Capítulo XXI



Os Marotos e o Segredo de Sangue



Capítulo XX –
 Eternidade.


 Sirius estava controlando seus nervos para não berrar com Thiago e jogar em sua cara que tudo aquilo que estava acontecendo não era culpa dele, porque ele estava agindo como se fosse, mas apenas pela raiva. Ele fervilhava por dentro. Todos os dias, quando alguém insistia em conversar sobre Lily, ele ficava nervoso e xingava, dizendo que não estava mais atrás dela, que alguém podia colocá-la em um trem para o norte e deixá-la na praia sem dinheiro e roupa, que não havia ninguém com menos consideração que aquela ruivinha. Corrigindo, ele pigarreava, Evans. E todas as noites suspirava e murmurava seu nome com clareza.


 Thiago passara a ignorar Lily da mesma maneira como ela o ignorara a semana inteira. Passava por ela e nem olhava, mantendo seus olhos ligeiramente frios quando tinha que fazer isso. Mas ela não foi atrás dele. Ela não iria nunca, e ele sabia. Thiago não aprontava mais nada pelos corredores ou com a gata de Filch, o que costumava diverti-lo muito.


Em duas semanas, ele ficou com pelo menos trinta garotas da escola. Agarrava-as às escondidas, nos corredores, como costumava fazer, ou então à luz do dia mesmo, no intervalo entre as aulas, quando saberia que Lily podia estar por perto olhando. Talvez fosse por isso que ela não estivesse tentando falar com ele. Ou talvez fosse apenas porque ela era orgulhosa o bastante a ponto de deixá-lo à beira do abismo e nem ao menos recorrer por desculpas.


 Todos esses problemas fizeram as coisas piorarem entre Sirius e Sasha. Eles combinavam de se ver às vezes à noite, quando Lílian já terminara de obrigá-la a decorar cada ingrediente para tal poção ou cada movimento para tal feitiço, mas na maioria das vezes, as brigas corroíam o carinho entre eles e ficavam, orgulhosos, um esperando que o outro voltasse a falar alguma coisa, mas quando um deles decidia já era tarde e no dia seguinte teria aula cedo. Foi aí que Sasha esqueceu-se completamente das lendas que andavam investigando antes, sobre vampiros, e começara a desconfiar de Sirius como nunca. Ele era o braço direito de Thiago, e no momento Thiago não estava usando seus braços para as coisas mais angelicais. Se via alguma garota piscar para ele, era motivo de briga. Se ele olhava para alguma delas, e sorria, então, eles quase acabavam com tudo. Sasha controlou-se para não meter um soco em Bertha Jorkins quando flagrou um beijo soprado por ela, que não viu que ela estava atrás de si, mas apenas por pensar que Bertha era diferente de todas as outras garotas. Mas quando viu que Sirius pegou o beijo no ar e guardou no bolso, seus olhos se encheram de lágrimas de raiva e soube, naquele instante, que acabava. Foi o fim.


 Ela passou por Bertha trombando nela e, sem virar-se para pedir desculpas, soprou um beijo enojado para Sirius e fingiu derreter-se, passando por ele também e andando o mais rapidamente quanto podia para um corredor vazio. Mas as lágrimas vieram quentes contornando seu rosto quando ela estava em um dos cheios. Limpou-as rapidamente e continuou a correr.


Não se surpreendeu que Sirius estivesse bem ao seu lado em três segundos. Sua velocidade a enojou por um instante. Ele segurou com firmeza seus dois braços e virou-a para encará-la. Pela expressão dele, Sasha quis enfiar facas em si mesma por deixá-lo vê-la daquela maneira. Devia estar com os olhos mais vermelhos e o rosto ensopado de lágrimas de raiva e tristeza.


 - Vai querer me ouvir? – ele perguntou, segurando-a firmemente.


Ela tentou se soltar, sem sucesso. Não queria ouvir... não precisava ouvir mais nada. Com um puxão violento, soltou-se da mão grande de Sirius, e as unhas dele fizeram marcas vermelhas em seu braço – os Black parariam de machucar seu braço quando conseguissem rasgá-lo? – e tentou soltar o outro, mas ele era rápido demais.


 - Me ouça, Vic...


 - Mills! – gritou, e percebeu que sua voz estava mais rouca que chorosa.


 - Diabos, por que tem que chorar? – ele aproximou-a para um abraço.


 Sasha se debateu nos braços dele, tentando escapar, mas como já foi dito... então, o calor dele a envolveu por um segundo, e só por um segundo, ela desejou senti-lo ali perto uma última vez. Porque seria mesmo a última vez.


 - Porque eu sou sensível demais. E acho que idiota demais também. – ela cuspiu as palavras.


 - Você não é idiota. – ele falou – nem um pouco.


 Seus olhos começaram a ficar cinzas. Sasha odiava isso.


 - Me solte, Black!


 - Não me trate assim... – ele pediu, tentando falar em seu ouvido.


 - Não vai conseguir – ela grunhiu entre os dentes com raiva – não vai conseguir desta vez. Não percebe o que fez?


 - Foi um gesto de amiz...


 - Amizade? POUPE-ME! – Sasha não se conteve e gritou em seu ouvido.


 Alguns alunos passaram assustados. Ela se esperneou e conseguiu se livrar dos braços fortes dele.


 - Não volte a me procurar. – ela disse – eu já suportei demais tudo isso.


 Sirius passou as mãos nos cabelos negros antes de voltar a segui-la pelo corredor.


 - Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? – perguntou, andando apressado ao seu lado – porque você está parecendo Lílian com Thiago há algumas semanas. E sabe muito bem que não era isso que ela queria. Ou eu terei que vê-la beijando outro pelo corredor também para ter certeza de que não me quer?


 Aquelas palavras atingiram Sasha como uma lufada, e fizeram com que ela parasse de andar pelo corredor.


 - Como disse? - perguntou.


 - Estou perguntando se é isso mesmo que quer.


 - Não. Estava me comparando à Lily, que sequer sabia que gostava de Thiago.


 - É o que parece, dando esse ataque de nervos por causa de uma coisa idiota!


 - Coisa idiota? Ela mandou um beijo para você! Um beijo! Ah, sim, que coisa estúpida, um beijo... – ironizou.


 O corredor de repente ficou vazio. As vozes raivosas dos dois eram as únicas ali, e os quadros olhavam-os curiosos. O tumulto dos alunos parecia distante demais.


 - Você sabe que esse é o meu jeito de ver as coisas! – Sirius falou, corando furiosamente.


 - Seu jeito? Ótimo! Se me disser então que o seu jeito também é sair com várias garotas e fazer o que quer que seja com elas e depois voltar para mim, eu vou ter que aceitar, certo?


 - Não! Sasha, você entendeu muito b...


 - Não entendi! Pode me explicar, Black?


 - Diabos, garota! Não vê que não me interessa mais nenhuma? Nenhuma, além de você? - ele falou com uma raiva incontida.


 Sasha suspirou. Aproximou-se dele e fez um gesto de quem pegava algo no bolso dele, o bolso no qual ele guardara o beijo de Bertha, e fez que colocou na palma da mão de Sirius. Ele olhou debilmente para a própria palma vazia estendida, como se segurasse algo.


 - Então o que você ainda faz com isso, se não te interessa? – a voz dela saiu mais baixa e embargada do que planejara.


Sirius apenas observou enquanto ela passava por ele e sumia no corredor. Mas alguns instantes depois, ele voltou a ouvir passos que voltavam ao corredor, e era Sasha, mas ela estava com uma careta de reprovação, sendo arrastada pelo professor Takashighi e acompanhada pela professora McGonagall.


 - Oh, como eu podia imaginar... – o professor desdenhou entre os dentes, arrastando Sasha para o lado de Sirius.


 Ela se afastou para não ficar muito perto dele.


 - Senhor Black – cumprimentou a professora Minerva – alguns alunos estavam assustados pelo que estavam fazendo, além das vozes que ouvimos.


 - Já que é bem imaginável o que aconteceu, só de olhar para o rosto da senhorita Mills... – Sasha estreitou os olhos para o professor Youn, furiosa consigo mesma por seus olhos serem claros demais - sabemos que isso é um assunto pessoal então vamos deixar que o resolvam... sozinhos, porque já são grandinhos.


 A ironia na voz do professor aumentou ainda mais a tensão entre eles.


 - Mas que isso não volte a se repetir, por favor, senhores – pediu a professora com rispidez na voz – vocês são alunos inteligentíssimos da minha Casa e estão quase às vésperas dos exames! Têm que se concentrar nisso!


 Sasha assentiu, embora suas mãos ainda tremessem.


 - Ok. – Sirius falou.


 Os dois professores olharam para os dois alunos, de um para o outro, e depois partiram. Sasha bufou e voltou ao seu destino, mais furiosa ainda por ter sido lembrada que os exames estavam cada vez mais próximos e Lily estava esperando-a no salão comunal para uma daquelas cansativas noites de estudos.


 Não é preciso dizer que a ruiva foi mais que observadora quando Sasha jogou-se na cadeira ao seu lado, revirando os pergaminhos furiosamente e riscando-os sem precisão. Depois que a morena explicou tudo à ela, ainda nervosa, notou que Thiago estava no sofá fitando sem ler um livro de Transfiguração, e depois levantou-se de um salto do sofá e correu para fora do salão comunal, provavelmente atrás de Sirius.


 - Eu não quero ficar aqui dentro – Sasha falou sem pensar, sentindo os cabelos pinicarem suas costas irritadamente.


 - Sasha, você tem que relaxar. – Lily pediu – agora está furiosa e não vai conseguir pensar direito e nem colocar as coisas em ordem enquanto não relaxar. Tem certeza de que terminou com Sirius?


 - Disse à ele que não me procurasse mais e que me chamasse de Mills.


 Lílian soltou uma risadinha.


 - Eu nem te conto quem você está parecendo.


 - Ele falou isso também. – os ombros de Sasha relaxaram, e o oxigênio fez algum efeito em seu cérebro quando ela suspirou – mas tem alguma idéia de como foi ver... como foi... urght! – fechou os punhos e bateu na própria mão.


 - Calma, garota fúria.


 - Não sabe como foi frustrante, Lil – ela falou, em voz baixa, pois notou que algumas garotas do sétimo ano cochichavam ali perto e olhavam para ela às vezes – Sirius... ele... sempre conversou muito com Bertha, sempre foram ótimos amigos, e isso eu até entendo... – revirou os olhos – mas eles tem um passado. Ele namorou com ela, Bertha não é uma dessas garotas que ficam flertando com ele sem que ele faça nada ou ao menos veja... ela significa alguma coisa. – bufou, enterrando as mãos nos cabelos negros.


 - Quando vocês dois se acalmarem, poderão conversar sobre isso e...


 - Não vamos conversar, Lily – Sasha sorriu vagamente para ela – sabe como eu sou, e como ele é. Dar o braço a torcer vai ser a última coisa.


 - E depois sou eu... – resmungou Lílian.


 - Hey, Evans – Troller entrou saltando pelo quadro da mulher-gorda – me mandaram te entregar isso. Disseram que é importante.


 O garoto entregou um pedaço de pergaminho dobrado à Lily, que sorriu agradecida. Ele acenou para as duas e correu para o dormitório. Aquele garoto tinha o péssimo costume de fazer as coisas rápido demais.


 Lílian abriu o pergaminho rapidamente, e Sasha esticou o pescoço para ler:


”Lil, preciso conversar com você, estou com problemas com Remo. Dessa vez não é brincadeira. Chame Sasha e Alice e me encontrem às nove no corredor do espelho e da armadura. Será minha ronda, então não poderá haver algum problema, realmente... Gloria.”


 - Alice está com Frank – disse Sasha – e não acho que ela vá voltar tão cedo.


 - Infratora – grunhiu Lily, em tom de brincadeira – bem, temos que ir vê-la!


 - Lily... ainda são seis e meia. Nem jantamos. – Sasha lembrou-a.


 - Ah... ótimo. Estudar demais está tirando meu senso de tempo.


 - Não estou com nenhuma vontade de estudar.


 Lílian ergueu as sobrancelhas para Sasha.


 - E quando você está?


 - Isso não é relevante. Vamos sair para tomar algum ar, e depois jantar, e depois... enrolar até dar nove horas. Isso. Noite planejada.


 E a morena reuniu seus livros sob o olhar confuso de Lily, mas seguiu-a. Passearam pelos corredores, discutindo sobre a briga de Sasha e Sirius e o suporto término do namoro – quando estavam em corredores vazios, é claro – e Lílian murmurou que ficara sabendo que Thiago havia saído com Franciny Turner, e que ela espalhava que eles não tinham só saído, o que significava que estavam tendo alguma coisa séria.


 - Nem posso acreditar que tudo isso está acontecendo – a ruiva falou certo momento, gesticulando – há um mês estava tudo tão bem entre todos nós!


 - Eu sei que é quase irônico dizer mas... a buxa está solta! – Sasha falou, e a ruiva riu.


 - Tem razão... agora é Gloria. Será que brigaram também?


 - Não tem como saber, não é? Diabo, queria saber o que Sirius está fazendo agora.


 E no mesmo momento uma janela para os jardins surgiu. Lílian suspirou com pesar, lembrando-se que era a mesma janela na qual ela quase beijara Thiago há duas semanas atrás. Sasha parou para observar através da vidraça o verde do gramado, que estava apinhado de alunos felizes, brincando, e outros amontoados em livros pesados e correndo atrás de pergaminhos que queriam fugir com o vento. Dois montoados de cabelos negros se destacava entre os demais, como se fossem pontinhos vemelhos em um mapa – Thiago e Sirius estavam na beira do lago, mas não sozinhos. Conversavam com duas garotas que elas reconheceram da Lufa-Lufa, sétimo ano. Sasha suspirou.


 - Ele é rápido.


 - Não é para ele, tenho certeza. – a ruiva alfinetou – é o Potter. Ele tem um ímã.


 - Os dois tem, Lily, não se esqueça.


 Lílian bufou, e ia responder quando uma voz chamou por Sasha. Era Snape. Ele vinha afobado pelo corredor, o rosto um pouco corado pela correria – e parecia feliz. Muito mais feliz do que Sasha jamais o vira em toda a sua estada em Hogwarts.


 - Hey, Severo – falou carinhosamente.


 - Como está? – ele perguntou, beijando seu rosto. Virou-se para Lílian e apenas deu um aceno com a cabeça.


 - Estou... levando.


 - Eu já ouvi essa resposta antes. – ele sorriu.


 Lílian revirou os olhos e escorou a mão na vidraça para deixá-los sozinhos com suas cordialidades.


 - Fiquei sabendo que brigou com o Black. Está mesmo bem?


 - Como as fofocas correm rápido...


 - Só as coisas boas.


 - Não acho que seja realmente boa.


 - Não acho que esteja realmente bem.


 - Não estou. – murmurou – mas isso não importa. Vou ficar bem.


 - Vocês terminaram?


 Lílian deu uma espiada pelo ombro para os dois, e Snape fez uma careta para ela.


 - Digamos que... Demos um tempo responde?


 - Não.


 - Então terminamos. Eu acho.


 - Como você é objetiva...


 - Como você é observador.


 - Para mim isso é um elogio.


 - Não tinha a intenção de ser. – ela grunhiu, furiosa.


 Aquelas conversas com Snape eram boas para ela, mas aquele não era o momento certo exatamente para tolerar suas ironias.


 - Tudo bem... – ele começou – então, vamos fazer alguma coisa depois do jantar.


 Sasha arregalou os olhos para ele, e depois um sorriso surgiu no canto de seus lábios.


 - Algo de amigos - ele enfatizou no mesmo momento.


 - Tenho um compromisso depois do jantar.


 - Se não quisesse a minha companhia era só falar.


 - Não tem nada haver com a sua companhia. Podemos sair outro dia. – ela corrigiu.


 Lílian tamborilou os dedos na janela, ainda olhando para os jardins, mas óbvio que desaprovava a idéia.


 - Ótimo. Depois... eu te procuro para combinarmos. – ele falou, e depois girou os calcanhares para sumir no corredor.


 - Você não estava falando sério – acusou Lílian, antes que a morena pudesse falar algo.


 - Não. Acho... que não.


 - Pare de dizer que “acha”! Ou você vai ou não.


 - Então eu vou. – respondeu simplesmente.


 Lílian bufou e revirou os olhos.


 - Que amizade...


 - Eu gosto de falar com ele, Lily! Ele me lembra muitas coisas que eu... perdi. – murmurou em voz baixa a última palavra.


 - Tem razão... eu só falo assim dele porque ele não gosta de mim.


 Sasha parou ao seu lado na janela.


 - O que quer dizer?


 - Bem, ele e toda a Sonserina. Esqueceu que sou sangue-ruim? – não havia rancor em sua voz, apenas um rastro de diversão.


 - Eu também sou! – protestou Sasha, sorrindo.


 - Mas você é parente do Chefão, né! – ela brincou, embora nos seus olhos houvesse uma sombra que temia a reação de Sasha.


 A morena deu um soco leve no braço fino de Lily.


 - Vai te lascar!


 


 


*****


 


 


 Sasha e Lílian sentaram-se na extremidade da mesa da Grifinória na hora do jantar, distantes dos meninos, que pareciam um pouco quietos também – não que isso estivesse procupando Sasha – e longe de Alice. Quando a garota as avistou, olhou estranhamente para Sirius e Sasha sentados separados e depois foi até elas com um vinco no meio da testa.


 - Eu perdi alguma coisa, não foi? – perguntou diretamente.


 - Perdeu várias coisas. – Lily disse.


 - Aliás, temos um encontro com Gloria esta noite. Ela disse que... temos que conversar. – Sasha atirou antes que ela aprofundasse as perguntas no meio dos alunos curiosos à sua volta.


 - Ah... – ela gaguejou – é que... bem, hoje faz um ano que Frank e eu estamos saindo, sabe...


 - Tudo bem, depois te encontramos no dormitório! – Lílian falou.


 - Sim! Até mais então! – ela acenou, e aquele “sim” vagou entre um tom dúbio, e elas tiveram certeza de que Alice não estaria no dormitório feminino mais tarde.


 Depois do jantar, as duas tornaram a vagar entre os corredores, discutindo agora assuntos que passavam longe de Sirius e Thiago, e era o que as duas queriam. O ciúme ainda ardia em Sasha e a imagem de Sirius, lançando aquele olhar que a derretia, para Bertha Jorkins, que em seguida lhe mandava um beijo, repassava em sua mente todos os momentos em que Lílian parava de falar.


 - ...ah, e eu te contei que Amos estava tentando falar comigo esses dias? Pois é, pensou que as coisas já tinham esfriado... mandei ele à merda e que fosse correr atrás de alguém menos idiota que eu e...


 De repente a voz de Lily se tornava um zumbido, e novamente Sirius guardava um beijo em seu bolso. Sasha bateu na própria cabeça com força e conseguiu afastar da mente a imagem por alguns instantes.


 - Sabe no que eu estava pensando – Lily ainda estava falando; ainda bem que ela era tagarela e não conseguia parar quieta, assim teria com que se distrair – que a gente parou de procurar sobre vampiros. Eu estava ficando interessada nas histórias, sabe... depois que a gente achou aquele livro de lendas.


 - Você o devolveu à biblioteca?


 - Sim... há semanas. Mas acho que ninguém tocou nele ainda. Vamos procurá-lo?


 Um brilho surgiu nos olhos verdes da garota. As duas estavam mais perto da biblioteca do que pensavam, então correram direto para lá. A bibliotecária lançou-lhes um olhar um pouco avassalador, alertando que faltava pouco tempo para fechar e que elas se apressassem o máximo que pudessem, já que segundo Sasha era de extrema importância.


 E a ruiva tinha razão sobre o livro ainda estar lá. Ele era grosso e pesado, e na sua capa de couro estava entitulado com letras douradas: “As criaturas do submundo e suas lendas”. Lílian agarrou-se à ele, sujando a sua roupa, e depois acenou para a mulher, que olhou estranhamente para o livro quando elas corriam para fora do lugar.


 No caminho para o corredor do espelho, já estavam revirando-o em busca de alguma lenda de vampiros.


 - A lenda dos quileutes... – Lílian lia, passando o dedo fino pelo glossário, e quase trombou em uma estátua se Sasha não tivesse salvado-a - Paris sob fogo, Diabretes de Percival... Herbert, o primeiro trasgo... Não... Gigantes também não... Gigantes são criaturas do submundo? – ela ia falando consigo mesma - A feiticeira das montanhas... Diabos...


 - Deixe-me procurar! – pediu Sasha, puxando o livro da amiga.


 Sentaram-se no corredor, de frente para o espelho e para a armadura velha. Ainda faltava um bom tempo para que elas pudessem vasculhar o livro todo até que Gloria chegasse com suas amarguras. Sasha correu os dedos no Glossário, continuando de onde Lílian havia parado, lendo em sua mente os títulos, até que um lhe chamou atenção.


O Sangue da Eternidade.


 Remexeu-se, desconfortável no chão de mármore, e depois buscou na página seissentos e alguma coisa.


 - Então? – perguntou Lílian, ansiosa, antes que ela ao menos terminasse de virar a página.


 - Acalme-se, por favor. – pediu, rindo – Bem, vamos ver...


 As duas esticaram a cabeça para dentro do livro, mergulhando em uma história fascinante. Sasha acertou no tema, e os vampiros logo se destacavam como protagonistas de uma história com um enredo fascinante, sobre um vampiro chamado Francis G., que no início dos séculos implantou uma nova sociedade vampiresca daqueles que se abdicavam do sangue humano para pelo menos se sentirem mais humanos; e quando ele havia reunido um grande número para sua sociedade, eles começaram a se alimentar somente de animais nas florestas mais isoladas do mundo para evitar suspeitas. Foi mais ou menos duzentos anos depois que Francis G. ficou sabendo de uma gangue de bruxos que estava atacando vampiros que não eram de sua tribo para despedaçá-los e tirar todo o sangue que havia dentro deles, o sangue negro. Ele não sabia para quê a gague usava o sangue, mas decidiu que tinha que defender os mesmos da sua espécia. Francis G. foi um grande líder. Morreu lutando contra o principal chefe da gangue, que contou-lhe para quê usavam o sangue. Ele contou-lhe que o sangue dos vampiros era o principal “ingrediente” para uma poção misteriosa que dava a vida eterna à quem a tomasse, algumas vezes ao ano. Essa poção não mantinha somente o corpo e a consciência da pessoa vivos, em todos os anos, mas também mantinha a sua juventude e a vivacidade, as emoções. Depois de algum tempo, um herdeiro vampiro da segunda geração de Francis G. vingou-o, liquidando todo o estoque dessas poções que encontrou no mundo e principalmente encontrando uma maneira de matar o chefe bruxo que matara seu avô. A lenda não estava contando como ele conseguiu isso, mas contava que era o começo de um confronto entre vampiros e bruxos que devia estar só começando.


 Quando terminaram de ler, Sasha fechou o livro bruscamente nas mãos, assustando Lílian, que pulou, apavorada.


 - Você está brincando? Isso só pode ser uma lenda! – a ruiva falou, chocada.


 - Não sei não...


 - Acredita em tudo isso, então?


 - Porque não colocam o sobrenome do homem? G.? – ela desviou da pergunta.


 - Ok... pelo menos ele era bonzinho. – Lily fez um muxoxo – eu nunca fui de acreditar nessas lendas, Sasha. Ainda mais de criaturas das quais só ouvimos falar.


 - Nem eu... mas essa me parece tão...


 - Real.


 - É.


 - Difícil saber em que acreditar agora.


 - O difícil é saber o que tudo isso tem haver com o que estamos procurando.


 - Oras, estamos apenas investigando!


 De repente, Sasha teve um pressentimento. Uma náusea que lhe atravessou o estomago por causa de uma idéia que surgira em sua mente fértil e criativa como um relâmpago, quase como uma daquelas lembranças que tivera quando sonhou com Remo e o professor Youn e todas aquelas coisas. Como se alguém estivesse tentando lembrá-la, ou como se tudo já estivesse em sua mente e os arquivos dentro dela saltassem em seus pensamentos.


 - O Sangue da Eternidade...é, não sei como eu nunca pensei nisso.


 - Você está bem? Está ficando meio verde. – Lílian observou-a.


 - Lil... Céus!


 - O que foi?


 - Vampiros. Eternidade. Não está... entendendo?


 - Hmm... não.


 - Tom quer os vampiros. – sussurrou.


 A pele do rosto de Lílian ficou pálida como um pergaminho, e seus lábios tremeram ligeiramente.


 - C-co... o que você quer dizer?


 - Eu nunca tinha parado para pensar nisso! Tinha pensado em tantas coisas qu...


 - Pare! Me diga logo o que é!


 - É isso! Ele não quer só dominar o mundo bruxo... ele quer a vida eterna.


 Lílian pareceu raciocinar, mas Sasha estava mais do que certa.


 - Vou lhe contar uma história. Preferia que visse como lembrança, mas como não temos Penseira...


 A reconhecível colina florida e colorida da casa dos Mills na Escócia era o novo cenário que especulava na mente de Sasha. Na orla da floresta, em um trecho onde as flores começavam a rarear, havia um homem de cabelos negros e pele muito pálida, de mãos dadas a uma garotinha que poderia ser sua filha, não fossem pelos grandes e brilhantes olhos azuis. Sasha pulava as flores, dançando, agarrada à mão de Tom.


 - Olhe, que linda! – a pequena Sasha soltou a mão de Tom e correu para observar uma flor vermelha que brotava da terra, separada das outras. As suas bordas eram amareladas e as pétalas delicadas faziam um buquê fenomenal para si mesma.


 Tom aproximou-se, e agachou ao lado dela, sorrindo para a garotinha com os olhos frios. Ela passou cuidadosamente a ponta dos dedos na pétala, sentindo a sua textura.


 - É a mais linda de todo o jardim. – ela concluiu, sorrindo.


 Tom levantou os dedos e passou-os na bochecha rosada de Sasha.


 - Não. Você é a flor mais linda de todos os jardins.


 Ela sorriu para ele, estonteante.


 - Estou falando dos vegetais!


 Ele deu uma risada alta.


 - Não quero que meu pai a venda. – ela proclamou com a voz tristonha.


 Tom deu um sorriso e esticou a mão, arrancando a flor do solo. Sasha bateu em sua mão, levando um susto.


 - Não! O que você está fazendo?


 - Acabou de me dizer que não queria que seu pai a vendesse, querida. – ele falou calmamente, esticando a mão para ela.


 - Mas você a matou! – ela ralhou, estarrecida – agora ela vai murchar! – reclamava.


 - Sasha, tem que entender uma coisa. – ele continuou com a voz mais firme e pacífica possível, passando o braço por cima do ombro da garotinha, que acolheu-se – esta flor é insignificante – ele ergueu a flor na altura dos seus olhos – pode não entender agora, mas é a verdade. Esta flor, mesmo que ficasse no solo, morreria daqui a algumas semanas. Elas morrem, sempre. Não importa que ela tenha morrido agora ou depois, porque de qualquer jeito ela ia morrer. Essa é a desvantagem dos fracos.


 A pequena Sasha mordeu o lábio enquanto fitava a flor nos dedos de Tom, que já parecia estar perdendo o brilho e a vida, enquanto refletia sobre o que ele dissera. Depois, sussurrou, como um segredo:


 - Mas Tom, todos nós vamos morrer algum dia.


 Ele virou a cabeça para olhá-la nos olhos.


 - Isso se você escolher.


 Aquela lembrança saltitava em sua mente quase como sem sentido. Ela nunca entendera a última frase de Tom, e isso mais do que tudo a assustava, pois sempre que ele dizia algo misteiroso voltava como uma bola imensa depois e as intenções não eram as melhores. Agora entendia. Se você escolher... Quase como se ele pudesse ter nas mãos a vida eterna. Não morrer nunca. É claro que era uma lembrança fraca, mas esta não era a única. Tom sempre dera esse tipo de indiretas, mas como ela nunca entendia, não pensava nisso. Outra onda de náusea a atingiu... diabos, ressucitar essas lembranças era pior do que pensava.


 - Sasha, é quase insignificante esta lembrança. – Lily observou – é uma conclusão precipitada.


 - Não... não é só essa – Sasha falou, passando a mão nos cabelos – Lil, você não entende... eu sinto isso.


 Os olhos verdes da amiga mergulharam nos azuis de Sasha, e agora ela teve certeza que acreditava.


 - De alguma maneira eu sei o que é. Não sei como. Sei que estas lembranças podem ser apenas um passado distante e os planos tenham mudado, ou talvez eles nunca tenham realmente existido... mas eu sinto. De alguma forma.


 Uma pontada de dor riscou seu cérebro e ela segurou sua cabeça para não rachar, fazendo uma careta.


 - O que foi? – perguntou Lily.


 - Nada... só uma dor de cabeça.


 - Bem... você quer dizer então que ele está atrás dos vampiros? – Lily sussurrou.


 Os corredores podiam ter ouvidos.


 - Não tenho certeza. Mas pode ser.


 Lílian bufou, e afundou no corredor ao seu lado.


 - Que coincidência termos investigado logo sobre este assunto e acharmos esta lenda - ela falou, fitando o nada.


 - Hey, se não quiser acreditar em mim, tudo bem! – protestou Sasha – não é algo que eu tinha previsto. E aliás, não há nada que possamos fazer além de... saber.


 - Ah, sim, há algo que podemos fazer. E eu não disse que não acreditava em você.


 - O que podemos fazer?


 - Você, pode se esconder. – ela falou – porque se isto está mesmo nos planos dele e ele quer te achar, mas sabe que não ajudará de maneira nenhuma, mas mesmo assim ele vai querer alguma coisa de você.


 - Uau, você pensa rápido.


 - Um ingrediente – refletiu Lily, ignorando a ironia de Sasha – então porque ele tentou nos matar em Londres? Quer dizer, uma chuva de Avadas não era realmente um... ai, você não é vampira, é?


 Sasha mostrou os dentes para ela, fazendo uma careta e ganindo.


 - Cale a boca! – falou, depois que riram.


 - Você tem grandes caninos... eu só não acredito porque eu vi que seu sangue é vermelho naquele dia. E como relata a lenda...


 - O sangue negro.


 - Isto. Mas voltando a falar sobre o que temos a fazer... bem, nós vamos ajudar. – ela sorriu com todos os dentes brancos para Sasha.


 - “Nós”?


 - Sim... bem... acho que Remo e eu. – ela pensou por um instante, encabulada, coçando a cabeça.


 Thiago e Sirius sabiam de todo o resto da história, inclusive as partes mais cruciais como o segredo de Sasha, mas elas ainda não haviam contado nada sobre a relação dos vampiros com isso.


 - É só a gente não contar nada à Remo.


 - Sasha...


 - Não, Lil! É melhor que esqueçamos que eles sabem de tudo. Se eles forem espertos, esquecerão também.


 - Não tem mais jeito – Lily deu-lhe um sorriso doce – nós sabemos demais. Não são só sobre os vampiros, e o seu segredo... há muita coisa mais. A animagia. Sobre Pedro, ou já se esqueceu?


 - E sobre Remo. – Sasha continuou, engolindo seco – mas por enquanto, é melhor não incluí-los em nada. Não vou procurar Sirius de maneira alguma.


 - Você não parou de falar com Thiago.


 - Mas com certeza ele vai se afastar de mim depois disso. Ele já se afastou depois que vocês brigaram, imagina agora...


 - Ok. Nada de contar à eles por enquanto.


 - Não vai contar nada à Remo, está bem?


 - Ok... – suspirou a ruiva.


 - Espere. Será que Dumbledore sabe? – perguntou Sasha, de repente.


 Lily voltou seus olhos para ela.


 - Quer dizer, ele abrigou o professor aqui... e se ele estiver aqui se refugiando? E se estiver acontecendo uma guerra entre os vampiros?


 - Sasha...


 - Não! Me escute! Acabei de lembrar!


 - Fala.


 - Lembra que no Profeta estavam falando que Voldemort estava se aliando às criaturas das trevas? Incluía vampiros. Eu me lembro muito bem. Devo ter a notíc...


 - Não faz sentido, então. Ou ele quer destruí-los ou ele quer se aliar! – Lily falou, impaciente.


 - Ou ele quer enganá-los. Ou eles não sabem de nada do plano da eternidade e estão com ele porque eles também são maus.


 - Você está me deixando louca. – Lilian falou, arregalando os olhos.


 - Acompanhe... e se ele está se aliando a muitos vampiros, criando algo como um exército de sanguessugas... e quando juntar sangue suficiente, os colocará em litrões e fará muita poção. Enquanto isso, ele assassina e tortura bruxos com a intenção de “limpar” o mundo, quer dizer, matar os sangues-ruins, para seu suposto futuro reinado... oh, Céus.


 - Você é sanguinária. – Lily fez uma careta – colocar em litrões. Tão... aterrorizante.


 - É bem a cara dele.


 - Bem... tudo bem, vamos partir dessa sua teoria, então. Já que você de alguma forma sente... - ela brincou, fazendo uma voz misteriosa.


 Sasha fez uma careta para ela.


 - Não estava escrito na lenda qual era essa poção e se ela já tinha feito alguém viver eternamente.


 Um sorriso brilhante brotou no rosto de Sasha.


 - É pra isso que serve a Biblioteca!


 Lílian revirou os olhos, bufando. Sasha sabia que a amiga adorava a biblioteca e dizer que o lugar servia só para aquele uso era um insulto para ela.


 - Bem, de qualquer modo... – ela pegou o livro, abrindo novamente na página que se lembrava – esta é a lenda.


 - Meninas! Demorei? – Gloria vinha caminhando rapidamente pelo corredor, embora com a mesma elegância que nunca lhe faltava, e saltou na frente delas, sentando-se de pernas cruzadas sem fazer barulho algum.


 - Não, Glory! Agora são... – Lily estendeu o braço para ver no relógio de pulso - nove e quarenta! Sim, demorou!


 - Desculpem-me – ela fez um muxoxo – acabei de ter um problema com o professor Takashighi.


 - Um problema? O que aconteceu? – perguntou Sasha.


 - Nada de importante. Já resolvemos! – ela piscou – mas foi realmente ótim... o que fazem com isso? - os seus olhos faiscaram para o livro que Lílian segurava aberto em suas pernas, na página na lenda do Sangue da Eternidade.


 - Pegamos da biblioteca para ler – Sasha falou, antes que a ruiva contasse tudo – achamos uma lenda que é realmente incrível, sobre vampiros... conhece? – indicou.


 - Hum... – ela inclinou a cabeça para ler – sim. Conheço. – disse ao ler o título.


 A voz dela foi quente, como se reconhecesse algo que há tempos não via. Sasha sorriu.


 - Fascinante – Lilian não se segurou a falar – essas criaturas, os vampiros. Acredita que neste momento podem haver vários vampiros na escola e nem nos damos conta?


 - Vocês continuaram investigando sobre isto, depois do bilhete? – Gloria sorriu amarelo.


 - Não, não é só qu...


 - Sim, aquele bilhete foi misterioso demais! Mas é fascinante, mesmo, não é?


 Lílian olhou irritada para Sasha, mas ela não correspondeu o olhar. Havia algo estranho em Gloria. Algo relacionado aos vampiros.


 - Você sabe algo sobre eles? – perguntou, e quase saiu como uma afirmativa.


 Gloria levantou os olhos para ela.


 - Sobre eles quem? Os vampiros? – desdenhou – não, só sei o que me contaram e as lendas que contam... – e depois completou com a voz distante – nem mesmo sei se eles existem.


 Sasha deu um sorrisinho.


 - Mas então, foi ótimo que vieram! Eu estava preocupada que já tivessem desistido por causa da hora e... eu e Remo estamos passando por um mal pedaço.


 - Brigaram? – perguntou Lily, depois de trocar um olhar significativo com Sasha.


 - Acho que um pouco mais do que isso... sabem como Remo é. Ele sempre é um amor, carinhoso, conversador, extrovertido... mas tem dias que parece que ele me evita. Sabe, como se ele nem me conhecesse direito, como se ele tivesse nojo de me tocar. – ela sussurrou a última parte, e um vinco começou a formar em sua testa – ele passa horas sozinho e nesses dias eu não o vejo sorrir, e isso me desespera. O sorriso dele é a coisa mais linda que existe – ela admitiu, com um olhar sem-graça.


 Lílian e Sasha sorriram.


 - E ontem ele começou a ficar daquela maneira de novo, e eu decidi que dessa vez ele me contaria o que estava acontecendo e porque ele ficava assim. Se fosse disconfiança, era só falar! E se ele não gosta mais de mim também, é só... terminar comigo – ela falou, com um nó na garganta – e fui tirar satisfações com ele.


 - E... – Sasha pediu que ela prosseguisse.


 - Bem, ele ficou furioso. Disse que aquele era o jeito dele e sempre fora, e que se eu não gostasse dele assim que fosse à merda e não o procurasse mais porque ele precisava de alguém que o aceitasse. – e franziu as sobrencelhas delicadas – eu queria ter gritado que se eu não gostasse dele já teria desistido há tempos e também queria ter dado uma bofetada na cara dele, só para ele ver o que é bom.


 - Peraí, você queria? Mas não fez nada? – Lílian deduziu.


 - Não. Eu fiz a coisa mais estúpida que poderia fazer. – ela se lamentou – abaixei a cabeça e murmurei que eu não conseguiria viver com alguém que não fosse ele.


 Sasha riu.


 - Não foi estúpido. Foi melhor do que você ter dito que não queria que ele te procurasse mais nem pintado de ouro.


 Gloria arregalou os olhos para ela.


 - O que aconteceu?


 - Eu e Sirius.


 - Brigaram?


 - Terminamos.


 - Droga... não terminamos. Depois disso ele me abraçou bem rápido e me deixou sozinha, sem falar nada. Eu não entendo. Não sei por que Remo faz isso comigo...


 - Talvez não seja algo que ele queira. – Lily chutou, sabia muito bem das épocas de Remo mas ao mesmo tempo não queria deixar Gloria pensando que o motivo era ela.


 - Como assim?


 - Eh, talvez ele esteja apenas estressado com os estudos. – Sasha ajudou.


 - É... talvez. Mas nós sempre estudamos juntos. – ela apressou-se em dizer – eu sei que ele não gosta que eu converso enquanto ele está lendo alguma coisa então eu fico quieta. Também não o atrapalho em nada quando está escrevendo, porque ele é lerdo para escrever...


 - Remo? Ele escreve super rápido! – protestou Lily, incrédula.


 - Eu escrevo mais – ela falou, sem qualquer vestígio em sua voz de que estava se auto-estimando – mas isso não é motivo, sinceramente...


 Lílian passou o braço por cima do ombro de Gloria, e disse:


 - Bem, ele te abraçou... então vai ficar tudo bem. Só dê alguns dias a ele. – a ruiva piscou.


 - Tudo bem... acho que é mesmo o que ele precisa. – ela resolveu, embora seu tom ainda fosse de lamento.


 - Um tempo – completou Sasha – para botar as coisas no lugar. Não temos só momentos bons sempre, não é?


 Gloria concordou com um sorriso fraco e segurou a mão que a morena estendeu.


 - A gente tem parado de se ver – Gloria falou com a voz baixa. – quer dizer, eu e vocês.


 - Desde aquele rolo com o Potter. – Lily assentiu.


 - É que você tem se exilado com Remo – Sasha riu.


 - Não... é que está acontecendo alguma coisa e vocês não querem me contar. – Gloria falou, e um leve tom de tristeza estava impregnado em sua voz.


 Sasha e Lílian se entreolharam, sem acreditar. Tantas coisas estavam acontecendo que Gloria não sabia. Ela não sabia do segredo. Não sabia de Remo. Não sabia das suspeitas. Não sabia do envolvimento dos sonserinos e muito menos da família Black e de Snape. Não sabia que Voldemort tinha mais haver com Hogwarts do que a maioria – senão todos – alunos daquela escola pensavam. E mesmo assim, sentiam que Gloria era um caminho, uma parte, um pedaço delas que faltava. As quatro (incluindo Alice) estavam praticamente inseparáveis antes.


 - Bem... há muitas coisas, Glory – Sasha falou sinceramente. Mentir não ia adiantar, tamanha era a certeza na voz da amiga.


 - Tudo bem se não quiserem contar – ela falou – eu sei que deve ser algo sério. Muito sério. Sério demais.


 - Realmente sério. – Lílian concordou, rindo.


 - Então acho que se eu merecer, algum dia vão me contar – ela falou, e levantou-se bruscamente, assustando Lílian. – e agora, como meu papel de monitora está voltando lentamente a se ativar... é melhor que voltem para o salão comunal da Grifinória nos próximos cinco segundos ou vão se encrencar! – ela puxou o pulso de Lílian para ver a hora – porque são dez e meia!


 Sasha e Lílian correram pelo corredor, acenando para a amiga. Se sentiam mais leves, Sasha principalmente. Depois de terminar o namoro com Sirius, deveria estar se sentindo péssima, e sabia que quando colocasse a cabeça no travesseiro, se lembraria de tudo e choraria de raiva de novo, mas por enquanto era melhor aproveitar o momento com a ruiva. Pelo menos agora eram só elas duas.


 Quando entraram no salão comunal, Sasha sabia que a melhor coisa a fazer seria partir direto para a cama de dossel e se enterrar lá, sem se demorar no salão, porque aquilo traria... digamos, más lembranças ou boas demais. Mas seus planos foram indiferentes quando ela entrou e encontrou apenas quatro marotos largados envolta da lareira, que crepitava para afastar o frio leve da noite de primavera. Thiago pulou do sofá e correu em direção à ela, ignorando Lílian, que ficou parada na escada olhando-os.


 - Olá, amiguinha – ele cumprimentou, abraçando-a, e Sasha não soube se aquele amiguinha era falso ou não, mas correspondeu pois não parecia para ela.


 - Olá, Thiaguinho – desdenhou.


 Thiago afastou-se e lançou uma olhadela para os amigos. Sirius nem movera a cabeça na poltrona, e ainda fitava o fogo que refletia em seus olhos cinzas. Cinzas. Sasha estremeceu, mas acenou com a mão quando Remo lhe sorriu. Rabicho parecia curioso, empoleirado aos pés de Sirius.


 - Então, tudo na paz? – Pontas puxou assunto – pode dizer à sua amiga que tenho que conversar com você à sós?


 Lílian bufou na escada, quando Sasha acenou para ela, e sumiu degraus acima.


 - Ótimo... – Sasha caminhou até a janela do lado oposto da lareira, tentando ficar o mais longe possível dos outros, pois sabia qual era o assunto que Thiago tinha a tratar.


 - Como está se sentindo? – ele perguntou, encostando-se na janela ao lado dela.


 Seus olhos castanho-esverdeados e sinceros fez com que ela se envergonhasse pela conversa que tivera há minutos com a ruiva, na qual impusera total sigilo às suspeitas sobre os vampiros e Tom, pois não podia desconfiar daquele garoto, nem daqueles olhos, nem daquele calor humano que emanava de seus poros. Ela suspirou.


 - Péssima. E você?


 - Mais ou menos igual. Mas estou assim há tempos, então não importa tanto. – ele respondeu, e seu olhar correu para os jardins lá fora, na escuridão.


 - Na verdade importa sim – Sasha falou, corrigindo-o.


 - Se importasse você não ia passar por mim como se nem me conhecesse. – ele falou – assim como a sua amiga.


 - Quer dizer o nome dela, por favor?


 - Pra quê? Ela não consegue dizer o meu. Me esqueci do nome dela.


 - Thiago, dá um tempo! Ela nem sabia que a culpa era de Amos, estávamos indo avisar e...


 - Desculpe, Sasha, mas este assunto não me interessa mais – a sua voz embargada denunciou que interessava, sim – além do mais, estou em outra há tempos.


 - Outras, pelo que sei... e há duas semanas, pois antes estava em uma só.


 - O que ela diz sobre isso? – ele perguntou, e seus olhos adquiriram um brilho de repente – não que eu me importe.


 - Ah, claro – ela riu fracamente – bem... eu não sei de verdade, porque ela também não gosta muito de falar sobre isso, mas ela está muito bem. Ah, Merlin, o que eu estou falando, ela não está bem. Mas sente sua falta. Está na cara dela.


 Thiago meneou a cabeça lentamente, fixando os olhos no nada, assim como Lily fizera há alguns minutos no corredor do espelho. O espelho. Diabos... agora se lembrava. Como pudera ser tão desligada? O mesmo espelho! Pelo qual se passava se quisesse. Se soubesse. Suspirou, sabendo que não fazia mais parte daquele mundo de descobertas fascinantes e incrivelmente discretas. Ah, eram tantas mudanças em um só dia!


 - Que bom para ela, porque eu não estou sentindo nem um pouco de saudade.


 Sasha virou-se para olhá-lo.


 - Ótimo. Só falta você se convencer disso.


 Thiago fixou seus olhos nos dela.


 - Eu estou convencido. – falou convictamente, e se Sasha não o conhecesse diria que estava, mesmo.


 Ela riu para si mesma.


 - Ok...


 - Mas não foi sobre ela que eu vim falar com você, droga. – ele falou, bagunçando os cabelos mais do que era preciso.


 - Sobre o que era então?


 - Sirius está transbordando raiva. – ele falou, num sussurro – e tristeza. Eu nunca o vi assim em toda a minha vida. Não parou de falar de você e do seu ataque de nervos desde que o encontrei esta tarde.


 - Huum.


 - Não finja desinteresse! – ele acusou.


 - Não estou fingindo nada.


 - Então pare. Não estou tentando fazer você ficar com dó dele. Eu... te entendo.


 Sasha olhou-o, confusa. Afinal, ele estava ali para defender Sirius ou estava ali para... conversar? Sacudiu a cabeça.


 - Me entende?


 - Sim... bem, depois de todas aquelas coisas. Mesmo que não estivéssemos namorando, como vocês estavam. A raiva que eu passei foi maior do que qualquer uma que eu tenha sentido na vida. – admitiu com a voz baixa – então entendo. Mesmo que Sirius seja inocente.


 - Inocente? – ela repetiu, ironicamente.


 - Sah... eu sei como ele se sente em relação à você, e sabia em relação à Bertha quando eles namoravam. Pode ter certeza, a mais absoluta do mundo, não, do universo, da galáxia, que eram sentimentos totalmente diferentes – ele falou, ainda sussurrando para não ser ouvido – com Bertha era um fogo... era quase infantil, o jeito que eles namoravam. Não sei, mas acho que ele se apaixonou por ela porque ela podia ser chamada de garota mais linda da escola e a que menos achava que era. – falou.


 Sasha suspirou... exatamente. Bertha era o tipo de Sirius, não ela. Não a sensível chorona e ridícula que podia mudar de forma se quisesse. Não a ciumenta. Não. Era Bertha. Sem que percebesse, seus olhos já marejaram com estes pensamentos e ela desviou-os para que Thiago não visse. Tarde demais... ele segurou seu queixo e virou seu rosto para olhá-la nos olhos, para que ela ouvisse as suas palavras e principalmente escutasse.


 - Ouça... eu sei que com você foi diferente. Com você ele amadureceu, Sasha. Eu conheço Sirius desde que ele era apenas um moleque idiota que tentava levantar a saia das meninas, e nunca o chamei de homem em toda a minha vida. Até você aparecer.


 As palavras sinceras de Thiago tocaram Sasha e uma lágrima escorreu em sua bochecha branca, traçando um caminho brilhante e cruzando sua bochecha rosada. Ela franziu os lábios:


 - Tão homem que nem vem falar comigo. – sussurrou.


 - Ele está com raiva dele mesmo. Está se odiando por ter feito o que fez e você mais do que ninguém deve saber que ele não vai vir falar com você, porque você terminou tudo, e o tamanho do orgulho dele... bem... – ele deu um risinho, passando o polegar na bochecha de Sasha para limpar a lágrima, e a garota o acompanhou – ele acha que você o odeia.


 - Ele nem tentou falar comigo, Thiago. – ela protestou, sentindo que as sobrancelhas formavam um arco – ele nem veio me explicar. Tudo bem que eu estava nervosa...


 - Eu não estou aqui tentando mudar a sua decisão, você sabe o que faz – ele falou, erguendo as mãos como um refém – estou aqui dizendo que te entendo, mas te mostrando o que você está fazendo na realidade. Não pense que ele é um monstro e... tudo bem que ele é feio demais e eu não entendo o que te atrai nele...


 Sasha riu.


 - Mas isso é coisa de ponto de vista. Entende?


 A garota fez que sim, limpando as lágrimas no rosto com a palma da mão.


 - Me desculpe por ter me afastado de você – ela pediu – eu não queria isso. Gosto muito de você.


 Thiago levantou uma das sobrancelhas e aproximou-se, esticando seus braços para ela em um abraço de urso no qual ela se confortou rapidamente.


 - Amigos de novo, então? – ele perguntou, afagando suas costas.


 - Pra sempre. – ela falou, fechando os olhos.


 Não sabia o quanto poderia contar à Thiago sobre tudo, tudo mesmo, mas agora mais do que nunca aquele abraço foi o que mais a reconfortou depois de tudo que aconteceu naquela tarde. De repente sentiu-se exausta. Disse à ele que estava cansada e ia dormir, e ele concordou, e ainda continuou na janela quando ela seguiu para a escadaria. Sasha murmurou um “boa noite, meninos” quando passou por eles, e os três a olharam, mas o único olhar que ela encontrou foi o cinza de Sirius, sob os longos cílios negros, e arrastou-se escada acima segurando-se para não correr de volta e pular no colo daquele maroto, pedindo desculpas por tudo. O seu orgulho... bem, era muito maior.


 Tomou um banho, e depois de trocada, conferiu novamente seus poderes de metamorfógama. Fazia tanto tempo que não fazia aquilo que divertiu-se por alguns instantes, no escuro, ouvindo o sono profundo das amigas atrás das cortinas vermelhas aveludadas. Quando deitou-se, o sonho veio como um caçador, espreitando-a e encurralando-a, e quando chegou, ele se misturava em um misto de mistério, raiva e lenda. Tom estava em seus sonhos. Ele guiava um exército de vampiros, que, sob as capas pretas e olhares sombrios e os caninos enormes saindo da boca, olhavam para ela com raiva e sede. Depois um deles se aproximava perigosamente e ela percebeu que era Sirius, e ele inclinava-se para em seu pescoço, sentindo o seu cheiro, e depois murmurou no ouvido dela que a amava e não importava quem diabos ela pensava que era. Por um momento parecia que eram apenas os dois, e ela fechou os olhos para sentir o calor de seus lábios em seu pescoço. Mas quando abriu os olhos, avistou Bertha Jorkins na multidão sanguinária olhando-a através dos olhos quase transparentes com mais fúria do que todos os outros vampiros e tentou se esquivar de Sirius, mas era tarde demais... ele cravou os dentes na sua carne e ela se contorceu em seus braços. Sasha acordou com o cabelo grudando na testa. Olhou para o relógio de cabeceira, ofegante, e ainda eram duas da manhã. O castelo jazia sobre um silêncio quase mortal.


 Encostando a cabeça no travesseiro macio e fofo, teve certeza de que não conseguiria dormir de novo.


 


 


*****


 


 


 Aquela não foi a última noite em que a insônia corroeu as noites de Sasha, deixando-a cansada e irritada pelo resto do dia. Na próxima semana, e na outra, as matérias para os exames pareciam se acumular gradativamente, enquanto Lílian também parecia se estressar e os professores impunham tarefas cada vez mais a eles, mas pelo menos a ruiva conseguia dormir. Sasha sentia seu corpo estressado durante todo o dia, os olhos sobre olheiras roxas e a pele mais amarelada do que nunca. Não entendia porque não conseguia dormir. Quando o sono parecia que voltaria à sua vida, ele vinha tão ríspido e hostil que a fazia lembrar-se de várias coisas desagradáveis. Os vampiros. As lembranças com Tom. Mas fora essas, alguns sonhos podiam ser qualificados como os que ainda a faziam levantar-se no outro dia para mais uma guerra contra si mesma e o mundo. Os sonhos com Sirius Black. Ansiava por dormir – e talvez fosse por isso que não dormisse – apenas para que um certo garoto, com os olhos azuis muito claros a puxasse de surpresa em algum corredor, agarrando-a em alguma sala escondida, acariciando com as mãos quentes e firmes cada centímetro de pele de seu corpo enquanto sussurrava o nome de Sasha com paixão. Mas estes sonhos eram raros. E os dias foram se tornando impossíveis.


 Lílian e Gloria estavam estudando como loucas na biblioteca, e Sasha estava começando a pensar que elas tinham se enganado, que já estavam no sétimo ano e que aqueles seriam os últimos exames de suas vidas e tinham que ter as melhores notas. Em compensação, ficar na biblioteca com elas era quase um refúgio. Snape sempre estava lá, e Sirius nunca estava. Além disso, podia procurar pela misteriosa poção da eternidade...


 - Eu não acho que Gotas de Trevas vá cair nos exames, Sasha – a voz de Snape feriu-lhe os ouvidos, muito próxima à sua nuca, e ela deixou o livro cair ao assustar-se. – Desculpe – pediu, pegando o livro para ela rapidamente.


 - Não foi nada... eu estava distraída – ela falou, tornando a procurar a página da poção, mesmo que ela não tivesse muito haver com a que procurava.


 - O que está procurando?


 - Como sabe que estou procurando alguma coisa?


 - Não me responda com outra pergunta.


 - Se eu quiser, eu respondo. – bufou.


 - Teimosa – ele xingou, sentando-se na mesa ao lado dela.


 Diabos... ele tinha que chamá-la justo de teimosa? Só por que Sirius tinha esse costume idiota? Como se a teimosa fosse ela, é claro.


 - Então? Não vai me dizer?


 - Descubra você mesmo. – ela provocou.


 - Suas amigas não estão olhando de uma maneira muito agradável para nós... então eu diria que está procurando alguma poção das trevas mas não é para estudar, é de interesse próprio.


 Sasha estreitou os olhos para ele:


 - O que minhas amigas têem haver?


 - É isso, não é?


 - Sim... mas isso não te interessa.


 - Ui. Eu só estava tentando conversar – falou, abaixando a cabeça com desânimo.


 - Desculpe... estou um pouco nervosa esses dias. – pediu sinceramente. Brigar com um amigo agora não parecia a melhor coisa a se fazer.


 - Não tem problema. – ele falou, mesmo que um tom de ironia ainda fizesse sua voz – não precisa contar.


 - Ótimo, eu não vou. – ela falou, rindo-se.


 Severo revirou os olhos.


 - Tenho que ir estudar. A gente se vê? – perguntou, parecendo esperançoso.


 - Espero que não. – ela falou, rindo, e ele acompanhou seu riso enquanto se afastava.


 


 ...

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