O livro das cobras



Capítulo V

A primeira aula de Tom foi de vôo, no dia seguinte. O dia estava frio mas ensolarado e ventava muito, o que dificultava ainda mais as primeiras tentativas do garoto de voar numa vassoura.
Essa era mais uma das muitas experiências novas para Tom. Se alguém, a uma semana, lhe dissesse que estaria prestes a participar de uma aula de vôo com vassouras, ele provavelmente faria com que essa pessoa sofresse algum dano logo em seguida. A voz aguda da professora Thornberry parecia ainda mais etérea com o vento levando suas palavras para longe; e as alunas lutavam para manter a saia em seu lugar, sob risinhos dos outros garotos.
“Voar numa vassoura pode lhes parecer simples, mas é uma arte muito complexa, e poucos possuem o dom. Agora, levantem a mão quem já voou?”
Todos os colegas sonserinos de Tom, sem exceção, levantaram a mão. Tom sentiu-se constrangido, principalmente porque todos ali eram bruxos puro sangue e sendo assim, era natural que tivessem contato com vassouras voadoras e coisas do tipo. E sentiu-se ainda pior quando lembrou que havia dito a Amundsen que também era puro sangue. Então levantou a mão, terminando de selar a suposta unanimidade de puros sangue da turma.
“Ótimo”- Continuou a professora – “Isso facilita as coisas. Agora quero que vocês escolham uma vassoura, e começaremos fazendo simples treinos desviando dos obstáculos acima”
Realmente havia vários cones de madeira flutuando acima deles, alinhados no ar.
Tom apanhou sua Comet 140 e posicionou-se desajeitadamente, imitando seus colegas, que não pareciam ter muita experiência com aquilo. Então deu um impulso no chão, e a vassoura voou dez metros para o alto.
O pânico o invadiu mais uma vez e ele agarrou com toda força no cabo da vassoura, fechando os olhos e tremendo. Só enxergava vultos negros passando rapidamente ao seu lado, em zigue-zague, desviando dos cones.
“Qual é Riddle, tá com medo?”
Um colega de cabelos loiros e crespos estava parado às suas costas, e tinha um sorriso debochado no rosto.
“Até parece que nunca fez isso na vida!” – Disse Avery Nott, indignado. Deu a volta e disparou em linha reta, desviando com facilidade dos obstáculos.
Mas permaneceu o resto da aula parado no ar, tentando não olhar para baixo. Seria difícil justificar aquele medo supostamente irracional de voar em vassouras, afinal, sendo ele um garoto puro-sangue, estava mais do que acostumado com isso, certo?
No final do dia, ao voltar para o salão comunal da Sonserina, sentiu os olhares e risinhos de seus colegas do primeiro ano. Eram babacas, todos eles.
“Escuta, Riddle. Como você pode ter tanto medo de voar? Seus pais não tinham vassoura em casa?” – Nott ria debochadamente, sendo acompanhado pelos outros. Tinha se formado uma rodinha de garotos e algumas garotas primeiranistas, e Tom estava no centro. Será que a intenção desses estúpidos era acuá-lo? Riu internamente, percebendo que seria fácil dissimular aqueles idiotas...
“Que espécie de sobrenome é esse, afinal? Riddle?”
“Eu não sou sangue-ruim, Nott. Não tenho culpa se minha mãe fez o favor de desonrar o nobre sangue dos Gaunt casando com meu pai, um trouxa nojento.”
Tom percebeu que impressionara seus colegas. Apesar de ser mestiço de pai trouxa, ter uma mãe Gaunt não parecia ser pouca coisa perante seus colegas. E foi dormir pensando num jeito de superar seu medo de altura, envolto em uma série de sonhos com vassouras, dragões e labirintos...
A primeira aula do dia seguinte foi de herbologia, na qual deveriam adubar o vaso e plantar uma grande semente que tinha um formato que lembrava muito um pinto. Os pés-de-galinha, dizia a professora, eram uma planta muito utilizada para atrair pomorins dourados aos jardins bruxos, mas que possuía diversas propriedades mágicas que seriam demonstradas mais tarde, quando os arbustos (que, segundo a ilustração de seu livro, lembravam demais uma cara enrugada) estivessem grandes.
Após aquela primeira aula enfadonha, foi a vez de terem uma série de duas aulas de feitiços, uma de transfiguração na qual transfiguraram um fósforo numa agulha, e finalmente a aula de poções, a última do dia.
A sala de poções era fria e tinha um cheiro estranho, de repolho cozido e perfume doce demais. Era toda de pedra cinzenta e uns vinte caldeirões repousavam sobre uma bancada de madeira com um fogo embaixo aquecendo o que parecia ser água pura. Alguém que com certeza devia ser o professor, um homem baixo e gordo, com cabelos castanhos começando a ralear, estava de costas para a turma, lendo algum livro muito grosso. Quando percebeu que a turma entrara na sala, fechou o livro e empertigou-se. Pigarreou duas ou três vezes e então virou-se.
“Bom dia, caros alunos novatos. Vocês estão aqui para aprender a nobre arte de preparar poções. Meu nome é Professor Slughorn, e pediria que abrissem o livro na página cento e vinte, e se dividam em pares para começar a preparar uma poçãozinha simples, a poção para curar furúnculos.”
Lentamente os alunos foram abrindo seus livros na página indicada, separando e cortando os ingredientes indicados. Tom estava tão imerso em seus pensamentos a respeito de como faria para descobrir a respeito dos Gaunt, que sequer reparou quando o impertinente Avery Nott sentou-se do seu lado e silenciosamente colocou seu livro do lado do de Tom.
“O que você quer?” – Perguntou Tom, friamente.
“Desculpa por ontem, cara. Eu não sabia que você não tinha pais.”
“Bom, certamente não é porque eu quero” – Ironizou Riddle.
Mais um tempo passou-se até que a água começou a ferver e Tom adicionou suas raspas de bezoar à água. Avery recomeçou a falar.
“Eu soube que os Gaunt podem falar com as cobras. Você sabe falar com as cobras?”
Tom virou-se para encarar o colega, sem deixar de mexer sua poção. Olhou demoradamente seu rosto, observando sua expressão. Não entendia porque as pessoas de sua idade tinham a irritante mania de querer fazer amizade o tempo todo. Mas valeria a pena a companhia de Nott, seria útil ter alguém que fosse realmente puro-sangue.
“Isso não é da sua conta.”
Nott engoliu em seco e abaixou a cabeça, observando a poção à qual Tom acabara de acrescentar duas gotas de sangue de dragão, o que fez com que tomasse o exato tom de vermelho indicado pelo livro. Mantiveram-se calados até o final da aula, mas Tom sentia o olhar de Avery às suas costas, e vez por outra o flagrava olhando, talvez tentando descobrir a mentira no olhar de Tom, mas fingia que não percebia e prosseguia mudo. Quando a aula acabou, Tom e Avery retornaram ao salão principal para o jantar, e só então começaram a conversar normalmente.
“Então...” – Começou Avery, receoso – “Pode me responder? Você fala com as cobras?”
Suspirou profundamente. Se isso o livrasse das perguntas incômodas de Nott...
“Falo”
E Tom começou a contar como as cobras o seguiam durante seus passeios ao campo, terminando por narrar sua aventura na caverna do rochedo. Avery parecia beber cada palavra que saía da boca de Tom e seus olhos brilhavam de admiração. Quando enfim terminaram de jantar, Tom dispensou Avery, mandando que fosse fazer seus deveres e finalmente teve um momento de paz solitária. Pretendia passar o resto do tempo até o toque de recolher, lendo na biblioteca, alimentando sua sede de conhecimento.
Não era a primeira vez que entrava na biblioteca, mas na primeira vez que o fizera não prestara muita atenção no lugar, ocupado que estava em sua pesquisa sobre as árvores pé-de-galinha. Porém, à noite o lugar parecia ainda mais fantástico, e de certa forma sombrio, com as sombras formadas pelos livros de todo tipo de formato contra as chamas das velas.
A jovem bibliotecária, McGonagall, parecia dormir profundamente sobre uma pilha de livros em que constava o registro de cada livro que fora alugado recentemente e que ela deveria estar contabilizando.
Tom sentou-se na mesa e pôs se a ler seu exemplar alugado de “Nobres famílias da Grã-Bretanha”, tentando lembrar-se de onde tinha visto esse mesmo título antes. Algum tempo depois, quando a bibliotecária ainda roncava sonoramente em sua mesa, um som hipnotizante começou a sair de algum lugar da biblioteca. Eram silvos e bufos como de cobras, porém desta vez eles não pareciam significar nada, lembravam mais uma canção e ao fundo realmente havia a melodia de tambores e flautas. O som era suave e ritmado e as batidas de tambor pareciam sincronizadas com as batidas de seu coração. Muito interessado, Tom seguiu aquele som e, para assegurar-se do sono da bibliotecária, murmurou “somnus” baixinho com a varinha apontada para a funcionária, o que não pareceu fazer muita diferença, e certificou-se de que era o único na biblioteca antes de ultrapassar a faixa da sessão reservada e continuou seguindo o som até a última estante.
Ali estava o livro. Mas sua capa parecia ser feita de cobras vivas que se mexiam e sibilavam; o ritmo dos tambores e o som da flauta parecia ter cessado. Riddle concluiu que aquela canção era uma forma de chamar sua atenção, e tirou o livro da estante. Não era grande, nem muito grosso e Tom pôde facilmente esconde-lo sob suas vestes e sair com ele sem que ninguém percebesse. Murmurou o contra-feitiço que despertou a bibliotecária e correu para seu dormitório, excitado.

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