, mas não…Se isto fosse um conto de fadas, a rapariga Malfoy casaria com o outro rapaz e “viveriam felizes para sempre”, como tu estavas à espera, mas infelizmente, o destino dela já fora entrelaçado, com a linha negra da obrigação dos pais, com o do jovem Black… - Continuou Narcissa, que a custo conseguiu conter o tom confidente e amargo de experiência própria que se diluía suavemente no seu discurso.

O louro, com o seu sentido prático e justiceiro e também com uma ponta de romantismo que ele não sonhava ter, tal como o ingénuo desejo de que a sua visão da história pudesse mudar o desfecho, alvitrou:

- Mas então…Se ela gostava dele de verdade, porque não ficaram juntos! Tipo, mesmo que os pais a pressionassem a casar com o Black eles sempre podiam fugir ou sei lá…Não dizem que o amor vence todas as barreiras?

De repente, apercebeu-se de que o seu instinto sonhador estava a falar mais alto e sentiu-se um bocado idiota, pois um Malfoy “deve desprezar tais sentimentos fúteis”. Tentou disfarçar:

-Quer dizer… se não o fizeram foram fracos e não souberam assumir a sua opinião…

A mãe gostou da pequena e inconsciente demonstração de romantismo e sentido de rectidão do filho, mas não o quis demonstrar pois sabia que os sentimentos mais ternos de Draco estavam um pouco enferrujados, devido às oxidantes convenções e pretensões de Lucius:

- Eu concordo inteiramente contigo, querido… - “Ou melhor, concordava…”sussurrou uma voz realista e maldosa na sua consciência. Narcissa parou de falar uns segundos para pensar na melhor forma de continuar sem deixar as feridas (ainda tão distantes da cicatrização!) do passado mostrarem a sua amarga e melancólica superfície ensanguentada pelas lágrimas. – Sabes, quando tinha a tua idade eu também pensava assim, que havia sempre uma solução, uma porta mágica de fuga dos problemas, que nos levaria para o mundo perfeito onde todos os sonhos ultrapassariam a linha fina que os separa da realidade…Mas, com o tempo, apercebi-me de que nem tudo é possível e que, muitas vezes, somos obrigados a abdicar dos nossos sonhos ou planos, pelo destino, pela sorte, por algo, alguém, por alguma outra coisa ou mesmo por nós próprios…

Draco esperou em silêncio que a mãe continuasse, pressentindo que ela lhe tinha feito uma pequena (in) confidência por entre a explicação da história.

- Bem, mas vamos voltar à história! – Disse subitamente Narcissa, tentando manter-se à superfície do mar revolto das suas recordações. – Como eu te estava a contar, lamentavelmente a jovem Malfoy teve de renunciar ao seu romance com o outro rapaz para casar com o Black. Então, eles combinaram um último encontro, para se despedirem para sempre. Calculo que tenha sido bastante doloroso, mas no fundo, eles sabiam que aquele era apenas um “Até já”, porque estariam eternamente um com o outro no pensamento e no coração. E, como presente de despedida, para selar o seu amor e para o perpetuar na história, o rapaz ofereceu à tua antepassada este colar…E pronto, é isto o que sei sobre o talismã…

Draco acenou levemente como que a agradecer a elucidação e tocou levemente na superfície brilhante e fria do colar, que lhe parecia agora diferente…O facto de não ser apenas uma jóia decorativa mas sim uma peça com um significado muito especial, que encerrava o segredo de um amor proibido e infeliz, davam-lhe um simbolismo diferente, quase…mágico…

- Ah, e acho que ainda não te mostrei uma coisa… - Lembrou-se Narcissa, pegando no talismã e virando de costas o pingente em forma de lua. Draco elevou as sobrancelhas com ar admirado. Ainda mais uma revelação! – Ora repara no reverso do pendente…

O rapaz pegou no berloque e, ligeiramente espantado, apercebeu-se de que este tinha uma inscrição gravada em caracteres antigos que rebrilhavam em todas as cores do arco-íris:

Sempre

M

- Mas… - Balbuciou Draco, olhando ainda intrigado para a mensagem inscrita nas costas do pingente. “Sempre M”? Aquela inscrição não se encaixava muito na história que a mãe contara! Lembrava-lhe antes as rígidas concepções dos Malfoy relativamente ao sangue puro e ao prestígio da família Malfoy… Parecia-lhe uma espécie de “juramento de fidelidade” a tais ideais conservadores… “Sempre M”, sempre Malfoy, fazia sentido! - Desculpe, Mãe, mas não entendo o que esta inscrição pode ter a ver com essa história…A mim, esta mensagem sugere antes a ideia do prestígio e da lealdade ao bom nome da família, “Sempre Malfoy”, talvez…

- Hum…Uma excelente observação! – Aclamou Narcissa, sorrindo. – Pois, a origem e o significado desta inscrição são ainda um pouco obscuros… Pelo que sei, propõem-se três hipóteses de interpretação: a primeira, está de acordo com aquilo que descobriste e diz que esta epígrafe seria em louvor do nome e prestígio da família Malfoy e dos seus ideais. Mas, tal como tu também observaste, esta suposição não tem muito a ver com a história, uma vez que a tua antepassada queria antes romper com esses conceitos rigorosos de “sangue-puro” e de “família superior”… Porém, esta hipótese poderia ser verdadeira se pensarmos que a inscrição foi gravada posteriormente para o rapaz Black não desconfiar da proveniência do colar…

- Ah, estou a perceber… - Afirmou Draco, com os olhos contraídos de quem está a pensar fervilhantemente. – Assim, o marido podia pensar que era uma herança de família ou assim…

- Exacto! – Exclamou a mãe, satisfeita por ele estar a entender. – Mas, como eu te disse, é apenas uma suposição. A outra hipótese, também bastante plausível, indica-nos que esta mensagem pode ter sido gravada posteriormente. Assim, um dos possuidores seguintes do talismã podia ter decidido gravar esta ode à sua família…

- Humm…Não sei porquê, mas não me parece… - Objectou o louro, torcendo levemente o nariz.

- Pois, também acha que não faz muito sentido alguém querer deturpar o significado histórico desta peça…Mas, falando da famílias Malfoy e Black tudo é possível! – A mãe encolheu os ombros e assumiu depois uma expressão misteriosa. – Mas ainda há mais uma conjectura, que para mim é a mais verosímil…

- E qual é? – Perguntou Draco, sentindo-se invadido por uma onda quente de curiosidade.

- Neste caso, é nos dito que…

Toc, toc, toc! Narcissa deu um ligeiro salto ao ser interrompida por um inesperado bater à porta.

- É melhor guardares isso, Draco! – Aconselhou baixinho, com um pedido de desculpas resignado pela forçada interrupção escrito no olhar. O rapaz escondeu atabalhoadamente o colar no bolso das calças. – Entre, por favor!

- Desculpe, senhora Malfoy! – Guinchou então uma voz quando uma figura entrava timidamente no quarto. Era pequena e tinha um nariz redondo e uns olhos azuis-turquesa desproporcionadamente grandes. Vestia uma imaculada fronha de almofada de linho rendilhada e com o brasão brilhante dos Malfoy. – Mas é que o senhor Malfoy está à espera da senhora no átrio, para irem visitar os Molothov…

- Oh, por Merlin, nunca mais me lembrei! – Exclamou Narcissa, inquieta, levando a mão à cabeça e dirigindo-se apressadamente para ao outro compartimento do quarto com um vestido.

- Os Molothov?– Inquiriu Draco, admirado.

- Qual Molthov, Dolohov! – explicou apressadamente a mãe, passando por ele a correr com um vestido cinzento nos braços. Parou ao pé da elfa doméstica e deu-lhe rapidamente algumas ordens de um só fôlego. – Linny, leva por favor este tabuleiro, pede ao senhor Malfoy que aguarde apenas um bocadinho, dá brilho a este vestido e seguidamente vem me ajudar a aprontar-me…Ah, e quanto a ti querido, desculpa, mas não vai dar para continuarmos a nossa conversa, vou ter que acompanhar o teu pai a uma recepção… - Narcissa revirou os olhos com um ar entediado e, esquecendo por um segundo a sua pressa frenética, passou a mão pelo cabelo do filho e deu-lhe um beijo carinhoso no rosto. – Desculpa não te podermos fazer companhia ao almoço, mas sabes como são estas coisas…

“Perfeitamente! A solidão é uma companhia quotidiana…”, não pode deixar de pensar amargamente Draco. Porém, ao levar sem querer a mão ao bolso sentiu o toque delicado do colar, o que estranhamente o confortou:

- Não há problema…Até logo então…Boa visita aos Molothov!

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Nta:espero que estejam a gostar da fic, embora ainda esteja no princípio e ainda bastante básica...MAs em breve as coisas vão começar a acontecer! E, por favor, deixem todas as vossas opiniões, críticas e sugestões, tá bom? Beijinhos muito docinhos!***

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