E o recomeço se faz necessário

E o recomeço se faz necessário



Vontades
V. E o recomeço se faz necessário

Ouvi palmas e uma aclamação de “Perfeito, Lestrange” bem distantes. Não pude me conter, saí correndo da sala e despenquei sobre um banco de uma praça. As lágrimas, nem preciso dizer, incontroláveis. Uma crescente angústia ressoava dentro de meu peito; eu estava a ponto de explodir. Como eu pude? meu amigo, meu amante.
O único que me compreendia, que me assistia nos momentos de dor, que aceitava minhas falhas. Único que me acolhia sem interesse, que confiava em mim.
O único que um dia já me amou. O único que me tocou, não apenas por prazer.
E eu o matei, por capricho e medo. Por egoísmo.
Recompus-me, pois em poucos minutos de desespero atraí olhares dos quatro cantos da praça. Enxuguei meus olhos e segui até minha casa, a pé.
Sentei na soleira da casa e admirei a paisagem. Não era das melhores, muito cinza para meu gosto. Porém, um tanto reconfortante e nostálgica.
Lembrei-me do dia em que nós chegamos juntos a casa, das minhas tentativas frustradas dos cafés da manhã que resultava em seus risos incômodos, das noites em claro, das leituras conjugais. Dos beijos, abraços. Da minha falsidade, de sua compreensão incondicional e, enfim, dos planos do casamento.
CRAQUE.
Lúcio aparatou em frente a minha casa, e sentou-se ao meu lado.
- Eu soube. – meus olhos voltaram a marear em lágrimas. – MacNair me disse que seu feitiço foi muito bom...
- Bom... – repliquei. – É, foi bom. Tinha esperanças de que não funcionasse.
- Se não funcionasse, alguém faria funcionar, nos dois.
- Pelo menos eu não sentiria tanta culpa.
- Culpa?! – perguntou-me surpreso. – Largue de ser ridícula, Lorde das Trevas ficou muito satisfeito com você. Até a elogiou.
- Elogiou? – por um instante me senti feliz; porém, ao voltar o olhar para nossa casa senti novamente um peso em minhas costas.
- Elogiou... – disse aparentemente amargurado. – Ouvi dizer que ele pensou que ia perder uma boa Comensal.
- Boa Comensal? – perguntei, surpresa. – Eu nunca fiz nenhum trabalho importante!
- Acho que não devíamos conversar sobre isso aqui, como se discutíssemos o Quadribol. – falou pondo-se de pé. – Me oferece chá?
- Só sei fazer de saquinhos... – disse, abrindo a porta.
- Não me importo.
Cruzamos o portal, e abruptamente aquela melancolia me abateu novamente. Tudo na casa me lembrava Régulo... Talvez porque tudo fosse feito para ele, e organizado do jeito que ele gostava. Sentei na primeira cadeira que encontrei, desamparada.
- Não vou agüentar ficar nesse lugar... – disse.
- Pare com isso, Loraine. – censurou-me. – Não vai te levar a lugar algum, e Milorde ficará desapontado em saber que se afetou desse jeito.
- Porra, era meu noivo. – resmunguei.
- Eu sei, está bem? Mas ele se meteu onde não devia, e teve o que mereceu. Acredite em mim, foi melhor pra você tirá-lo logo da jogada...
- Não sei do que está falando... não tive o luxo de saber o motivo...
- Bom... – começou Lúcio. – Aparentemente, se arrependeu de ter se tornado um Comensal, sabe? Disseram-me que ele tinha o anseio de destruir Milorde antes que esse descobrisse sua traição... – Lúcio soltou uma risadinha fanhosa. – Ele nunca foi de pensar muito, não me surpreende o fim que teve.
- Mas como Milorde descobriu?
- Isso é o de menos, Loraine. Mais cedo ou mais tarde Lord das Trevas descobriria. Régulo andava evitando-o nos últimos meses. E você sabe que isso atrai a atenção de Milorde, o que ele mais odeia é gente covarde.
- Por que ele não me disse nada? – exclamei aborrecida.
- O apoiaria? – perguntou Lúcio com ar descrente.
- Não! – disse depressa. – Eu poderia... mudar isso.
- Ou não. – Lúcio soltou um longo suspiro. – Escute, Narcisa não pode saber que estive aqui.
- Por quê?
- Ela soube de Régulo, e acha que é uma brecha para nos reaproximarmos. – disse sem um pingo de emoção na voz.
- Como se eu pudesse pensar nisso agora! – exclamei. – Então, Lúcio, vá. Eu preciso ficar um pouco sozinha...
- Precisa mesmo?
- Olha, não sei porquê, mas não consigo acreditar que esteja mesmo se importando com tudo isso... – disse apressada.
- Realmente não estou. – desprezou.
- Então por que está aqui?
- Milorde pediu para que eu desse uma busca na casa, atrás de anotações, livros ou sei lá o quê. – ele soltou, novamente, um longo suspiro. – Notou alguma coisa de diferente?
- Que eu me lembre, não. – disse entrando na cozinha.
- Vou subir até o quarto.
Coloquei a água para ferver e busquei duas xícaras dentro do armário. Estava me sentindo tão impotente sem ele ao meu lado para constatar que eu estava fazendo a coisa certa. Nunca fui boa na cozinha e ele sempre tentou me auxiliar da melhor maneira possível.
- Ahá! – fez Lúcio, seguido de uma risada. – Quarenta e seis, Loraine? Da última vez que vi, lembro-me perfeitamente de ser quarenta e quatro!
Subi as escadas, e deparei com Lúcio segurando um sutiã pela alça.
- Pensei que fosse procurar no quarto, não em minhas gavetas! – disse irritada.
- Esse, por acaso, estava no chão. A noite de despedida foi no mínimo... quente. – disse animado.
- Seu idiota. – resmunguei arrancando o sutiã de suas mãos. – Não vai encontrar nada aqui, Régulo não ia esconder uma coisa bem debaixo do meu na... espere, o que é aquilo? – dirigi-me até o armário, com a porta entreaberta. Dentro dele, no mínimo dez livros grossos. – Não estava aí da última vez.
- Espere, me deixe ver. – ele sacou a varinha e se aproximou do armário.
Puxou o primeiro livro da pilha que reconheci imediatamente, o livro que outro dia Régulo escondeu quando apareci.
- Huuum. – fez Lúcio folheando o livro. – Horcruxes?
- Horcruxes? – perguntei intrigada.
- Régulo tinha tanto medo da morte assim?
- Eu... não sei. – comecei a folhear os outros livros, e curiosamente, todos se tratavam de Horcruxes.
- Bom, isso é magia das trevas muito pesada, Milorde precisará saber disso.
- Não entendo porque Régulo tinha tanto interesse nisso...
- Também não entendo, Milorde com certeza compreenderá.
- Aaaah. O chá! – exclamei, e desci correndo. – Droga...
- Que foi? – perguntou-me.
- A água... – soltei um muxoxo cansado. – Não consigo fazer nada direito.
Lúcio conjurou xícaras, e um bule de chá.
- Pronto, beba. – ele me entregou a xícara.
Depois do chá, ele foi embora levando todos os livros de Régulo; deixando-me a dúvida: Por que TANTOS livros sobre horcruxes? Eu sabia vagamente o que significavam horcruxes, Bella comentou uma ou duas vezes sobre elas. Não era algo comum... não para Régulo. Ele nunca demonstrou muito interesse por artes das trevas. Para falar a verdade, saber que ele estava arrependido não me surpreendeu nem um pouco. Ele nunca levou muito jeito para isso.
Subi ao quarto, e subitamente a verdade me abateu. Sem tirar os sapatos, ou ao menos trocar de roupa, despenquei na cama. Mal conseguia respirar de tanto chorar. Sentia-me fraca, covarde. Enfim, anoiteceu.
Na noite em que os sentimentos e as sensações alcançam seus extremos, o frio é ainda mais frio, e o calor ainda mais quente. A saudade é ainda mais forte, a culpa um tanto mais pesada.
Eu não me mexi muito. Para falar a verdade, o único esforço foi para fechar as janelas e as cortinas do quarto. Quando me deitei novamente, senti que o ar que respirava era pura melancolia, tristeza. Sua falta era tão grande quanto a culpa que eu sentia por ter sido a causadora de sua morte.
Se fiquei muito tempo ali, não sei. Não comi, não bebi. Já não chorava, e não tinha forças para me levantar para trabalhar. Não dormi e também não falei, não li, muito menos escrevi. Continuei deitada na mesma posição durante um tempo que admito ser incalculável.
CRAQUE.
- Poxa vida, é pior do que eu imaginava. – sussurrou uma voz.
CRAQUE.
- Ela se entregou mesmo... – outra voz, feminina. – Srta. Lestrange? Pode nos ouvir? – não me mexi nem respondi.
- Somos do Ministério da Magia, - disse a outra voz. – e como não compareceu a sua seção nas últimas duas semanas, nem respondeu as nossas cartas fomos encaminhados para assisti-la e...
- Régulo? – perguntei inesperadamente.
- Régulo? – perguntou a voz masculina, sua voz havia mudado de tonalidade desde a última vez que falara. Agora parecia um tanto amargurada. – Não, não. Sinto em informá-la, mas seu noivo foi morto há exatamente duas semanas.
- Eu sei que ele está morto! – gritei exasperada. – Sei muito mais do que vocês. – meus olhos tornaram a se encher de lágrimas.
Quando virei para eles, meus olhos encheram-se da luz da janela. E pude ver apenas duas sombras; uma alta e forte e a outra mais baixa, magra e de longo cabelos pretos.
- Srta. Lestrange, nós fomos enviados para ajudá-la, e se for da sua vontade encaminhá-la para o St. Mungus...
- Eu não estou doente. – retruquei. – Quem são vocês? Como entraram na minha casa?
- Somos do Ministério da Magia – disse a mulher pacientemente. – Sou Ayako Exupéry, da seção de Reversão de Feitiços Acidentais...
- Sei, sei. Você já trabalhou comigo. – resmunguei sentado-me na cama. – E o que Sirius Black está fazendo aqui? – ele pigarreou.
- Vim para ajudá-la, afinal, bem ou mal, Régulo era meu irmão. – disse com veemência.
- Não preciso de vocês... – disse com rispidez. – Estou ótima.
- Você não come há duas semanas, com certeza não está ótima. – falou Ayako.
- Ela não quer nossa ajuda, - resmungou Sirius. – escute, a Marca Negra foi conjurada ontem a noite em cima de sua casa, sabe de alguma coisa?
“Eles estiveram aqui” pensei apreensiva. Esfreguei os olhos com raiva, e olhei para meu corpo. Minhas roupas estavam todas molhadas de suor, e o local de minha marca ardia ferozmente.
- Não sei de nada... – murmurei. – Agradeço a visita dos dois, mas não preciso mesmo de vocês. – levantei-me da cama, e num segundo depois já estava no chão. Minhas pernas não me agüentavam, eu mal podia andar.
- Eu disse que estava fraca... – disse-me Ayako sentando-me de novo na cama. – Coma alguma coisa. – Enquanto ela conjurava um belo almoço numa bandeja, os olhos de Sirius percorriam o quarto em busca de alguma coisa.
- Me respondam, por que mandaram vocês? – perguntei, sentindo-me mais forte. – Não seria mais fácil mandar alguém de St. Mungus ou sei-lá-o-quê?
- Seria... – murmurou Sirius. – Mas não fomos enviados pelo Ministério...
- Bom, eu fui. – falou Ayako distraidamente. – Mas estou numa missão dupla aqui. – ergui as sobrancelhas.
- Escute com atenção, Loraine. – disse Sirius sentando-me a minha frente. – Sabemos que você é uma Comensal. – mantive meu olhar inflexivelmente descrente.
- Fomos enviados por Dumbledore.
- Eu... comensal? – ri.
- Não seja ridícula. – resmungou Sirius. – Nós sabemos que é, e Régulo também era. Mas não temos como provar...
- Inocente até que se prove o contrario. – mordi um pedaço da coxa de frango.
- Exato.
“Eles não sabem da marca...” pensei.
- Viemos aqui oferecer-lhe proteção caso queira vir para o lado certo. – disse Sirius pausadamente.
- Eu não estou de nenhum lado, Sirius. – disse rispidamente.
“Maselesteachamfraca. De fácil persuasão.” A voz de Lúcio invadiu minha cabeça.
- Parem de achar que há sempre um lado para tomar partido, não estou com ninguém! – disse-lhes irritada.
Sirius soltou um suspiro cansado, Ayako mexia incomodamente na varinha.
- Você pode parar com isso? – pedi, quando ela virou a varinha nos dedos mais uma vez.
- Pelo jeito já está melhor. Pense na nossa oferta, Lore. – disse-me Sirius e os dois desaparataram.
Havia no mínimo quinze cartas em cima do balcão, todas do Ministério da Magia. Percebi, também, que alguns pertences de Régulo haviam desaparecido.
Tomei um banho rápido, e aparatei até a sede. Estava anormalmente vazia, e como sempre, escura.
- Poxa vida, você está horrível. – disse-me uma voz adocicada.
Olhei por cima do ombro, e vi Bella parada na penumbra com um sorriso.
- Ela vive! – ovacionou. – Finalmente, querida. Estava na hora de sair daquele casulo. – sorri frouxamente, e ela me conduziu até uma cadeira. – Estive lá umas quatro ou cinco vezes, nenhum feitiço funcionou! Nem os mais pesados...
Mantive meu olhar inflexível, e só então percebi, ao olhar por cima do ombro de Bella, como minha situação estava deplorável. O vidro da janela pareceu se encolher ao receber meu reflexo; minhas olheiras eram tão profundas, e meus cabelos estavam horrivelmente despenteados. Meu rosto estava fundo, minhas tradicionais bochechas, pareciam ter murchado.
- ...você não queria acordar por nada, por um instante pensei que tinha morrido. – continuou. – Você está me ouvindo? – perguntou aborrecida. Um aborrecimento que nunca lhe caiu bem.
Murmurei algo muito parecido com um “sim”, e ela tornou a falar.
- Você não pode ficar desse jeito. Você está lastimosa!
- Bella, matar não é pra mim. – confidenciei, ela fez uma careta.
- Ah, querida, não diga isso! Não posso lhe dizer que é fácil. Na verdade, você começou do jeito mais difícil... Surpreendi-me quando me disseram que conseguiu... – ela suspirou. – Mas acredite, da próxima vez...
- Não terá próxima! – gritei esganiçada.
- Ah, sim, terá. E logo isso fará parte da sua vida, como... tomar banho. É simples, querida. – ela sorriu, tentando me confortar.
Soltei um longo suspiro.
- Preciso cancelar... os preparativos do casamento.
- Ah, sim, é claro. – disse distraidamente.
- Bella, eu...
- Sim?
- Queria ser igual a você... – disse, admirando-a debilmente.
- Ah, eu sempre soube. – ela levantou-se, e encarou seu reflexo no vidro da janela. – Você precisa ser forte, vida de Comensal não é para que tem nervos fracos.
- Descobri isso da pior forma possível e... quer saber? – enxuguei as lágrimas, determinada. – Vou acabar logo com isso e recomeçar.
- Ótima escolha. – espreguiçou-se. – Mas ainda acho que sua situação é deplorável... precisa dormir um pouco, tomar um banho...
- Eu tomei banho... – resmunguei. – Só não me dei o trabalho de lavar os cabelos.
- Bom, então vamos pra sua casa dar uma... recauchutada. – ela riu.
Respirando novos ares e, se assim posso dizer, impulsionada por uma força misteriosa, voltamos para minha casa. Bella me ajudou a eliminar as olheiras, um novo corte de cabelo. Até remodelou minhas vestes.
Olhando-me no espelho, senti-me muito parecida com ela. Bem ou mal, isso me agradou... Bella agora era um exemplo para mim.
- Ótimo, ótimo. – disse-me animada. – Realmente muito bom. – eu sorri, ruborizando. – Com o passar do tempo você se acostuma, querida. – ela passou as mãos nos meus cabelos maternalmente.
- Assim espero. – fixei meus olhos mais uma vez no espelho, e naquela imagem me inspirei. Externamente eu estava forte, bonita, saudável e confiante, e assim como o espelho refletia minha imagem, o meu lado interno deveria refletir o externo.
- Ah. Acabei de lembrar de uma coisa – ela sufocou uma risada. – Sabe o que Narcisa me disse?
- Não, o quê? – perguntei distraidamente, enquanto enrolava a ponta do meu cabelo nos dedos.
- Ela é realmente ridícula! – Bella riu. – Surpreendo-me como pode ser minha irmã. Bom, você sabe... ela está grávida. O menino deve nascer dentro dos próximos meses...
- Ah, não, eu não sabia.
- Bem, está. Pediu para que eu dissesse a você para se manter bem longe de Lúcio. – Bella sufocou outra risada. – Disse que “a saúde do herdeiro Malfoy pede a presença constante do pai”. – disse Bella numa imitação, que acho, perfeita da voz fanhosa e excessivamente adocicada de Narcisa.
- Claro, claro. – eu sacudi a cabeça sarcasticamente. – Me manterei longe de Lúcio, só porque ela quer.
- Exatamente. – os olhos de Bella faiscaram e nós duas caímos na risada.
Naquele momento, decidi fazer de Lúcio meu troféu pessoal. Não ia ser difícil atraí-lo, digo até, que possivelmente seria ridículo.
Não sei por que aquela vontade de impor o caos a quem quer que fosse, me agradava tanto... Sentia-me tão segura de mim mesma, tão feliz comigo mesma.
Isso só poderia significar uma coisa: mais tardes como essa, eu me tornaria tão ruim, ou até pior, que Bellatriz Black.

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