VISÕES
No dia seguinte, Gina estava muito quieta. Ainda tentava digerir a experiência da noite anterior, mas percebeu que não era a única.
- Onde você tava ontem? - perguntou Mione - te procuramos um tempão!
- Ah, eu fui mais cedo para a Torre. Tava muito chato.
- Vocês viram a sala da Profª Lake? - perguntou Rony. - Tinha umas luzes lá... e tinha duas pessoas com ela, eu só consegui ver a sombra...
- Rony, ela é uma SACERDOTISA - disse Hermione, com ar superior. - É assim que comemoram de onde ela veio.
- Como você sabe disso, Mione? - perguntou Harry.
- Andei lendo na biblioteca. Estou seriamente inclinada a concluir que a Profª Lake não é uma bruxa qualquer. E a vinda dela a Hogwarts não é mero acaso.
- Afinal, por que a Sibila foi embora? - perguntou Harry, curioso. - Ninguém explicou isso direito... e essa professora misteriosa...
- Você acha que tem a ver com... Você-Sabe-Quem, Harry? - disse Rony, nervoso.
- Não sei... – o amigo respondeu, pensativo.
- Vamos subir pra aula, gente - chamou Mione - Está na hora.
"Ah.... mais uma aula do Snape", pensou Gina. "Só espero que ele maneire hoje!”
A névoa era muito espessa e ela não conseguia enxergar um palmo na frente do nariz. Piscou várias vezes e, acostumando a visão, percebeu que havia uma mulher com ela dentro do barco, vestida numa túnica azul. Sim, estavam num pequeno barco, um remador indolente as guiava para dentro das brumas. Ela estava assustada, mas sentia que era certo estar ali. Era pelo que esperara a vida inteira.
No momento em que foram buscá-la, sentiu o chamado. E adiar tornou-se angustiante. Mas isso não a impedia de ter medo. Afinal, ela só tinha seis anos.
Quando pensou que estavam perdidos, o barqueiro parou de remar. Então, a mulher levantou os braços, disse algo numa língua desconhecida. Por um momento, ela se tornou bela, maior e mais terrível. Quem ousaria perturbar um poder tão intenso? Ela olhava ao redor, esperando que alguém aparecesse, escutando o silêncio do mundo à sua volta.
Foi no momento em que perdeu a esperança e ia abrir a boca para dizer que não funcionara que as brumas começaram a se abrir. O queixo dela caiu. Do fundo da névoa, surgiu um mundo novo, radioso e verde. Era como se as tristezas que ela deixara há pouco não conseguissem penetrar ali.
Ao atravessar as brumas, ela pôde ver. Era um lugar diferente. Ela podia sentir a energia dali, nunca havia sentido algo tão forte. Estava deslumbrada, podendo ver agora a ilha verde em toda sua beleza e magia. Podia divisar na praia uma fila de mulheres aguardando para as boas-vindas.
Estava em casa.
- Gina, Gina - Colin cochichava. - Acorda, senão o Snape vai chamar sua atenção...
Era tarde. Quando olhou para frente, o professor estava na carteira dela. Ela foi levantando a cabeça até encontrar o olhar carrancudo.
- Srta. Weasley, posso perguntar por que estava dormindo na minha aula? – perguntou o professor, em uma voz baixa e perigosa.
- Eu... eu... não estava dormindo, professor... – Gina estava com uma certa dificuldade em articular as palavras. Ele deu um meio sorriso.
- Então, me responda sobre o que estávamos falando?
- Eu... não... sei... – agora Gina agia como se nunca tivesse falado na vida. O rosto vermelho de vergonha.
- Menos cinqüenta pontos para a Grifinória por sua falta de atenção. - Snape nunca tinha exagerado tanto assim, parecia bastante irritado.
- Professor, - interferiu Alex - não acha que cinqüenta pontos é muita coisa? Quero dizer, - ele hesitou um instante, diante da expressão de Snape. - não é tão difícil ela pegar a matéria de hoje...
- Não, Sr. Brandon. Weasley anda muito distraída nas minhas aulas.
- Mas o senhor vai punir toda a Grifinória por causa disso? - disse Gina, incrédula.
- Se a senhorita quiser recuperar os pontos perdidos nessa aula, terá que fazer um trabalho.
- Que tipo de trabalho?
- Não é assunto para a aula. Quando acabarmos, venha até a minha mesa e discutiremos.
A aula dupla passou mais devagar do que nunca, Snape ainda fez questão de passar dever de casa. No fim, Gina foi falar com o professor. Alex esperou na porta, prestando atenção em toda a conversa.
- Professor... er...
- Srta. Weasley - disse ele, escrevendo num pedaço de pergaminho - Terá que me trazer um relatório sobre a Poção Perceptius. Aqui está um livro onde encontrará informações. Mostre este pergaminho à Madame Pince, porque o livro está na sessão reservada. No seu relatório, terá que deixar claro como funciona a poção, seus efeitos e conseqüências.
- E... eu tenho que entregar quando?
- Até o Natal. - Gina fez uma cara de susto, mas Snape não deixou-a falar. - É um prazo razoável, e creio que a senhorita queira seus pontos de volta. Pode ir agora.
Gina nem tentou reclamar ou falar mais alguma coisa. Imagina se o professor resolve aumentar o trabalho... ela virou de costas e saiu, com raiva, nem percebendo que Alex a esperava.
Todos os grifinórios ficaram indignados com a atitude de Snape. Mas quem levou foi Gina, que foi ignorada pelos colegas por ter perdido tantos pontos ("Que injustiça!"), e ainda teria um trabalho extra, para acrescentar à lista de tarefas que ela teria que apresentar antes do Natal. Resolveu deixar de almoçar e ir à biblioteca procurar o livro.
- Droga! - reclamava ela, caminhando no corredor - Snape sempre faz isso comigo!! - "E dessa vez, Alex não pôde fazer nada pra impedir...", Gina pensava para logo se recriminar por esse pensamento.
No caminho, encontrou Harry e Rony.
- Gina, onde você vai? - perguntou Rony - A escada pro Salão Principal é pra lá!
- Não vou almoçar hoje - disse ela, olhando para o chão, com o coração disparado por estar ao lado de Harry. - Tchau, Rony, depois a gente se vê. - E saiu, com o passo mais apressado.
Na biblioteca, Madame Pince desconfiou, mas entregou um livro particularmente velho e mofado para Gina. ("Seu irmão já pediu esse livro uma vez... não sei, não!").
- Pra que os meninos iriam querer "Poções de e para Magos de toda a Bretanha"?? - pensava ela em voz alta, enquanto procurava a tal Poção Perceptius.
Abrindo mais ou menos na metade do livro, cujas folhas eram de pele de carneiro, encontrou. Havia uma foto, parecia um pingente prateado, no formato de uma estrela de cinco pontas: um pentagrama.
Abaixo, um texto enorme. Havia ingredientes dos quais ela nunca ouvira falar: seta-de-elfo, pedra-de-serpente... O que eram essas coisas? Resolveu então deixar os outros deveres prontos e trabalhar com a poção numa outra ocasião.
À tarde, Herbologia, Defesa Contra Artes das Trevas e História da Magia.
A Profa. Sprout tinha passado a ensinar as propriedades das Vitórias-Régias quando misturadas a outras ervas. Dependendo da planta usada, a Vitória-Régia tinha poderes curativos.
A aula de DCAT tinha passado a ser muito divertida esse ano, com a volta do Prof. Lupin ao cargo. Gina apreciava as horas que passava com o professor. Na verdade, ele sempre fora seu professor favorito.
O Prof. Binns, como sempre, deixava as aulas de História da Magia totalmente entediantes...
Nenhuma lição entrava na cabeça de Gina. Ela pensava no sonho da aula de Poções... Ainda não tivera tempo de decifrar as imagens e sensações... Era um lugar tão real! Sentia como se já tivesse estado lá. Quando? Será que seus pais a levaram quando pequena? Mas ela não lembrava de fotos de uma ilha envolta em névoa... Não, esse lugar não existia... era só um sonho. Gina ficou simplesmente intrigada.
Porém, seu interesse desapareceu ao lembrar que precisava recuperar 50 pontos e dar conta das outras matérias... “Tudo isso antes do Natal... Belo presente eu me dei”, pensou ao caminhar vagarosamente para o salão comunal.
Muitos anos depois, Virgínia Weasley sempre se lembraria daquelas como as mais difíceis semanas da sua vida. Claro, nada se compara à vida “fora” da bem protegida escola, morando bem debaixo do nariz de Dumbledore, com suas casas, rivalidades e amizades; porém ela admitia que foram semanas, ou meses, decisivos para o rumo que as coisas tomaram depois.
Ela tinha três preocupações que ocupavam todos os seus neurônios: os trabalhos normais do quinto ano, a pesquisa para Snape e como fugir de Alex.
O monitor da Corvinal simplesmente parecia estar em todos os lugares onde ela acontecesse estar, sorrindo simpático e oferecendo ajuda com a pesquisa.
- Gina, eu posso ser muito útil, sabia? – disse ele, num dia em que se encontraram no corredor do 3º andar. – Não se esqueça de que meu serviço é ajudar alunos em dificuldades. – e sorriu quando a garota finalmente parou e olhou para trás. Até o momento ela estivera fingindo não ouvi-lo.
Gina ficou desconcertada. Já tinha se negado cinco vezes a receber orientação de Alex, porém o sujeito não era de desistir fácil.
- Alex, eu te disse umas cem vezes que não quero ajuda. – ela suspirou e explicou como se ele tivesse seis anos. - Vou fazer o trabalho sozinha. Ou você acha que eu não sou capaz? – cutucou, colocando as mãos na cintura, demonstrando nervosismo.
A reação de Alex a deixou sem fala. Ele chegou bem perto dela, caminhando lentamente, ainda com aquele sorriso enigmático (“O que ele está achando tão engraçado?”).
- Nunca duvidaria de você, Linda. – a voz dele era pouco mais que um sussurro. Ela não conseguia desprender seu olhar do dele. Gina distinguiu uma ponta de mágoa na fala, como se a acusação fosse um insulto. – Desculpe se te fiz pensar assim. Só queria ajudar. – Não havia mais sorriso nos lábios ou nos olhos. – Afinal, me considero seu amigo. – Agora era nítida a tristeza pulsando nele.
Gina abriu e fechou a boca, sem ter como responder. Quando ela havia adquirido o poder de enxergar através daqueles olhos verdes? Ou melhor, quando eles tinham adquirido aquele brilho triste e melancólico? Será que Alex sempre foi assim e ela não notara? Culpa. Virgínia sentiu uma profunda culpa, mas não podia fazer a vontade dele.
- Eu... – ela começou devagar, e mesmo assim precisou de fôlego para continuar. – Eu estava brincando, Alex. Sei que você não me acha incapaz. É só que... É só que...
Foi quando ela baixou os olhos, procurando uma explicação, que percebeu algo se movendo no braço do rapaz. As vestes de inverno tinham mangas compridas que escondiam metade da mão. Por alguma razão, a manga direita de Alex estava um pouco levantada, deixando ver a pele branca do antebraço. Gina arregalou os olhos quando reconheceu o que estava se contorcendo, girando em volta do pulso de Alex: serpentes azuis.
Serpentes azuis finas e meio apagadas moviam-se, entrelaçadas no braço. Gina recuou instintivamente e olhou-o espantada.
- O que é isso? – indagou, apontando o braço dele.
- Isso o que? – Alex perguntou, preocupado, olhando na direção que ela apontava.
- Essas serpentes! – Gina quase gritou. – Você não está vendo?
- Não vejo nada. – ele escondeu rapidamente o braço.
- Como assim, não vê nada? Tem duas serpentes se enroscando no seu braço! – Gina se afastava, trêmula. Alex deu um passo em direção a ela. – Não se aproxime! Então era por isso que você queria se aproximar de mim? Eu não tenho mais o diário, ouviu? Não tenho mais! – Ela já corria desesperada pelo corredor e gritou a última frase, deixando um Alex totalmente perturbado para trás, procurando em vão as tais serpentes.
Ela correu e correu e correu. Virava as esquinas trombando com os alunos, foi repreendida por dois monitores da Lufa-Lufa por desordem, mas sequer parou para ouvir quantos pontos perdera para a Grifinória. Descia as escadas pulando os degraus, até alcançar a porta de carvalho da entrada do castelo. Saiu feito louca, sem tomar conhecimento do vento frio e a possibilidade de uma tempestade de neve. Só queria estar o mais longe possível de Alex.
“Eu não acredito!”, ela estava sufocada, “Eu confiei nele. Contei a minha história para ele...”, sem que percebesse, lágrimas brotaram em seus olhos. “Como ele pôde me trair de maneira tão vil? Justo o Alex? Por quê?”. Uma dor fina e dura machucava seu coração. Uma sensação esquisita na boca do estômago denunciava a traição que sofrera. “Cobras, serpentes... Quanto tempo demoraria para me levar até ‘ele’?”
Gina agora andava depressa em direção à sala de Adivinhação. Poderia ir até Hagrid, mas não queria ver ninguém naquele momento. Sem se importar se haveria alunos lá dentro, abriu de chofre a porta com o símbolo do dragão de asas abertas. Estava vazia.
A ruiva atirou-se na primeira cadeira que encontrou e enterrou o rosto nos braços cruzados. Virgínia nunca soube quanto tempo chorou sozinha naquela sala redonda estranha, o vento uivando, batendo galhos nas janelas. Ela se sentia novamente só. Completamente só. Alex era seu único amigo, em quem confiara seus segredos, compartilhara alegrias e dúvidas. Era tão fácil falar com ele.
“Por que ele me quer?”
- Me deixe em paz! – ela gritou, erguendo a cabeça.
Respirou fundo várias vezes.
“Você tem que se acalmar, Gina. Tem que se acalmar.”
Enxugou o rosto vermelho e olhou em volta, tentando entreter-se com outro assunto. Passou a reparar na sala de aula vazia.
Nas paredes redondas estavam uma quantidade de penduricalhos que iam desde ramos secos de beladona até crânios humanos que fizeram os cabelos da nuca da garota se arrepiarem. Uma curiosidade desproporcional ao medo a fez aproximar-se de um enorme baú atrás da mesa da professora. Quando estendeu a mão para a tampa, a porta bateu e ela pulou de susto.
- Vai cair uma tempestade. Tenho que ir embora.
Ela voltou-se para o velho baú, que também trazia a figura de um dragão, e hesitou por um instante. O vento estava fortíssimo e fazia os crânios baterem uns nos outros. Gina decidiu-se. Dirigiu-se para o castelo, prometendo a si mesma que voltaria mais vezes. Ela estava muito confusa com tudo aquilo.
- Quero a minha vida calma e previsível de volta! – exclamou, ao entrar tilintando no saguão e correr para a sala comunal, sem imaginar como sua vida estava mudando. Graças a Merlin, Alex não estava a vista. Ela desistiu de assistir qualquer aula no dia, preferindo a segurança das cobertas macias e quentes.
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