Stebbins, Prewett, Evans
Uma garota esperava, impaciente, encostada numa parede. Resmungava baixinho por estar ali - com certeza, o que queria não era estar exposta ao ar frio da noite que entrava por uma janela próxima e invadia seu grosso sobretudo. Estava encostada a uma parede não menos fria, e realmente amaldiçoou o vento quando esse começou a soprar mais forte.
Outra garota, vestida com uma espécie de casaco 7/8 de lã, apareceu sorrateiramente. Não trocou nenhuma palavra com a primeira, tampouco a olhou direito – parecia saber que ela estava impaciente. Dirigiu-se a um quadro no qual uma mulher gorda de vestido rosa dormia e gritou a senha para que ela acordasse e as deixasse entrar.
As duas entraram no ambiente, muito mais quente que o anterior. Era o salão comunal da Grifinória vazio, pois era a hora do jantar. Jogaram-se nas poltronas perto da lareira.
- Porque você simplesmente não entrou? – Perguntou uma, enquanto apontava a varinha para a lareira, acendendo-a.
- Esqueci a senha nova – Bufou a outra. A que acendia a lareira nem se deu o trabalho de ralhar com ela ou fazer cara feia ou algo do tipo. – Passei o dia todo na biblioteca, terminando a pequena quantidade de deveres de natal que temos para fazer... voltei agora e lembrei de tudo, menos da senha. Onde você esteve?
- Treinando – Falou. – Grant quer nos matar de treinar.
- E a Lílian?
- Sei lá... nem nas férias ela pára! Ela anda muito ocupada com esse negócio de ser monitora, como sempre. Só a vi na hora do almoço, e mesmo assim, ela quase não almoçou... Disse que estava cheia de coisas para fazer e saiu praticamente correndo.
Julie suspirou, resignada. Ela e a amiga ficaram em silêncio, esperando até que Lílian chegasse. Julie retirou um espelho pequeno de dentro da mochila.
- Eu estou precisando dormir direito – Falou Julie, examinando as enormes olheiras que vinha acumulando desde o início do ano. – Sexto ano está acabando comigo. – As duas se entreolharam e sorriram.
- Eu preciso cuidar do meu braço, senão não jogo – Disse a outra, mostrando o antebraço, que agora parecia normal, mas há alguns dias estava quebrado no meio.
- A torcida masculina adoraria cuidar disso, Erica – Julie riu. Erica sorriu, baixando o olhar. A amiga sempre zombava do enorme prestígio que a artilheira adquirira com a torcida do time de quadribol da Grifinória, mas também sempre reconhecia o seu talento para o esporte.
Julie Prewett era baixa, mas não ligava muito para isso. Tinha cabelos longos e negros; Seus olhos castanhos nunca estavam totalmente abertos e faziam ela parecer constantemente com sono. Odiava o jeito como as pessoas a comparavam aos seus três irmãos (ela era a caçula) e o jeito que pronunciavam Prewett, como se o nome atraísse um tilintar de moedas. Odiava também o fato de que todos os seus irmãos já haviam feito ou sido algo realmente de bom, e ela não. Era uma das meninas mais populares da escola e tinha tudo o que as meninas sonhavam ter: dinheiro, vários pretendentes de famílias tradicionais, tinha uma família puro-sangue e importante, era respeitada e conhecida, considerada como elite. E achava tudo isso um saco.
Erica Stebbins tinha sido eleita a mais bonita de Hogwarts pela terceira vez, mas continuava tendo sérios problemas de auto-estima e timidez e achando que seus quadris eram desproporcionais. Tinha um irmão um ano mais velho, Mario. Seu sucesso na escola começou quando ela entrou para o time de quadribol como artilheira e foi envolvida num pequeno escândalo, do qual ela pretende esquecer. Seu pai era um curandeiro vindo de uma tradicional família bruxa; sua mãe, uma cubana trouxa que tinha vindo à Europa a trabalho, e nunca mais voltou ao seu país natal. Ela, logicamente, puxou da mãe desde a cor levemente morena até as formas extremamente latinas, mas tinha os grandes olhos azuis do pai. Erica chamava a atenção justamente por não seguir o padrão-da-garota-inglesa-perfeita, porém não gostava disso e desejava ardentemente ser branquela como todas as outras.
As duas se viraram quando ouviram os passos de Lílian atravessando o retrato.
Lílian Evans era a mais alta das três, e a que parecia mais madura e severa, também. Tinha cabelos acaju que vinham quase até a cintura; seus olhos eram amendoados e profundamente verdes. O rosto era coberto de sardas, e ela as adorava. Era, sem esforço nenhum, a pessoa mais inteligente de Hogwarts no seu ano; era monitora e com isso adquirira um certo respeito dentro da Grifinória. Seus pais eram trouxas, e eles achavam extraordinário o fato de terem uma bruxa na família. Lílian havia prometido fazer de tudo para ser uma ótima bruxa, pois não eram todos que tinham a mesma sorte que ela. Aliás, ela fazia promessas sobre tudo – prometia que iria perder uns quilos (como se isso fosse possível, dizia Julie sempre), ou cortar o cabelo, ou prestar mais atenção nas aulas de Aritmancia, ou simplesmente parar de fazer promessas idiotas as quais não conseguia.
- A monitora ocupada esquece das amigas – Zombou Julie com uma falsa expressão de coitadinha, mas logo abrindo um sorriso. Lílian o retribuiu, jogou uma pilha de pergaminhos a um canto e pegou uma caixa de balas de goma de dentro da mochila.
- Sinceramente, sou monitora, não escrava – choramingou, entre uma bala e outra. – Eu tive muito trabalho hoje, e como o Potter como monitor é a mesma coisa que nada...
- Ah, ele não é tão ruim assim – Falou Julie.
- Lógico, só tenta colocar fadinhas vivas no meu cabelo ao invés de colocar na árvore de natal. – Resmungou Lílian.
- Eu ia rir, se fosse comigo – Erica sorriu, mas Lílian continuou com a testa franzida.
- Você gosta do Potter. Eu não.
- Percebi – Suspirou Erica, e Julie olhou feio para Lílian. – O que você tanto fez hoje?
- Ah, tudo o que os professores e os elfos não fazem – Ela suspirou, resignada. – Supervisionar a decoração de natal, preparar os últimos detalhes para o baile... Sem contar nos pontos que tenho que ficar tirando dos alunos por eles estarem correndo por aí...
- Eu jurava que realmente você tinha feito algo de mais interessante - Disse Julie.
- Andei parando um pouco para conversar com Remo – Falou ela, sem pensar, e Julie lançou mais um olhar feio a ela. Lílian era a mais amiga de Remo Lupin das três.
- Pra variar – Erica sorriu maliciosamente. – Dessa vez ele te chamou para sair?
- Erica! – Replicou Lílian, parecendo ofendida, mas ela não parecia a única: Julie estalou o pescoço com um barulho muito alto ao virar para olhar Erica. – Não desmerecendo Remo, ele é uma ótima pessoa, inteligentíssimo, educado, bonito, totalmente diferente daquelas... coisas que ele chama de amigos - Disse ela, referindo-se a Sirius, Tiago e Pedro – mas ele definitivamente não... hã... tem muito a ver comigo.
- Acho que essa história de ele sumir de vez em quando faz com que as pessoas o achem meio estranho... e sabem, em seis anos de Hogwarts, eu nunca o vi sair com nenhuma garota, nem tive notícia de nada do tipo. – Opinou Erica, enquanto afundava mais na poltrona. Lílian estremeceu visivelmente.
- Besteira. Ele só não fica dando na cara – Sussurrou Julie. – Tudo bem que ele não é o arrasa-corações de Hogwarts, mas ele costuma sair com algumas meninas sim... Pelo que eu ouvi falar. – Completou ela.
- E o que você ouviu falar? – Perguntou Erica, parecendo interessada de repente e apoiando o queixo na mão.
- Sabe, no fim de semana passado... minha casa é perto da dos Potter... meus pais estavam viajando, e Fábio – o mais novo entre seus três irmãos - fez a festa de aniversário dele, lembram que ele veio me buscar? Ele chamou Tiago, Remo, Sirius e Pedro e umas pessoas influentes por aí – Julie fez uma careta enorme. – Não sei como eles saíram de Hogwarts, mas eles foram. E lá eu fiquei sabendo que Remo havia saído com algumas garotas nas férias de verão. Só isso.
Erica não pareceu se satisfazer com a resposta dada por Julie, e ficou a encarando longamente, à espera de algum sinal que indicasse que ela iria lhe responder direito depois, mas isso não aconteceu; então, ela resolveu ser direta.
- Prewett – Disse Erica, apontando um dedo para ela e com os grandes olhos azuis parecendo maiores ainda. – Não omita nada. O que mais você sabe?
- Eu sei que ele saiu com algumas garotas nas férias e na festa ele beijou uma garota, Stebbins – Respondeu Julie, sem olhar para ela. Ela tinha o dom de sempre piorar a situação que estava, e Erica era a única pessoa para a qual não conseguia mentir; a amiga tinha uma intuição incrível. Percebendo que Julie estava vacilante, Erica levantou uma sobrancelha e sorriu.
- E quem era a garota?
Bingo. Julie fechou os olhos, derrotada, e falou, muito baixo:
- Eu, droga.
Lílian deu um salto, acordando do transe em que se encontrava, e Erica sorriu, como se tivesse ganhado um presente fora de época.
- E porque você não nos contou? - Perguntou Lílian, ainda atordoada pela surpresa.
- Sei lá – Julie passou a mão pela testa. – Passei esse tempo todo pensando se tinha sido realidade mesmo, e tinham coisas mais importantes para se pensar. Esqueci.
Mentira. Julie não contara nada simplesmente porque achava ótimo ter um segredo desse tipo.
- Como você esquece que o beijou? – Falou Erica, impressionada, e Julie imediatamente levou o indicador à boca para que ela fizesse silêncio. – Isso deveria ser inserido em Hogwarts, uma história. O dia em que Remo Lupin finalmente beijou alguém – Disse ela, em um tom emblemático, escrevendo a frase no ar. – Vocês realmente se beijaram? – Repetiu, incrédula.
- É, Erica, ele é um ser humano normal. Tem até uma boca. – Julie deu um sorrisinho cínico. Lílian estremeceu novamente.
- Você fala como se Remo fosse uma pessoa realmente sem chances nenhuma de sair com alguém – Lílian exclamou tristemente para Erica, e ela deu de ombros.
- Só o acho um pouco estranho.
- Não era a primeira vez que ele beijava alguém, é óbvio, ele saiu com as outras garotas antes de me beijar – Falou Julie. – Nós termos nos beijado não é um fato que deve ser considerado, porque nenhum dos dois estava realmente com... hum... plena consciência do que estava acontecendo.
- Bêbados? – Arriscou Erica.
- Só ele. Bebeu litros de uísque de fogo na minha casa junto com os outros garotos – Disse Julie, e Lílian balançou a cabeça, censurando. - Eu estava quase dormindo no sofá do hall de entrada, ele murmurou alguma coisa e me beijou. No dia seguinte, estava com uma ressaca imensa... Acho que nem lembra do que aconteceu. Vamos parar de falar disso, ok? – Respondeu Julie, apreensiva, e seu tom indicava o fim do assunto: nem Erica nem Lílian se atreveram a perguntar mais nada.
- Quando o Baile do Milésimo Aniversário de Hogwarts vai ser anunciado? – Perguntou Erica a Lílian, mudando de assunto.
- Amanhã! – Exclamou Lílian, animada. – Pares?
- Sem a mínima idéia – Falou Julie.
- Sirius é meu par eternamente, lembram? – Sorriu Erica. Ela e o amigo haviam feito uma promessa no quarto ano, na qual os dois iriam juntos a todos os bailes que ocorressem em Hogwarts, exceto se um dos dois estivesse namorando. Como em seis anos de Hogwarts nenhum dos dois estava namorando quando aconteciam os bailes, eles continuavam indo como um par. E eram, sem exagero nenhum, o par mais bonito sempre.
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