Tudo que vai, volta

Tudo que vai, volta



Lílian, Julie, Erica e mais duas garotas que dividiam o dormitório do sexto ano com elas (Alice Hollinger e Laura Dywer) acordaram assustadas com a revoada de corujas que invadiu o dormitório no dia seguinte pela manhã: todas com bilhetes lilás amarrados às patas, todos endereçados à mesma pessoa e todos dizendo a mesma coisa: Evans, quer ir ao baile comigo?
- Eu não acredito! – Disse Lílian, de queixo caído, ao conferir que todos os papéis continham a mesma mensagem.
- Nem nós – Falou Alice, enquanto desamarrava o bilhete de uma das corujas. – Você tem idéia de quem te mandou isso tudo?
- Tiago Potter – Exclamaram juntas Erica e Julie, pois Lílian parecia simplesmente não querer admitir esse fato, e ainda balançava a cabeça, incrédula, revirando os papéis como se esperasse encontrar algo de diferente entre eles e jogando um ou outro para o alto. Alice soltou um gritinho de animação.
- Será que o Potter finalmente se amarrou em alguém? – Exclamou Laura, parecendo espantada. Ela era, reconhecidamente, uma das pessoas mais fofoqueiras de Hogwarts.
- Não digo que se amarrou, mas que ele está empenhado em levá-la para o baile, ah sim, ele está – Julie sorriu, e Lílian lançou um olhar mais incrédulo ainda a ela.
- Eu não acredito – Repetiu ela.
- Você nunca acredita, Lílian – Falou Erica, pressurosa. – O baile é daqui a duas semanas, você tem tempo de sobra para decidir se vai aceitar ou não.
- Eu NÃO vou aceitar – Disse Lílian, mas ficou claro que isso era mais para ela mesma do que para Erica.
- Sabe, Lílian, não há nada de mais em ir ao baile com ele – Opinou Laura, que já havia sido o par de Tiago num baile a uns dois anos atrás. – Ele é um ótimo par, dança bem, beija bem, coisas do tipo. E depois do baile sempre convida o par dele para sair depois.
- É lógico que você não precisa começar a sair com Tiago depois do baile – apressou-se Julie em dizer, lançando um olhar feio a Laura. – Você só vai acompanhá-lo a um baile, Lílian! Botar uma roupa bonita, dançar, comer alguma coisa e pronto!
Mas o comentário de Laura pareceu decididamente ter deixado Lílian mais distante da opção de ir ao baile com ele. Não se imaginava andando de braços dados com ele em um traje de gala, nem dançando com ele, muito menos dando nele um beijo de boa noite ao final da festa. Tentou até visualizar essa última situação, e o fracasso da sua imaginação fez até uma leve curiosidade surgir dentro dela. Como seria beijar Tiago Potter? No mínimo bizarro, pensou, considerando que ela o odiava. Mas até que não o odiava tanto assim, ele estava se tornando menos insuportável. E até que realmente ele era bonito, como as meninas costumavam falar (e ela fazia questão de discordar). É, ele estava começando a parecer interessante demais.

As três desceram para tomar café, e de cara, os únicos lugares que haviam sobrado nas duas únicas mesas do Salão Principal eram perto dos marotos; o castelo estava realmente cheio, por causa dos ataques de Voldemort. Julie e Erica ocuparam prontamente dois lugares entre Remo e Sirius, deixando apenas o lugar ao lado de Tiago para Lílian, que as encarou, profundamente sem graça. Para a surpresa dela, Tiago estava totalmente apático, sequer levantou o olhar da sua tigela de cereais e continuou mudo como uma pedra, mesmo enquanto Sirius e Erica começaram a discutir sobre quadribol.
- Porque Tiago está assim? – Sussurrou Julie a Remo, que estava afastado o suficiente do amigo para responder sem problemas a pergunta. Remo olhou para ela como se estivesse surpreso que ela tivesse lhe dirigido a palavra, e não fingiu que não a ouviu como costumava fazer.
- O avô dele... morreu essa noite – Respondeu ele, pesaroso. – Ele ficou sabendo hoje, sabe. Estamos dando uma força, mas foi um baque enorme... Eles eram muito próximos.
- E ele sabe... Como aconteceu?
- Foi um comensal da morte. O avô de Tiago era um auror.
Julie estava acostumada a ouvir notícias de morte, desde que Voldemort começara a atacar. Ataques durante as férias, morte de alunos e suas famílias, dias de luto, pessoas chorando pelos corredores ao saber que suas famílias tinham sido atacadas, medo. Principalmente medo. Por trás de toda a segurança da escola havia uma tensão imensa que pairava – os alunos começaram a ter mais aulas de Defesa contra a arte das trevas, havia especulações sobre o fechamento de Hogwarts. A fase inicial dos ataques de Voldemort – na qual a maioria das famílias de sangue puro o apoiavam na iniciativa de purificar a raça bruxa – já havia passado. A maioria dos alunos permanecera no colégio nas férias de natal, que era o lugar mais seguro no momento, mas ninguém sabia até quando.
Mas Remo parecia não querer comentar muito sobre a morte do avô de Tiago; detestava visivelmente o assunto morte.
- Mudando um pouco o assunto, Julie... Será que eu posso falar com você sobre uma coisa? – Sussurrou ele rapidamente, e foi a vez de ela encará-lo, surpresa. Remo nunca, em seis anos de Hogwarts, havia começado um assunto com ela.
- Lógico – Disse ela, levantando uma sobrancelha. Remo inclinou a cabeça um pouco para certificar-se de que Sirius não o observava e então ele continuou, torcendo as mãos:
- Você... hm... lógico que eu vou entender se você não quiser, mas... aliás, é bem provável que alguém já tenha te convidado, porque você é popular na escola...
Julie não o apressou, enquanto ele dava voltas e voltas para chegar no assunto que realmente queria falar com ela. Contentou-se em observá-lo e demorou-se olhando a cicatriz dele no pescoço, que agora estava com um aspecto melhor, embora a sua marca ainda permanecesse lá.
- Enfim – Falou ele, e percebendo que ela olhava a cicatriz, abaixou a cabeça – Eu gostaria de te convidar para... hã... ser meu par no baile, mas eu sei que você não vai aceitar, então não faz diferença nenhuma.
O coração dela deu um salto inadvertidamente e ela não precisou fazer esforço nenhum para sorrir.
- Faz toda a diferença – Falou ela. – Eu aceito. - E sentiu que estava corando e que estava fazendo uma cara muito estúpida. Droga, Julie, pensou imediatamente e a solução que achou para não parecer idiota demais na frente de Remo foi voltar a prestar atenção nas torradas à sua frente. Mas até as torradas pareciam mais bonitinhas agora.

- Recebeu os bilhetes, Evans? – Perguntou Sirius, numa tentativa clara de fazer Tiago reagir.
- Infelizmente – Falou ela automaticamente, sem olhá-lo. - O dormitório infestado de corujas, francamente... como se isso realmente fosse mudar minha opinião em relação a uma pessoa arrogante...
Tiago se levantou bruscamente e saiu da mesa, quase derrubando sua tigela em cima de Lílian. O tempo praticamente fechou-se na mesa; os sorrisos de Sirius, Pedro, Erica (que aparentemente já havia sido noticiada sobre a morte do avô de Tiago), Julie e Remo desapareceram, e Lílian percebeu que tinha falado demais. Julie mexeu os lábios dizendo “Porque você disse isso?” e Sirius lançou um olhar totalmente detestável a ela.
- Qual o seu problema, Evans? – Ralhou ele, se levantando também.
- Mas... eu... – Falou Lílian, tentando se explicar.
- Ele não é a pessoa que você pensa que ele é, está bem? – Falou ele, cortando-a – E existem coisas muito mais importantes na vida dele do que simplesmente encher seu saco. – E saiu atrás de Tiago, atraindo alguns olhares curiosos enquanto passava pisando firme.
Lílian olhou desanimada para seu prato.
- O avô dele morreu ontem, Lílian, e Tiago mandou as corujas antes de saber – Informou Remo meio a contra-gosto, também parecendo extremamente aborrecido com a garota. – E o Sirius tem razão, sabe. É muito egoísmo seu pensar que ele vive para atazanar a vida dos outros e principalmente a sua. Você não conhece Tiago.
- Eu não queria ter dito aquilo! Simplesmente... saiu... Quer dizer... não era a minha intenção... ora, que vocês querem que eu faça? Eu não sabia de nada! – Defendeu-se ela.
- Peça desculpas então – Falou Erica.
- Desculpas a Tiago Potter? – Exclamou ela, incrédula.
- Por acaso ele é o garoto que você acabou de fazer sair correndo daqui por causa de um comentário infeliz – Disse Julie, repreendendo-a, e Lílian demorou, mas acabou concordando.
- Em Hogsmeade eu falo com ele.
- Ele não vai para Hogsmeade hoje – Falou Remo. – Vai ficar no castelo... por vontade própria.
- Ok, eu também fico então – Exclamou Lílian, e quando Erica levantou as sobrancelhas, surpresa, ela continuou: - Eu também tenho que... hã... terminar algumas coisas da decoração de Natal. Já estava pensando em não ir mesmo.
Erica sorriu e falou “Ah, sim”. Lílian nunca iria admitir que ia ficar no castelo apenas para dar desculpas a Tiago, era típico dela. Assim como Tiago, era demasiado orgulhosa, e não ia admitir que estava confraternizando com o inimigo, de uma hora para a outra.
Ela observou os alunos que deixavam Hogwarts em direção ao povoado, e voltou para dentro do castelo em seguida, pois fazia um frio incrível do lado de fora. Resolveu procurar Tiago e acabar com aquela história logo. Mas ele simplesmente não parecia estar em lugar nenhum do castelo.
Até foi ao dormitório masculino, abriu a porta devagar, mas não havia ninguém lá dentro. De repente ela foi tomada por uma súbita curiosidade e começou a observar o quarto como se fosse um lugar extremamente importante.
Passou por todas as camas desarrumadas e por todas as meias no chão, até chegar à cama de colunas de Tiago. Era óbvio que era de Tiago, havia uma vassoura encostada a um canto e suas coisas eram as mais bagunçadas. Lílian se perguntou se conseguiria conviver com alguém assim pacificamente: ela era extremamente metódica. Havia roupas penduradas desde o dossel da cama até embaixo dela, os materiais estavam jogados de qualquer jeito a um canto. Na mesinha de cabeceira, algumas bugigangas que certamente ele comprara na Zonko’s, algumas fotos da família, o temido envelope preto que ele recebera pela manhã e uma foto que ela lembrava de ter sido tirada no início desse ano letivo: ela entediada, encostada na moldura, enquanto Sirius abraçava Julie e Remo lançava olhares muito melancólicos aos dois; Erica e Tiago discutindo debruçados sobre uma maquete de um campo de quadribol, e Pedro entre os dois, ouvindo calmamente. Ela repôs a foto no lugar e demorou-se contemplando o chão – porque garotos têm que ser tão avessos à limpeza?, pensou. Mas seu olhar se deteve numa coisa jogada e quase invisível entre um monte de meias.
Havia um pergaminho jogado no chão. Lílian, a curiosidade falando muito alto agora, se sentou na cama, o alcançou e começou a procurar algum escrito nele. Nada. Cutucou o papel com a varinha, mas nada apareceu – era só um pergaminho velho, então. Mas quando ela foi depositá-lo no lugar onde estava antes, algumas palavras começaram a aparecer no pergaminho.
O Sr. Aluado deseja um ótimo dia à Srta. Evans e recomenda que ela não mexa mais nas coisas dos outros.
O Sr. Almofadinhas acrescenta que a Srta. Evans é honrada demais para ter acesso a esse pergaminho.
O Sr. Rabicho afirma que gostaria que a Srta. Evans tentasse arrumar um encontro entre ele e Erica Stebbins.
O Sr. Pontas gostaria de dizer que a Srta. Evans é a garota mais bonita de Hogwarts e adoraria sair com ela qualquer dia desses, desconsiderando, é lógico, o fato de que ela o odeia.
Seu estômago pulou quando ela leu a última frase, quase felicitando a si mesma por ter visto aquele pergaminho ali. Sentiu um peso estranho no coração. Sabia quem era cada um naquele pergaminho, e mesmo que não soubesse, adivinharia pelo modo como cada um escreve.
No meio da ação de recolocar o pergaminho onde ele estava, Tiago apareceu, escancarando a porta, e seu rosto se contraiu num misto de surpresa e desprezo. Ela automaticamente largou o pergaminho no chão e levantou as mãos. Tiago olhou sua cara de espanto e deu um sorriso desdenhoso.
- Vasculhando as minhas coisas para ver se tem algo que possa ser confiscado? Não, Evans, você não vai achar.
- Eu não estava vasculhando – Respondeu Lílian, ofendida. – Eu...
- Então o que está fazendo aqui, sentada na minha cama? – Retrucou ele, e Lílian automaticamente levantou-se, pisando sem querer no pergaminho. - Sabe, eu também não costumo receber visitas no quarto. Se você quiser fazer o favor de se retirar...
- Eu não vou me retirar até eu dizer o que eu tenho que dizer a você – Disse Lílian, abaixando as mãos e começando a ficar irritada, mas o grito que Tiago deu foi o suficiente para ela passar de aborrecida a receosa.
- Eu NÃO quero ouvir, Evans! Eu já estou mal o suficiente sem você ficar me dando sermão, me xingando pela escola ou qualquer coisa do tipo! Eu não quero saber de você, Evans! – Tiago parecia decididamente nervoso agora, de um jeito que Lílian nunca vira antes, e ela reconheceu saindo da boca dele as mesmas palavras que ela dissera a ele no dia anterior. Tiago passou a mão pelos cabelos, suspirou e falou, sem gritar: – Se você quiser reclamar de mim, do meu comportamento, sei lá, faça isso outro dia, hoje não, ok? Meu dia já está ruim o bastante.
Tiago agarrou a vassoura sem olhar para Lílian, saiu e bateu a porta do dormitório. Ela definitivamente estava se sentindo mal agora. Perguntou-se se era isso que ele sentia toda vez que ela gritava com ele daquela maneira.


- Não acredito que você vai sair com esse cafajeste de novo! – Falou Julie, batendo na mesa.
A exclamação quase chorosa de Julie não pegou Erica de surpresa. As duas estavam sentadas no Três Vassouras, a uma mesa de distância de Remo, Sirius e Pedro. Elas não se importavam em falar baixo; o bar estava tão lotado que ninguém realmente notaria o assunto do qual elas tratavam.
- É apenas um encontrinho de nada – Falou Erica, sem se abalar com o comentário da amiga. Ela virou-se para Julie. – Olha, você sabe muito bem que não há nada concreto entre eu e ele.
- Ele é um canalha, Erica, e você sabe disso. Como você pode se sentir atraída por um poço de artes das trevas? – Julie revirou os olhos.
- Eu sempre acabo com os caras errados – Constatou Erica, infeliz. – Mas não é como se eu fosse me casar com ele, Julie. Só vou encontrar com ele mais uma vez. Só isso. E assuma, ele é bonito.
- Eu sei que ele é, mas simplesmente não compensa – Resmungou Julie, enquanto tomava um gole de cerveja amanteigada. Erica olhou feio para ela, mas não disse nada. Olhou rapidamente para o relógio e se levantou, apreensiva, arrumando as vestes.
- Ok, hora de ir. Encontro você na hora de voltarmos, então?
- Tenho alguma escolha? – Julie reclamou, com uma expressão deprimida. – Hogsmeade é totalmente inútil quando se está sozinha. Vou passar o dia todo sentada nesse bar, enchendo a cara de cerveja amanteigada. – E fez uma cara inconfundível de uma pessoa bêbada. As duas caíram na risada.
- Você supera esse trauma, eu garanto – Brincou Erica. – E pela vontade de outras pessoas... você nunca vai estar sozinha. – E lançou um olhar furtivo à mesa dos garotos. Foi a vez de Julie lançar um olhar pouco amigável a ela. Erica sorriu para ela e saiu do bar.
Julie encostou a cabeça no vidro ao lado da mesa; não estava brincando quando disse que Hogsmeade não tinha graça nenhuma se estivesse sozinha. Erica estava em um encontro com Evan Rosier (um garoto alto e magro, mas definitivamente charmoso da Sonserina), Lílian no castelo, e ela nem cogitava a possibilidade de se juntar a Alice e Laura, que acabavam de entrar animadíssimas e cheias de sacolas no bar. Tampouco sentia vontade de sentar-se com Sirius, Remo e Pedro. Pagou sua cerveja amanteigada a Rosmerta e saiu vagando pela cidadela. Parou apenas para pegar a sua roupa para o baile, que já havia sido encomendada há séculos numa costureira na qual ela sempre mandava fazer seus vestidos. Odiava comprar vestidos prontos em lojas, eles nunca ficavam bons.
Parou à frente da Casa dos Gritos e sentou-se numa grande pedra coberta pela neve. Inevitavelmente seu pensamento correu para o acontecido com o avô de Tiago. Temia pela vida de Gideão, Fábio, Molly, do cunhado e dos sobrinhos, dos pais. Voldemort sempre procurava seguidores entre as famílias tradicionais como as dela, mas tinha certeza que nenhum de seus irmãos ia ceder. Não saberia como agir se um deles morresse pelas mãos de Voldemort. Era simplesmente uma coisa que não poderia acontecer nunca, não com ela. Ela não estava preparada para um impacto desses na vida.
Ela ouviu passos fofos na neve e virou-se. Os três rapazes vinham andando e não pareciam tê-la notado. Sirius vinha um pouco mais à frente, parecia aborrecido com algo. Remo e Pedro vinham logo atrás, num silêncio absoluto.
- Você tá bem, Almofadinhas? – Perguntou Pedro, num tom tão temeroso que parecia que ele esperava que Sirius lhe batesse.
- Tô ótimo – Respondeu Sirius, entre dentes.
- Sirius, eu... – Começou Remo.
- Tudo bem, Remo – Sirius falou, com violência. – Tá tudo ótimo. Olá, Julie.
Seu tom de voz mudou prontamente do irritadiço para o agradável ao vê-la.
- Olá – Respondeu ela, como se não tivesse ouvido nenhuma palavra. – O que fazem por aqui?
- Viemos gritar um pouco na Casa dos Gritos – Falou ele, mas referindo-se claramente apenas a si mesmo, um traço da expressão nervosa reaparecendo. Remo e Pedro pararam ao lado de Sirius, e ele se moveu, como se a presença dos dois o incomodasse. – E você?
- Não tenho nada melhor para fazer – Suspirou.
Sirius olhou para a Casa dos Gritos, e deu um sorriso sinistro.
- Quer entrar aí? – E apontou a casa com a cabeça. Ela percebeu o olhar de Remo, indecifrável, em direção a ele, e o sorriso de Sirius apenas se alargou.
- Pode parecer besteira, mas eu não quero – Julie deu de ombros, a testa franzida. – Não arrisco, sabe.
- O que você tem a perder? – Sirius tinha um ar extremamente maroto, e ocasionalmente desviava os olhos de Julie para encarar Remo. Havia um clima muito estranho naquilo tudo. Julie olhou fixamente para Remo, mesmo que ele não correspondesse ao olhar; o jovem parecia extremamente pasmo. Estava claro para Julie que havia alguma coisa errada, e ela não ia se meter naquela situação. Sirius parara de encará-la e agora lançava um olhar desafiador e quase satisfeito a Remo. Pedro encarava os dois, nervoso, e torcia as mãos.
- Outro dia, talvez – Falou, lentamente, atraindo a atenção dos três. – Quando eu estiver pronta psicologicamente, você refaz o convite, ok? – E riu para Sirius. Ele retribuiu o sorriso, embora de um jeito meio torto e desconcertado.
- Estou com fome – Reclamou Pedro, totalmente inquieto, que parecia mais do que nunca querer pôr um fim àquela situação. – Preciso urgentemente ir na Dedosdemel.
- Ótima idéia, Rabicho – Remo comentou devagar, parecendo um pouco apreensivo. – Vamos, Sirius?
- Lógico – Respondeu o rapaz friamente, sem encará-lo. – Quer vir conosco, Julie?
- Adoraria – Sorriu ela, tentando amenizar o clima que pairava entre os dois. Levantou-se, passou um braço em torno do braço de Sirius e o outro em torno do de Remo (um parecendo mais tranqüilo e o outro repentinamente mais nervoso, respectivamente) e os três foram caminhando de volta para o coração do vilarejo, com Pedro apressado para alcançá-los.


As coisas foram voltando ao normal à medida que a semana passava. Tiago passou alguns dias fora, por causa do incidente com seu avô, e Sirius e Remo voltaram a se encarar normalmente e a fazer piadinhas idiotas um com o outro, o que já era um sinal bom, embora Julie não tivesse descoberto o que havia deixado Sirius tão aborrecido com o amigo.
Lílian percebera que Tiago, após o incidente no dormitório masculino, aparentemente concentrou seus esforços em fingir que ela não existia: Não lhe dirigia a palavra, não a olhava e parecia fingir que não ouvia quando alguém citava o nome dela em qualquer circunstância, o que atrapalhava muito no seu dever como monitora. Ela até admitiu internamente que sentia falta de Tiago aborrecendo um pouco sua vida (o que custara um esforço enorme de si mesma), mas esse sentimento de falta se prolongaria por mais algum tempo, já que Tiago não dava nenhum sinal de que a garota voltaria a ter algum valor para ele (por mais apelos que houvessem da parte de Erica e Julie).
Julie, por outro lado, percebera que Tiago estava realmente determinado a ir sozinho ao baile, uma vez que Lílian recusara seu convite. Quase sorriu de satisfação quando, numa noite na Sala Comunal, uma garota do quinto ano aproximou-se de Tiago convidando-o, e ele a recusou prontamente.
- Não, obrigado – Respondeu ele, esnobe.
- Aah, você já vai com alguém? – Guinchou a garota, sua voz muito fina sobressaindo-se à balbúrdia.
- Isso não é muito da sua conta, ou é? – Tiago deu um sorriso de desprezo. A garota se afastou, parecendo extremamente ofendida. Sirius, que vira a cena, sorrira abertamente.
- Cumprindo sua promessa, hein, Pontas? Não desistiu disso nem mesmo estando com raiva dela? – Disse ele, muito baixo, se sentando na poltrona vaga ao lado do amigo, e os dois começaram a sussurrar rapidamente e num tom que Julie não conseguia ouvir. Ela voltou-se para o retrato que acabara de abrir, a tempo de ver Erica entrar correndo e subir para o dormitório em prantos, depois de mais um encontro.
- Rosier babaca – Murmurou ela, e saiu disparada e preocupada atrás da amiga. Subiu correndo os degraus, e encontrou Erica tremendo, sentada em sua cama.
- Evan é um canalha – Começou ela, enxugando as lágrimas que persistiam em cair. Julie apenas confirmou com a cabeça; o que Erica menos precisava era de alguém ralhando com ela, até porque ela mesma admitiu que errara. – Você e Lílian estavam certas o tempo todo. Não vale a pena.
- O que aconteceu? – Perguntou Julie, muito séria.
- Ele me perguntou com quem eu ia ao baile, e eu disse que ia com Sirius, óbvio – Disse a garota, com o choro mais contido. – Ele começou a ralhar comigo, disse que eu não podia me juntar com gente como ele, era besteira fazer isso. E falou de todos vocês, que vocês sempre foram tolos o suficiente para escolher caminhos errados...
Ela suspirou profundamente.
- Eu puxei a varinha e falei para ele parar de insultar meus amigos... Evan disse que eu estava mostrando ser tão tola quanto vocês, e disse que seria necessário mais do que uma varinha para detê-lo... Que existiam coisas mais importantes do que ter a confiança de um monte de idiotas... Ele falou muita coisa para mim, Julie. Muita coisa que eu não estou acostumada a ouvir...
E Erica desabou no choro novamente. Julie sabia o quão sensível ela era, e não fez nada além de assentir com a cabeça. Erica desencostou a cabeça do ombro dela para encará-la com os olhos azuis totalmente inchados.
- Você já deve ter visto... aquela marca que aparece no céu quando Você-Sabe-Quem está por perto? – Julie assentiu com a cabeça novamente, com a testa franzida de surpresa. A história de Erica estava tomando um rumo diferente do qual imaginara. – Evan tem uma... idêntica... no pulso esquerdo.
- O quê? – Exclamou Julie, com um pulo.
- Ele me mostrou – Falou Erica, chorando sem parar. – Eu dava o mundo para não ter visto aquela marca desgraçada, mas ele levantou a manga e eu vi... Ele é um comensal, Julie... Há um comensal bem debaixo do nariz de Dumbledore – Erica disse tudo entre soluços, parecendo desesperada. Ela tinha pavor da marca. Todos no mundo bruxo tinham.
- Era de se esperar... – Murmurou Julie, chocada.
- Eu sei, mas nunca imaginei que ele realmente viraria... isso – Erica choramingou. – Eu realmente estava começando a gostar do Evan... Tinha esperanças de que ele mudasse um pouco...
- Você esperou demais dele – Julie abraçou a amiga. - Achar que Evan Rosier algum dia mudaria depois de uma vida toda entre as artes das trevas... Ele decidiu o futuro dele na hora em que aquela marca foi gravada nele, ninguém pode mudar isso.
Erica parecia muito decepcionada, não com Rosier, mas consigo mesma. Fechou os olhos e largou-se na cama.
- Eu fui muito idiota em pensar isso. Muito.
- Você não foi idiota, Erica – Sussurrou Julie, condescendente. – Você simplesmente é muito mais do que o Rosier merece. Alguém que escolhe o lado das trevas não pode ser digno de merecer nada.
Nenhuma das duas falou mais nada. Erica soluçou até adormecer; Julie, após algum tempo, vestiu seu pijama e ficou deitada na própria cama, olhando para o céu estrelado do lado de fora. Dera graças a deus por Erica ter descoberto que Rosier era um comensal. Não queria imaginar o que aconteceria se Erica não descobrisse a marca negra e continuasse se encontrando com ele. Erica era extremamente bondosa, tinha um bom coração, e isso a fazia ser facilmente manipulável; Ela nunca desconfiava de ninguém, e quando desconfiava, sempre achava que não poderia ser verdade.
Lílian entrou no dormitório, parecendo extremamente cansada.
- Lílian – Sussurrou Julie, sentando-se – Você não vai acreditar.
- Eu já não acredito – Falou ela um pouco alto demais. Julie levou o indicador à boca para que ela falasse mais baixo e apontou Erica. Lílian murmurou, sorrindo. - Eu não acredito que você e o Remo vão juntos ao baile e você não me contou!
- Não era disso que eu estava falando – Julie aborreceu-se, corando. – Bem... é... como você sabe?
- Ele acabou de me contar, todo feliz – Lílian riu.
- Ah... – Disse Julie, sem graça, porém se lembrando repentinamente do que tinha que falar à amiga. – Mas não vem ao caso. Erica foi a outro encontro com o Rosier hoje à noite.
Lílian bateu a mão na testa e sentou-se na própria cama, que era ao lado da de Julie.
- Ai, Erica... não acredito que ela fez isso de novo.
Julie contou-lhe rapidamente o que Erica havia dito, e ao terminar, Lílian estava com uma expressão pensativa.
- Lógico... é uma estratégia ótima de Você-Sabe-Quem... manter seguidores dele dentro da escola para deixá-lo a par de tudo o que acontece aqui – Ponderou Lílian temerosa, vagarosamente. – Devem haver mais deles na Sonserina... – E depois, com um tom urgente, levantou-se. - Alguém tem que saber disso, Julie! Eu vou contar ao Dumbledore agora mesmo!
Julie a agarrou pela mão e a fez se sentar novamente.
- Não, você não vai – Disse. – Quem tem que dizer isso a Dumbledore é a Erica. E só se ela quiser dizer. Prometa que você não vai dizer nada, Lílian.
Lílian soltou um muxoxo de resignação e assentiu com a cabeça. Julie era extremamente persuasiva quando queria. Lílian realmente não contou nada para ninguém, e Erica se sentia desprotegida demais para contar essa informação para o diretor. Acabou deixando esse fato no fundo da memória, e ele só aparecia em seus piores pesadelos.


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