Karkarrof X Negulesco





Capítulo vinte: Karkaroffe e Negulesco


Está na hora de começar minha vida nova, decidiu Hermione.


Mas que tipo de vida? Passei de uma vitima inocente e ingênua para uma... uma
o quê? Uma ladra - simplesmente isso. Ela pensou em Joe Romano, Anthony Orsatti,
Perry Pope e o Juiz Lawrence. Não. Uma vingadora. É isso o que me tornei. E
talvez uma aventureira. Ela fora mais esperta do que a polícia, dois vigaristas
profissionais e um joalheiro traidor.


Pensou em Ernestine e Amy, e sentiu uma pontada de saudade. Num súbito
impulso, foi a F.A.O. Schwarz e comprou um teatro de marionetes, completo, com
meia dúzia de tipos. Mandou despachar para Amy.


O cartão dizia: ALGUNS NOVOS AMIGOS, PARA VOCÊ. SINTO SAUDADE. AMOR HERMI.


Ela foi em seguida a um peleteiro na Madison Avenue, comprou um boá de raposa
azul para Ernestine e remeteu, junto com uma ordem de pagamento de 200 dólares.
O cartão dizia apenas:


OBRIGADA, ERNIE. HERMIONE.


Todas as minhas dívidas estão pagas agora, pensou. Era uma sensação
agradável. Estava livre para ir a qualquer lugar que quisesse, fazer o que bem
lhe aprouvesse.


Resolveu comemorar sua independência hospedando-se numa Suíte da Torre, no
Helmsley Palace Hotel. De sua sala de estar, no quadragésimo sétimo andar, podia
ver a Catedral de St. Patrick e a Ponte George Washington, à distância. Somente
a poucos quilômetros dali, em outra direção, ficava o terrível lugar em que
vivera recentemente. Nunca mais, jurou Hermione.


Ela abriu a garrafa de champanha que a gerência mandara para a suíte e sentou
para beber, contemplando o sol se pôr sobre os edifícios de Manhattan. Quando a
lua surgiu no céu, Hermione já tomara uma decisão. Iria para Londres. Estava
pronta para todas as coisas maravilhosas que a vida tinha a oferecer.


Paguei minhas dívidas, pensou Hermione. Mereço um pouco de felicidade.


Deitou na cama e ligou a televisão para assistir ao último noticiário. Dois
homens estavam sendo entrevistados.


Igor Karkaroff era um deles. Vestia um termo marrom malfeito, e Hermione
ainda se surpreendia dele estar vivo. Soubera na época da guerra que ele era um
dos traidores mais procurados por Voldemort.


Pietr Negulesco era alto e magro, de aparência elegante. Hermione se
perguntou o que os dois homens poderiam ter em comum.


- Onde será realizada a partida de xadrez? - perguntou o locutor.


- Em Sotchi, no lindo Mar Negro - respondeu Karkaroff.


- Ambos são grandes mestres internacionais e esta partida tem despertado o
maior interesse, senhores. Em partidas anteriores, arrebataram o título um do
outro. A última partida foi um empate. Sr. Negulesco, o Sr. Karkaroff detém o
título atualmente. Acha que poderá conquistá-lo novamente?


- Claro - respondeu o romeno. - Ele não tem a menor chance - garantiu o
búlgaro.


Hermione nada sabia de xadrez, aliás era uma coisa que sempre perdera em
Hogwarts, e Rony e Harry adoravam vê-la perder. "Pare por ai!" ordenou a si
mesma. Pensar em Rony ainda doía e em Harry a fazia querer rir loucamente. Era
ótimo ter enganado o menino-que-sobreviveu!


Voltando a atenção para a tela, Hermione viu que havia uma arrogância nos
dois homens extremamente desagradável. Ela apertou o botão do controle remoto
que desligava o aparelho de televisão e foi dormir.


Na manhã seguinte, bem cedo, Hermione foi a uma agência de viagens e reservou
uma Suíte no Signal Deck do Queen Elizabeth II. Estava tão excitada como uma
criança com a sua primeira viagem ao exterior e passou os três dias seguintes
comprando roupas e malas.


Na manhã da partida, Hermione alugou uma limusine para levá-la ao píer.
Quando chegou ao Píer 90, na esquina da Rua 55 com a décima segunda Avenida,
onde o navio estava atracado, deparou com uma multidão de fotógrafos e
repórteres de televisão.


Por um momento, foi dominada pelo pânico. Mas logo compreendeu que tinham ido
ali para entrevistar os dois homens posando na base da prancha de embarque -
Karkaroff e Negulesco, os dois grandes mestres internacionais. Hermione passou
por eles, mostrou seu passaporte a um oficial do navio e subiu para bordo.


No convés, um camareiro verificou a sua passagem e conduziu-a a seu camarote.
Era uma suíte maravilhosa, com um terraço particular. Saíra absurdamente cara,
mas Hermione concluiu que valeria a pena.


Ela arrumou suas coisas e depois saiu para o corredor. Havia festas de
despedida em quase todos os camarotes, com risos, champanha e conversas.


Ela sentiu uma repentina pontada de solidão. Não havia ninguém para se
despedir dela, ninguém com quem ela se preocupasse, ninguém para se preocupar
com ela.


Isso não é verdade, disse Hermione a si mesma. Big Bertha me quer. E ela riu
alto.


Subiu para o convés superior, sem perceber os olhares de admiração dos homens
e os invejosos das mulheres lançados à sua passagem. Ouviu o som de um apito
rouco de navio e gritos avisando:


- Vamos zarpar! Todos que não viajarão devem desembarcar!


Ela foi dominada por um intenso excitamento. Partia rumo a um futuro
completamente desconhecido. Sentiu o navio estremecer, quando os rebocadores
começaram a puxá-lo para fora do porto.


Ficou na amurada, junto com incontáveis outros passageiros, contemplando a
Estátua da Liberdade desaparecer lentamente, depois saiu para explorar o navio.


O Queen Elizabeth II era uma cidade, com quase 300 metros de comprimento e 13
andares de altura. Tinha quatro restaurantes, seis bares, dois salões de baile,
duas boates e um "Balneário Dourado ao Mar". Havia dezenas de lojas, quatro
piscinas, um ginásio, um pequeno campo de golfe, uma pista de corrida.


Talvez eu nunca mais queira deixar este navio, pensou Hermione divertida.


Ela reservara uma mesa no Princess Grill, que era menor e mais elegante do
que o restaurante principal. Mal se sentara quando uma voz familiar disse:


- Ora, ora, você aqui!


Hermione levantou os olhos e lá estava Harry. Oh, não, eu não mereço isso,
pensou.


- Mas que surpresa agradável! Importa-se que eu me sente com você?


- Claro que me importo.


Ele se instalou numa cadeira diante dela e presenteou-a com um sorriso
cativante.


- Você está linda Mione. A voz dele era calma e com uma entonação tão forte
que Hermione realmente acreditou naquilo. Os olhos verdes dele também lhe diziam
isso.


- Obrigada. Disse só por dizer.


- Podemos voltar a ser amigos, Mione. Afinal, ambos estamos aqui pelo mesmo
motivo, não é mesmo?


Hermione não tinha a menor idéia do que ele estava falando.


- Escute aqui, Sr. Potter...


- Não Mione - ele disse suavemente. - Sou Harry, não se lembra?


- O nome não importa.


Hermione começou a se levantar.


- Espere um momento. Explicarei tudo sobre a última vez em que nos
encontramos.


- Não há nada a explicar. Uma criança idiota poderia ter calculado tudo... e
foi o que aconteceu.


- Eu devia um favor a Fudge. - Ele sorriu tristemente. - E receio que ele não
tenha ficado muito feliz comigo.


Lá estava o mesmo charme insinuante e infantil que a enganara completamente
antes. "Pelo amor de Deus, Dennis, não há necessidade de algemá-la. Ela não vai
fugir". Hermione disse, com evidente hostilidade:


- Eu também não estou feliz com você. O que faz a bordo deste navio? Não
deveria estar numa barca do Mississipi?


Ele riu.


- Com Draco Malfoy a bordo, o navio vira uma barca do Mississipi.


- O que?


Ele fitou-a surpreso.


- Ora, deixe disso. Está querendo dizer que realmente não sabe?


- Não sei o quê?


- Malfoy, Mione é um dos homens mais ricos do mundo. Seu hobby é forçar
empresas concorrentes a fecharem. Adora cavalos lentos e mulheres rápidas,
possui uma porção de ambos. É o último dos grandes perdulários.


- E você tenciona aliviá-lo de um pouco desse excesso de riqueza.


- Mais do que um pouco, para dizer a verdade. - Ele a fitava com uma
expressão especulativa. - Sabe o que você e eu deveríamos fazer?


- Claro que sei, Sr. Potter. Deveríamos nos despedir para sempre.


Ele permaneceu sentado, observando, enquanto Hermione se levantava e saía do
restaurante.


Ela jantou em seu camarote. Enquanto comia, perguntou-se qual o azar que
pusera Harry novamente em seu caminho.


Queria se esquecer do Harry seu amigo, do garoto que tinha honra e faria tudo
para salvar o mundo. E somente se lembrar do idiota, imbecil que a fizera sentir
o pavor no trem, quando pensava que estava presa. Mas não vou deixar que ele
estrague esta viagem. Pensou resoluta! Simplesmente o ignorarei.


Hermione subiu para o convés superior depois do jantar. Era uma noite
fantástica, com um dossel mágico de estrelas se espalhando contra o céu
aveludado. Ficou parada ao luar, na amurada, contemplando a suave fosforescência
das ondas e escutando os sons do vento noturno, quando ele veio se postar ao seu
lado.


- Não faz idéia de como está linda parada aqui. Acredita em destino?


- Claro. O que não acredito é em você.


Hermione começou a se afastar.


- Espere um instante. Tenho notícias para você. Acabei de descobrir que o Sr.
Malfoy não está a bordo, no final das contas. Cancelou a viagem no último
minuto.


- Ora, mas que pena! Desperdiçou a sua passagem.


- Não necessariamente. - Ele tornou a fitá-la com uma expressão especulativa.
- Gostaria de ganhar uma pequena fortuna nesta viagem?


O homem é incrível.


- A menos que tenha um submarino ou um helicóptero no bolso, não creio que
possa partir impune, se roubar alguém a bordo.


- E quem falou em roubar alguém? Que você já ouviu falar de Karkaroff eu sei,
e de Pietr Negulesco?


- E se já ouvi?


- Karkaroff e Negulesco, estão a caminho da Rússia para uma disputa do
campeonato. Se eu der um jeito para você jogar com os dois, poderemos ganhar
muito dinheiro. É um golpe perfeito.


Hermione estava incrédula.


- Se puder arrumar para eu jogar com os dois? É esse o seu golpe perfeito?


- Exatamente. O que acha?


- Eu adoraria. Só há um pequeno problema.


- Qual é?


- Eu não sei o quanto você se lembra, mas minha memória é boa: EU NÃO SEI
JOGAR XADREZ, HARRY!


Ele sorriu com vitória. E Hermione se recriminou por tê-lo chamado pelo
primeiro nome.


- Claro que me lembro e não tem importância. Eu lhe ensinarei.


- Você é louco. Se nem mesmo com Rony que era muito bom eu consegui
aprender... quer um conselho, procure imediatamente um bom psiquiatra. Boa
noite.


Na manhã seguinte, Hermione esbarrou literalmente em Igor Karkaroff. Ele
corria pelo tombadilho quando ela virou um canto, esbarrou nela e derrubou- a.


- Olhe para onde vai! - resmungou Karkaroff, continuando a correr.


Hermione ficou sentada no chão, olhando para ele. Um camareiro aproximou- se.


- Está machucada, madame? Eu o vi...


- Não se preocupe. Estou bem, obrigada.


Ninguém estragaria aquela viagem.


Quando voltou a seu camarote, Hermione encontrou seis recados para procurar
Harry. Ignorou-os. Nadou à tarde, leu, fez uma massagem. Ao entrar no bar, ao
cair da noite, a fim de tomar um coquetel antes do jantar, sentia-se
maravilhosa. Mas a euforia foi de curta duração. Pietr Negulesco, o romeno,
estava sentado no bar. Quando viu Hermione, ele levantou-se e disse:


- Posso lhe oferecer um drinque, linda dama?


Hermione hesitou, depois sorriu.


- Aceito, obrigada.


- O que gostaria de tomar?


- Uma vodca com tônica, por favor.


Negulesco fez o pedido ao barman e tornou a virar-se para Hermione.


- Sou Pietr Negulesco.


- Sei disso.


- Claro. Todo mundo me conhece. Sou o maior jogador de xadrez do mundo. E sou
um herói nacional no meu país. - Ele inclinou-se para Hermione, pôs a mão em seu
joelho - E sou também uma grande foda.


Ela achou que entendera mal.


- Como?


- Sou uma grande foda.


A primeira reação de Hermione foi jogar o drinque na cara dele, a segunda de
azará-lo com a varinha, mas controlou-se. Tinha uma idéia melhor.


- Com licença - disse ela. - Tenho de me encontrar com um amigo.


Ela foi procurar Harry. Encontrou-o no Princess Grill. Mas quando se adiantou
para a sua mesa, percebeu que ele jantava com uma loura atraente. Eu deveria ter
imaginado, pensou Hermione. Ela virou-se e afastou-se pelo corredor. Harry
estava a seu lado um momento depois.


- Mione... você queria me falar?


- Não quero afastá-lo do seu... jantar.


- Ela é a sobremesa - disse Harry, jovialmente - O que posso fazer por você?


- Falava sério sobre Karkaroff e Negulesco?


- Absolutamente sério. Por quê?


- Acho que ambos precisam de uma lição de boas maneiras.


- Eu também acho. E ganharemos dinheiro enquanto lhes damos a lição.


- Ótimo. Qual é o seu plano?


- Você vencerá os dois no xadrez.


- Estou falando sério.


- Eu também.


- Já lhe disse que não sei jogar xadrez. Não sei distinguir um peão de um
rei. Eu...


- Não se preocupe - prometeu Harry. - Basta um par de lições minhas e você
acaba com os dois.


- Os dois?


- Não lhe falei ainda? Jogará com os dois simultaneamente.


Harry estava sentado ao lado de Karkaroff no Double Down Piano Bar.


- A mulher é uma enxadrista fantástica - confidenciou Harry ao idiota. -
Viaja incógnita.


O búlgaro soltou um grunhido.


- As mulheres nada sabem de xadrez. Não são capazes de pensar.


- Pois esta pode, e ela diz que pode vencê-lo facilmente.


Igor Karkaroff soltou uma gargalhada.


- Ninguém pode me vencer... Facilmente ou não.


- Ela está disposta a apostar dez mil dólares que pode jogar com você e Pietr
Negulesco ao mesmo tempo e conseguir um empate, pelo menos com um dos dois.


Karkaroff engasgou-se com seu drinque.


- O quê? Isso... Isso é absurdo! Jogar com os dois ao mesmo tempo? Esta...
Esta mulher amadora?


- Isso mesmo, por dez mil dólares cada.


- Eu deveria aceitar só para dar uma lição à idiota estúpida.


- Se você ganhar, o dinheiro será depositado em qualquer país que escolher.


Uma expressão gananciosa se insinuou no rosto do russo.


- Nunca sequer ouvi falar dessa mulher. E jogar com nós dois simultânea
mente! Ela deve ser louca.


- Ela tem vinte mil dólares em dinheiro.


- E qual é a nacionalidade dela?


- Americana.


- Ora, isso explica tudo. Todos os americanos ricos são doidos, especialmente
as mulheres.


Harry começou a se levantar.


- Bem, acho que ela terá de jogar somente com Pietr Negulesco.


- Negulesco jogará com ela?


- Isso mesmo. Não lhe contei? Ela queria jogar com os dois, mas se você está
com medo...


- Com medo? Igor Karkaroff com medo? - A voz do russo era um rugido. - Eu a
destruirei! Quando essa partida ridícula ocorrerá?


- Ela pensou que poderia ser na sexta-feira. A última noite da viagem.


Igor Karkaroff pensava rapidamente.


- Melhor de três?


- Não. Apenas uma partida.


- Por dez mil dólares?


- Correto.


O búlgaro suspirou.


- Não tenho tanto dinheiro comigo.


- Não há problema - garantiu Harry - Tudo o que a Senhorita Granger realmente
quer é a glória de jogar contra o grande Igor Karkaroff. Se você perder, dá a
ela um retrato autografado. Se ganhar, leva dez mil dólares.


- Quem fica com as apostas?


Havia um tom de suspeita na voz do búlgaro.


- O comissário de bordo.


Karkaroff olhou bem para Harry, abaixou o tom de voz e perguntou:


- Sem magia, não é? Não sou idiota Harry, e se ver um isso de magia - ele
aproximou o indicador do polegar até sobrar somente um pequeno espaço - vou
fazer um escândalo do tamanho da comunidade mágica do seu país!


- Claro que não Karkaroff. A srta. Granger nem mesmo é bruxa!


- Muito bem - decidiu Karkaroff. - Sexta-feira à noite. Começaremos às dez
horas, pontualmente.


- Ela ficará satisfeita.


Na manhã seguinte, Harry conversou com Pietr Negulesco no ginásio, onde ambos
se exercitavam.


- Ela é americana, hem? - disse Pietr Negulesco. - Eu devia ter imaginado que
todos os americanos são doidos.


- Ela é uma grande enxadrista.


Pietr Negulesco fez um gesto desdenhoso.


- Grande não é o suficiente. Melhor é o que conta. E eu sou o melhor.


- É por isso que ela está tão ansiosa em jogar contra você. Se você perder,
dá a ela um retrato autografado. Se vencer, recebe dez mil dólares em
dinheiro...


- Negulesco não joga com amadoras.


- Depositados em qualquer país que quiser.


- Não há a menor possibilidade.


- Nesse caso, acho que ela terá de jogar somente contra Igor Karkaroff.


- Como? Está dizendo que o merdan concordou em jogar contra essa mulher?


- Exatamente. Mas ela tinha a esperança de jogar contra os dois
simultaneamente.


- Nunca ouvi falar de nada tão... tão... - Negulesco, titubeou, a palavra lhe
faltando. - A arrogância! Quem é essa mulher que pensa que pode derrotar os dois
maiores enxadristas do mundo? Ela deve ter escapado de algum hospício.


- Ela é um pouco excêntrica - reconheceu Harry - mas seu dinheiro é bom.


- Você disse dez mil dólares para derrotá-la?


- Isso mesmo.


- E Karkaroff recebe a mesma quantia?


- Se ele a vencer.


Pietr Negulesco sorriu.


- Ora, ele vai vencê-la. E eu também.


- Aqui entre nós, eu não ficaria absolutamente surpreso com isso.


- Quem ficará com as apostas?


- O comissário de bordo.


Por que o merdan deveria ser o único a tirar o dinheiro daquela mulher?,
pensou Pietr Negulesco.


- Negócio fechado, meu amigo. Onde e quando?


- Na noite de sexta-feira. às dez horas. Na Sala da Rainha. - Pietr Negulesco
sorriu gananciosamente.


- Estarei lá.


- Está querendo dizer que eles concordaram? - murmurou Hermione.


- Exatamente.


- Acho que vou vomitar.


- Pegarei uma toalha molhada.


Harry correu para o banheiro da suíte de Hermione, molhou uma toalha e levou
para ela. Hermione estava deitada na espreguiçadeira. Ele pós a toalha em sua
testa.


- Como se sente?


- Horrível. Acho que terei uma enxaqueca.


- Já teve enxaqueca antes?


- Nunca.


- Então não terá uma agora. É perfeitamente natural ficar nervosa antes de
uma coisa assim, Mione.


Ela levantou-se de um pulo, jogou a toalha no chão.


- Alguma coisa assim? Nunca houve nada assim. Jogarei com dois mestres
internacionais do xadrez depois de receber uma única lição do jogo de você e...


- Duas - corrigiu-a Harry. - Você possui um talento natural para o xadrez.


- Oh, Deus, por que deixei que você me metesse nisso?


- Porque vamos ganhar muito dinheiro.


- Não quero ganhar muito dinheiro - lamuriou-se Hermione. - Quero que este
navio afunde! Por que não podemos estar no Titanic? E não me chame de Mione.
Você não é meu amigo.


- Basta ficar calma, Mione - disse Harry, suavemente. - Vai ser...


-... Um desastre! Todos neste navio estarão observando.


- Não é isso exatamente o que estamos querendo? - comentou Harry radiante.


Harry combinara tudo com o comissário de bordo. Entregara-lhe as apostas - 20
mil dólares em Cheques de viagens - e pedira que reservasse as duas mesas de
xadrez para a noite de sexta-feira. A notícia espalhou-se rapidamente pelo
navio. Os passageiros começaram a abordar Harry para indagar se as partidas
ocorreriam mesmo.


- Claro - assegurou Harry a todos que perguntaram. - É uma coisa
inacreditável. A pobre Senhorita Granger acredita mesmo que pode vencer. E está
até apostando nisso.


- Será que eu poderia fazer uma pequena aposta? - indagou um passageiro.


- Claro. Tanto dinheiro quanto quiser. A Senhorita Granger pede apenas uma
vantagem de dez para um.


Uma proporção de um milhão para um teria feito mais sentido. Desde o momento
em que a primeira aposta foi aceita, as comportas se abriram. Parece que todos a
bordo, inclusive os homens da casa de máquinas e os oficiais do navio, queriam
apostar nas partidas. As quantias variavam de cinco a cinco mil dólares e todas
as apostas eram no russo e no romeno.


O desconfiado comissário de bordo resolveu alertar o comandante.


- Nunca vi nada parecido, senhor. Parece um estouro da boiada. Quase todos os
passageiros apostaram. Devo estar guardando no mínimo duzentos mil dólares em
apostas.


O comandante fitou-o em silêncio por um momento, com uma expressão pensativa.


- Diz que a Senhorita Granger vai jogar com Karkaroff e Negulesco ao mesmo
tempo?


- Exatamente, comandante.


- Já confirmou que os dois homens são mesmo Pietr Negulesco e Igor Karkaroff?


- Claro, senhor.


- E não há qualquer possibilidade de eles perderem as partidas
deliberadamente?


- Não com seus egos, senhor. Acho que eles prefeririam morrer. E se perderem
para essa mulher, é provavelmente o que acontecerá quando voltarem para suas
terras.


O comandante passou os dedos pelos cabelos, o rosto franzido em perplexidade.


- Sabe alguma coisa sobre a Senhorita Granger ou esse Sr. Potter?


- Absolutamente nada, senhor. Até onde posso determinar, eles viajam
separadamente.


O comandante tomou a sua decisão.


- Parece alguma espécie de vigarice e normalmente eu não permitiria que
continuasse. Contudo, acontece que também gosto de xadrez. E se há uma coisa em
que eu apostaria a minha vida é no fato de que não há possibilidade de trapacear
no xadrez. Vamos deixá-los jogar. - Ele foi até sua mesa e pegou uma carteira
preta de couro. - Aposto cinqüenta libras para mim. Nos mestres.


Às nove horas da noite de sexta-feira, a Sala da Rainha se encontrava
apinhada de passageiros da primeira classe, os que haviam se esgueirado da
segunda e terceira classe, os oficiais do navio e tripulantes que se achavam de
folga. A pedido de Harry Potter, dois lugares haviam sido reservados para o
torneio. Uma mesa de xadrez fora armada no centro da Sala da Rainha e a outra no
salão adjacente. Havia cortinas arriadas para separar os dois lugares.


- É para que os jogadores não sejam distraídos um pelo outro - explicou
Harry. - E gostaríamos também que os espectadores não saíssem da sala que
escolhessem.


Cordas de veludo foram estendidas em torno das duas mesas, a fim de conter as
multidões. Os espectadores estavam prestes a testemunhar algo que certamente
nunca mais tornariam a ver.


Nada sabiam a respeito da linda e jovem americana, a não ser que seria
impossível para ela - ou para qualquer outra pessoa - jogar contra os grandes
Negulesco e Karkaroff simultaneamente e obter sequer um empate com qualquer dos
dois.


Harry apresentou Hermione aos dois grandes mestres pouco antes das partidas
começarem.


Hermione parecia uma pintura grega, num vestido Galano´s de chiffon verde
suave, que deixava um ombro a descoberto. Seus olhos pareciam enormes no rosto
pálido. Pietr Negulesco contemplou-a atentamente e perguntou:


- Venceu todos os torneios nacionais de que participou?


- Venci - respondeu Hermione, com absoluta sinceridade.


O romeno encolheu os ombros.


- Nunca ouvi falar a seu respeito.


Igor Karkaroff mostrou-se igualmente rude:


- Vocês, americanos, não sabem o que fazer com seu dinheiro. Eu gostaria de
agradecer-lhe antecipadamente. O ganho deixará minha família muito feliz.


Os olhos de Hermione eram de um castanho eletrizante. Incrível como ele não
se lembrava dela.


- Ainda não venceu, Sr. Karkaroff.


O riso de Karkaroff ressoou pela sala.


- Minha cara, não sei quem você é, mas sei quem eu sou... e eu sou o grande
Igor Karkaroff.


Eram 10 horas. Harry olhou ao redor e constatou que os dois salões se
apresentavam repletos de espectadores.


- Está na hora de as partidas começarem.


Hermione sentou-se à mesa, diante de Karkaroff, perguntando-se pela centésima
vez como se metera naquilo.


- Não há problema nenhum - garantira Harry. - Confie em mim. E ela, como uma
idiota, confiara. Devo ter perdido o juízo, pensou Hermione. Ela estava jogando
contra os dois maiores enxadristas do mundo e nada sabia do jogo, exceto o que
aprendera com Harry em quatro horas de aulas, e suas vagas lembranças do
colégio.


O grande momento chegara. Hermione sentia as pernas tremendo. Karkaroff
virou-se para a multidão em intensa expectativa e sorriu. Fez sinal para um
camareiro.


- Traga-me um conhaque. Napoléon.


Harry dissera a Karkaroff:


- A fim de ser justo com todos, sugiro que você jogue com as brancas e
comece. E na partida com o Sr. Negulesco, será a vez da Senhorita Granger jogar
com as brancas e começar.


Os dois grandes mestres haviam concordado.


Enquanto a audiência permanecia em silêncio, Igor Karkaroff inclinou-se sobre
o tabuleiro e fez a abertura do gambito da rainha, avançando por duas casas o
peão da rainha. Não vou simplesmente vencer esta mulher. Vou arrasá- la.


Ele olhou para a srta. Granger. Ela estudou o tabuleiro, acenou com a cabeça
e levantou-se, sem mover qualquer peça. Um camareiro abriu caminho através da
multidão para que Hermione se dirigisse ao segundo salão, onde Pietr Negulesco
se encontrava sentado a uma mesa, esperando-a. Havia pelo menos cem pessoas no
salão quando Hermione sentou-se diante de Negulesco.


- Ah, minha pombinha! Já derrotou Igor?


Pietr Negulesco riu ruidosamente de seu gracejo.


- Estou trabalhando nisso, Sr. Negulesco - disse Hermione, calmamente.


Ela se inclinou para a frente, e deslocou por duas casas o peão da rainha.
Negulesco levantou os olhos e sorriu. Marcara uma massagem para dentro de uma
hora, mas planejava terminar aquela partida antes. Ele inclinou-se e deslocou
por duas casas o peão de sua rainha preta. Hermione estudou o tabuleiro por um
momento, depois levantou-se. O camareiro escoltou-a de volta a Karkaroff.


Hermione sentou-se à mesa e deslocou o peão de sua rainha preta por duas
casas. Ao fundo, percebeu o aceno de aprovação quase imperceptível de Harry.


Sem hesitação, Karkaroff deslocou por duas casas o peão do bispo da rainha
branca.


Dois minutos depois, à mesa de Negulesco, Hermione deslocou por duas casas o
seu peão do bispo da rainha.


Negulesco acionou por uma casa o seu peão do rei.


Hermione levantou-se e voltou ao salão em que Igor Karkaroff esperava.
Avançou uma casa o seu peão do rei.


Com que então ela não é uma total amadora!, pensou Karkaroff surpreso. Mas
vejamos o que ela faz com isto. Ele jogou o cavalo da rainha para a casa 3 do
bispo da rainha.


Hermione estudou o movimento, acenou com a cabeça, voltou a Negulesco,
repetiu o movimento de Karkaroff.


Com crescente espanto, os dois grandes mestres compreenderam que enfrentavam
uma brilhante oponente. Não importava quão espertos fossem os seus movimentos,
aquela amadora conseguia neutralizá-los.


Como estavam separados, Igor Karkaroff e Pietr Negulesco não tinham a menor
idéia de que, na realidade, jogavam um contra o outro. Cada movimento que
Karkaroff fazia contra Hermione, ela repetia contra Negulesco. E quando
Negulesco contra-atacava com esse movimento, Hermione usava-o contra Karkaroff.


No meio da partida os grandes mestres não estavam mais presunçosos. Agora
lutavam por suas reputações. Andavam de um lado para outro enquanto planejavam
seus movimentos, fumando furiosamente. Hermione parecia ser a única calma.


No começo, a fim de tentar terminar a partida rapidamente, Karkaroff tentara
um sacrifício de cavalo, a fim de permitir que seu bispo branco exercesse
pressão sobre o lado do rei preto. Hermione levara o movimento para Negulesco. O
romeno examinara o movimento cuidadosamente, depois recusara o sacrifício com a
cobertura do lado exposto. Quando Negulesco ofereceu um bispo, a fim de avançar
uma torre pela defesa branca, Karkaroff se recusou a aceitar, antes que a torre
preta pudesse abalar a sua estrutura de peões.


Não havia como deter Hermione. A partida vinha sendo travada há quatro horas
e nenhuma pessoa em qualquer das audiências se mexia.


Cada grande mestre tem na cabeça centenas de partidas jogadas por outros
grandes mestres. Foi quando aquela partida em particular se aproximava do final
que tanto Karkaroff como Negulesco, reconheceram a marca registrada do outro.


A sacana, pensou Karkaroff. Ela estudou com Negulesco. Ele lhe ensinou tudo.


E Negulesco pensou: Ela é protegida de Karkaroff. O merdan ensinou-a jogar.


Quanto mais eles lutavam contra Hermione, mais chegavam à conclusão de que
não havia como derrotá-la. A partida se aproximava do empate.


Na sexta hora de jogo, às quatro da madrugada, as peças em cada tabuleiro
estavam reduzidas a três peões, uma torre e um rei. Não havia como qualquer dos
lados vencer. Karkaroff estudou o tabuleiro por um longo tempo, depois respirou
fundo e meio sufocado, murmurou:


- Ofereço o empate.


Por cima do burburinho, Hermione respondeu:


- Eu aceito.


A multidão delirou.


Hermione levantou-se e atravessou a multidão para o salão ao lado. Quando se
sentava, Negulesco disse, a voz meio estrangulada:


- Ofereço o empate.


E a comoção do outro salão se repetiu. A multidão não podia acreditar no que
acabara de testemunhar. Uma mulher surgira do nada e obtivera um empate
simultaneamente com os dois maiores enxadristas do mundo. Harry apareceu ao lado
de Hermione e disse, sorrindo:


- Vamos embora. Ambos precisamos de um drinque.


Quando eles saíram, Igor Karkaroff e Pietr Negulesco ainda estavam arriados
em suas cadeiras, olhando apaticamente para seus tabuleiros.


Hermione e Harry sentaram-se a uma mesa para dois no bar do convés superior.


- Você esteve maravilhosa. - Harry riu. - Notou a expressão de Karkaroff?
Pensei que ele ia te azarar.


- Eu pensei que fosse ter um enfarte - murmurou Hermione. - Quanto ganhamos?


- Cerca de duzentos mil dólares. Receberemos do comissário de bordo pela
manhã, quando atracarmos em Southampton. Encontrarei com você para o café da
manhã no restaurante.


- Está bem.


- Acho que vou me recolher agora. Acompanharei você até seu camarote.


- Ainda não me sinto pronta para deitar, Harry. Estou excitada demais. Vá à
frente.


- Você foi uma autêntica campeã. - Harry inclinou-se e beijou-a de leve na
face. - Boa noite, Mione.


- Já lhe disse que meu nome é Hermione.


Harry apenas sorriu para ela. Desistindo por enquanto, Hermione disse
suavemente:


- Boa noite, Harry.


Ela observou-o se afastar. Ir dormir? Impossível! Fora uma das noites mais
fantásticas de sua vida. O búlgaro e o romeno haviam-se mostrado muito
confiantes, terrivelmente arrogantes.


Harry dissera: "Confie em mim"... e ela confiara. Não tinha ilusões sobre o
que ele era. Um vigarista. Inteligente, divertido e esperto, uma companhia
agradável e ex-melhor amigo. Mas é claro que ela nunca poderia se interessar a
sério por ele.


Harry estava a caminho de seu camarote quando encontrou um dos oficiais do
navio.


- Um grande espetáculo, Sr. Potter. A notícia sobre a partida já foi
transmitida pelo telégrafo. Prevejo que a imprensa estará à espera de vocês em
Southampton. É o agente da Senhorita Granger?


- Não. Somos apenas conhecidos de bordo - respondeu Harry, afavelmente.


Mas sua mente funcionava com rapidez. Se o ligassem a Hermione, poderia
parecer um golpe. Talvez até houvesse uma investigação. Ele resolveu recolher o
dinheiro antes que houvesse uma investigação.


Escreveu um bilhete para Mione: PEGUEI O DINHEIRO E ESTAREI À SUA ESPERA PARA
UM CAFÉ DA MANHÃ DE COMEMORAÇÃO NO SAVOY HOTEL. VOCÊ ESTEVE MAGNÍFICA. HARRY.
Ele pôs o bilhete num envelope fechado e entregou a um camareiro.


- Por favor, entregue isto à Srta. Granger pela manhã, o mais cedo possível.


- Pois não, senhor.


Harry foi para a sala do comissário de bordo.


- Lamento incomodá-lo, mas atracaremos dentro de poucas horas e sei como
estará ocupado então. Sendo assim, importa-se de me pagar agora?


- Claro que não. - O comissário sorriu. - A moça é realmente extraordinária,
não é mesmo?


- É sim.


- Se não se importa que eu pergunte, Sr. Potter, onde ela aprendeu a jogar
xadrez assim?


- Soube que ela estudou com Ronald Weasley.


O comissário tirou do cofre dois envelopes pardos grandes e ficou na mesma.
Afinal quem era o tal de Weasley?


- É muito dinheiro para se andar por aí. Não preferia que eu lhe desse um
cheque pela quantia?


- Não precisa se incomodar. Posso perfeitamente ficar com o dinheiro. Será
que se importaria de me fazer um favor? O barco de correspondência vem ao
encontro do navio antes de atracarmos, não é mesmo?


- Exatamente. Estamos esperando-o às seis horas da manhã.


- Eu agradeceria se pudesse providenciar para que eu partisse no barco de
correspondência. Minha mãe está gravemente doente e eu gostaria de encontrá- la
antes... - Ele fez uma pausa e baixou a voz para acrescentar... Antes que seja
tarde demais.


- Oh, lamento profundamente, Sr. Potter. E é claro que posso dar um jeito.
Falarei com o pessoal da alfândega.


Eram 6:15 da manhã quando Harry Potter, os dois envelopes pardos
cuidadosamente guardados em sua mala, desceu a escada do navio para o barco de
correspondência. Ele virou-se para lançar uma última olhada aos contornos do
enorme navio, pairando acima.


Os passageiros do transatlântico ainda dormiam profundamente. Harry estaria
no cais muito antes que o Queen Elizabeth II atracasse.


- Foi uma bela viagem - comentou Harry para um dos tripulantes do barco de
correspondência.


- Foi mesmo - concordou uma voz.


Harry virou-se, sua Mione estava sentada num rolo de corda, os cabelos
flutuando suavemente em torno de seu rosto.


- Mione! O que está fazendo aqui?


- O que acha que estou fazendo?


Ele percebeu a expressão no rosto dela.


- Ei, espere um pouco! Não pensou que eu fosse fugir de você, não é mesmo?


- Por que eu pensaria assim?


O tom dela era irônico.


- Deixei um bilhete para você, Mione. Ia encontrá-la no Savoy e...


- Claro que ia - disse ela, incisivamente. - Você nunca desiste, não é mesmo?


Ele fitou-a e nada mais tinha a dizer.


Em sua suíte, no Savoy, Hermione observava atentamente, enquanto Harry
contava o dinheiro.


- Sua parte dá cento e um mil dólares.


- Obrigada.


O tom dela era gelado.


- Está enganada a meu respeito, Mione. E gostaria que me desse uma chance de
explicar. Quer jantar comigo esta noite?


Ela hesitou por um instante depois assentiu.


- Está bem.


- Ótimo. Virei buscá-la às oito horas.


Quando Harry chegou ao hotel naquela noite e pediu para falar com a srta.
Granger, o recepcionista informou:


- Lamento muito, senhor. A Srta. Granger deixou o hotel esta tarde. E não
deixou seu novo endereço.


Ela não cofia mais em mim. Pensou Harry amargurado.



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