Um tanto nostálgico

Um tanto nostálgico



Vontades
VII. Um tanto nostálgico

Passaram-se dois meses sem muitas emoções fortes. Muito trabalho, e eu cada dia mais cansada e sem muito tempo para ficar à toa. Quando eu não estava no Ministério, estava cumprindo ordens de Milorde que cada dia tornavam-se mais freqüentes.
Bellatriz casou-se com meu irmão, próximo ao fim de Junho. Teve uma bela festa, cheia de amigos e pessoas de influência.
Sua irmã, porém, não compareceu por estar de resguardo. Seu filho, e de Lúcio também, nascera dia dezenove de junho. É difícil admitir, mas era um bonito loirinho de pele branca saudável e olhos azuis intensos. Chamado Draco. Draco Lucius Malfoy.
Entretanto, durante a festa, tive uma súbita vontade de visitar minha estimada prima. Talvez infernizá-la um pouco. Ultimamente, sempre que me restava um tempo eu arranjava um jeito de ir visitá-la. Naturalmente, não visitas cordiais, sinceras. Apenas visitas para exibir um pouco minha energia.
Não me condene! Ela estava com o amor de minha vida! O único que já amei, e talvez o único que tivesse seu nome gravado como fogo em brasa numa parte do meu corpo onde quase poucos têm acesso: o coração. Transformo-me numa romancista em poucos segundos quando começo a falar de Lúcio... torno-me sentimental, chega até a ser infantil. O amor tem dessas, transforma as pessoas deixando-as irreconhecíveis!
Lúcio tem tanta influencia sobre meus sentimentos que se não fosse por ele, talvez minhas idas a Mansão Malfoy não seriam freqüentes. E se não fosse por ele, talvez eu nem fosse Comensal. Mas deixo para discutir a influência dele em minha vida mais tarde, num momento mais oportuno.
Como se eu tivesse engolido uma poção de implicância, de escárnio e de prepotência, subi as escadas principais da Mansão Malfoy e bati a porta do quarto.
- Dobby! Seu inútil! Como se atreve a deixar alguém subir ao meu quarto antes de me perguntar se estou disposta a receber alguém? – bradou Narcisa ao elfo-doméstico.
Sem autorização, abri a porta vagarosamente e cruzei o portal sorrindo.
- Narcisa, querida. – disse-lhe num tom amável.
- Você! – exclamou, exasperada. – O que está fazendo aqui? Quem te deu autorização para entrar em meu quarto? Você não é bem-vinda, Lestrange!
- Poupe seus pulmões, Ciça. Vim apenas te fazer um visita. – sentei ao pé de sua cama. – Lúcio me disse que ficou aqui. Sozinha...
- Onde esteve com Lúcio? – perguntou-me ansiosa.
- Ah. – sorri, maldosa. – Nos encontramos no casamento de Bela e Rodolfo.
- É hoje... – murmurou tristemente.
- Não sabia?
- Claro que eu sabia. Mas não estou em condições de ir a festas. – disse ríspida.
- Ah, não diga isso. – disse num tom falso de reconforto. – Está certo que você engordou um pouco, e, essas olheiras estão horríveis; mas fora isso, você está bonita Ciça!
- É impossível não engordar e não ter olheiras quando se tem um filho!
- Não pretendo provar desse doce tão cedo. – eu joguei os cabelos para trás, fazendo-os reluzir a luz solar que invadia o quarto pela janela. – E como está o Draco? É este o nome dele, não é?
- Está ótimo. – disse com veemência. – Escute, Lestrange: mantenha-se longe de meu filho e de meu marido. Ambos precisam um do outro e eu não quero que uma mulherzinha como você atrapalhe a relação deles.
- Querida, eu tenho muito mais o que fazer! Não tenho tempo para ficar corrompendo relações paternais.
- Então o que você faz aqui?
- Vim visitá-la! – disse fingindo estar magoada.
- Suas visitas não são necessárias! Saia da minha casa!
- Pare de gritar. – pedi calmamente. – Vou embora, então. Voltarei para a festa, está muito animado lá. – virei as costas, e girei a maçaneta da porta com firmeza, porém, ela não abriu.
- Escute, eu posso ajudá-la. – disse-me Narcisa, quase num sussurro.
- Você pode o quê? – indaguei, cética em relação ao comentário.
- Posso ajudá-la. – ela levantou-se da cama com a varinha em punho.
- Me ajudar? Em quê exatamente? – perguntei, tateando em busca de minha varinha dentro dos bolsos do casaco.
- Encontrar um marido, querida. – os olhos azuis de Narcisa transmitiram-me ansiedade.
Fitei-os com intensidade, tinha a esperança de que ela começasse a gargalhar e desdenhar minha condição atual.
Porém, sua expressão manteve-se inflexível.
- Marido?
- É, é. – ela deu alguns passos para frente, e eu recuei. – Desde que Régulo morreu, fiquei imaginando como poderia te ajudar.
“Se ajudar.” Corrigi em pensamento. Ouvi várias e várias vezes que Narcisa estava muito preocupada com a estabilidade de seu casamento desde a morte de Régulo.
- Agradeço seu interesse, Ciça. Mas eu sei me virar sozinha. – voltei a segurar a maçaneta.
- Lúcio é meu marido. – disse em tom autoritário.
- Bem observado. – retruquei e abri a porta. Não o suficiente para passar, pois Narcisa travou-a com a mão. – Me deixe ir.
- Ou você colabora comigo, ou vai se arrepender!
Soltei a maçaneta e suspirei cansada.
- Está me ameaçando?
- Estou!
- Não brinque com fogo, Ciça. Nesse jogo, você tem muito mais a perder. – ela largou a porta, desconcertada. Aproveitando a deixa, saí do quarto e adentrei o corredor escuro. Ouvi algo bater contra a porta do quarto de Narcisa, e em seguida um grito de exaltado:
- Encoste um dedo em meu filho, um dedo sequer!
Dei os ombros e desci as escadas. Que idéia de me arranjar um marido! Com ou sem, Lúcio me procuraria. Isto estava mais do que provado.
Respirei fundo ao cruzar o portal da saída. Ainda pude ouvir o ressoar de objetos batendo no chão e na porta, e, às vezes, alguns gritos. “Mimada.” Pensei. “Mimada e egoísta.” Egoísta... não posso deixar de conter uma risada diante ao tamanho do meu egocentrismo. Custa-me assumir isso, mas, bem ou mal, eles estavam unidos pelo casamento. E Narcisa estava no direito, senão no dever, de não querer dividir.
Voltei à festa do casamento. Ainda estava lotada, reconheci alguns colegas, mas decidi beber alguma coisa no jardim de trás da casa. Eu conhecia o jardim como a palma da minha mão, afinal, Bela e Rodolfo iriam viver na Mansão Lestrange.
Num local alto isolado pelas altas árvores eu me sentei. Estava escuro e as luzinhas da cidade trouxa já estavam todas acesas. Luzes de casas, luminosos coloridos de bares. Postes de ruas e praças, todos acesos fazendo parecer um céu estrelado abaixo de meus pés. Apesar de ser uma vista para o mundo trouxa, era uma vista privilegiada.
Senti uma brisa nostálgica me abater e voltei os olhos para o jardim. Um grande jardim; abarrotado de árvores de pequeno porte, floridas. Como sempre, muito bem cuidado. Aquele jardim era a “menina dos olhos” de minha mãe. Meu pai sempre a censurou por passar tanto tempo no cultivo de plantas.
Eu sempre gostei de lá. Talvez, depois de meu antigo quarto, fosse meu lugar preferido. O jardim me abonava uma certa tranqüilidade e liberdade para que meus pensamentos fluíssem.
Tantas tardes eu passei ali, escondida entre as árvores fugindo da implicância de meu irmão ou das amigas de mamãe que insistiam em me comparar com uma prima, afilhada, sobrinha ou sei-lá-o-quê que tinha os olhos mais bonitos, o nariz mais fino ou o cabelo mais loiro. Época boa aquela, minha única preocupação era em... brincar. Correr por ali, inventar historinhas e pregar peças em meus primos.
Ah, meus queridos primos.
Cravei os olhos nostalgicamente na grama e por um segundo inteiro lembrei-me de sete crianças pequenas, entre seis e nove anos, correndo pelo jardim; todas sorridentes e felizes pelo sol que fazia naquela tarde.
Um forte sol de verão e um céu azul sem nuvens.
- Lúcio, seu trapaceiro! – gritou um dos meninos. Deveria ter sete ou oito anos, tinha cabelos pretos compridos e era alto e forte para sua idade.
- Trapaceiro nada! – gritou o outro. Era loiro e tinha olhos azuis muito escuros, a pele branca e ar mimado. – Você que não sabe perder!
Em volta, três meninas e dois meninos assistiam a cena.
- Bate nele, Lúcio! – gritou o menino pequeno. Era muito parecido com o primeiro, porém mais baixo e os olhos atentos passavam de azul escuro para cinza enquanto ele se mexia.
- Parem com isso! – gritou uma das meninas, a mais baixa das três. Cabelos castanhos claro e olhos castanhos muito escuros. Pele branca e tom de voz atrevido. – Será que não podemos brincar sem que você trapaceie, Lúcio?
- Não trapaceei, Loraine! – disse o menino loiro, chamado Lúcio, desapontado. Um falso desapontamento.
- Trapaceou! Eu vi você abrindo os olhos!
- Esqueçam isso. – disse a menina mais alta, de cabelos escuros e olhos azuis. Parecia ser a mais velha dos sete e seu tom de voz era de superioridade. – Vamos começar de novo, dessa vez Narcisa conta.
- Eu não! – disse a outra, cabelos loiros e olhos azuis. Parecia uma réplica da maior, porém mais branca e seus cabelos eram louros. Sua voz era enjoada e mimada, como se estivesse a ponto de chorar.
- Trapaceiro! – gritou o primeiro, e sem aviso o loirinho voou ao encontro do primeiro deixando-lhe o olho roxo.
Em poucos segundos os dois estavam embolados no chão, mãos, bocas e narizes ensangüentados.
- PAREM! – gritou a pequena enraivecida. – Parem com isso!
Com muita dificuldade, puxou o primeiro de cima de Lúcio enquanto os outros apenas assistiam.
- Você e essa sua mania de querer bancar a boazinha. – retrucou Lúcio com o nariz quebrado.
- Você e essa sua mania de querer bancar o esperto! – replicou ela. – E de esperto não tem nada! Sabe muito bem que Sirius lhe daria uma surra se não fosse por mim...
Sirius, com um olho roxo e com o lábio estourado, sufocou uma risada; Lúcio, por sua vez, lançou-lhes uma olhar lúgubre e resmungou um palavrão.
- Eu conto, desta vez. – disse Bellatriz em tom concluinte. Em poucos segundos estavam todos correndo pelo jardim a procura do esconderijo perfeito.
Respirei profundamente, deixando o cheiro das folhas das árvores que me cercavam invadirem minhas narinas. O cheiro que fazia parte da minha infância. Tantas noites eu procurei refugio entre aquelas árvores que desempenharam o papel acolhedor melhor do que qualquer ser humano que morasse em minha casa.
Cessando meus pensamentos nostálgicos levantei de sobressalto. Se eu não a visse, diria que tive a impressão de uma mão envolver minha cintura.
- Refugiando-se como uma menininha... – disse-me uma voz, ao pé do meu ouvido. O toque aliado ao arrepio familiar que aquela voz me causava, delatou meu assaltante.
- Lúcio.
- Como sabe? – perguntou-me sentando-se ao meu lado.
- Posso me enganar a respeito de sua voz, mas a respeito de seu toque... nunca.
- Bom saber que seu corpo ainda me reconhece.
- Como esquecer de alguém tão persistente? – sorri, e logo fui retribuída.
- Por que hoje você não está resistindo a minha presença?
- Talvez você tenha me vencido pelo cansaço. – “Ou sua esposa alimenta meu sentimento de ter tudo...”. Lúcio suspirou satisfeito.
- Lembro-me desse lugar perfeitamente.
- Lembra? – perguntei surpresa.
- Lembro. “Castelo da Princesa Loraine”. – eu ri. Princesa Loraine era a personagem que eu encarnava quando pequena. Criava histórias clichês de princesas amaldiçoadas que tinham como sua única salvação encontrar seu príncipe, seu amor verdadeiro. Mas para quebrar os feitiços era necessário muita garra e coragem do príncipe. – Como eu lutei para cruzar essas muralhas...
- Não convém lembrar minhas criancices. – disse, ruborizando levemente.
Ele passou os dedos entre meus cabelos. Fechei os olhos apreciando não só a doce brisa que batia em meu rosto, mas também o suave toque de Lúcio passando dos cabelos para meu pescoço.
Ainda de olhos fechados, senti seus lábios roçarem em meus lábios e descerem até meu queixo carinhosamente; estávamos muito próximos, ambos os corpos pedindo um ao outro. Uma necessidade urgente de fundir bocas, mãos e corpos.
Meus braços encontraram abrigo em seu pescoço; e suas mãos, abrigo em minha cintura. Seu rosto ainda roçava em meu pescoço e eu senti que poderia ficar ali, para sempre. Sentindo a doce brisa esvoaçar meus cabelos, e a incrível companhia muda de Lúcio.
Sentindo seu corpo contra o meu, suas mãos em minha cintura, o ressoar das batidas do seu coração de encontro com o meu, os intervalos pausados de sua respiração, sentir seu cheiro...
Ah! Seu cheiro. Eu não saberia dizer, talvez indescritível se encaixasse bem aqui. Seco, misterioso. O perfume mais doce que fosse colocado em sua pele deixaria transparecer seu próprio cheiro, aquele que não sairia da minha memória durante um bom tempo.
Como eu nunca havia notado aquele cheiro? A perfeição passa diante de meus olhos e eu finjo não ver? Se bem que, no caso, finjo não sentir? Maldito olfato traidor! Poupou-me saborear durante mais tempo a perfeição!
Precisava tê-lo comigo; aquele cheiro eu nunca dispensaria de impregnar meu travesseiro. Abracei Lúcio com força, pedindo para que ficasse comigo.
Abri os olhos devagar, e encontrei um par de olhos azuis intensos.
- Está escrito que devemos ficar juntos, Lúcio. – sussurrei, aninhando minha cabeça em seu ombro.
- Eu sei que está. Eu sei.
Levantei a cabeça e fechei os olhos mais uma vez; senti Lúcio inclinar-se para frente e, sem hesitar, seus lábios encontraram-se com os meus.
Um turbilhão de lembranças invadiu-me. Uma reconfortante sensação de déjà vu me fez voltar ao tempo e sentar-me novamente àquele banco escondido pelas árvores.
- Saia daqui, Lúcio! – gritei, escondendo o rosto entre as mãos. Senti as lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto e adentrarem pelo decote do vestido.
- Loraine! – insistiu.
- Você não tem o direito de invadir minha privacidade! – gritei, exaltada.
- Era só um diá...
- Não era só um diário! Era o MEU diário!
- Eu não li, Lore!
- Não me chame de Lore, eu odeio você!
- Eu não li! – repetiu, nervoso.
- Leu sim!
- Está bem, eu li! Que há de mal nisso? – não respondi, a verdade era muito mais dolorosa que a simples suspeita. – Lore, você não tem do que se envergonhar...
- LÚCIO. Desaparece!
- Escute, - ele sentou-se no banco, temeroso. – se você gostou do bei...
- Eu não gostei de nada!
- Eu li e sei que gostou. – seu tom de voz era de vitória. – Escute, não há nada de mal em você gostar de me beijar. – Agora eu estava vermelha, não de vergonha, mas de raiva. Como ele tinha a coragem de ler meu diário e ainda dizer em voz alta coisas íntimas minhas?
- Lore, calma. – ele sorriu. Um sorriso arrebatador.
Sorria com calma, como se fosse a coisa mais comum do mundo dois primos que nunca se deram muito bem se beijando pela casa...
E além do mais, éramos crianças! O que mamãe diria quando soubesse que eu, com onze anos de idade as vésperas de ir para Hogwarts, já tivesse dado meu primeiro beijo?
- Calma, você me pede calma... – disse, desconcertada. – Isso não é certo, Lúcio.
- O que não é certo?
- Você e... eu. Somos primos!
- É. E quer saber? Esses dias eu ouvi nossos pais conversando...
- Conversando sobre o quê? – perguntei interessada.
- Eles têm planos de unir as três famílias. – disse pausadamente, como se confidenciasse um segredo.
- Conta logo, Lúcio!
- Disseram algo sobre Rodolfo e Andrômeda, Bellatriz e Sirius. – ele pigarreou. – Régulo e Narcisa e...
- E...?
- Nós dois. – soltei uma exclamação espantada.
- Sério?
- Seriíssimo! – baixei os olhos, confusa. – Viu? Não há nada de mal. – ele sorriu.
- É.
- Concorda? Mesmo? – assenti com a cabeça, envergonhada.
Não falamos mais nada, deixamos nossos corpos infantis falarem por si. Lúcio pegou minha mão e colocou atrás de seu pescoço, pousou suas mãos em minha cintura e inclinou-se para mim.
Sufoquei uma risada e fechei os olhos, como já havia lido nos livros de romance, escondido de mamãe. Aos poucos, nos aproximamos e nossos lábios se tocaram ternamente. Ali ficamos durante alguma horas, escondidos. Era nosso segredo e ninguém mais saberia, e duvido que alguém saiba hoje.
Hoje, praticamente dez anos depois nos encontramos no mesmo lugar. Praticamente nas mesmas posições e com as mesmas intenções.
Desfrutar um amor; um amor secreto e proibido.

Havia um tempo em que eu vivia
Um sentimento quase infantil
Havia o medo e a timidez
Todo um lado que você nunca viu

E agora eu vejo aquele beijo
Era mesmo o fim
Era o começo e o meu desejo
Se perdeu de mim
[...]

A Cruz e a espada - RPM

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