Constatação

Água e Vinho




Capítulo Vinte - Constatação






Por uns tempos, não pensei mais na confusão sobre Lúcio Malfoy. E um grande fator que me ajudou a fazer isso foi o fim do semestre, que seria oficial no Baile de Inverno. Até aquele momento, apenas dois rapazes haviam me convidado, um do sétimo ano da Corvinal e outro da Lufa-Lufa. Certa hora me peguei pensando por que tinha dito não ao da Corvinal. Na realidade, ele não era nada feio, e se pertencia mesmo àquela Casa, deveria ter bons assuntos para se manter uma conversa, bem diferente da maioria dos grifinórios.



Talvez eu não devesse aparecer naquele baile, sabe?



-Fora de cogitação, Lílian - protestou Alice, quando eu disse isso a ela. - Esse baile só acontece uma vez por ano! Não seja ridícula, eu nunca deixaria você trancada aqui no dormitório!



-Bem, Alice, portanto me dê um bom motivo para que eu vá... - resmunguei, com preguiça de pensar em um argumento melhor.



-OK, vamos lá. Em primeiro lugar, você só tem estudado e se preocupado com Malfoy e os Comensais da Morte nos últimos tempos, e por isso precisa mesmo relaxar. Em segundo lugar, você é monitora e precisa estar lá no caso daquela garota Tonks destruir a decoração por acidente ou no caso de Pettigrew devorar sozinho toda a comida do banquete. Terceiro, Potter vai estar lá, não vai?



Em choque, me endireitei na cama.



-Que tem o Potter a ver com isso?



-Oh, me desculpe, Lílian, já tinha até me esquecido de que você ainda não assumiu que está apaixonada por ele... - replicou Alice, e você deveria ter visto a cara de indignação que eu fiz. - E aliás, eu queria muito saber o porquê dessa demora toda. Eu sei que ele é um Maroto retardado, um cara ridículo e egoísta, sem falar de que ele é convencido e tudo mais, só que... Qual é o problema de gostar dele?



Controlei-me para não pular no pescoço dela com tamanho disparate.



-Que absurdo! - exclamei. - Eu... Eu nunca...



-Vamos ser honestas agora - interrompeu Alice, e eu me perguntei se algum dia ela me deixaria terminar alguma frase. - Será que você não foi tão efusiva em todos os seus "nãos" a Potter que acabou acontecendo justamente o contrário?



-Mas Alice, eu não seria tão burra a ponto de cair na esparrela daquele garoto idiota! - falei, na defensiva.



-Vai me dizer que você não adora quando ele fica o tempo todo te convidando pra sair?



-Alice, eu não acredito que você está me tratando como se eu fosse uma garotinha de doze anos que nem entrou na adolescência direito!



-Ah, esqueça - replicou minha amiga desistindo. - Vamos dormir. Só espero que você não perceba tarde demais.





~~





As palavras da minha amiga me pareceram tão certas do que diziam que até eu fiquei na dúvida. Seria uma gracinha a história se tudo isso fosse verdade. Coisa de contar para os netos. Se fosse real. Resmungando sozinha, cheguei à conclusão de que Alice Scorrel daria uma ótima autora de romances trouxas.



Que se dane o Baile de Inverno, decidi. Vou dar uma passada só, vou conversar com aquelas minhas colegas que estão sempre encalhadas e depois, cama.



-Oi, Lílian.



-Ah, bom dia, Remo. - falei, sorrindo. - Alguma novidade? Já tem par para o Baile?



-Bem, eu... Já. - respondeu ele, com um olhar para Black, que estava rindo com Potter na outra ponta da mesa. - Graças a Sirius, como sempre.



-E quem é?



-É... hum... - ele gaguejou, envergonhado. De repente, me veio a idéia.



-Tonks?



Ele ficou mais vermelho ainda e assentiu.



-Ei, não precisa ter vergonha disso - falei, displicente. - Apesar de ser desastrada, Tonks parece ser uma garota ótima. Aposto como vão se dar bem... Mas e então, todos os seus amigos também já têm par?



Por que eu estava perguntando aquilo?



-Bem, o Pedro nem tentou, faltam dois dias pro Baile e acho que mesmo assim ele não está incomodado... O Sirius está passando por um dilema, duas garotas da Corvinal o chamaram e ele está prestes e pedir as medidas do peito delas pra poder se decidir.



-Que grotesco.



-Pois é. E o Tiago ainda não tem par.



Ergui uma sobrancelha.



-Potter, sem par? Isso é ridículo.



Este fato eu estranhei de verdade. A única coisa que eu não estranhei foi quando o próprio Potter veio falar comigo.



-Ei, Evans! - sempre do mesmo modo.



-Que foi, Potter? - abordagem repetitiva, resposta repetitiva.



-E o Baile de Inverno, já tem par?



Quando ele disse isso foi que eu notei uma mudança. Ele nunca perguntou antes se eu estava ocupada. Sempre veio direto com a conversa do "sai comigo", sem nenhuma preliminar.



-Não, Potter. Eu nem mesmo sei se vou.



-Se tivesse um par você iria? - ele perguntou, com os olhos maliciosos. Por favor, Lílian, desvie logo esse olhar antes que...



-Talvez.



...antes que isso aconteça.



-Ah, ótimo. - disse ele. - Acho que o Aluado te disse que eu também estou sem par. Dispensei até agora no mínimo umas três ou quatro meninas.



-Potter, se isso é uma das suas estratégias pra me fazer sentir especial... - parei de repente, porque de novo olhara nos olhos dele e as palavras tinham sumido. Continue, sua idiota! - Esqueça. Não sou o tipo que cai nas suas historinhas...



-Droga, Evans, não torne tudo mais demorado - cortou ele. - Você quer ir ao baile comigo ou não?



Algo dentro de meu estômago girou muito depressa e eu quis entender por quê. Eu estava tendo sintomas de pré-adolescente na frente de Potter? Era só dizer não e continuar o meu caminho, nada que fugisse à minha rotina.



-Está bem, Potter, irei com você.





~~





COMO EU PUDE FAZER AQUILO? O não estava na ponta da minha língua! De onde saiu aquela resposta?



-Você fez o QUÊ?



-Será que dá pra não tornar as coisas piores do que já estão, Alice? - praticamente gritei. - Eu não sei de onde saiu aquilo! Acho que eu queria dizer com ironia, mas na hora só não saiu!



-Você devia ter pensado nessa desculpa antes - replicou ela, virando os olhos. - Só falta uma hora pro baile. Cadê o seu vestido?



-Ali - respondi, apontando o vestido preto sobre a minha cama. Minha mãe havia provado mais uma vez que me conhecia ao mandá-lo; eu tinha dito no mínimo umas quinze vezes que nem estava passando pela minha cabeça ir ao Baile. E ela adivinhou que no fim eu acabaria indo.



Meia hora depois, eu estava travada na porta do dormitório, completamente vestida e arrumada; todas as minhas outras companheiras de quarto já tinham descido e só restava Alice, me puxando.



-Pare com esse drama, Lílian! - exclamava ela. - Você já está aqui! Fica calma! Você não vai ter que ir pra cama com Potter nem nada parecido, só porque vai ao baile com ele!



-Eu não acredito que vou ter que fazer isso, Alice... - balbuciei. - A minha reputação... Depois de todo esse tempo...



-Se perguntarem você só tem que dizer que fez isso pra se livrar dele de uma vez! E além de mais, por que isso importa tanto?



Fiquei calada, pensando no quê responder. Verdade, por que o fato de me verem com Potter me incomodava tanto? Por que eu estava tão nervosa?



-Tem razão... - murmurei, erguendo a cabeça e o tom. - Por que eu ligaria? E é mesmo verdade, só vou fazer isso para me livrar do Potter! Quem sabe depois disso ele me deixa em paz?



-Então torça pra ele não queira casamento depois dessa noite - riu Alice. - Ande logo, Lílian, Frank está me esperando lá embaixo.



Depois de quase tropeçar e descer as escadas rolando envolvida em seda preta, finalmente vislumbrei o final das escadas; Alice chegou sorrindo e abraçou Frank; olhei em volta e vi que Potter estava ali também, andando de um lado pro outro na sala comunal.



Ele me viu e ficou parado, meio perdido, e eu tive que bater o pé bem de leve pra ele se tocar e vir até mim. Parecia pior do que eu; no trajeto, quase trouxe o carpete junto, logo depois do tropeção espetacular que levou. Também, ele nem estava olhando pra onde estava indo... E eu sentia o meu rosto ficando cada vez mais vermelho. Será que ele estava percebendo?



Eu sabia que Alice e Frank estavam olhando para nós dois, mas eu não conseguia agir de outra forma; quando Potter finalmente chegou, eu acabei me permitindo olhar fundo nos olhos dele, de novo, e ele gaguejou um pouco antes de conseguir falar:



-E-Evans... Puxa vida, você está... linda.



Por que eu estava tão envergonhada?



-Ah, bem, Potter, você também... Vamos indo??



O que estava acontecendo comigo?



Potter segurou a minha mão com muita cautela, como se tivesse medo que eu o estapeasse. Era o que eu normalmente faria, mas como é mesmo que age a normal Lílian Evans? Por que eu não conseguia dizer nada agressivo?



OK, mantenha a calma, Lílian, você não está indo para a morte é só mais um baile, só mais um baile... Tudo que você tem a fazer é dançar um pouquinho, fingir que está se divertindo e voltar para o seu pacífico dormitório...



Talvez por estar tão confusa, eu me lembro apenas de flashes do trajeto até o baile. Minha próxima lembrança nítida era de nossa chegada. As pessoas nos olhavam com cara de espanto, não sei se era por eu uma vez na vida estar bem vestida, se era por estar com Potter, se era porque a alça do meu sutiã estava aparecendo. Sei que me senti muito idiota. E que ao mesmo tempo nem me importava.



Potter disse alguma coisa que eu não entendi; ele também parecia estar tropeçando nos próprios pés, mas como eu estava preocupada com a minha situação naquele momento, nem liguei na hora.



-Dançar? - gritou ele, pela terceira vez, por cima da música e da conversa das pessoas.



Sem forças pra falar, balancei a cabeça. E afirmativamente! Potter segurou a minha mão com mais força e eu me senti feita de areia, como se fosse desmanchar a qualquer momento. Não sabia mais onde estavam Alice e os outros. Eu não conseguia ver nenhum deles. Potter estava me levando para o outro lado do salão, e eu nem mesmo conseguia reagir... Onde estavam os rostos conhecidos? Ah... Quem se importa?



Como eu poderia me importar com isso quando Potter veio e me abraçou? Quando ele passou um braço pelas minhas costas... Quando havia tamanha parte dele tocando em mim... Num instinto, eu também o abracei, ainda que trêmula... De uma hora pra outra, nada tinha que fazer sentido. De repente, tudo estava no seu lugar.



Potter me olhou de um jeito diferente, enquanto dançávamos. Eu queria dizer alguma coisa, parecer espirituosa, mas nada me vinha à mente. Ele inclinou a cabeça pra dizer algo no meu ouvido, e eu me arrepiei inteirinha, bem devagar.



-Viu como posso ser um bom garoto?



E quando ele voltou o rosto, nem mesmo os enfeites do Salão Principal eu conseguia ver... Apenas Potter, Tiago Potter... Mais uma vez, nossos rostos se aproximaram. Aqueles olhos castanhos se fecharam e nós nos beijamos...



Acho que foi o beijo mais maravilhoso, mais subjetivo da minha vida toda. Eu tinha que assumir. Estávamos beijando um ao outro, eu também queria...



E esse foi o dia em que eu me rendi. O dia em que finalmente percebi que estava apaixonada por Tiago Potter.

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