Lados Ocultos



Água e Vinho




Capítulo Vinte e Quatro – Lados Ocultos



Snape não parecia estar me levando a sério. Pensando bem, se eu estivesse no lugar dele também não me levaria. Mas chega de conversa! Oh, não, isso eu devia ter dito para ele... Ou não? AHHHH! O que está havendo comigo?



-Informações? – Snape ergueu uma sobrancelha, parecendo ao mesmo tempo inocente e malicioso. – Eu estou tão trancado em Hogwarts quanto você, Evans.



-Você não precisa sair da escola para fazer seus truquezinhos, Snape! – respirei fundo ao dizer isso. Não podia perder o comando. Minha varinha ainda estava apontada pra ele e eu era quem devia dar as ordens. De qualquer forma, apenas insinuando eu sabia que não conseguiria nada. Teria mesmo que abrir o jogo.



O risinho fino dele me irritava. Eu sabia que ele era perigoso com magia, e estava morrendo de medo de fazer a coisa errada. Pensando bem, se algo estava errado ali, estava desde o começo.



-Não vai dizer nada? Muito bem, Snape, eu serei clara: foi você que mandou que os Comensais pegassem o Potter e EU sei disso.



-E o que pretende fazer a respeito? – ele provocou, quase rindo de mim.



-VOU TE MOSTRAR O QUE PRETENDO FAZER A RESPEITO! – gritei, perdendo a paciência e empurrando-o contra a parede, minha varinha ainda segura na mão direita. – Pode começar a falar! O que vocês planejavam fazer? Por que não o mataram? Você só os mandou atrás dele por sua vingança ou tinha algo de obscuro por trás disso? DIGA AGORA!



Essa é a Lílian Evans que eu conheço, pensei comigo mesma, enquanto ele vacilava por um segundo. Só um. Logo depois ele disse:



-Logo vê-se que você não entende nada de interrogatórios, Evans. Até parece que vai me amedrontar apenas com uma varinha.



-Já que você acha pouco, que tal uma varinha e um feitiço? – ergui a varinha mas tive o azar de dar tempo que ele pegasse a sua. – Imobillus!



-Protego!! – Snape riu do meu feitiço, e aquilo estava mesmo fervendo o meu sangue. Muito bem, se ele não ia falar pelo método bom pra todo mundo, eu poderia fazer pelo método lento. – O que vai fazer agora, Evans? Chorar e gritar pela proteção de seu querido Potter? Oh, me desculpe. Ele está de cama, e não pode te proteger agora.



A raiva era tanta, que eu quase consegui senti-la descarregada no meu feitiço seguinte:



-Expelliarmus! !– obviamente o meu objetivo era apenas desarmar Snape, mas como ele fez o favor de voar junto com sua varinha, o efeito excedeu expectativas. Sorri e estendi a mão para pegar a varinha no chão, quando Snape se jogou em cima dela com uma velocidade que eu não esperaria dele.



-Quer um duelo de verdade, então? – ele provocou, apontando sua varinha pra mim enquanto eu respirava devagar. – Ótimo. Isso me poupa o trabalho de ter que esmigalhar algum dos meus amigos em treinamento... Estupefaça!!



-Protego!! - repliquei. – Como se você tivesse amigos! Impedimenta!!



Snape jogou-se para o lado e meu feitiço estourou na parede. Se McGonagall soubesse que eu era a culpada por aquela lasca na parede, estaria frita. Snape seguiu lançando toda a sorte de feitiços, enquanto eu me desviava ou me protegia, e então o turno mudava e era eu quem atacava.



Isso até as coisas ficarem um pouco feias para o meu lado. Não me esquivei a tempo do décimo expelliarmus! dele e vi minha varinha voar suavemente para bater na parede. Tentei fazer um movimento para recuperá-la, mais ou menos como Snape fizera antes, mas ele me empurrou e eu caí de costas, encolhida contra a parede. Ele não pode fazer nada contra você, Lílian, vocês estão em Hogwarts ainda, ele não se atreveria...!



-Quando falar com seu amado Potter, conte quem foi o melhor de nós aqui. – Snape sibilou, me puxando pela gravata vermelha e amarela, e ficando a cerca de cinco centímetros de mim. Senti nojo. – E espero que isso tenha lhe ensinado sobre não se meter com quem é mais poderoso e superior a você, Evans. É bom que não me importune de novo. Tenho mais com o que me preocupar.



Maldição, ele não podia me vencer!



-Isso terá volta, Snape! Não pense que isso foi tudo!



Ele, que já estava se afastando pelo corredor, virou-se para mim e disse:



-É melhor para você que isso seja tudo.



Sem outra opção, recolhi a minha varinha e me levantei. Ele iria me pagar por aquilo. Sem falar que ele havia dito que Potter era meu amado! Que atrevimento! (quem aí levantar a voz e disser que é verdade vai levar um furunculus com toda a minha potência.)



E não riam! Quem vai rir sou eu. Assumo que foi idiotice minha tentar arrancar uma confissão voluntária de Snape. Mas eu ainda tinha outra carta na manga. Você se lembra de quando eu fui à biblioteca, pouco antes do Natal? Muito bem. Daquilo os Comensais de Hogwarts não escapariam. Não mesmo. Eu ia descobrir todos os seus segredinhos sórdidos.



*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*



Infelizmente, eu precisava da ajuda de Black pra isso.



E nem fazia idéia de como pedir.



Alguma sugestão?



Não, eu imagino. Bem, eu teria que me virar como pudesse. Apesar de não saber bem como ele estava, depois daquele descarrego de ontem. Aliás, vocês não acharam um pouco comprometedoras as coisas que ele disse? Eu achei. Ele disse que devia me contar por que tinha tentado me beijar, mas que não ia, porque havia prometido ao Tiago...



AH. De repente tudo se encaixou, como desconfio que também aconteceu com vocês. Tiago Potter sabia do que Black ia fazer. Como eu não tinha pensado nisso antes? Eu simplesmente gastei tantos pensamentos em como ele estaria naquele momento, se estaria ferido, se estaria pensando em... Em mim, ora! Não seria natural? Vamos ser honestos agora! E na verdade... Só podia ser isso!



Ele tinha me testado!



A esta altura eu já estava diante da Mulher Gorda. A pior parte é que eu não poderia espancar Black por causa disso. Ele só fizera um favor ao amigo dele. E a culpa era todinha de Potter. Mais uma vez!



O retrato girou e me admitiu. Ali estava Black, sentado numa poltrona, lendo uma revista de Hogsmeade que provavelmente alguma menina deixara esquecida por ali quando foi embora para casa.



-Certo, Black, eu só vou perguntar uma vez.



Ele ergueu o olhar de uma foto da primeira formação d’As Esquisitonas, uma banda que perdeu e ganhou integrantes através dos anos.



-O que foi dessa vez?



-Você tem dois minutos para me convencer que não tentou me beijar aquele dia na biblioteca porque Potter te disse para fazer isso, a fim de me testar.



Na verdade o que ele me convenceu foi que eu o tinha surpreendido: abriu bem os olhos e gaguejou na resposta. Eu sabia que estava certa, mas queria ver o que ele poderia inventar para proteger o amigo.



-Ele... Não... Quero dizer, nós só...



-Desista. – falei, erguendo uma sobrancelha. – Eu sei que foi isso.



Black balançou a cabeça.



-Eu não devia ter dito algumas coisas ontem. Mas você não vai me espancar até a morte? Nem me desfigurar, como vivia prometendo?



-Talvez depois, Black. – fiz uma pausa. Era a minha deixa e as palavras simplesmente não saíam. – Você, huh... Teve alguma notícia de Potter? Espero que ele esteja bem melhor. Eu detestaria espancar um doente.



-Fique sossegada – ele riu. – Parece que ele acordou. Está bastante quebrado, mas acho que até voltar para Hogwarts ele já estará pronto para o sacrifício.



Fiquei em silêncio, formulando a frase na cabeça mas sem conseguir injetar minha voz nela. Isso será pra ferrar os Comensais, Lílian, pensei comigo mesma, tentando me encorajar. Black estava me olhando, como se soubesse que eu tinha mais a dizer.



-Bem, Black, você deve imaginar que eu vou odiar dizer isso mas... Eu preciso da sua ajuda em uma coisa.



Pronto! Eu disse! Não foi tão difícil assim,foi?



Foi. Horrível. Torturante. A cara cheia de si de Black não melhorou as coisas.



-Precisa, é? – disse ele, o sorriso se alargando. – E pra quê seria?



-Eu descobri um modo de interceptar o correio coruja de Snape. – falei depressa. – Aposto como ele está dando as ordens aos outros por ela. E eu quero que você me ajude. Você sabe qual é a coruja dele, não sabe?



-Sim, eu sei – ele falou, lembrando-se de alguma coisa. – Uma vez nós pusemos uma peruca ensebada nela e Pontas colocou um nariz falso nela, para que todos logo reconhecessem o bicho dele...



-Apesar de isso ser revoltante, Black, até mesmo pra mim que não suporto o Snape, ao menos essa sua travessura teve uma utilidade. Venha comigo ao corujal. E sem truques!, se quiser voltar para a Grifinória com todos os pedaços no lugar.



-Pode deixar, capitã – Black ergueu-se e fez pose de soldado. – Vamos indo!



*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*



Logo estávamos no corujal. Eu já estava francamente arrependida de ter pedido a ignóbil ajuda de Black, pois ele não parava de se gabar.



-Pois é, quem diria que a perfeita monitora Lílian Evans um dia iria precisar da ajuda de um Maroto... Como o mundo dá voltas...



-Cale a boca, Black, e apenas me diga qual é a coruja do Snape. – sibilei. – Depois vá vigiar. Não podemos correr o risco de sermos descobertos por ninguém, nem mesmo pela Prof.ª McGonagall.



A coruja de Severo Snape era um animal pardo, do tipo que se mistura fácil, com uma mancha preta na pata esquerda. Era também muito rebelde, e eu quase tive que lançar um feitiço nele para que parasse quieto um pouco.



-Qual é o nome desse bicho, Black? – inquiri, antes que ele saísse para cumprir as suas funções.



-Arthos. – ele replicou. – Só não me pergunte de onde o Ranhoso tirou isso.



-Não se preocupe, não estava pensando em perguntar. – repliquei, enquanto tirava do bolso um saquinho, onde eu guardara duas ervas tranqüilizantes, com algumas gotinhas de Poção da Obediência. Felizmente era um líquido pastoso, o que tornava o transporte mais fácil.



-Você não vai me explicar como funcionam essas coisas aí? – perguntou Black, enfiando a cabeça para dentro com um olhar divertido.



-Talvez, Black. AGORA VIGIE!!



-Tá bem, tá bem... Ingrata.



Não me dei ao trabalho de responder pois já estava bastante ocupada. Abri o saquinho e molhei o dedo na poção e passei nos olhos da coruja, que piou um pouco e me assustou, depois fechei o saquinho e coloquei sob a asa dela. Depois saquei a varinha e murmurei o encanto:



-Carta alguma ao seu destino vai chegar; pela magia em seus olhos, é à mim que você vai levar.!



-Esse versinho é ridículo, Evans. – interferiu Black.



-Estou me lixando de o texto está ruim! – repliquei, enquanto a coruja fechava os olhos e repentinamente me olhava com muito mais carinho do que antes. – O que importa é passar a mensagem.



-Seu plano seria maravilhoso se não tivesse um furo, Evans. – retorquiu ele. – Você acha mesmo que Snape não vai notar que a coruja dele está enfeitiçada? Ele tem seus métodos de...



-Você vai ver... Agora eu fico com o saquinho da poção e ela vai entregar tudo que receber a quem estiver com isso... Por pelo menos uma semana, e depois nós poderemos...



-Evans, cale a boca! – Black entrou correndo e bateu a porta. – O Seboso está subindo!!



-Não podemos ficar aqui! – abri a porta e o puxei até o cômodo ao lado. – A coruja nos entregaria a carta bem na frente dele!



Aquela era a primeira porta que encontrei pela frente, e nunca tinha entrado ali antes. Maravilha, como se aquilo fosse muito melhor do que estar no próprio corujal. Ouvi claramente os passos de Snape na escadaria e depois a porta do corujal se abrindo.



-Ande logo, Evans – Black abriu a porta sem o menor ruído e me puxou pela manga das vestes pelo corredor. Descemos na ponta dos pés; a qualquer momento, a ave viria atrás da gente, e, conseqüentemente, Snape.



Corri tanto, mas tanto, você não acreditaria na velocidade que atingi; até Black ficou para trás num bom pedaço. Até que, finalmente, sem fôlego e sem um pingo de força nas pernas, estávamos de volta aos arredores da Torre da Grifinória. Contamos que estando ali, a ave teria que dar a volta no castelo para nos procurar e talvez nos encontrasse um tempo depois...



Black e eu entramos na sala comunal e nos jogamos em sofás distantes.



-Eu não acredito que ele não nos viu. – Black comentou, quase sem ar. – Como você descobriu todo aquele ritual pra enfeitiçar a coruja?



-Livros. – resmunguei em resposta.



Quinze minutos depois, Black tinha subido pra pegar as roupas, disse que ia tomar banho, quando Arthos passou pela janela e me viu ali. Abri a janela depois de um salto assustador – o que a ansiedade não faz, hein? – e logo eu tinha dois envelopes na minha mão, com o nome de Snape atrás!



O primeiro era endereçado a Lúcio Malfoy. E o segundo, a uma tal Angeline Snape.



Nesse momento Black passou, com uma trouxa de roupas na mão.



-Você não ia tomar banho?



-Eu vou. – disse ele rindo. – No banheiro dos monitores, eu sei a senha. Mas ei, a carta já chegou??



Enquanto pensava no que diria a Remo por sair revelando as senhas dos monitores para os amigos, entreguei a carta para Malfoy na mão de Black, e fiquei com a outra nas mãos. Por algum motivo, aquela era a que tinha me deixado mais curiosa. Hesitei um pouco em abrir o envelope, que não estava lacrado, ao contrário da carta para Malfoy. Black ficou tentando alguns feitiços para destrancá-la enquanto eu lia, chocada, a segunda carta.



“Mãe,



Achei que seria melhor responder a sua última carta o mais rápido possível.Acho que devia tentar parar de mentir para mim. Sei o que meu pai não parou de bater na senhora. Ninguém consegue mentir para mim, mãe. Nem mesmo a senhora. As coisas aqui em Hogwarts estão normais, com a exceção talvez de uma meia dúzia de Sangues Ruins que cruzam o meu caminho todos os dias. Estou arrependido, eu sei que deveria ter ido pra casa no Natal. Mas fique tranqüila. Logo eu serei maior de idade, e com todo o poder que eu já tenho, o meu pai nunca mais fará nada com a senhora. Eu o odeio. E vou enfrentá-lo, estou falando sério, mãe.



Severo.”!




Quando Black soltou um grito de triunfo, alegre por finalmente conseguir abrir a carta para Malfoy, eu ainda estava chocada, mirando a caligrafia torta e fina de Snape. Não conseguia acreditar que ele se preocupasse com alguém além de Você-Sabe-Quem. Mas se o pai dele espancava a mulher, por que ela não podia fugir? Não era possível que o pai de Snape fosse terrível a ponto de persegui-la se ela tentasse... Não é?



-Evans, olhe isso! – exclamou Black, lendo extasiado a primeira carta. – Isso é ótimo! Era tudo verdade! Veja só que Comensalzinho sórdido é esse maldito Seboso! Ah, ele vai pagar por... O que foi, Evans?!



Estendi a ele a carta para a Sra. Snape.



-Leia isso e veja você mesmo, Black. – murmurei, quase sem voz de espanto.

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