O Navio de Durmstrang



Vítor acordou bem cedo no dia seguinte, trocou de roupa, e desceu para tomar café.A cozinha da imença mansão era um amplo cômodo, de azulejos amarelados que confundiam com a fórmica também amarela de alguns móveis, e de um fogão.Somente a mesa em seu centro, que era de um marmoré branco, com oito lugares disponíveis ao seu redor.Quando Krum entrou na cozinha, encontrou Ivanova sentada diante da mesa, tomando chá, e comendo torradas com geléia.Ela o olhou, e depois, voltou a sua atenção para a torrada.
-Prrecisamos converrsarr, Eva.-Disse Krum, se sentando de frente para Ivanova.
-Soprre a mancada que focê deu Vítor?-Cortou Ivanova, agora olhando nos olhos negros de Krum.
-Focê sabe que a culpa non foi minã.-Disse Krum, ficando carrancudo como sempre fazia quando estava nervoso.-Zack me disse o que ele pensa, e eu acrredito nele.
-Non vem puxarr o saco do Zogrraf, só porr que focê é o prreferrido dele!-Cortou Ivanova novamente, se levantando rapidamente.-Eu já ecstou indo emborra.Volkov, Vulchanov, Dimitrov e Levski parrtirram à noite.
-Mas, porr que?-Perguntou Krum, sem entender.-Non podia esperrar até de manhã?
-Ouve uma confuson no acampamen.-Explicou Ivanova.-A Marrca Negrra aparreceu no céu.
-O quê?-Assustou Krum.-Mas, porr que focê non foi junto com eles?Porr que non nos acorrdou?
-Eu non sabia de nada.Eles ecstávam lá forra... non forram dorrmir cedo como nós.Daí, devem terr visto a Marrca no céu, sopre o acampamem.Enton ecscrreverron uma carrta, dizendo que já tinham aparratado parra suas casas.
-Enton...porr que focê non foi logo depois que viu a carrta?-Perguntou Krum, novamente.
-Eu tinha que avisarr, a focê e a Zogrraf.Além do mais, eu non tenho permisson parra aparratar, e alguém do deparrtamem de esporrtes e jogos mágicos irrá trrazer uma chave de porrtal, às uma horra da tarrde.-Ivanova pegou mais uma xícara de chá em cima da pia, e levou para Krum, que a recebeu surpreso.Ele não sabia que ela não tinha permissão para aparatar.
-Pem, se focê quiserr, eu posso lhe fazer companhia até a chave de porrtal chegarr.-Sugeriu Krum como um pedido de desculpas.Ivanova observou Vítor tomar um gole do chá, então, antes de responder, apareceu Zograf na porta da cozinha, ainda vestido da camiseta e bermuda brancas.
-Pom dia Zack.-Disse Krum, ao ver seu amigo parado junto à porta..
-Bom dia Vítor.Bom dia Eva.-Disse Zograf, sem se mexer.
-Pom dia Zack... chá?-Perguntou Ivanova.
-Sim, obrigado.-Respondeu Zograf, se sentando ao lado de Krum.-Onde está o resto do pessoal?-Quis saber Zograf, e com a ajuda de Ivanova, Krum explicou-lhe o acontecido.Quando finalmente terminaram, Zograf fez cara de espanto.
-A Marca Negra?Que horror!Temos que sair daqui o mais depressa possível!
-Eu prreciso de uma chafe Zack... non posso aparratar.-Disse Ivanova com indiferença, servindo uma xícara para Zograf.Assim como Krum, Zograf pareceu constrangido e surpreso, o que provou que ele também não sabia que Ivanova não podia aparatar.
-Bom, se você quiser que eu fique aqui até ela chegar...
-Non prrecisa Zack, Vítor fai me fazerr companhia.Obrigada-Agradeceu Ivanova se sentando em frente aos amigos e passando a encará-los.
-Mas Vítor precisa voltar para fazer as malas da escola.-Informou Zograf, olhando para o amigo.
-Ah sim... eu me esqueci que focê ecstá na escola ainda Vítor.-Desculpou-se Ivanova.
-Pem, é só eu aparratar.Non leva muito tempo assim...-Disse Krum, terminando a sua xícara, servindo-se de torrada.
-Non querro atrrapalharr seus ecstúdos Vítor.-Questionou Ivanova.-Non se prreocupe, eu ficarrei pem.
-Tudo pem, se focê diz.-Respondeu Vítor.-Agorra, Zack gostarria de lhe falarr, non é Zack?-Krum olhou para o amigo, e este ficou mirando-o.
-Bem...é, eu quero falar com você.Na verdade, eu queria que todos estivessem presentes, porque isto envolve o time todo...
-Se forr soprre o jogo, pode ecsquecerr Zack...
-Não vou esquecer não.Pelo menos você tem que me ouvir!-Krum ficou muito satisfeito com a atitude do amigo, e para deixá-los um pouco mais à vontade, decidiu se retirar, com a torrada comida, na mão.
Logo que chegou no quarto, tratou de arrumar as malas.Com a ajuda de sua varinha, isso não levou mais que dois minutos.Com a mala o seguindo, Krum se dirigiu para a cozinha novamente.Quando abriu a porta branca do recinto, deu de cara com uma cena que o fez prender a respiração.Vítor notou que agora, Ivanova e Zograf estavam inclinados sobre a mesa, se beijando acima do prato abarrotado de torradas.Muito devagarinho, Krum tentou sair da cozinha, mas escorregou sobre os pés para fora, e caiu de costas no corredor.Rapidamente, os dois pararam de se beijar e olharam para Krum, que com um salto, se levantou, corando ligeiramente, mesmo com seu rosto moreno.
-Eu non querria enterromperr...desculpem-me...eu...
-Calma Vítor.-Disse Zograf, sorrindo.-O que tinha para interromper?
-Até parrece que focê nunca beijou antes non?-Brincou Ivanova.Krum se sentiu um verdadeiro idiota.A primeira vez que beijou uma menina do mesmo jeito que Eva e Zack, foi em seu aniversário de quinze anos, quando seus pais saíram, e deixou seu filho com seus colegas, sozinhos em casa.Um colega sugeriu uma brincadeira, usando uma garrafa de vinho vazia, e essa brincadeira consistia, em saírem beijando, todos aqueles, em que a garrafa apontava em suas extremidades.Se apontassem para menino e menino, tornavam a rodar a garrafa.A mesma regra convinha para as meninas.Foi o momento mais vergonhoso e humilhante que já tivera.A menina com quem ele teve de beijar foi tão curta e grossa, que Vítor pensou que ela o odiou desde o primeiro momento que seus olhos se encontraram.Ela falou, na frente de todos os seus amigos, que ele era muito ruim de beijo, assim que ele terminou de fazê-lo, na frente de todos.
-Pom... focês já confersaron soprre a parrtida?-Perguntou Krum, tentando fugir do assunto que não lhe convinha.
-Ah, sim.-Confirmou Ivanova.-Eu non deferria tê-lo culpado decsta maneirra, esperro que me perrdoe.
-A sim...clarro.-Respondeu Krum, tentando sorrir.Então percebeu que, qualquer argumento usado por Zograf (se tivesse havido mesmo algum), fora bem convincente.-Pom, eu já vou indo.-Krum ganhou um beijo na bochecha, dado por Ivanova, e um abraço apertado de Zograf.Quando terminou de se despedirem, ele foi para os jardins da mansão.Olhou para o céu, sem saber o motivo de tê-lo feito, e desaparatou para a Bulgária.

Os últimos dias em sua casa, foram os mais estressantes e chatos de sua vida.Parecia que Vítor não podia ser visto na vizinhança, e alguém já gritava o seu nome, pedindo autógrafos e fotos, e embora eles morassem no centro de Sófia, uma cidade formada praticamente, por trouxas, ele não parava de encontrar fãs fanáticos, dizendo que haviam visto ele salvar o time no campeonato de quadribol, que sentiam orgulho dele.Nunca gostara de publicidade, muito menos de fãs.Até seus pais, o senhor e a senhora Krum não paravam de falar que seu filho era o melhor apanhador que existia, honrou até o fim o seu país.A única coisa que o fazia resistir a toda essa consternação, era o fato de que dentro de dois dias, estaria regressando para o Instituto de Durmstrang, a escola onde iria cursar o seu último ano.Lá não se podia ficar pedindo autógrafos, nem fotos; pelo menos o tempo todo.Era uma educação muito rígida, porém, era disso que Krum gostava.O seu diretor, Igor Karkaroff, sempre o tratava como um filho.Krum não sabia se a sua atitude era devido a ele ser outro fã devotado, ou porquê gostava mesmo dele.
Quando o dia amanheceu, Krum já estava com os malões arrumados (sua mãe as arrumou e comprou o material novo pedido).Tomou um café rapidinho, se despediu de seus pais, e então aparatou para o litoral da Alemanha, onde o navio que levaria os alunos para o Instituto de Durmstrang, o aguardava, ancorado dentro de uma caverna à beira mar.Assim que se livrou da sensação bizarra quando alguém aparata, Krum observou a sua volta.Encontrava-se em uma caverna enorme, mais parecia um buraco dentro do subsolo.Onde ele estava, passavam muitos alunos menores, acompanhados de seus pais, ou alunos de mais ou menos a sua idade, aparatando.Ele chegou mais para a beirada do chão pontudo em que estava, e olhou, à uns quinze metros de altura, para baixo, um navio de aparência esquelética, flutuando na água lisa do mar sem ondas.Vítor estava bem em cima de uma rocha.Havia uma longa escada de pedra, que levava até a um pranchão do navio, por onde os garotos embarcavam.Logo atrás de Krum, havia um espelho enorme, fixado junto à parede rochosa da caverna.Sua borda azul-celeste e o seu brilho prateado, davam a impressão do espelho ser uma grande estrela reluzente, por onde à cada minuto, saia por ele, várias pessoas, descendo pela escada de pedra com seus filhos.Muitos estudantes, e até alguns pais, o olhavam quando passavam por ele, e alguns paravam para cumprimentá-los.Uma garotinha de cabelos louros pediu um autógrafo no seu livro novinho de Guia das Trevas para principiantes.Quando terminou de assinar o seu nome no livro, Vítor tornou a olhar para o espelho.Ele sabia muito bem, onde sua outra peça se encontrava.Ela ficava em um farol abandonado, no litoral alemão.Não havia nada nele, exceto o espelho, e é claro os trouxas não podiam ver o farol, quando se aventuravam em ir à praia deserta, onde ele ficava.Vítor desceu as escadas tortuosas, tomando muito cuidado para não escorregar no lodo que se acumulava em seus degraus. Como ela não tinha corrimão, era muito perigosa, e um simples escorregão, a pessoa não tardaria a cair na água gelada e profunda.Sorte que a escada ficava colada à parede.Vítor continuou descendo, apoiando na parede, seguido de perto, por seus dois malões cheios de compras que sua mãe havia feito, enqüanto o filho estava na mansão da Bulgária.
-Vítor!-Chamou uma voz, e Krum pode ver a sinulheta de um garoto alto sair da embarcação.Era Ianevski Poliakoff, um amigo de Vítor, totalmente vaidoso e namorador.Era bonito, tinha cabelos pretos, com o corte de índio, seus olhos eram azuis muito escuros, e seu físico era muito diferente do de Krum.Ele cumprimentou o amigo, e o ajudou a embarcar no navio com as malas.Os dois chegaram ao convés externo do Navio de Durmstrang.Havia sete velas contornando o cesto de gávea, e o timoneiro do navio, se encontrava na proa.Parecia muito sonolento e se apoiava no guia do navio, quase caindo no chão, provavelmente, dominado pelo cansaço.As velas do navio eram estampadas com um símbolo de uma ave de duas cabeças, acima de um crânio de um animal chifrudo.Tudo era constituído de madeira escura, que expelia um forte cheiro de algas marinhas.Tinha um grande alçapão, bem no centro da popa do navio, e era por ela que vários alunos entravam e saiam com seus pais.Vítor e Poliakoff seguiram em direção ao alçapão, e desceram umas escadas escuras e toscas, que levava ao corredor escuro, frio, iluminado somente por archotes nas paredes.
-Então, está se sentindo o último homem da face da terra, depois do jogo que teve contra a Irlanda?-Krum sabia que seu amigo iria comentar algo assim, porque
era o jeito dele; gostava de fazer as pessoas parecerem pequenas diante de si.
-Non querro saperr mais sobrre ecste jogo.Entendeu Ian?-Perguntou Vítor, como se desafiasse uma resposta de Poliakoff.
-Tudo bem então.-Como Vítor havia previsto.O que Poliakoff tinha de metido, tinha de medroso.Eles continuaram a caminhar pelos corredores vazios, forrados de madeira escura, do chão ao teto.De vez em quando, subiam e desciam alguns degraus, até então chegarem a uma porta.Pregada nela, a altura dos olhos de Poliakoff, estava uma plaqueta indicando com letras vermelhas: ‘‘29’’, e uma outra, escrita logo acima: Krum e Poliakoff.Era aonde Krum dormia.Dividia a mesma cabine com Poliakoff.Fora eles, mais ninguém dividia a cabine entre apenas duas pessoas, devido ao fato de não serem demasiado ricos como Vítor e Ianevski; segundo Karkaroff, não bastava ser apenas sangue-puro.Os ricos ainda vinham em primeiro lugar, uma regra contra-senso, mas infelizmente imposta e aceita no Instituto.-Pensava Vítor.
A cabine não era maior do que o quarto que Vítor se hospedou na mansão vermelha.As paredes e o convés eram de um mogno escuro, mas elegante.Krum entrou na cabine, jogou as malas em cima de uma das duas camas com gavetas, pregadas no chão, e olhou ao seu redor.Poliakoff agora se admirava em um espelho grande, próximo a uma mesinha de xadrez, com duas cadeiras que mais pareciam barris de vinho pequenos demais.Vítor virou o olhar para o outro lado e viu, entre duas camas, uma mesinha-de-cabeceira sustentando com suas perninhas frágeis, uma linda estátua de pedra sabão em forma de uma sereia.Fora isso, as únicas coisas que pertenciam à cabine, eram a porta de madeira que levava ao corredor do navio e uma pequena escotilha.
Vítor caminhou lentamente até a escotilha, e ficou observando as pessoas que ali passavam.De repente, ecoou dentro do quarto, um som semelhante ao de um trombone.Logo depois, um pequeno tremor, que pareceu ocupar-se do navio inteiro.Como se já soubesse o que iria acontecer, Vítor desviou o olhar para o pranchão, que agora era pisado pelos muitos pés dos pais, que logo depois de acenarem para seus filhos do começo da escada de pedra, aparatavam sem sequer subir os degraus restantes para o espelho.Com um segundo tremor mais intenso do que o anterior, o navio começou a se movimentar.Mas não foi para os lados, nem para frente, ou para trás.O Navio de Durmstrang começou a submergir na água escura e lisa do mar.Totalmente indiferente do que estava acontecendo com o navio que estava à bordo, Vítor continuou a contemplar o pranchão ser recolhido e a escada começar a desaparecer.Quando a água sombria do mar estava na borda do navio, ela não começou a transbordar para o convés externo da embarcação, mas sim continuou a subir, como se uma parede invisível a estivesse impedindo de inundar o navio.Essa proteção mágica, não tardou a começar a inclinar para dentro da embarcação, à medida que se aproximava das velas mais altas que rodeavam o cesto de gávea, até formar uma espécie de ovo partido ao meio.
Agora as luzes vinham apenas dos archotes do corredor e do pequeno abajur em forma de sereia.Vítor avaliou a escuridão da água em que o navio estava submerso, e de vez em quando, passavam peixes pela janelinha, do qual observava.O navio pareceu que parara de movimentar-se.Um forte lampejo amarelado, provavelmente vindo da proa do navio cortou a escuridão que o engolia.O lampejo colidiu com a parede submersa da caverna.Não aconteceu nada durante o minuto seguinte, então, a caverna começou a tremer sob os olhos negros de Vítor.Algo que lembrava um pequeno vaga-lume cintilante, apareceu na parede da caverna; mas rapidamente ele foi substituído por um buraco do tamanho de uma bola de praia, e ao invés de continuar aumentando, a luz começou a se esticar e alongar, e diante dos olhos de Vítor, surgiu na parede, uma grande fenda amarela brilhante, por onde podia se passar o Navio de Durmstrang com facilidade.
Finalmente o navio começou a se mover para frente, rumo à enorme fenda que se abrira.Logo depois do navio atravessá-la, a cabine de Vítor foi invadida pela luz ofuscante do dia ensolarado, pouco acima das velas mais altas da embarcação.
-Eu realmente não vejo necessidade de comprarmos o livro.-Começou Poliakoff, finalmente saído da frente de sua imagem refletida no espelho, indo se deitar em sua cama.Vítor tirou o olhar de um baiacu que passou rapidamente pela escotilha, então encarou o amigo intrigado.
-Que livrro?-Perguntou.
-O quê ensina a mexer com embarcações.Como pilotá-las, essas coisas.-Explicou Poliakoff.
-Parras quê têm ecste livrro?Non é uma matérra nofa, é?
-Você não o viu na lista de material deste ano?-Perguntou Poliakoff, com ar de zombaria.-O tempo seu é tão corrido assim, para impedir de deixar de olhar a sua própria lista...?
-Esperai!-Interveio Vítor.Poliakoff parou de falar, então observou Vítor correr para a mala, em cima da cama, e começar a tirar o seu material escolar.
-Hã...Vítor?-Disse Poliakoff.-O que você está procurando?-Perguntou quando Vítor retirava o quinto rolo de pergaminho de seu malão.
-Minã mãe foi quem comprrou o meu materrial... o que é icstó?-Disse Vítor quando retirou um pesado livro de couro marrom de seu malão, titulado com letras cinza-chumbo: Guiando pelos sete mares, de Capitão Barba Ruiva das Caravelas.

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