-Sacrifício-
-Sacrifício-
Ele se sentia flutuando em uma piscina de agonia, dividido entre dois mundos simultâneos e assustadores, em sua cabeça ele escutava gritos, via os clarões dos feitiços e sentia a exultação de Voldmort, e ao mesmo tempo estava friamente consciente do que acontecia a sua volta, a dor que nublava sua visão, a fraqueza em seu corpo, parecia que sua força esvaía-se como sangue de uma veia cortada... os gritos de espanto e surpresa na sala dos Weasley quando ele quase arrancou a cortina e foi banhado pela luz verde da Marca Negra que brilhava no céu, a forma feita por luzes verdes que entrava pela janela, agourenta, percebeu a movimentação a sua volta, quando os Weasley tentavam aturdidos pensar no que fazer, quando ele sentiu a suas costas o clarão e uma voz desconhecida.
-Venham todos, agora! Toquem na chave!
Alguém muito forte agarrara sua mão e o forçara a tocar em um velho vaso de ferro, ele estava alheio ao redemoinho de cores a sua volta, ou a sensação de ser puxado pelo umbigo, ele só sabia que ainda ouvia os gritos e via flashes do que acontecia, ele sentiu seus pés baterem em chão sólido, mas era como se não tivesse controle de seu corpo, sentiu-se vergar pra trás, ainda terrivelmente consciente das mortes ocorrendo tão longe, como se cada grito chicoteasse sua alma, descolando-a do seu corpo, sentiu que os gêmeos o escoraram, mas não conseguia dar um sinal para eles de que estava consciente, escutava os gritos de Gina e Hermione, perguntavam se ele estava morto, ele queria parar aquilo, não queria ver mais, mas não sabia como parar, sentiu-se chacoalhar, sua cabeça doeu ainda mais, sentiu os tapas em seu rosto, alguém pedia pra ele dar um sinal , mas apesar de saber que estava entendendo não conseguia, ele ainda estava preso naquele pesadelo, quando viu, duas crianças correndo, gritando, e a luz as engolfar, sabia que eram vítimas inocentes, que acabavam de morrer, que eram só crianças, apesar de desconhecidas ele sentiu como se doesse nele, sentiu as lágrimas aquecerem seus olhos fixos e escorrerem pelo seu rosto, apesar de saber que estava tão longe, não pode impedir de sentir uma dor imensa por não poder fazer nada, por estar tão impotente, pelo desperdício daquelas vidas, quando aquele sentimento passou de seu coração para sua mente, ele pode fechar os olhos, estavam gelados, sentiu o corpo relaxar dolorosamente, os gritos estavam distantes, não via mais nada, só sentia uma imensa dor no corpo e sua cabeça latejava, quando faziam menção de balança-lo de novo ele protestou se assustando com a própria voz:
-Não, estou bem, mas dói quando me tocam...- era como se sua voz saísse de muito longe, de tão baixa.
-Como?- perguntou o Sr Weasley se aproximando de seu rosto.- Harry você está bem?
Ele piscou algumas vezes, mas não conseguia manter os olhos abertos, suspirou dolorosamente e repetiu.
-Estou aqui, estou bem... mas dói quando me tocam.
Era verdade, era como se estivesse em carne viva, todo seu corpo doia terrivelmente, sentiu que tentavam ergue-lo, mas não conseguia apoiar-se neles, na verdade não queria, queria ficar quieto, até tudo passar, sentiu alguém erguê-lo no colo e carregá-lo, a mesma pessoa que o forçara a tocar no vaso, essa pessoa comentou assustada, só então reconheceu-o pela voz:
-Ele está leve! E gelado!- espantou-se Carlinhos.
-Deite-o
Foi tudo o que escutou antes de perder os sentidos...
Foi acordado de um estranho torpor por umas fungadas sentidas, ele ficou quieto, mas então a verdade o despertou totalmente, abriu os olhos e foi brindado por várias estrelinhas, sua cabeça doía um pouco, estava deitado, aquecido por vários cobertores, e apoiado por almofadas macias, havia um perfume doce de baunilha no ar, estava tão bom ficar quieto naquela penumbra, mas ele escutou outra fungada, virou devagar a cabeça em direção do som e viu, segurando sua mão estava Gina, provavelmente ajoelhada no chão, rosto afundado na cama, mais atrás viu Rony e Hermione cochilando em um sofá, aparência de exaustão, ficou em dúvida de quanto tempo permanecera desacordado não devia deixá-los preocupados mais tempo, mas estava ainda entorpecido, apenas apertou de leve a mão da garota, olhando-a , ela ficou quieta e então lentamente ergueu a cabeça e o encarou, seu rosto pareceu se contrair de dor, então ela explodiu em soluços e um choro convulsivo, viu de relance os dois amigos acordarem assustados, Hermione primeiro amparou Gina preucupada, depois ela o olhou, mas Rony exclamou, pulando de joelhos na cama, Harry percebeu que o amigo chorava:
-Você tá vivo! Quase mata a gente de preucupação!
Hermione parecia que ia pular para lhe dar outro abraço memorável, mas foi congelada no ato com a voz que ordenava ríspidamente:
-Pela amor de Deus, deixem-no em paz!- falou a Sra Weasley.- ele precisa de repouso!
Mas ela também parecia muito aliviada, mas apreensiva, atrás dela haviam vultos que não pode distinguir, mais alguém disse pra deixá-lo repousar, mas ele não queria preocupar mais ninguém.
-Não obrigado, quero me levantar.- ele disse e sentou-se na cama.
Escutou os cochichos, e sentiu-se levemente zonzo, percebeu que todos olhavam preocupados, então forçou um sorriso e reafirmou, se virando devagar, enfiando os pés em um carpete macio.
-Eu realmente preciso me levantar, eu estou bem.- disse apesar de ver estrelas dançando a sua frente, estava zonzo e enjoado.
-A meia hora atrás você estava completamente fora do ar.- disse Hermione.
Isso explicava sua exaustão, não fora tanto tempo assim, então percebeu, estavam todos como estavam na toca, olhou o quarto e perguntou:
-Onde estamos?
-No apartamento de um conhecido.- disse Lupin que agora se sentara no sofá ao lado da cama. - Estamos em Londres.
-Faz quanto tempo?- ele olhava Lupin que parecia bem saudável, mas o olhava com preocupação, não se importava com mais ninguém, na verdade não via mais ninguém.
-Quase uma hora desde que chegaram.- Ele olhou para o pessoal e acenou com a cabeça.
A senhora Weasley carregou todos para fora, Gina passou a mão pelo ombro de Harry e lhe estendeu os óculos que segurava, ele sorriu em agradecimento.
Estavam sozinhos, ele pôs os óculos e olhou Lupin, mas viu-se refletido no espelho atrás dele, havia motivos para preocupação, ele mesmo se assustara, estava mortalmente pálido, até aqueles hematomas de sua briga com Duda estavam meramente róseos, seus lábios estavam brancos, seus olhos estavam opacos e fundos, ele parecia moribundo.
-É.- confirmou Lupin parecendo acompanhar seu raciocínio.- Levando em consideração o quanto você ficou gelado, havia motivo para todos nós pensarmos o pior Harry, pensamos que você tinha morrido.
-De quê? de susto?- riu amargamente. - O que aconteceu?
-Foi um ataque, na vila próxima A Toca.- Lupin o olhava desconfiado.
Harry bloqueou as lembranças, não queria rever o que acontecera, não saberia explicar o que acontecera, mas ficou de pé e sentiu suas pernas tremerem.
-Devia permanecer deitado.
-Não. Se eu ficar mais tempo deitado vou morrer de verdade.- viu Lupin fechar a cara.- Preciso beber algo, estou morrendo de sede.
-Estou falando sério Harry, o que quer que seja que aconteceu hoje, você devia levar a sério e esperar.
-Esperar o quê? Não posso esperar de pé?
-Dumbledore está vindo, pode demorar um pouco, imaginou o inferno que está aquele lugar?
-Claro que imagino.- ele disse terminando de calçar os tênis.- Estive lá.
Lupin o encarou preocupado, ele se dirigia a porta, mas Lupin o puxou pelo braço.
-O que aconteceu? De verdade Harry, o que você viu?
Foi um ar de preocupação paternal que viu nos olhos de Lupin, ambos tinham sofrido perdas semelhantes, ele sabia, e via nos olhos dele que estava preocupado com o que acontecera, estava preocupado com sua sanidade, Harry não pode deixar de ficar agradecido com a preocupação, mas também não queria repassar o que acontecera, principalmente se tivesse que dissecar o acontecimento para Dumbledore, apenas disse com a voz mais calma do mundo e sabendo que não estava enganando Lupin.
-Eu não sei o que aconteceu, gostaria mesmo de saber, e quanto ao que eu vi, -ele passou a mão na cicatriz exasperado.- Não quero pensar nisso agora, não ainda.
-Certo, desculpe por forçar um pouco.- o outro entendera o recado.
-Não se desculpe, mas não quero preocupar os outros.
Entraram na cozinha pequena e francamente iluminada e se depararam com um café feito pela Sra Weasley, Carlinhos e Gui estavam sentados, os outros estavam na sala. Harry se jogou sobre uma das cadeiras da mesinha circular e olhou os dois irmãos mais velhos da família então agradeceu a Carlinhos, que ficou meio sem jeito e o olhou mais aliviado, mas Gui murmurou:
-Parece que começou não é?
A Sra Weasley deu um grunhido e o rapaz saiu da cozinha, ela era muito superprotetora, pensou Harry, devia ter deixado todos malucos naquela meia hora, ela estendeu-lhe um copo de leite, Harry sentiu uma fisgada de culpa ameaçando instalar-se em seu peito. então houve um burburinho na sala, no mesmo instante ele soube o que era, então o bruxo entrara naquela cozinha pequena e sentara-se na mesinha entre Carlinhos e Lupin, de frente para Harry, que segurava bobamente o copo de leite na mão.
-Fiquei extremamente preocupado com as notícias que recebi Harry.- disse Dumbledore.
Mas Harry não estava olhando para o homem a sua frente, num instante ele compreendeu algo mais, então olhou nos olhos, sentiu imensamente cansado, não iria recomeçar um jogo de perguntas e respostas como antes, aquilo tinha acabado no ano passado.
-Quantos? -ele perguntou.
-Não pense nisso agora.
-Quantos.- ele firmou a voz encarando Dumbledore .
-Mais de duzentos Harry.
-Presas fáceis, estavam reunidos.- dissera aquilo? Ele percebeu que falara friamente, não era tristeza ou culpa, era ódio.
-Sim parecia uma solenidade.
-Então foi coencidência?- insistiu, Dumbledore o encarou com pesar.
-Não estou entendendo Dumbledore. - disse o Sr Weasley na porta.
-Havia uma espécie de festa na cidade, estavam reunidos, foram mortos as dezenas.
-Trouxas? Assassinaram Trouxas?- falou a senhora Weasley ofegando.
Dumbledore acenou com a cabeça, parecia muito sentido, triste até, mas respondeu:
-Homens, mulheres...
-E crianças.- terminou Harry.
Eles o encararam, ele olhou para o copo de leite, havia algo na satisfação de Voldmort que o incomodara desde o início, e analisando os fatos, ele sentia aquilo pairar sobre ele como um corvo agourento, estava analisando aquilo, em seu íntimo quando murmurou.
-As crianças... - mas as palavras morreram nos seus lábios, ele não tinha coragem pra perguntar o que lhe viera a mente.
-Venha comigo Harry quero conversar com você.
Saíram da cozinha, obviamente ele estava ainda meio perturbado com suas próprias idéias mal percebeu que estavam sendo observados por todos, entraram numa salinha, Dumbledore fechou a porta e ele sentiu que ele fizera uma magia de impertubalidade, Harry sentou-se na cadeira da escrivaninha e viu Dumbledore se sentar na poltrona ao lado, se olharam por um instante e Harry começou automaticamente a contar o que acontecera, antes que lhe fosse feita qualquer pergunta, sabia que era importante contar tudo, mas isso não tirava dele a sensação de estar sendo usado, iniciara com a chegada da coruja e terminou com sua conclusão perante a um certo copo de leite, incluíra seus sonhos, e pela primeira vez sentiu que tinha exposto muito mais do que queria.
-Diga que não é...
Dumbledore ergueu e mão. Harry se calou.
-Sei que você tem se cobrado coisas para as quais não tem respostas ainda, e talvez nunca terá, só você sabe sobre suas escolhas, e isso não me preocupa, pois tenho inteira confiança em você, mas eu não vou afirmar nada, embora ache que "culpa" não seja a palavra correta, mas não vou enganá-lo Harry, você não merece isso, eu também acredito que esse massacre tivesse como objetivo, além de marcar o retorno de Voldmort, -ele o encarou, parecia muito velho e cansado mesmo.- que esse massacre tivesse o objetivo de atingi-lo.
-Estamos concordando que talvez eles tenham morrido pelo simples motivo de eu estar perto?- ele se sentiu sufocado.
-Sim Harry, eu acredito que Voldmort, depois de descobrir que possuí-lo seria mais difícil depois de tudo, resolva usar sua empatia contra você mesmo.
-Empatia?
-Sim Harry, essa capacidade de sofrer, de compreender, de amar se chama empatia, -ele disse evitando olhá-lo.- Mas ela também se aplica ao elo entre vocês, Voldmort vai usar essa sua capacidade contra você, ao contrário do que você está pensando, essas pessoas morreram não porque você estava perto, você não era o alvo físico.
Harry o olhava atordoado, não era o alvo físico? Do que ele estava falando? Subitamente Dumbledore o encarou, pela segunda vez Harry viu-o daquele jeito, ele parecia tomado de uma força tremenda, era raiva, os olhos dele pareciam faiscar.
-Não caia no poço de desespero que ele quer que você afunde, essas pessoas foram mortas, para que você sentisse a dor que sentiu, eles morreram porque ele sabia que isso iria machucá-lo. Harry você precisa mostrar uma imensa capacidade de suportar essa dor, sei que o que estou pedindo é difícil, mas ponha em sua cabeça, não foi você que os matou, e além disso, sabíamos que esse tipo de coisa podia voltar a acontecer, mas eu estou muito preocupado, essa sua capacidade de se conectar com Voldmort, essa estranha ligação de vocês supera todas as minhas expectativas, hoje você quase abandonou seu corpo físico Harry, você quase se reuniu a ele .
Ele ficou gelado, ele tinha entendido bem? Dumbledore tinha falado o que ele pensara que ele falara?
-Você está falando? Você está dizendo...
-Hoje, -Dumbledore acenou com a cabeça.- Você esteve a um passo da morte Harry, se você não rompesse a ligação seu corpo não teria suportado. É por isso que ficou tão fraco, tão frio, estou feliz que também tenha uma enorme capacidade de recuperação, não esperava vê-lo fora da cama antes do amanhecer. Não adianta mais praticar Oclumência, percebi que andou treinando sozinho,- ele lhe sorriu, um sorriso triste.- precisamos trabalhar outras formas de proteção...
Harry balançou a cabeça irritado, pois não entendia muito bem, era informação demais, ele estava tremendo, com frio, com sede, cansado, Sobre o que ele estava falando?
-Não... não entendo, não consigo entender.
-Harry, você é um livro aberto, uma casa sem portas, você está exposto, saturado de sentimentos e com poderes grandes demais e sem controle, -ele disse bondosamente, como se concluísse que ele sofria de uma doença incurável.
Percebeu que Dumbledore deixou-o ruminar seus pensamentos, estivera assim tão perto? Ele não sentia isso, apesar de toda aquela agonia, ele não sentia, percebeu que Dumbledore o olhava, parecia analisá-lo, como se estudasse seus pensamentos, então ele subitamente baixou o rosto para o chão e falou baixo:
- Precisa de proteção, eu não queria fazer isso Harry, mas para seu bem, acho que devia deixar que alterássemos sua memória.
Harry o olhou horrorizado, levantou-se, sentiu-se tão malditamente humilhado que pensou que podia matar aquele velho ali mesmo, mas estava desarmado. Seus olhos se encontraram
Dumbledore parecia tão velho e arrependido que ele se sentou, não podia acreditar no que ele falara.
-É isso? Então? Eu não presto mais? Eu sinto demais? Eu não sou útil assim?- falou num fiapo de voz magoada.
-Não é isso Harry, você sabe que não, mas remoer a profecia não está lhe ajudando, está ocupando energia que seria melhor gasta na sua própria proteção.
-É MENTIRA!!! VOCÊ ESTÁ BRINCANDO COMIGO!!! PAREM DE FAZER ISSO!!! PAREM DE BRINCAR COMIGO!!!-disse se erguendo tão furioso de ser tratado como uma criança, subitamente havia compreendido o que estava acontecendo. Odiou, odiou aquilo com toda a fora que tinha, como ele podia fazer aquilo, depois de tudo, como podia duvidar dele?
Dumbledore o olhou subitamente branco, Harry baixou o tom de voz, estava ofegante, tremendo:
-É verdade, eu sinto como se minha mente não me pertencesse mais, então você quer que eu aceite isso? Que eu deixe que você mude minha memória, para que eu saia daqui calmo, feliz? Obrigado, Dumbledore.- falou sentindo o desprezo em sua voz.
Dumbledore ainda olhava perplexo, olhou para a própria varinha e suspirou.
-Sim, isso seria a vitória dele, seria continuar os meus erros.- ele consentiu para Harry.- Você é muito corajoso mesmo Harry, e eu cometi um erro de julgamento. - ele se levantou.
-Isso foi o teste mais cruel que você podia ter feito comigo, -ele falou ofegante, furioso e muito magoado.
-Eu precisava saber Harry, e agora sei.- ele desfez o feitiço da porta.- Sei que está pronto pra enfrentar as provas mais cruéis que lhe serão impostas agora, sei que é capaz de sacrificar as coisas certas.- ele abriu a porta e acenou.- Sei que irá suportar isso.
Ele ficou ali de pé, escutou Dumbledore falar com o pai de Rony, ainda olhava o vazio quando os três apareceram na porta.
-Você está bem Harry?- perguntou Hermione.
O que ele podia falar?, sacrificara uma amizade sincera pela paz dos amigos, sabia que não era a hora deles saberem, porque o fardo era dele, só dele, então sorriu e foi em direção deles:
-Só cansado.- ele abraçou os três e disse: - Vocês já comeram alguma coisa? Eu tô morto de fome.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!