O Despertar ou Anjo
Quando meus olhos se adaptaram ao quarto escuro, muito fracamente iluminado pela luz da lua que entrava pelas persianas das janelas, minha respiração parou. Perante os frascos, livros e papéis dele, cercada por sua intimidade sem ser convidada, o desvario do meu ato pareceu-me, subitamente, óbvio demais. Escorei-me na porta, inspirando o máximo de ar possível para recuperar o controle, pois eu tremia dos pés à cabeça. Uma Tonks nervosa é uma Tonks extremamente desastrada e...barulhenta, o que não era muito recomendável naquela situação. Merlin, eu havia feito! Invadi o quarto de Severo Snape, ex-Comensal da Morte, ex-agente duplo e, portanto, versado em se defender de prováveis ataques surpresa! Isso não soava nada saudável...
Corri os olhos pelo ambiente enquanto tentava organizar meus pensamentos. E, encoberto pelas sombras da noite, lá estava ele. O corpo esguio de Severo se espalhava pela cama, deitado sobre as cobertas. Decididamente, ele não havia se preparado para dormir. Como eu imaginara, ele devia ter se deitado para descansar um pouco e acabou adormecendo. Fora vencido pela fadiga, provando que, acima de tudo, era humano e tinha necessidades humanas, por mais que ele considerasse isso uma fraqueza e tentasse ser diferente.
Aproximei-me com toda a cautela que pude, receando tropeçar em minha própria roupa e me estatelar no chão, o que não seria nenhuma novidade para mim. Vestindo apenas o pijama preto de seda, ele estava...magnífico, na falta de um termo que lhe fizesse mais justiça. Na solidão, desavisado da presença de outras pessoas e sem a preocupação de afastá-las, seu rosto era menos duro, menos tenso. Os botões da camisa estavam abertos e sua mão repousava sobre seu peito, subindo e descendo ao acompanhar o ritmo de sua respiração.
Corei horrores quando me dei conta de que estava hipnotizada por seu corpo. A pele clara parecia tão macia, seus ombros eram largos e todo o seu tronco, pelo que eu podia ver, era muito bem desenhado. Admito que as inúmeras camadas de roupa sempre despertaram a minha já bastante ativa curiosidade e muitas vezes imaginei como ele seria se estivesse...menos vestido. E apesar da minha imaginação ser bastante fértil, me surpreendi. Ele era mesmo magro, mas não era, de forma alguma, pele e osso. Anos carregando caldeirões pesados talvez tenham ajudado, porque ele não parecia ser o tipo de homem que fazia exercícios regularmente e intencionalmente. Senti vontade de rir da minha descoberta inusitada. Severo Snape era o protótipo do falso magro. Inacreditável! Seria um segredo que eu não faria questão de dividir com alguém, ainda mais com alguém que fosse do sexo feminino. Talvez eu até sugerisse que ele acrescentasse mais uma capa de um tecido bem grosso à sua indumentária. Era só o que me faltava, mas eu estava morrendo de ciúmes. Suspirei, tomada por um acesso de carinho. E diziam que Lockhart era o galã das bruxas... Pois sim! Percebi que talvez eu estivesse me exaltando um pouco. E ralhei comigo mesma, exigindo controle. O que eu estava vendo afinal? Era apenas Severo Snape. Em trajes de dormir, mas apenas Severo Snape. Céus, eu precisava de chocolate! Uma enorme quantidade de chocolate!
Resolvi deixar esse tipo de observação inconveniente para depois ao notar que ele não dormia tranqüilo. Movia o rosto de um lado para o outro de tempos em tempos, como se tomado por um nervosismo mudo. Eu me aproximei um pouco mais e, como em todas as outras vezes em que estávamos próximos, ele me envolveu com seu aroma. Em uma nota mental, resolvi que a primeira coisa que faria ao passar por Hogsmeade seria comprar todo o estoque de chocolate da Dedosdemel.
Eu o observei durante vários minutos. Seu corpo, às vezes, ficava tenso e sua expressão era de dor. Ele lutava contra seu pesadelo e eu senti vontade de envolvê-lo em um abraço e dizer que estava tudo bem, mas eu não podia. Depois de algum tempo resistindo, eu percebi que ele se acalmava. Moveu-se um pouco, virando a cabeça para a direção onde eu estava como se também fosse atraído pelo meu cheiro, por minha respiração. Seus lábios se partiram preguiçosamente enquanto ele respirava fundo. Naquele momento eu poderia jurar que o ouvi me chamando. Minha nossa! Eu amava o modo como ele dizia meu nome! Aliás, vindo da boca dele, Ninfadora não parecia tão hediondo. Parecia até bem aceitável. Ah, Severo... ele poderia me chamar de Ninfadora por todo o sempre que seria como música para os meus ouvidos...
Sentando-me com muito cuidado na beirada da cama, levei minha mão trêmula até ele e afastei os longos cabelos de seu rosto. "Senti sua falta essa noite" sussurrei. E, em resposta, ele suspirou. Parecia que podia me ouvir. Eu estava começando a entender o motivo das visitas dele. Era reconfortante falar com ele, libertar meus pensamentos sem preocupações, sem medo. "Eu imaginei que você estaria cansado, então achei que era hora de retribuir suas visitas tão gentis". Minha voz era quase inaudível, até para mim. "Eu só queria te dizer que sempre te ouvi, Severo. Ah, você não tem idéia do que tem feito por mim. Você é...maravilhoso...". Eu tocava o rosto dele com extremo cuidado, por medo de acordá-lo. "E...eu acho que...que também me apaixonei por você". As palavras quase me chocaram. Eu havia dito o que eu nunca imaginei ser capaz de dizer de novo.
Lágrimas turvaram minha vista enquanto eu fitava seu rosto adormecido, admirada. Eu temia que meus soluços chorosos o acordassem. O mais sensato era sair dali sem mais delongas. Levantei-me e beijei com ternura sua testa. Eu estava pronta para ir.
"Ninfadora...". A voz dele estava rouca por causa do sono. "Por favor, não vá embora...". Eu era pura surpresa quando me virei para encará-lo. Eu quase podia ver as lágrimas também nos olhos dele. Severo Snape...chorando?
Entrei em pânico. Quando ele havia despertado? O que ele teria ouvido? Meus pés se fixaram no chão e me senti muito fraca. Não sabia como agir, o que fazer. Não sabia se atendia ao pedido dele ou se fugia. A única coisa que eu conseguia sentir era remorso pelas palavras que disse, que estavam tão bem guardadas dentro de mim e que não deveriam ter saído de lá. Eu estava apaixonada por Severo. Eu estava traindo a memória de Remo... Ele não merecia...
"Não, Severo... Eu sinto muito, eu não deveria estar aqui... Eu... Remo..." gritei, correndo para a porta.
Severo levantou-se em um salto e com apenas dois ou três de seus passos decididos, ele me alcançou. "Ninfadora...por favor..." pediu, segurando minha mão. Pelo modo como falou, qualquer um diria que ele estava implorando.
"Ah, Severo... O que está acontecendo comigo? Eu estou tão confusa. Não sei mais o que é certo ou errado...". Afundando meu rosto em minhas mãos, eu deixei que ele me envolvesse com seus braços fortes e que me passavam tanta segurança. A pele dele era realmente macia e quente... Tão convidativa que eu poderia ficar ali por séculos, milênios, eras...
Enquanto afagava meus cabelos, seus lábios roçavam em minha testa e ele distribuía pequenos beijos por minhas têmporas. Doce e carinhoso, ele me mostrava mais uma de suas facetas secretas. "Eu também neguei até o último segundo que isso poderia estar acontecendo. Mas então eu me dei conta de como tudo isso é simples. Eu me apaixonei por você e você se apaixonou por mim. Não precisamos de mais nada além disso...".
Ele estava tão sereno e parecia tão certo do que estava dizendo que eu senti uma pontinha de inveja. Eu poderia suplicar de joelhos por um pouco daquela atitude calma. "Mas como isso foi acontecer, Severo? E Remo? Eu não posso fazer isso com ele...eu...".
Ele suspirou, estudando cada traço do meu rosto. Estava procurando pelas palavras certas, mas acho que não as encontrava. "A vida nos pregou uma peça e tanto, não acha? Se eu soubesse quem é o responsável por tudo isso, com certeza ele estaria em apuros. Tenho algumas azarações de minha autoria que ainda nem foram testadas...".
E mesmo em meio àquela situação absurda, ele me fez sorrir. Tomando minha mão, me levou até o sofá e me fez sentar ao lado dele. Pegou a varinha que estava sobre a mesa de centro e fez com que a lareira se acendesse. O quarto se encheu de uma luz amarelada e sombras começaram a brincar pelas paredes. Depois de mais algum tempo me fitando e também sorrindo, prosseguiu. "Eu nunca almejaria substituir Lupin em sua vida. Sei que seria impossível. Eu sempre soube ser justo e mesmo achando que ele teve um péssimo gosto ao escolher suas amizades, admito que ele era forte e leal. Infelizmente, não está mais aqui conosco. Mas eu acredito que ele gostaria que você fosse tão corajosa quanto ele e seguisse sua vida, enfrentando qualquer tipo de barreira. Não tenha medo de se entregar novamente, Ninfadora. Se você me aceitar, se tiver paciência com esse velho ranzinza, se me deixar cuidar de você, acho que posso fazer com que volte a ser aquela moça cheia de alegria e esperança de antes da guerra, porque você me faz querer ser um homem melhor...".
Meu sorriso se alargou e as lágrimas voltaram a correr. Ele estava certo. Remo gostaria que eu enfrentasse a vida de cabeça erguida e aproveitasse ao máximo meus dias nesse mundo. E onde quer que ele estivesse, eu sabia que estaria sempre olhando por mim. Ele saberia que eu sempre o amaria e guardaria suas lembranças em meu coração. Mas a minha vida precisava continuar. E só ao lado de Severo eu imaginava que isso seria possível.
Ele tocou meu queixo e levantou meu rosto com carinho para que nossos olhos se encontrassem. E então eu vi. Bem no fundo da escuridão daqueles olhos, dançava um brilho novo. No abismo negro, meu reflexo era a luz. E eu me rendi totalmente. Todos os problemas, todos os contras se perderam em algum buraco negro da minha mente para nunca mais voltarem. Eu soube que faria tudo por aquele homem e ele também faria tudo por mim. Fechei os olhos quando o rosto dele estava a milímetros do meu. O beijo de Severo foi algo que eu nunca poderia descrever com exatidão. Seus lábios eram como plumas ainda, tão suaves...mas, ao mesmo tempo, poderosos e estonteantes. As mãos dele envolveram o meu rosto quando ele aprofundou o beijo, pressionando com mais ânsia sua boca contra a minha. Severo me levou para uma outra dimensão, um lugar que com certeza devia ser muito parecido com o paraíso. Quando os braços dele mais uma vez acolheram minha cintura, eu passei os meus ao redor de seu pescoço. E naquela doce intimidade, eu tive certeza de que nunca me arrependeria daquela decisão de me libertar. Eu estava perdida nas trevas da minha própria alma. Mas ele foi até mim e me despertou. Não mais um morcego das masmorras, mas um anjo que trouxe a luz de volta à minha vida...
*****************************************************
Olá, leitores! :o)
Capítulo mais longo que o normal e bem difícil de sair! Tantas coisas precisavam ser esclarecidas entre eles! E mais uma vez eu escrevi, apaguei, escrevi de novo...rs... Fiz especialmente para as minhas amigas "severetes"! :o) Será que vocês gostaram do Snape nesse capítulo? Comentem, tá? Estou esperando!
Respirem fundo e voem alto! :o)
Tudo de bom para vocês!
OBS: O próximo capítulo será o "Epílogo"...snif...
OBS II: Star, obrigada pela ajuda na resolução do dilema...rs...
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!