Escuridão
Meggy olhava em volta sem saber o que fazer. Já estava assim, parada, há um bom tempo, encarando com receio a escuridão que a cercava. Não tinha coragem de se mover por não se lembrar de como entrara nessa situação. Então ela lembrou de algo que fez seu coração apertar: onde estavam os outros?
De repente algo começou a surgir na sua frente. Algo que não dependia de luz para ser visto, era como se tivesse luminosidade própria. Embora não tivesse traços nítidos, parecia uma pessoa.
_ Quem é? _ perguntou ela com voz fraca e rouca.
A figura se tornara distinta instantaneamente, como se a pergunta da garota fosse a palavra mágica para que isso acontecesse.
_ Mãe? _ Meggy respirou um pouco mais aliviada _ Que lugar é esse? Como veio aqui? Eu não...
_ Fraca. _ disse Charlotte cruzando os braços e encarando a filha com uma expressão de censura e desprezo.
_ O quê? _ perguntou a garota sem entender.
_ Sempre foi fraca. Depende dos outros para tudo. Não sabe viver por si mesma e não decide por si mesma!
_ Mãe? O que está dizendo?
_ Pensei que poderia ser forte, tendo o que eu não tive e sendo parecida comigo. Mas você me decepcionou. Sempre foi fraca e continuará sendo. Gareth e Selene é que são meus motivos de orgulho. _ ao dizer isso os dois apareceram na sua frente e ela pôs as mãos nos ombros de cada um _ Selene, apesar de ser muito mais nova do que você, foi a primeira a perceber que algo estava errado. E se eu tivesse falado com o Gareth quando foram para Hogwarts, com certeza vocês não teriam sido seqüestrados.
Os dois irmãos a olhavam como se ela fosse um ser desprezível e não merecesse uma palavra da parte deles.
_ Não. _ murmurou Meggy _ Não foi minha culpa. Pensamos que...
_ Não adianta desculpas agora. Já aconteceu e você está presa aqui.
Disse uma voz familiar vinda de trás dela. Ao virar-se, ela deparou-se com seu pai.
_ Sempre foi responsável e certinha. _ continuou ele _ Nunca vai além das regras. Isso não é vida para uma criança, quantas vezes já falei isso? Nunca me escutou!
_ Não pai, eu...
_ Falar, falar, falar. É a única coisa que sempre soube fazer desde pequena. _ ele revirou os olhos não a ouvindo.
_ Só sabe corrigir, dizer que estamos errados. Pensa que sabe de tudo, não Meggy? _ dessa vez foi Gregory quem apareceu do seu lado _ Fica se fazendo de boazinha, menina responsável na frente dos outros, mas sempre está morrendo de vontade de aprontar com a gente. Nunca gostei de você, Meggy. Ninguém suporta mais você!
Como se fosse um eco, a última frase foi repetida pelos outros, enquanto começavam a cercá-la.
_ Não! O que estão fazendo? _ a garota começou a desesperar-se diante daquilo e seus olhos encheram-se de lágrimas. Perdeu completamente a força nos joelhos e desabou no chão.
_ Por que estão fazendo isso?
Os outros continuaram a cercando, agora com sorriso sombrios enquanto continuavam repetindo que a odiavam.
_ PAREM COM ISSO! _ Meggy cobriu a cabeça com as mãos e começou a chorar.
***
Malthus não tinha medo de escuro, só que aquela escuridão era muito diferente. Não tinha luz, mas ele conseguia ver a si próprio tão claramente que era como se estivesse em um campo ensolarado. Com certeza era algum tipo de encantamento muito forte, por que ele não se lembrava de como havia sido encantado... se é que havia sido encantado...
Não havia nada a cima dele, nada em volta, nada em frente. Ele virou para trás e se deparou de repente com Emily.
_ Mãe? _ ele perguntou incerto.
Ela estava chorando, encarando algum ponto distante com um olhar perdido.
_ Mãe? _ ele chamou de novo chegando mais perto, com cuidado.
_ Eu não consigo vê-lo. Nunca mais vou vê-lo.
Pela tristeza com que ela falava, ele percebeu na hora que ela estava se referindo ao seu pai.
_ Não, mãe. O papai vai perceber que...
_ Vou perder todos vocês, um por um... Draco foi embora e vocês também me deixaram sozinha.
_ Não. _ Malthus esqueceu completamente que aquilo poderia ser um encanto e foi até a frente dela _ Eu estou aqui, olha.
_ Não, não está! _ ela caiu de joelhos chorando mais ainda, cobrindo o rosto com as mãos _ Todos foram embora!
_ Mãe! Olha para mim! Eu estou aqui! _ ele abaixou-se com ela a tirou as mãos dela do rosto para que pudesse vê-lo.
_ NÃÃÃÃÃOOOO! _ ela começou a se debater e o empurrou com força _ FIQUE LONGE DE MIM!!!
Malthus permaneceu estático no chão a encarando, com uma sensação de que estava despencando de um abismo: a mãe estava enlouquecendo. Os olhos dela estavam desfocados e demonstravam que ela estava completamente fora de si.
***
Gareth havia corrido por um bom tempo sem conseguir escapar da escuridão. Não era um lugar fechado e parecia não ter fim. Ele parou para tomar fôlego e olhou em volta, nada. Sozinho ele não conseguiria sair dali, não sabia magia para isso. Precisava de ajuda, então contrariado ele tentou:
_ EI! Tem alguém aí?! _ ele esperou, mas como não houve, resposta tentou de novo _ EEEEIIIII! _ ele berrou com tudo o que podia e esperou em silêncio absoluto, apurando os ouvidos.
Então um sopro forte veio contra ele derrubando-o, e junto com o sopro veio o seu grito de volta. Ele levantou rapidamente e procurou em volta. Continuava não havendo nada.
_ Gareth!
_ Meggy?! _ ele sobressaltou-se tentando procurar de onde vinha a voz _ Meggy? Onde você está?!
_ GARETH! SOCORRO! A SELENE! VOCÊ PRECISA NOS AJUDAR!
_ O QUE ESTÁ ACONTECENDO?! _ ele começou a andar em uma direção, mas a voz da irmã parecia vir de todos os lados.
_ POR FAVOR, GARETH! ESTAMOS AQUI!
O tom de urgência da voz da irmã veio acompanhado por um choro que ele logo reconheceu como sendo de Selene. Elas estavam com problemas e ele precisava ajudá-las.
_ Meggy?! Selene?! ONDE VOCÊS ESTÃO?! _ ele começou a correr de novo, mesmo não sabendo para onde deveria ir.
_ NÃÃÃÕOOO!!! PAREM! GARETH!!!
Dessa vez esse grito esse grito o fez gelar. Era a sua mãe gritando desesperada. Algo horrível estava acontecendo com elas. Precisava encontrá-las de qualquer maneira ou poderia... Ele caiu de cara no chão.
_ Mas o que... _ ele olhou para trás e viu que seus pés tinham sido agarrados pela escuridão, e ela não o deixava levantar.
Ele debateu-se, mas era inútil. Então as vozes recomeçaram, e elas vinham de todos os lados cada vez mais desesperadas e suplicantes. Ele cerrou os dentes com força, se odiando por não ser forte o bastante para poder ajudá-las.
***
Gregory estava sozinho cercado pela escuridão e tentava se lembrar da pessoa com que havia falado antes de ficar preso naquele lugar. Era a pessoa que estava por trás de tudo. Ele tinha dito algo, uma proposta, mas mesmo com todo o seu esforço ele não conseguia lembrar o que era.
O som de passos o fez acordar subitamente dos seus pensamentos. Ele olhou para frente e viu alguém se afastando. Não havia dúvidas que era Malthus.
_ Ei! Malthus!
O garoto não demonstrou ter ouvido, então Gregory correu até ele o fez parar pegando no seu ombro e perguntando:
_ Onde está indo? Onde estão os outros?
_ Me solta! _ rosnou o irmão em resposta repelindo a mão dele.
_ Qual o problema? _ perguntou Gregory estranhando a reação agressiva do irmão.
_ Problema?! _ ele parou de repente sem se virar _ Você é o problema!
Gregory ficou paralisado diante da acusação. Malthus estava furioso como ele nunca vira antes, e continuou falando:
_ Por sua causa o papai foi embora. Por sua causa a mamãe está sofrendo! Por sua causa nós estamos presos aqui! EU TE ODEIO! _ e ele correu, sumindo na escuridão.
Gregory continuou no mesmo lugar, com a última frase ecoando na sua cabeça. Ele deu um passo a frente para seguir o irmão, mas não conseguiu.
_ IDIOTA! _ gritou por fim, furioso também pela explosão contra ele e foi para o outro lado, pisando duro.
_ Você se acha melhor que o mundo, não?
Ele conhecia aquela voz, era...
_ Mãe?
_ Sempre achou que tudo gira a sua volta. Será que não pode pensar um pouco mais nos outros?
Ele já tinha ouvido isso antes. Lembranças começaram a vir a sua mente: ele pegando todos os chocolates da caixa e não deixando nenhum para os outros; quando ele tirava um doce do Malthus bebê porque o dele tinha caído no chão; quando os seus primos iam na sua casa e ele escondia todos os seus brinquedos; quando ele pegava a varinha do seu pai só para vê-lo procurar por toda a casa; quando ele acordava a casa inteira por não conseguir dormir; quando ele fazia com que seus colegas de Hogwarts fizessem seus deveres...
_ Será que você não pode ser um bom menino pelo menos uma vez, Gregory?
_ Mãe, eu não... _ ele pensou no que falar, mas descobriu-se sem palavras diante do tom decepcionado da mãe.
_ Nunca entendi o por que dessa implicância, sr. Menino Malfoy.
Dessa vez seu era a voz de seu pai, e ela vinha de trás dele, o chamando da maneira elfa, que sempre o irritou. Ele virou-s e e se deparou com o próprio.
_ Charlotte falava que você era meu castigo por ter sido tão mimado. _ continuou ele em tom de desprezo _ Mas, mesmo crescendo, suas atitudes não mudaram. Continua me tratando como se eu fosse um desconhecido em sua casa.
Gregory ficou calado, não conseguindo encarar o pai. Por mais que ele quisesse gritar e falar um monte de coisas, tudo o que o pai dizia era verdade. Ele sempre foi implicante e nunca teve um motivo claro para isso.
_ Você viu desde o começo tudo desmoronar a sua volta e não fez nada para resolver a situação. Sabe que se quisesse poderia ter evitado as brigas, mas deixou elas acontecerem. Orgulhoso demais para se redimir, não? Agora está tudo acabado, Gregory, e a culpa é sua!
O garoto queria correr dali, fugir, xingar todos que encontra-se, mas seu corpo não obedecia mais.
***
Meggy cobria cabeça com toda a força que tinha, só assim poderia se livrar das vozes deles. Mas só isso não adiantava, porque o que eles falavam a feria por dentro.
“Não.”
Ela sentia uma dor no peito e queria desesperadamente desmaiar ali mesmo. Assim não ouviria mais nada.
“Não se entregue, é isso que eles querem.”
Ela ainda não sentia suas pernas e daria qualquer coisa para que o chão se abrisse naquele instante e ela caísse em um abismo.
“Você é forte!”
_ Eu não sou forte. _ ela murmurou.
“Sim, eu sou forte!”
_ Não.
“Olha.”
Ela sentiu que alguém colocava a mão na sua cabeça. Ainda chorando, ela levantou os olhos para ver quem era, não conhecia aquela voz. Com os olhos cheios de lágrimas, ela não conseguiu ver de imediato quem estava ali.
“Nunca foi fraca, eu sempre estive com você.”
_ Quem é você? _ Meggy enxugou os olhos com as costas da mão.
“Aquela que não vai deixar você desistir.”
Meggy espontou-se quando voltou a olhar. Era como se estivesse olhando em um espelho.
_ Você...?...
“Quando você quer gritar com o mundo mas não grita, eu grito. Quando você quer responder mas não tem coragem, eu respondo. Quando você está triste mas finge estar alegre, eu choro.”
_ Quem é você? _ ela perguntou olhando em volta. Os outros não estavam mais ali.
“Sua voz interior. Aquela que é realmente você, mas que quase nunca aparece.”
_ Eu não... não tenho... você.
“Não terá se continuar me soterrando em baixo de tudo que você segue retamente. Mas quando agora que você está nesse estado, é meu dever não deixar que você se perda. Se eu perder você, nunca mais seremos a mesma.”
_ O que eu devo fazer.
“Acha que a mamãe diria que você é fraca, quando o que ela quer é que vivamos normalmente, diferente dela. Acha que os irmãos, que nos adoram, iriam nos olhar daquela maneira? Acha papai, que dá a vida por nós, nos desprezaria daquela foram? Acha que Gregory, que conhecemos tão bem, falaria daquela forma conosco?”
_ Eu... não sei...
“Eles são ecos de nossos medos. Temos que enfrenta-los.”
_ Como?
“Diga isso para eles. Que você é mais forte. Grite! Berre! Recupere o controle!”
_ Eu...
“Eu nunca fui fraca! Nós nunca fomos fracas! Você nunca foi fraca! GRITE!”
_ EU NÃO SOU FRACA! _ Meggy gritou e sentiu na mesma hora que poderia se levantar. _ EU NÃO SOU FRACA! _ ela levantou.
“EU NÃO SOU FRACA!”
_ EU NÃO SOU FRACAAAAAAA!!!
***
Malthus se aproximou mais da mãe, tentando abraçá-la, mas cada vez que ele chegava perto, ela debatia-se e gritava, fugindo de perto dele. Sentia-se horrível. Emily continuava chorando terrivelmente e aquilo o machucou de um jeito que ele não imaginava ser possível.
Porque a mãe estava agindo daquela maneira? Porque não conseguia vê-lo, e porque ele não conseguia ajuda-la?
Olhou novamente para Emily, que encarava o nada, com os olhos fora de órbita. Louca. Malthus sentiu o coração despencar. Depois de um tempo ela não reconheceria mais os filhos e nem cuidaria mais deles. Precisava dela e ela enlouquecera!
Caiu, de joelhos, sentindo as forças o abandonarem. Se ele não tivesse o amor da mãe, não ia conseguir seguir em frente. Passou algum tempo ali, ajoelhado, lembrando dos momentos com sua mãe. Antes que pudesse reagir, uma voz penetrou sua mente.
"Malthus, eu te amo!"
Ele olhou em volta. Era a voz da mãe! Mas a mãe continuava parada ali, olhando o nada com os olhos desfocados. Mas alguém o abraçava. Ele podia sentir, era o abraço da mãe, embora ela estivesse logo ali na frente. Então ele lembrou! Aquilo só podia ser um encantamento e aquela voz era sua mãe de verdade! Com força, pensou em quanto queria ver sua mãe, e sentiu-se levitar para uma luz forte que se abriu no alto da escuridão.
***
A escuridão já estava cobrindo metade do corpo de Gareth e as vozes pedindo socorro continuavam.
_ MÃE! MEGGY! _ ele se debatia inutilmente. _ Eu preciso sair daqui. Eu preciso sair daqui. Eu preciso sair daqui.
Mas quanto mais ele tentava mais a escuridão crescia nele. Percebendo isso ele parou de se movimentar. As vozes também pararam. Se mover a cabeça, ele olhou em volta e confirmou que não havia nada. Ele ergue a mão e o choro da irmã menor recomeçou, mas parou assim que ele também parou.
“O que é isso?”, ele pensou.
Tentou se levantar, então as três recomeçaram a gritar. Então entendeu o que estava acontecendo. Era um encantamento com certeza. Sua mãe não ficaria pedindo ajuda, Selene não choraria assim e Meggy não pediria ajuda para ele tão escandalosamente.
A escuridão que estava o cobrindo começou a recuar, a medida em que ele se convencia de que aquilo não era real.
_ Hunf, não vão conseguir me enganar tão fácil assim! _ ele fechou os olhos e se concentrou em ver luz, em abrir os olhos.
***
Ainda paralisado, Gregory encarava os olhos decepcionados da mãe e os olhos raivosos do pai. Mesmo sabendo que tudo o que eles lhe disseram era verdade, não podia acreditar que estavam falando com ele daquele jeito. Emily nunca agira daquela forma e o pai, embora ele não gostasse da forma como ele o tratava, nunca pareceu se importar com o que Gregory pensava dele... não daquela maneira.
Logo se lembrou que a aparência de insensibilidade do pai devia-se ao fato do homem não demonstrar seus sentimentos. E Malthus nunca brigara com ele daquela forma, sempre dava o braço a torcer, em qualquer briga que eles tivessem.
_A culpa... a culpa não é minha! – o menino murmurou, sentindo que sua garganta se fechara.
Não ia chorar. Ele não ia mostrar o quão magoado estava com sua família. Se eles queriam machucá-lo, Gregory não ia deixar que vissem o quão magoado estava.
_Só pensa em si mesmo, não é Gregory? _ a mãe aproximara-se, ainda com o olhar decepcionado _ Quando vai parar para ver o quanto me faz sofrer? Será que eu não sou importante pra você?
_Você nunca pensou em como nós nos sentíamos com sua arrogância, não é Gregory? _ resmungou Draco, postando-se ao lado de Emily _ Eu continuo sendo um desconhecido pra você?
Gregory sentiu que não ia mais conseguir se mexer. Sentia-se tão mal que quase perdera o ar. Sem o apoio dos pais, o mundo não parecia mais fazer sentido. Como ele conseguiria viver com esse olhar decepcionado da mãe? Os pais começaram a se afastar de costas, ainda o encarando. Ele sentiu que o aperto no peito piorou.
Apesar de nunca ter chamado Draco de pai, Gregory sabia o quão importante era o homem para ele... que apesar de implicar sempre que possível com Draco, tudo o que ele fazia era pra chamar atenção e ver se conseguia fazer com que o pai o amasse como amava Malthus. E agora que os dois se afastavam dele, ele percebeu que precisava terrivelmente dos dois.
_Eu preciso de vocês – ele resmungou, sentindo as lágrimas rolarem soltas pelo rosto – Não me abandonem! EU PRECISO DE VOCÊS!!!
Seu grito ecoou pela escuridão, que, aos poucos, começou a clarear.
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