Um convite recusado
O dia seguinte parecia fazer mais frio ainda. Lílian acordou cedo e foi cuidar de suas funções, porém Julie e Erica se deram ao luxo de dormir mais duas horas, até Erica ser acordada aos berros pelo seu despertador, obviamente encantado. O resto do time da Grifinória já estava reunido no campo coberto de neve quando as duas apareceram, bocejando.
- Onde você estava, Erin? – Gritou indignado Mario Stebbins, irmão de Erica e batedor do time.
- Não me chame de Erin, você sabe que eu odeio.
- Sono de beleza, Erica? – Caçoou Vanessa Grant, uma garota do sétimo ano. Ela era a capitã do time, tinha longos cabelos loiros e ares de arrogante.
- Belas bruxas adormecidas – Exclamou Tiago Potter, numa reverência exagerada.
– Nosso treino está atrasado em meia hora – Disse Vanessa, empurrando Tiago com um braço. – Suba nessa vassoura e se mostre útil, Stebbins.
- Se estou no time é porque eu me mostro útil, apesar de ter chegado atrasada no treino uma vez na vida, Grant – Respondeu Erica impaciente, subindo na vassoura e levantando vôo. Tiago jogou um beijo no ar para Julie e sorriu, antes de virar apenas um ponto vermelho no céu. A garota também sorriu; adorava Sirius e Tiago desde o primeiro ano. Não falava muito com Remo porque ele sempre estava calado demais, embora estivesse tentando estabelecer um diálogo decente com ele desde o ocorrido em sua casa (sem muito sucesso, pois ele sempre acabava ficando mudo ou saía de perto). E Pedro... bem, Pedro parecia ter medo dela, e ela não se preocupava muito em mudar essa situação.
- Ei, Julie!
Sirius acenou para ela da arquibancada; Remo estava ao seu lado, a cabeça baixa. Também tinham vindo ver o treino, e a chamaram para sentar junto a eles. Ela sentou-se uma fileira à frente dos dois, e virou-se para trás.
- Bom dia, garotos – Falou ela, sorrindo.
- Bom dia – Responderam os dois em uníssono, Sirius com um largo e encantador sorriso no rosto, Remo ainda com a cabeça baixa.
- Já soube do baile? – Perguntou Sirius, empolgado.
- É uma das vantagens de ser amiga da monitora – Respondeu Julie. – Está tudo bem com você, Remo?
- Sim – Mas ela teve certeza de que ele não estava falando a verdade, pelo tom de voz dele; Remo ainda mantinha a cabeça baixa. Sirius tossiu.
Um silêncio constrangedor pairou entre os dois, e enquanto isso, Sirius ficou em pé e berrou para Tiago alguma coisa como “Evans não está aqui, não precisa se exibir”, enquanto o rapaz fazia malabarismos na vassoura. Ele voltou a se sentar.
- E então, já tem um par? – Sirius perguntou a Julie e a garota balançou a cabeça negativamente.
- Vocês têm?
Remo também disse que não, mas mantinha a cabeça ainda baixa e aquilo começou a incomodar Julie. Ela tentou não prestar atenção nesse fato e virou-se para Sirius.
- Eu vou com Erica, como sempre. Ela me obrigou, como sempre. E eu vou me prestar a fazer esse sacrifício, como sempre – Disse ele com uma voz rouca e uma fingida expressão de amargura.
- Realmente um sacrilégio – Desdenhou Julie. – Que garoto não gostaria de ir com Erica Stebbins ao baile? Dá uma moral enorme. – E apoiou o queixo na mão, virando-se para olhar a amiga, que voava perto das balizas.
- Uma moral que só eu tenho, diga-se de passagem – Exibiu-se Sirius, mas logo perdendo o ar presunçoso, ao ver o olhar de censura de Julie. – Eu e Erica fazemos a alegria dos fofoqueiros de Hogwarts. Sempre tem alguém achando que nós namoramos. – E deu de ombros.
Era certo que a fama de Sirius na escola fora construída com um sobrenome, muitas notas boas e muita confusão. Mas Erica ficou conhecida por três fatos: o primeiro, por ter sido escolhida como artilheira da Grifinória, o que dava uma certa visibilidade à pessoa. O segundo, por ter realizado o feitiço sem varinha mais poderoso e de efeito mais duradouro executado por um aluno de Hogwarts. No seu terceiro ano, após seu primeiro jogo de quadribol, um grupo de alunos resolveu espiá-la no vestiário. Ela ficou tão envergonhada e furiosa que simplesmente todos os meninos num raio de 3 metros dali ganharam longas madeixas e feições femininas e permaneceram assim por exatas três semanas, quando finalmente seus cabelos começaram a reduzir de tamanho, resistindo a qualquer contra-feitiço. O terceiro fato, ainda no terceiro ano, foi uma votação promovida por alguns garotos do sexto ano para escolher a garota mais bonita de Hogwarts, e inesperadamente, ela foi eleita. Vanessa Grant e meia dúzia de garotas das outras casas ainda a odiavam por isso. Há dois anos ela era reeleita.
- Remo! Aí está você!
Lílian corria em direção à arquibancada, o longo cabelo balançando fortemente. O rapaz levantou o rosto para ver quem tinha o chamado, e finalmente Julie pôde ver: uma cicatriz, enorme, profunda e ainda não cicatrizada, cruzava o pescoço de Remo de um lado a outro. Parecia que aquele ferimento havia sido causado por algo ou alguém que queria machucá-lo seriamente. Remo estava pálido e parecia um tanto fatigado; as temporadas na casa de sua mãe pareciam deixá-lo cada vez pior. Ela se esforçou para não fazer nenhuma cara de espanto, mas foi impossível não franzir a testa.
- Preciso falar com você – Berrou Lílian, lá de baixo. – Pode descer aqui, por favor?
Remo levantou-se e desceu a arquibancada, deixando Sirius e Julie sozinhos. Ela pulou por cima da cadeira e sentou-se no lugar de Remo. Lílian deu um enorme sorriso para ela.
- O que aconteceu com o pescoço dele? – Perguntou ela, preocupada.
- Ah, você sabe... Criança é assim mesmo: desobedece e se machuca – Respondeu ele, gaiato, e Julie sorriu, embora a visão feia da cicatriz continuasse a preocupar.
Os dois olharam para o céu ao mesmo tempo, e viram Tiago desviar-se rapidamente de um balaço que ia o atacar enquanto ele olhava para baixo - “para Lílian”, corrigiu-se Julie. Tiago voou para perto de Erica, que segurava o pomo. Murmurou alguma coisa para a garota, que sorriu e lhe entregou a pequena bola.
- Com quem Tiago vai? – Perguntou.
- Ao baile? – Ele abafou uma risadinha. – Adivinhe. Tiago vai sozinho.
- Impossível – Zombou ela.
- Ele vai convidar a Evans antes, mas se ela não aceitar, o que é provável, ele prometeu não convidar mais ninguém e ir sozinho – Explicou Sirius. – Besteira, na minha opinião. Não acho que isso vá ajudar em alguma coisa entre os dois. Mas ele está disposto.
- Essa eu só acredito vendo – Sorriu Julie. – Ele gosta bastante da Lílian, não é?
- A Grifinória toda sabe – Sirius olhou para o alto. - O que Tiago pensa que está fazendo?
Tiago, parado no ar, agora fazia algo com o pomo de ouro que segurava, parecia estar enfeitiçando-o; segundos depois, o pomo voou até o lugar onde Lílian e Remo conversavam e pareceu ganhar vida própria: começou a gesticular, as asinhas fazendo as vezes de braços. A voz vinda do pomo falava freneticamente “Saia de perto do meu par, Aluadooo!”. Remo desatou a rir, assim como Julie, Sirius e todos do time da Grifinória. Erica batia palmas.
- Cresça, Potter! – Berrou Lílian, o rosto vermelho, e saiu pisando fundo na neve fofa. Tiago suspirou e fez um feitiço convocatório para que o pomo voltasse. Remo ergueu o polegar para ele, riu e gritou: “Pode deixar, Pontas, já vou arrumar outra”, e logo depois saiu atrás da garota. Lá de cima, Erica sorriu para Julie, as duas provavelmente pensando a mesma coisa: Tiago conseguira mexer com Lílian mais uma vez.
- Se eu não fosse com Erica, eu realmente gostaria de ir com você ao baile – Exclamou Sirius de repente. Julie não pôde deixar de fazer uma enorme cara de surpresa. Não esperava aquilo dele; ele sempre saía e andava com as meninas mais altas, esbeltas e bonitas de Hogwarts, inclusive as mais velhas, e ela simplesmente não se encaixava nesse padrão. Mas não perdeu a pose.
- Sério? Bom saber – Riu-se ela. – No dia em que Erica estiver namorando, eu assumo o lugar dela como seu par oficial.
- No dia em que eu estiver te namorando, você assume o lugar dela como meu par oficial – Sirius falou, piscando para ela, seu jeito de galã mais acentuado que nunca. Julie deu um sorriso. Adorava Sirius e esse charme que só ele tinha.
Sirius se aproximou dela e passou um dedo pela curva do rosto dela.
- Você é linda, sabia? – Ele levantou-se, ainda sorrindo. – Vou procurar Pedro, ele deve ter se enfiado em alguma toca por aí. Até, Julie.
Lílian despedira-se de Remo e caminhava rapidamente em direção ao Salão Principal para almoçar e encontrar o resto de suas amigas.
- Ei, Evans!
Ela fez uma enorme cara de desgosto ao reconhecer a voz de Tiago. Ele ainda estava com o uniforme de quadribol e trazia a vassoura apoiada no ombro, o mesmo ar atrevido de sempre. Ela parou, encarou-o e voltou a andar, totalmente indisposta para ouvi-lo. Se havia uma pessoa a qual ela tinha restrições, essa pessoa se chamava Tiago Potter: ele era bonito e engraçado sim, mas era também abusado, cruel, bruto e outros vários ‘atributos’. E Tiago parecia sempre tentar impressioná-la, porém ela recusava esse tipo de coisa vinda dele e sempre acabava com mais raiva e achando-o mais arrogante que nunca.
- Evans, é sério – Falou ele, um tom suplicante na voz.
- Veio se exibir de novo? Ou talvez fazer brincadeirinhas idiotas com o pomo? Não, obrigada, não estou disposta a ver. – Respondeu ela, insolente.
Tiago subiu em sua vassoura e voou até a frente de Lílian, forçando-a a parar.
- Não vim até aqui falar de mim – Disse ele, passando a mão pelo cabelo.
- Ótimo, é um grande progresso da sua parte. Continue assim. – Comentou ela, tentando seguir adiante, mas Tiago continuava a bloqueá-la com a vassoura qualquer que fosse a direção que ela tentava seguir. Lílian deu um gritinho impaciente e Tiago sorriu. Ela respirou fundo para se controlar; resolveu parar de andar e esperar que ele falasse.
- Fale logo – Falou ela friamente, as mãos nos quadris. – E é proibido andar de vassouras no corredor.
Tiago desceu da vassoura e começou a dar voltas ao redor de Lílian, a observando de cima a baixo.
- Escute, Potter, você é um cervo ou um abutre? – Disse Lílian, impacientemente. Tiago a encarou, impressionado. – É, eu sempre sei mais do que você acha que eu sei. Voltemos ao que você queria me falar...?
- Não – Tiago realmente parecia surpreendido e encarou os olhos verdes da garota. – Você sabe o que eu acho que você sabe?
- Sei disso e muito mais – Falou ela, a voz arrastada. – Um cervo, um cachorro e um rato. Afinal, o que você queria me falar?
- Não, Evans, vamos esclarecer as coisas aqui – Tiago pôs a mão que não segurava a vassoura no ombro de Lílian, e ela a retirou dali com uma expressão de repugnância. – Como você sabe?
- Qualquer um que saiba ligar os fatos descobriria isso – Mas isso não era bem verdade; ela própria demorara algum tempo para “ligar fatos”, porém Tiago não precisava saber disso – De qualquer jeito, foi um plano engenhoso da parte de vocês quatro. E já que você não tem nada a dizer a mim, vou almoçar. Passe bem, Potter.
Mas Tiago não parecia disposto a deixá-la ir sem nenhuma explicação e segurou Lílian pelo braço, quando ela fez menção de seguir seu caminho pelo corredor.
- Será possível que você não me deixa em paz nunca? – Falou ela, soltando o braço da mão dele. Tiago, porém, literalmente a encostou à parede.
- Você não sai daqui sem me prometer uma coisa – Disse ele num sussurro urgente, e Lílian começou a fazer força para se livrar das mãos que imprensavam seus ombros contra a parede, o que era inútil, já que apesar de magro, Tiago era mais forte que ela.
- Não, Potter, eu não vou contar a Dumbledore o que eu sei, apesar de ser meu dever fazer isso, e apesar de você agir errado mesmo sendo monitor – Sussurrou ela, muito rapidamente, e Tiago a encarou como se ela fosse um bicho de sete cabeças. – Não por causa de você, nem do Black, nem do Pettigrew. Somente e apenas por causa do Remo, porque ele não merece perder a confiança que ele conseguiu com Dumbledore por causa de três inconseqüentes que pensam e agem como se ainda tivessem treze anos.
Lílian se livrou das mãos de Tiago e saiu andando, irritada.
- Ei, Evans, quer ir ao baile comigo? – Gritou ele. Lílian fez questão de parar e voltar-se para encará-lo, lançando o olhar mais desprezível que foi capaz de lançar.
- Você é uma pessoa surpreendente, Potter. Preciso realmente responder? Poupe-me desse esforço!
- Escuta, Evans...
- Eu não quero saber de você, Potter! – Lílian falou, interrompendo-o. - Você tem dezenas de fãs suas espalhadas pelo castelo, porque não vai com qualquer uma delas? Garanto que vai ser o momento mais ilustre da vida dela – Disparou, venenosamente, e voltou a caminhar para o salão.
- Se eu não for com você, vou sozinho, Evans!
- Ótimo! Prepare-se para entrar no baile sem par! – Disparou ela, sem olhar para trás.
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