F*dida e mal-paga
Vontades
X. F*d*d* e mal-paga
Já se sentiu como uma formiga? Pequena, porém carregando três vezes mais o peso de um elefante? Perdoe-me a comparação esdrúxula, mas era exatamente como estava me sentindo.
Dizem que uma mentira dita cem vezes passa ser encarada como verdade. Escrevo isso porque o peso em minhas costas, que antes era apenas uma forma de expressão, tornou-se real e, literalmente, desgastante. Estava sentindo-o fazer-me curvar lentamente e respirar já não era tão simples assim.
Quando saí da sede sentia-me uma fracassada; cada passo que eu dava era um passo a mais para meu triste fim.
Eu não seria capaz de exterminar uma criança sob a proteção de Alvo Dumbledore, isso era fato. Seria entregar-me a Azkaban sem direito a julgamento algum.
Maldita idéia traidora! Antes Milorde me matasse.
Tão mais acolhedora e agradável a idéia da morte próxima à idéia dos dementadores.
Fazer ou não fazer o trabalho daria no mesmo, então decidi parar de me lamuriar e enfrentar a verdade: precisava encontrar a criança. Voltei ao quarto no Três Vassouras e, desesperadamente, improvisei um plano. Bem ou mal, precisava de um.
Durante duas semanas inteiras investiguei quem poderia ser a criança.
Fiz visitas inesperadas a Hogwarts com a desculpa de demonstrar meu interesse pela escola. Incrivelmente discreta, consultei todos os arquivos possíveis sobre datas de nascimentos e cheguei aos nomes de quatro mães: Narcisa Malfoy, Alicia Longbottom, Sophia Macmillan e Lílian Potter. As quatro haviam tido filhos em Julho e Longbottom e Potter tiveram os seus filhos na última semana de Julho.
Na primeira semana de Agosto, voltei ao Ministério em busca de mais informações. Descobri que ambas eram casadas com aurores e trabalhavam no Ministério da Magia. Consultando, também, o Profeta Diário, surpreendi-me em descobrir que ambas já haviam enfrentado Milorde por três vezes.
Não era possível ser mera coincidência, a profecia se referia a uma criança. Isso só prova que era mentira da charlatã! Fez com que eu perdesse a credibilidade de Milorde e três semanas inteiras. Senti uma súbita ardência subir desembalada pela garganta; uma vontade insuportável de gritar. Se a vidente charlatã aparecesse na minha frente eu a mataria da pior forma imaginável: lenta e dolorosamente.
Se existe um momento em nossas vidas em que tudo pode e vai dar errado, o meu havia acabado de chegar. Eu ainda tinha passa livre no Ministério, mas havia faltado muito e receava que estava a ponto de perdê-lo. Milorde me mataria caso não concluísse a tarefa; mas para concluir a tarefa, precisava sair de um impasse: matar o filho de Longbottom ou o de Potter? E se caso milagres acontecessem e eu matasse a criança certa, ainda poderia perder meu emprego no Ministério e não consegui-lo em Hogwarts.
- Estou na merda. – resmunguei. - Ótimo. – esfreguei os olhos com força. – Preciso terminar logo com isso; matarei as duas crianças.
- Lestrange, posso dar uma palavrinha com você?
Meu diretor, Henri Pasegood, estava parado a frente da minha mesa com as mãos espalmadas uma contra a outra. Sua expressão era serena, porém, como sempre, consegui perceber o ar autoritário que seus olhos passavam a todos seus subordinados.
- É claro, claro. – ele sentou-se.
- Meu diretor – disse-me. – enviou-me hoje pela manhã um mandato para que eu a demita. – soltei um longo suspiro cansado.
- Eu compreendo perfeitamente.
- Eu não sou do tipo que demite as pessoas antes de ouvi-las. – ele respirou fundo. – Estamos passando por tempo terríveis, Lestrange, você sabe. Creio que não podemos nos dar ao luxo de perder quem está do nosso lado. – eu assenti com a cabeça. – Por que você tem faltando tanto?
- Eu... – murmurei. – Eu tenho passados por problemas pessoais. Desculpe-me por não ter avisado, senhor Pasegood.
- Isso não é desculpa, Lestrange.
- Eu sei que não. – disse pondo-me de pé. – Entendo perfeitamente que queira me despedir; falhei com o senhor e com o Ministério.
- Será uma grande perda. – disse-me.
- Duvido que não seja. – murmurei.
- Farei suas contas de dias trabalhados e enviarei diretamente a sua conta em Gringotes. – disse-me, levantando-se também. – Boa sorte, Lestrange. – ele apertou minha mão cordialmente e saiu.
Dizem que não podemos admitir que chegamos ao fundo do poço, pois ele prolonga-se e, se realmente há um fundo para chegar, torna-se ainda mais distante. Fiz um esforço horroroso para não me abater, manter a cabeça erguida. Mas a vontade de cair no choro era impossível de conter.
***
Minha casa estava como sempre esteve: escura e um pouco empoeirada. Havia algumas cartas em cima do gabinete da cozinha e uma pilha com todos os Profetas Diários do último mês na mesa.
Sentei por alguns minutos no sofá da sala.
Percebi o quanto minha vida era vazia e sem sentido. Chame-me de dramática, mas não sabe como é difícil ver tudo desmoronar por um capricho chamado prestígio.
Senti a ardência voltar a subir desembalada pela minha garganta, mas dessa vez não a contive: gritei. Gritei mais que minha garganta e ouvidos pudessem suportar.
Tudo que estava ao meu alcance foi ao chão, meu corpo virou-se contra mim e passou a obedecer apenas minha vontade de destruir tudo.
Destruí minha própria casa.
Amaldiçoei minha ambição e amaldiçoei a ambição de Snape. Amaldiçoei meu sono, minha capacidade de achar que Milorde é indestrutível e amaldiçoei a Milorde, também, por não ser indestrutível. Amaldiçoei a vidente, Alvo Dumbledore e desejei que todos fossem para o raio que os parta!
Eles tinham fudido a droga da minha vida. E sim, desculpem as palavras, mas fui obrigada a utilizá-las, porque, caso o contrário, vocês não iriam poder avaliar a gravidade nem a minha vontade de vê-los todos pelas costas.
Havia chegado ao fundo do poço, definitivamente.
***
Meus olhos pareciam duas torneiras desreguladas que não paravam de pingar. Durante um dia inteiro fiquei no meio dos destroços daquilo que eu chamava de “móveis da minha casa” com as duas torneiras desreguladas abertas.
Pensei nos meus objetivos traçados até aquele dia: subir na carreira do Ministério e assim tornar-me uma Comensal da elite. E em um instante fugaz de impaciência e fraqueza, decidi mandá-los para a puta-que-os-pariu e não concretizá-los. Sou fraca, não persisto e desisto fácil.
Com um aceno da varinha, abri a porta do bar que tínhamos na sala e convoquei as únicas garrafas intactas. Sim, Firewhisky. Meu preferido, como já citei anteriormente. Havia apenas duas garrafas: uma delas estava pela metade. Virei-a em apenas um gole, contrariando a primeira regra que se deve seguir quando se bebe Firewhisky: o primeiro gole deve ser breve. Desceu desembalado, cortante.
A ardência espalhou-se pelo meu corpo em questão de segundos: ultrapassou a barreira do estômago fazendo todo meu corpo implorar por um segundo gole. A outra garrafa ao meu lado esvaziou-se rapidamente; novamente pude sentir aquele bem-estar temporário.
A que ponto cheguei? Precisava de entorpecentes para me manter alegre e confiante! Arremessei as duas garrafas contra o espelho de parede da sala e vi minha imagem partir-se em cinco.
Antes que pudesse manifestar o sentimento de autopiedade, senti, pela primeira vez em quase um mês minha marca arder. Ardia ferozmente fazendo meus olhos lacrimejarem.
O que diabos ele queria dessa vez?
***
Quando entrei na sala de Milorde percebi que, para variar, não estava vazia. Severo Snape, Bellatriz Lestrange, Rodolfo Lestrange e Barty Crouch estavam por lá compenetrados em seus próprios pensamentos. Talvez para testemunhar minha morte ou, quem sabe, para me matarem.
- Milorde. – reverenciei-o brevemente de contragosto.
“Mente vazia, mente vazia.” Repeti.
- Soube que andou empenhada na última semana. – iniciou. – O que pode me dizer sobre o andamento de sua tarefa?
- Pude confirmar que era apenas um blefe, Milorde. – disse-lhe. – A tal profecia refere-se a apenas uma criança e pelas características que ela dá, eu cheguei a exatamente duas crianças.
Houve uma longa pausa de Milorde; os Comensais mantinham-se atentos.
- Vou lhe dar uma outra última chance, Lestrange. – disse-me e eu pude, finalmente, respirar aliviada. – Com o auxílio de Crouch e Lestrange, deverá eliminar a criança Longbottom.
- Creio que eu posso terminar com a criança sozinha, Milorde. – disse-lhe, dominada, novamente, pela ambição e vontade de acumular mais prestígio.
- Não, você não pode. – repreendeu-me com veemência. – Estou dando-lhe uma outra chance e você ainda questiona minhas ordens?
- Me desculpe Milorde, mas é apenas uma criança. – um segundo após o término de minha frase, arrependi-me até o último fio de cabelo: o Lord das Trevas tirou a varinha de dentro das vestes e apontou para minha testa, enraivecido.
- Não é apenas uma criança, Lestrange! – bradou. – É uma criança cercada de proteções de Alvo Dumbledore! – movi meus lábios com a intenção de desculpar-me, mas o que saiu foi apenas um grunhido. – Não me faça arrepender-me de dar essa outra chance.
- Desculpe-me, Milorde. – reverenciei-o longamente. – Eu não o decepcionarei.
- Assim espero. – resmungou.
Saí da sala respirando profundamente. Pude sentir meu sangue voltar a circular e meu coração voltar a bater.
- Como ele ainda não te matou? – perguntou-me Bellatriz.
- Não sei.
- Você deve ter alguma coisa que agrada Milorde. – disse.
- Isso é coisa da sua cabeça, Bella. – disse Rodolfo. – Milorde só trata a Severo com diferença.
Ela deu os ombros, indiferente, e bocejou.
Eu nunca havia pensado por esse lado: porque diabos eu ainda estava viva? Não que minha falha fosse demasiadamente imperdoável. Mas estávamos falando de Milorde. Se você respirasse um tantinho descompassado já era motivo para ser morto.
***
Passaram-se meses sem que pudéssemos fazer alguma coisa. As duas famílias haviam simplesmente evaporado! Não havia um vestígio sequer de seus paradeiros.
As coisas começaram a mudar quase oito meses depois quando uma nova Comensal foi incorporada por Milorde, seu nome era Maya Gaul. Deveria ter entre seus dezoito e vinte anos; tinha pele esbranquiçada e olhos castanhos arredondados. Seu cabelo espesso castanho escuro vivia preso num rabo apertado. Sua expressão era sempre inflexível: não é possível descrever se estava satisfeita ou chateada com alguma coisa. Isso, também, pouco importa.
- Outra? – indaguei irritada. – Já somos em quatro para acabar com uma CRIANÇA!
- Recebi informações de que faz quase um ano e nenhum dos quatro conseguiu uma pista sequer. – alfinetou sem emoção.
- Duvido que você tenha alguma coisa que modifique essa situação. – disse Bellatriz.
- Sinto em desapontá-la, Lestrange. Mas eu trago informações de procedência fidelíssima. – Bellatriz abriu a boca para contestar, mas logo se calou.
- Diga-nos logo o que sabe. – falou Rodolfo.
A reação dela ao ouvir a voz de Rodolfo foi a mais inesperada e inexplicável; seu corpo todo estremeceu e seus lábios crisparam-se. Uma pitoresca angústia mesclada a raiva transpareceram em sua a pele ao ouvir a voz daquele homem; pareciam ter sido alojadas durante tanto tempo na garganta que fizeram parte de sua respiração falhar, e os joelhos involuntariamente se jogavam para trás num movimento impaciente. Fiquei em dúvida: um estupor causado pelo amor ou pelo ódio? Ambas reações têm a irônica coincidência de terem os mesmos sintomas. Pigarreou alto e piscou diversas vezes como se quisesse espantar uma má lembrança.
- Eu sei qual proteção envolve os Longbottom. – disse pausadamente.
Ergui uma das sobrancelhas desconfiada.
- Mas – continuou. – só revelarei se vocês concordarem com as minhas condições.
- Não concordarei com nada que essa daí impor. – disse Bellatriz pondo-se de pé.
- Crucio! - bradou Maya em direção a Bellatriz. – Você não está em condições de rejeitar nada, Lestrange!
- Pare com isso! – gritei. A atacante baixou a varinha e Bellatriz levantou-se do chão ofegante.
- Vagabunda! – gritou Bellatriz sacando a varinha.
- Parem! – gritou Barty pondo-se entre as duas. – Ela está certa, Bella. Há muito tempo não chegamos perto de uma pista sequer e se ela trás algo devemos acatar.
- Duvido que meia palavra seja verdadeira. – retrucou Bellatriz voltando-se a se sentar.
- Quero ser chefe da missão e receber metade do crédito. – disse prontamente.
- Não seja ridícula, somos em cinco. – disse Rodolfo com veemência. – Não pode receber metade do crédito.
- Se não está satisfeito, receio que terá de retirar-se da missão. – disse irritada. – E isso é para os quatro: se não estão satisfeitos retirem-se da missão. E, obviamente, terei de relatar ao Mestre o comportamento de vocês.
Rodolfo levantou-se num salto com a varinha em punho.
- Vamos! Me ataque. – desafiou-o. – Quero ver como irão conseguir as informações.
Bellatriz soltou um grito raivoso.
- Estou trabalhando vinte e quatro horas por dia na porra dessa missão! – gritou. – Não vou acatar ordens de uma menininha que acabou de sair de Hogwarts!
- Saí de Hogwarts há pouco tempo, é verdade. – disse calmamente. – Mas receio que os líderes não são escolhidos pela idade e sim pela capacidade.
- Duvido que num duelo a experiência não conte. – disse Bellatriz com rispidez. Maya levantou uma das sobrancelhas.
- Está me ameaçando?
- Estou.
- Isso não vai nos levar a nada, Bella. – disse Rodolfo. – Diga-nos logo a droga do seu plano, Maya.
- Quero que todos façam o Voto Perpétuo. – disse.
- Eu não farei voto algum. – disse-lhe impaciente. – Já estamos aceitando coisas demais e nem sabemos do seu plano.
- Se eu souber de alguma traição, Milorde ficará sabendo e com certeza...
- Não precisa me dar exemplos do que Milorde faz com os traidores, Gaul. – disse com veemência. – Sei muito bem do que ele é capaz.
- Está bem. – retrucou contrariada. – Os Longbottom estão sobre a proteção da mãe de Frank Longbottom.
Soltei um suspiro cansado.
- Ela mora num bairro trouxa de Londres – continuou – sem proteção mágica alguma.
- Mentirosa! – exclamou Bellatriz. – Qualquer um que já experimentou dos prazeres da magia não sobreviveria sem ela!
- Ela não está mentindo. – falou Rodolfo. Bellatriz revirou os olhos e se lançou numa das cadeiras distantes com ar derrotado.
- Quando atacaremos? – perguntou Barty.
- Em breve. – disse. – Mas antes de qualquer coisa, Milorde deixou bem claro que deseja que Loraine Lestrange acabe com o menino. Nós seremos apenas sua guarda.
- Ela? – perguntou Barty descrente. – Ela não é capaz!
- Obrigada, Barty. – retruquei. – Sou muito mais capaz do que você, se quer saber.
- Não me importa o que diga, mas se o êxito da missão está em suas mãos eu desejo ser desincorporado dela.
- Sinta-se fora, então. – disse-lhe.
- Ótimo. – ele levantou-se.
- Você não irá sair. – disse Maya levantando-se. – Já sabe informações demais e...
Barty sacou a varinha.
- Me obrigue a ficar. – desafiou.
- Parem de se portar como crianças! – gritou Rodolfo. Sua voz soou tão grave que tive a leve impressão de que os vidros das janelas trepidaram. – Você vai ficar e daremos um fim na droga dessa missão, Barty.
- Perfeito, Lestrange. Finalmente alguém aqui tomou uma decisão sensata. – disse Maya numa imitação barata de sorriso.
Rodolfo sorriu vazio e voltou a se sentar.
Uma sensação bizarra tomou o ambiente: Maya e Rodolfo sorriam desconfortavelmente, entretanto um sorriso vazio e sem emoção.
Havia algo ali, alguma emoção escondida que pedia desesperadamente para ser liberada.
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