Sentimentos confusos
Na cozinha, Harry tentava ajudar Ginny a cozinhar, fazendo o que ela lhe mandava:
- Passa-me três ovos, Harry. - dizia a ruiva, ao que Harry se aprontava para obedecer.
Harry sabia cozinhar. Tinha sido obrigado a aprender para ajudar a tia Petúnia na cozinha. Mas não se importava de ser um simples ajudante de Ginny. Ficava embevecido a olhar para o jeito como ela se movia, como estava tão concentrada no que estava a fazer, a maneira como tinha preso o cabelo com um simples lápis, deixando escapar algumas madeixas que arrumava graciosamente atrás da orelha.
Chegou a um ponto que Ginny notou que Harry a olhava fixamente e lhe perguntou:
- Por que olhas assim para mim? - um pequeno sorriso embaraçado cruzou os seus lábios. - Tenho alguma coisa na cara?
- Hum... - Harry decidiu brincar. - Tens um nariz, dois olhos, uma boca...
Ao dizer o último aproximou-se perigosamente da cara de Ginny, mas esta desviou a cara, corando intensamente.
- Tenho que fazer o jantar...
Harry ficou perturbado com a maneira como ela tinha fugido ao beijo que ele lhe ia roubar. Acabou por se decidir e esquecer aquilo, não valia a pena ficar a remoer sobre aquele assunto, provavelmente não se passava nada, ele estava apenas a ser paranóico.
- Podes ir agora, Harry... - disse Ginny, sem tirar os olhos da panela em que cozinhava. - Agora é só deixar isto cozinhar e está pronto.
Harry tentou ignorar outra vez aquele seu pensamento paranóico que Ginny estava a tentar evitá-lo e foi até à sala, perguntando-se se Ron e Hermione estariam a discutir ou a (finalmente) acertar-se. Mas o que viu deixou-o surpreso.
Hermione e Ron estavam sentados nos sofás da sala em silêncio. Um silêncio que chegava a ser incomodativo. Hermione mudou de posição na cadeira, sentindo-se desconfortável e Ron deu uma tossidela seca, claramente embaraçado.
Harry entrou na sala ruidosamente, para se fazer notar. Ron pareceu bastante envergonhado por o ver ali. Harry por sua vez perguntava-se o que se passava ali, para estarem os dois num silêncio tão profundo.
Sentou-se no meio dos dois, visto que havia um espaço bastante largo entre os sítios onde Ron e Hermione se sentavam.
- Hum... - Harry procurava desesperadamente algo inteligente ou interessante para dizer. - Hoje está quente.
Parvo! Harry só queria um buraco para se esconder. Ron olhou para ele com uma expressão indecifrável no rosto e lutou contra uma vontade imensa de fazer algo que nem ele sabia o que era.
- Estou sem fome. - disse. - Acho que me vou deitar.
E dizendo isto saiu da sala, de mãos nos bolsos e arrastando os pés. Harry olhou para o amigo com uma expressão incrédula na cara. Ron, sem fome?? Isso era quase tão possível como um elefante passar pelo buraco de uma agulha!! Ainda uns minutos antes ele reclamava com Ginny que ela demorava muito para cozinhar. Apenas uns minutos a sós com Hermione tinham-no deixado sem fome. Uma coisa era certa: algo se tinha passado entre os dois.
- Hermione. Que se passa com o Ron?
Só então reparou nos olhos brilhantes de Hermione e teve a certeza que algo estava muito errado.
- Eu... eu não sei... - balbuciou Hermione, fungando para não chorar. - Eu nem sei porque lhe disse aquilo, mas a culpa também foi dele!
Ele não tinha ouvido absolutamente nada, e estava na cozinha, mesmo ao lado da sala. Tinham-nos deixado a sós apenas uns dez minutos. O que se teria passado?
- Hermione, o que se passou? Que disseste???
- Ele, ele perguntou-me porque é que eu tinha beijado o Viktor! - Hermione revelava uma nota de indignação na voz. - Eu não percebo de onde veio aquela ideia de me perguntar uma coisa dessas assim do nada!!!
Harry esforçou-se por não se rir.
- Isso é mesmo coisa do Ron. Sabe que quando ele quer saber alguma coisa nunca encontra o momento oportuno para perguntar, nem a melhor maneira de o fazer.
- Não, Harry, o pior foi depois! - Hermione parecia verdadeiramente irritada. - Eu disse-lhe que ele não tinha nada que ver com isso, que isso eram assuntos passados, e era entre mim e o Viktor. Então ele... ele...
Hermione parou para respirar.
- Ele tentou beijar-me!
Harry não se segurou e rebentou a rir.
- Ele beijou-te?
- Harry, não tem piada. - tinha um tom desaprovador. - Eu afastei-o e disse-lhe que eu não era como a Lavender. Aí ele ficou muito calado e sentou-se aí. Não falámos mais porque entretanto apareceste tu.
Harry tentava processar toda aquela informação. Ron tinha finalmente arranjado coragem para fazer o que queria fazer desde o dia em que salvara Hermione do troll na casa de banho, e ela tinha-o afastado. De repente percebeu a súbita falta de apetite do amigo.
- Hermione, tu és uma rapariga. - Harry tentou escolher bem as palavras. - O Ron é um rapaz... muito pouco... hum...
- Esperto? Sensível? Decidido? - Hermione estava agora a ironizar tudo aquilo. - Ele teve imensas chances de me dizer o que sentia, de fazer algo. Mas ele não fez! No quarto ano não me convidou para ir ao baile, esperou até ao fim, como último recurso. Claro que já alguém me tinha convidado. Ao menos o Viktor teve coragem de me convidar. O Ron não, simplesmente esperou que eu estivesse desesperada por arranjar um par para não ir sozinha. Isso irrita-me tanto!
- Hermione! Ele fez algo agora! - Harry tentava a todo o custo desculpabilizar o amigo. - Pode não ter sido a melhor maneira, mas foi sincero... sabes que ele nunca foi bom com palavras. E talvez tu o tenhas também magoado um pouco ao afastá-lo.
- Mas ele nem sequer soube fazer as coisas! Num momento estava a perguntar-me porque eu tinha beijado o Viktor e a meio da minha resposta beijou-me, sem aviso! -Hermione já se tinha levantado do sofá e caminhava de um lado para o outro em frente ao Harry. - Eu odeio homens...
Harry arregalou os olhos e Hermione emendou:
- Quase todos...
- Tenta compreender. Isto foi um grande passo para o Ron. Sabes que ele sente algo por ti. Agora, sei lá... deixa estar. Não o faças sentir-se mal pelo que fez. Acho que o melhor é agir naturalmente. Talvez as coisas voltem ao normal. Elas voltam sempre.
- E desde quando és um conselheiro sentimental? - aquele sorriso divertido de Hermione voltou a aparecer. - Ah! Já sei. Desde que tu e a Ginny finalmente e definitivamente se acertaram, não é?
Harry corou tanto que sentia o sangue a queimar-lhe as maçãs do rosto.
- Aquilo que viste no meu quarto hoje... - hesitou. - Não é bem o que estás a pensar...
- Aquilo que eu estou a pensar, Harry, é exactamente aquilo que eu sei que se passou ontem. Vê-se na tua cara e na da Ginny. Longe de mim criticar ou até fazer pouco de vocês. É uma opção vossa, e acho bem que, se vocês se amam, não há nada de errado.
Harry fez menção de lhe responder, mas desistiu. Percebeu que não era preciso responder a Hermione. Por seu lado, Hermione começava a pensar no beijo de Ron. Sentou-se de novo no sofá e esperou com Harry pelo jantar que estava a ser preparado por Ginny.
Ginny estava absorta nos seus pensamentos enquanto cozinhava. Nem ela sabia porque tinha evitado Harry. Sentia vergonha de estar perto dele agora. Aquele pudor de pensar no que tinham feito, no que tinham partilhado. E depois toda aquela simbologia por trás de ser ela a encontrar o vestido de noiva da mãe de Harry. Porquê ela? Ela bem viu o olhar no rosto de Harry ao vê-la com o vestido. Tudo aquilo a assustava. Tinha apenas 16 anos, ia fazer 17, mas mesmo assim. Era assustadora a maneira como tudo caminhava tão rapidamente entre ela e Harry.
Ron, no seu quarto, estava deitado na cama. Por que era sempre tão estúpido? Por que tinha sempre que estragar tudo? Nem beijar a rapariga de quem gostava desde o primeiro ano ele conseguia sem deitar tudo a perder. Será que alguma vez ia conseguir ficar com ela, desajeitado da maneira que era? Seria que ela nem sequer gostava dele da maneira que ele pensava? Mas então seriam apenas ciúmes de amiga aqueles ciúmes que ela demonstrava por Lavender? Seria que ela ainda não tinha esquecido o Krum?
Hermione pensava, completamente em silêncio no que Harry tinha dito. Aquele tinha sido um passo enorme para Ron, o pobre e desajeitado Ron que lhe roubara o coração na primeira vez que o tinha visto, com o nariz sujo no comboio para Hogwarts. Hermione sempre tivera um fraquinho por ele, mas nunca conseguiu expressá-lo, a não ser pela sua implicância com ele. Toda a gente teria reparado que ela apenas implicava com ele porque era a sua maneira de lidar com os sentimentos. Quanto a Viktor, tinha sido nada mais que um rapaz, o primeiro que ela tinha beijado, é verdade, mas não fazemos todos coisas impensadas quando somos novos e despreocupados? E Ron tinha-a deixado para último! Ela estava no seu direito de aproveitar a vida.
Harry por sua vez pensava na reacção de Ginny, tentando não pensar demais e acabou por se focar nos problemas de Ron e Hermione. Quando iriam aqueles dois acertar-se de uma vez?
- O jantar está pronto! - disse Ginny, surgindo à porta da sala. - Onde está o Ron?
Harry e Hermione entreolharam-se e suspiraram, dizendo em conjunto:
- Está sem fome.
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