Recuperar



Estar de ressaca simplesmente destruiu o seu desempenho nas aulas do dia seguinte. Não importava o quanto tentava se concentrar, era simplesmente impossível permanecer atenta por muito tempo quando a sua cabeça latejava dolorosa e constantemente. Certo, então fora uma péssima idéia sair para beber na noite passada. Agora teria que suportar aqueles sinos soando dentro do seu cérebro que, honestamente, não conseguiam ser piores do que a voz estridente do prof. Flitwick.

Quando estava se dirigindo ao salão principal para o almoço, Gina cruzou com Hannah, que lhe sorriu. Sentiu-se um pouco constrangida, pelo que se culpou imediatamente. Inconscientemente, não conseguiu deixar de pensar que, caso alguém tivesse visto, poderia ter interpretado de outra forma – como um flerte, talvez. Gina achava que, se perdera Luna por medo do que as pessoas poderiam dizer, a última coisa de que precisava agora era fofocas do mesmo tipo com relação a ela e Hannah – o que não fazia o menor sentido, francamente.

Entrementes, não conseguia deixar de pensar sobre as coisas que a garota lhe confidenciara na noite anterior. Especialmente as que diziam respeito a Hermione e sua nova face de “amiga dos homossexuais”. Não poderia estar certo... Poderia? Talvez ela estivesse pensando em criar um fundo de apoio aos gays, assim como fizera com os elfos domésticos. Gina riu idiotamente. Isso explicaria muita coisa.

De qualquer forma, não podia negar que Hermione realmente a ajudara, nos últimos tempos. Não gostava de pensar muito sobre isso, pois era incontestavelmente mais fácil ter alguém para odiar e culpar pelos problemas em sua vida do que ter que encarar a responsabilidade toda sozinha. Não que achasse que fosse somente culpa dela; claro que Gina também dera uma grande parcela de ajuda no processo da sua autodestruição. Se não tivesse sido tão covarde... Se tivesse enfrentado as ameaças idiotas de Hermione... Se tivesse ao menos explicado a Luna... Mas agora era tarde demais para pensar no que poderia ter acontecido se tivesse agido diferente.

Os últimos raios de sol atravessavam as janelas de Hogwarts quando Gina caminhava lentamente, não muito certa de que deveria fazer o que estava indo fazer. Talvez estivesse dando ouvidos demais às palavras de Hannah, mais atenção e importância do que seria adequado. De qualquer forma, mesmo sentindo que estava pisando discretamente em seu próprio orgulho, a menina Weasley foi até Hermione quando finalmente a avistou saindo da sala de aula de Feitiços acompanhada de Rony e Harry.

O irmão percebeu que ela se aproximava e cutucou Harry, obviamente achando que ela estava vindo ao encontro dele. A menina não se surpreendeu ao perceber a expressão certamente desapontada do rapaz quando, após um cumprimento breve e mecânico, Gina voltou-se para Hermione e pediu uma palavrinha em particular – se fosse possível, é claro.

A garota ergueu as sobrancelhas, aparentemente surpresa, e Gina tinha a intuição de que, caso Harry e Rony não estivessem por perto, ela teria recusado grosseiramente. Como não era o caso, sua resposta foi um “tudo bem” meio seco.

- Encontro vocês depois – disse aos meninos, que encolheram os ombros e se retiraram.

Hermione ficou observando-os até que desaparecessem na curva do corredor, um pouco distraída. Depois que a barra da capa de Rony sumiu de suas vistas, virou-se novamente para Gina. A ruivinha meteu as mãos no bolso do casaco, displicente, e franziu o cenho como quem diz “e então, pode ser?” Hermione abriu a boca para falar algo, mas visivelmente mudou de idéia. Murmurou um “vamos até o salão comunal... mais privacidade”, e caminhou para lá fazendo um sinal para que Gina a seguisse.

Alguns alunos da Grifinória não estavam interessados em juntar-se ao resto dos colegas para jantar, de modo que as duas subiram para o dormitório feminino – este sim se encontrava vazio, ou ao menos o quarto onde Hermione dormia estava. Ela sentou na beira da cama. Gina continuou em pé, não muito certa de que se sentia à vontade para acomodar-se ao lado dela. Decidiu ir logo ao assunto.

- É seu? – Gina perguntou, erguendo o colar que encontrara no bolso de seu casaco há dois dias. Era uma idéia bastante tola de motivo para procurar Hermione, e sabia que a garota perceberia. Mas infelizmente, não conseguira pensar em nada que danificasse menos o seu orgulho. – Eu achei que, talvez...

Mas Hermione sacudiu a cabeça lentamente em uma negativa. Apesar disso, estendeu a mão para apanhar o colar. Examinou-o durante alguns segundos, apertando os olhos.

- Bom, aconselho você a procurar o par dele – ela disse afinal, devolvendo o objeto a Gina – Sempre vêm em pares, esse tipo de... Certo, de qualquer forma, não era isso o que você queria falar, era?

Gina resmungou qualquer coisa ininteligível, e então admitiu simplesmente que, realmente, não era. Um sorriso presunçoso se desenhou nos lábios da garota, e se Gina não estivesse de costas certamente teria perdido todo o espírito pacífico que a trouxera até ali.

“Não quer sentar?” Hermione convidou.

Gina voltou-se para ela.

- Não, estou bem de pé – falou com displicência.

Hermione não disse nada, e nem Gina, durante um período de tempo bastante constrangedor. A ruiva caminhava de um lado para o outro devagar, fixando os olhos em tudo o que havia ao seu redor pensativamente.

- Suponho que você já esteja preparada para falar o que quer que seja – Hermione disse de repente, e Gina odiou o tom irônico em sua voz.

- Eu certamente não diria que preparada é a palavra certa – Gina retrucou levemente mal educada. – Para ser sincera, estava apenas pensando se vale a pena...

A outra garota deu uma risadinha que Gina considerou ofensiva.

- Espero que valha mesmo, porque estou perdendo um tempo que pode vir a me fazer falta aqui.

As orelhas de Gina queimaram e ela precisou de todo o seu autocontrole para não sibilar uma grosseria para Hermione. Respirou fundo, acalmando seu ânimo.

- Estive falando com Hannah Abbott – começou, reparando que a expressão no rosto da menina sofreu uma leve alteração.

- Que bom que está retornando à sua vida social.

- Não é mesmo? – Gina resmungou. – Para ser sincera, fiquei bastante surpresa com certas coisas que ela me disse. Quer dizer, você apoiando o namoro dela com Padma Patil? Se não soubesse que Hermione não é um nome dos mais comuns, teria suspeitado que ela se estivesse se referindo à outra pessoa.

- Gracinha – Hermione falou com um sorriso amarelo. – Eu já lhe disse uma porção de vezes, Gina. Já falei que mudei meus pensamentos, disse que me arrependi de ter... Ah, você sabe. Acha mesmo que vale a pena discutir esse assunto mais uma vez, sendo que nunca conseguimos nos entender? Você nunca está disposta a acreditar em mim, não é mesmo?

- Acho que você há de convir que tenho motivos – Gina disse franzindo o cenho.

- E você há de convir que também já lhe dei várias provas do meu arrependimento. Mas se está predisposta a pensar que a única pessoa no mundo que tem o direito de cometer enganos é você, então não creio que seja possível atingirmos um entendimento.

Gina ficou sem ação por alguns minutos. Queria encontrar uma falha nas palavras de Hermione, poder maldizê-la, culpá-la, incriminá-la... Porém, não conseguia. Sentiu suas defesas baixando lentamente. Astutamente a garota percebeu o que estava acontecendo, pois se apressou em acrescentar:

- Nunca quis prejudicá-la, Gina. Você sabe que sempre tive um carinho muito grande pela sua pessoa, mesmo sabendo que éramos, de certa forma, rivais. Quando você estava inconsolável, no verão que sucedeu à reabertura da Câmara Secreta, era eu quem acordava à noite para abraçá-la todas as vezes em que tinha um pesadelo com Tom Riddle. Talvez tenha esquecido disso...

- Não, não esqueci – Gina disse, mas era mentira.

Sentiu uma pontada de culpa, e odiou-se por isso. Hermione estava conseguindo manipulá-la, ah, cretina... Ou talvez, sussurrou uma vozinha em sua cabeça, talvez ela estivesse apenas tentando recuperar a amizade de Gina. Haveria algum crime nisso?

- Você sempre foi a irmãzinha que eu não tive, e minha única amiga menina. Quero dizer, imagine o escândalo que seria contar a Rony que Vítor Krum apertou o meu braço com força demais e...

Gina deu um sorrisinho.

- Ele cometeria suicídio.

- O que seria péssimo – Hermione adiantou-se – Porque agora não estaríamos, bem, saindo...

Gina ergueu a sobrancelha esquerda.

- Resolveu seguir o meu conselho?

- De certa forma...

Um pensamento repentino de Gina.

- Vocês não contaram ao Harry, contaram?

- Bem, não...

- Vão ter problemas por isso – a garota concluiu simplesmente.

Hermione não retrucou. Mudou de assunto após segundos de silêncio.

- Você e Luna... Então... Acho que você já sabe que não vou contar nada ao Rony nem...

- Não há mais o que contar – Gina riu amargurada.

- Mesmo? Achei que vocês, bem, com a viagem e tudo o mais...

- Não.

Mione mordeu o lábio inferior.

- Você contou o que eu fiz?

- Ela não quis ouvir.

- Gostaria que eu tentasse...

- Não.

A morena respirou profundamente, e então falou com uma voz cheia de mágoa.

- Você prefere continuar tendo motivos para me detestar, não é?

Gina a encarou com um pouco de surpresa.

- Não, não é isso – falou não muito convicta. – É que se ela não pode confiar em mim... Entende? Ela não quer nem tentar...

Mione fez um aceno positivo com a cabeça, mas provavelmente não estava realmente certa de que compreendia.

- Desculpe...

Gina hesitou por alguns momentos, e então murmurou afinal:

- Eu estou tentando...

***

Quinta-feira amanheceu chuvosa. O vento assobiava nas frestas das janelas, produzindo um clima sombrio que conseguia abalar negativamente o ânimo da maior parte dos alunos. Pouco antes das 11h, a chuva pareceu ganhar mais fúria, de modo que a aula de Trato das Criaturas Mágicas teve que ser cancelada – o que ajudou a levantar o humor dos estudantes. A parte irresponsável e despreocupada dos quintanistas decidiu usar o tempo vago para descansar, bater papo e jogar snaps explosivos na sala comunal da Grifinória. Já os essencialmente organizados e, de um modo geral, estressados – Gina entre eles, apesar de não se encaixar no contexto de “organizados” -, foi se enfurnar na biblioteca para usar aqueles minutos de forma proveitosa.

Ela tentava tornar os textos de poções um pouco menos parecidos com sânscrito, mas não estava obtendo muito sucesso em sua tarefa. Cada frase que lia simplesmente aparentava não possuir significado, de modo que Gina precisava voltar na leitura de novo e de novo e de novo sucessivamente. Estava longe de progredir e, por algum motivo, a tensão parecia abrir grandiosamente seu apetite.

- Você vai engordar, sabia? – Rony disse, observando a irmã se servir de uma fatia decididamente generosa de empadão na hora do almoço.

Gina lançou um olhar de desprezo ao irmão.

- Você obviamente não está acostumado – ela disse, precipitando-se para a bandeja com fartas coxas de frango – Mas pessoas que utilizam a massa encefálica precisam de uma alimentação farta para repor as energias.

Rony fez uma careta mal humorada, mas não disse nada - provavelmente ainda tentando decifrar todo o significado das palavras da irmã caçula. Hermione, que estava se servindo de suco de abóbora, resolveu se intrometer na conversa.

- Então você já decidiu o que vai fazer sobre aquele colar?

Gina ergueu os olhos para ela com uma expressão confusa que desanuviou-se rapidamente quando a menina entendeu a que Hermione estava se referindo. Encolheu os ombros, displicente, e inclinou-se para apanhar a jarra de suco de abóbora.

- Na verdade eu havia esquecido completamente dele.

- Bem, você não deveria – Hermione disse daquele seu jeito característico que ainda continuava a irritar Gina mesmo depois de ter voltado às boas com a garota. – Não é um objeto qualquer. Eu dei uma boa olhada nele, e entendo um pouco dessas jóias mágicas, sabe, o suficiente pra poder dizer com tranqüilidade que aquilo é com certeza algum artefato de família, do tipo que passa de geração em geração ou coisa assim.

- Não é minha culpa se alguém resolveu deixar o troço no meu bolso, é? – Gina disse com displicência. – Além disso, se for realmente importante alguém vai aparecer procurando.

Hermione fez uma careta contrariada e não dirigiu a palavra a ela durante o resto do jantar. Se ela estava certa ou não sobre a importância do objeto, o fato é que nenhum proprietário desesperado apareceu procurando o colar da tátara-tátara-tátara-avó nos dias que se seguiram, e Gina acabou esquecendo o assunto outra vez. Tinha preocupações maiores, como o teste escrito de poções na terça - que contaria pontos valiosos na nota final do semestre. Ela também precisava acabar um ensaio gigantesco sobre a colonização bruxa na América do Norte para a última aula de quinta do prof. Binns, e essa era apenas uma das muitas tarefas extras que precisava concluir em prol da recuperação de seu desempenho escolar. Não havia tempo para pensar em estúpidos medalhões – ridículo.

Contratempos à parte, as coisas seguiram da seguinte maneira: Gina conseguiu terminar a maior parte dos seus trabalhos nas mais diversas matérias, ou pelo menos encaminhou boa parte deles de um modo positivo. No que se refere à prova de poções, tudo saiu pessimamente errado. Para poder acabar suas tarefas, Gina precisou limitar seu tempo de estudo de poções, de modo que a única coisa que estava totalmente apta a responder do teste que o prof. Snape depositou em sua mesa (de modo lento e irritante) era o campo de preenchimento do nome.

Foi uma das últimas a deixar as masmorras naquela tarde, os ombros tensos, a cabeça latejando dolorosamente. Queria encontrar algum lugar isolado para sentar e chorar e lamentar o fato de estar completa e irremediavelmente ferrada com Snape – e é claro que ele estava longe de ser caridoso com seus alunos menos talentosos.

Como que para selar a sua desgraça, na manhã seguinte recebeu um recado de McGonagall pedindo que a procurasse, no final do último período de Defesa Contra as Artes das Trevas, em sua sala. Gina foi ao encontro dela, ressabiada e certa de que ouviria mais algumas notícias ruins. Só podia ser, afinal, a professora Minerva só solicitava a sua presença quando havia algum problema – e isso vinha acontecendo com mais freqüência do que Gina sabia ser apropriado.

Ela parou diante da porta fechada da sala pessoal da profa. Minerva, ponderando se deveria ou não entrar sem bater. Ficou ali parada durante alguns minutos, a mochila pendurada por uma alça só em seu ombro esquerdo, o corpo levemente jogado para a direita. Perdeu-se em devaneios por breves instantes, e então aterrissou de volta em sua angustiante realidade de aluna problemática. Gina suspirou, jogou a mochila, que já escorregava por seu braço, de volta à segurança de seu ombro com um movimento firme e estendeu a mão para a maçaneta da porta. Esta girou antes que a ponta dos dedos da menina roçasse o metal dourado e, ao que Gina encolheu a mão, a porta escancarou-se diante dela.

- Ah, aí está você, Weasley – McGonagall disse de uma maneira que estava longe de parecer calorosa. – Atrasada, não é de espantar... Vamos, entre.

Gina sentiu uma pontada de irritação e precisou controlar uma vontade repentina de responder grosseiramente ao comentário da professora.

- Bem, o professor nos segurou alguns minutos a mais e... – ela começou a justificar, passando empertigada por Minerva, mas, quando a bruxa fechou a porta atrás dela, Gina estancou. Não era a única aula na sala, e não precisava que ninguém a introduzisse a sua outra companhia.

Tinha parado de contar os dias fazia tempo, de modo que não estava mais preparada para a possibilidade de esbarrar com Luna em algum corredor do castelo – e muito menos na sala da professora Minerva. Ignorando as batidas furiosas de seu excitado coração, Gina pensou que era óbvio que aquilo estava prestes a acontecer. Luna já estava parcialmente recuperada da última vez que a vira, e era uma simples questão de dias até que ela estivesse pronta para retornar a Hogwarts. Agora ela estava ali, diante dela. Sequer dera-se ao trabalho de virar o rosto para recepcionar Gina, permanecendo de costas e estática. Isso fez com que a garota recordasse o motivo de ter preferido esquecer o tempo que faltava até Luna estar de volta, e seu coração eufórico comprimiu-se dolorosamente. Estava claro que nada havia mudado.

- Sente-se – McGonagall disse, e não foi exatamente um convite.

Gina voltou sua atenção para a professora novamente, dando-se conta de que ela estava agora parada de pé atrás da sua mesa de madeira, fitando-a com seus olhinhos apertados. Um pouco relutante, a menina puxou uma cadeira ao lado de Luna e se acomodou. Tentou usufruir ao máximo de seu autocontrole para não olhar para ela, mas esse estava longe de ser resistente o bastante, de modo que acabou cedendo à tentação e olhou – bem rapidamente, é verdade, mas olhou – para uma Luna que parecia estar presente só em corpo.

- Weasley – Minerva disse, recuperando a atenção de Gina. – Lovegood. É evidente que sabem: não estão aqui por um motivo qualquer.

Gina suspirou, pensando que daria qualquer coisa para não ter que ouvir o que imaginava estar prestes a escutar. Luna piscou duas vezes. Não, Gina não estava olhando agora, mas imaginou que ela o tivesse feito porque era assim que Luna expressava confusão. Gina sabia... Sabia melhor que ninguém. Foi esse tipo de olhar que Luna lhe dirigiu há um tempo atrás, numa tarde gelada de final de outubro, quando Gina tentou explicar a ela mais ou menos como se procede um beijo. O tipo de olhar ingênuo que ela sempre achou irresistivelmente doce, e que fez com que parte de suas barreiras desabasse antes dos lábios de Luna estarem grudados aos seus.

“Há tempos eu deveria tê-las chamado para uma conversa, assim como fiz com suas colegas Abbott e Patil.”

Gina gemeu involuntariamente.

- Professora, isso é mesmo necessário? – resmungou. Começava a achar que preferia ouvir más notícias sobre suas notas àquilo.

- Se não vocês não tivessem feito desta conversa necessária, não tenha dúvidas de que não estaríamos aqui agora – McGonagall respondeu com frieza, e Gina baixou os olhos por simples preguiça de sustentar o olhar zangado da professora.

- Certo, então – murmurou.

- Vou deixar uma coisa bem clara aqui: não me interessa se vocês são amigas ou o quê. Não quero mais saber das duas saracoteando pelos corredores em horário escolar. A obrigação de vocês é comparecer às aulas curriculares, e não ficar passeando pelo castelo pelo motivo que for. Deixei a situação correr em rédea solta para ver o que acontecia, e os resultados foram catastróficos. Weasley, completamente perdida com relação a sua vida acadêmica; Lovegood, você... Sem comentários.

Luna continuava a encarar Minerva de forma inexpressiva, Gina constatou com o canto dos olhos. A professora seguiu:

“Não vou admitir que a situação a qual estive presenciando há algum tempo volte a se repetir. Se as duas não se comportarem adequadamente, serei obrigada a informar aos pais de ambas o que realmente está se passando aqui. Compreenderam?”

Gina encolheu os ombros. Luna não disse nada.

“Compreenderam?” Minerva repetiu de forma enfática e impaciente.

As meninas resmungaram qualquer coisa que a bruxa interpretou como um sim e, apesar de não muito satisfeita, McGonagall deixou que elas partissem porque precisava acabar a correção urgente de alguns testes do sexto ano.

Ao que deixaram a sala da professora, Gina e Luna não tiveram opção a não ser caminhar a parcela comum de seus trajetos juntas. Era uma situação no mínimo embaraçosa, pois seria mentira dizer que as duas estavam ignorando uma a presença da outra habilmente. Gina, particularmente, estava totalmente tensa. Queria falar, sentia necessidade de dizer qualquer coisa – mas não conseguia expressar seus milhares de pensamentos em palavras.

Chegaram ao ponto em que Gina deveria subir e Luna descer sem que uma só sílaba escapasse dos lábios de qualquer uma delas. Quando Luna começou a se afastar na direção contrária, Gina parou e ficou observando. Então, da maneira mais estúpida que poderia ter sido feito, ela falou:

- Que bom se a McGonagall tivesse nos dado essa bronca em outras épocas, não? Além de muito mais apropriada que para o momento atual, teria evitado, talvez, uma série de fatos desagradáveis.

Luna parou, mão no corrimão da escada que estava para descer. Virou lentamente para Gina, e encarou-a de forma direta pela primeira vez naquela noite. A garota aguardou que ela dissesse alguma coisa, mas Luna simplesmente virou as costas, após alguns segundos, e retomou a descida. Gina sentiu o sangue queimar suas orelhas, consumida pela irritação. Como era possível que Luna não exprimisse o menor sinal de o que quer que fosse? Como podia olhar para Gina como se ela fosse simplesmente nada?

Quando se deu conta, estava caminhando apressadamente atrás de Luna, quase tropeçando nos degraus da escada.

“É assim, então? Vai fingir que eu não existo e que nunca signifiquei nada para você?”

Luna suspirou.

“E não me venha com suspiros, eu estou cansada desse seu modo estúpido de lidar com tudo. Se você parasse de agir como criança por um momento e me escutasse, quem sabe...”

Luna virou repentinamente para Gina, fitando seus olhos tão intensamente que ela perdeu o chão por uma fração de segundo.

- Quem está agindo como criança é você – ela disse, e venceu o último degrau da escada deixando uma Gina atônita para trás.

A ruivinha recuperou-se, as bochechas vermelhas, e apertou o passo para emparelhar com Luna.

- Eu quero falar com você.

- Eu não quero falar com você. Então temos um problema.

- Você é o meu problema!

- Então pare de andar atrás de mim – Luna virou para ela de repente, parecendo pela primeira vez muito sutilmente alterada.

Gina sentiu uma alfinetada de satisfação ao constatar isso, e sorriu internamente.

- Vamos conversar.

- Não temos nada para conversar, Gina. – Luna disse, e fez menção de se virar novamente. Não o fez porque Gina, zangada, puxou-a pelo ombro e obrigou que a encarasse.

- Você vai me ouvir – sibilou, apertando os braços da menina com mais força do que seria apropriado.

Estava estressada e altamente irritada, mas não deixou de reparar que ainda havia resquícios de uma palidez doentia no rosto da amiga. Olheiras profundas desenhavam-se sob os olhos de Luna, que pareciam ainda maiores do que de costume devido a essa característica temporária.

- Por que você não me deixa em paz? – Luna disse, séria e cansada.

- Por que você não me ouve? – Gina retrucou.

- Você acha que merece essa consideração?

- Não – Gina respondeu secamente, e puxou a varinha das vestes. – Mas se você não fizer isso por bem, vai fazer por mal...

Luna olhou para a varinha de Gina sem emoção. Ergueu os olhos para ela novamente.

- O que você acha que pode fazer, Gina?

- Não sei, mas eu vou pensar em alguma coisa.

- Certo, tenho que ir – Luna deu-lhe as costas.

Antes que caminhasse mais que um passo, Gina agarrou-a pela gola do casaco e empurrou-a com violência para dentro de uma sala vazia. Fechou a porta atrás de si com um movimento de varinha.

- Isso é ridículo, eu tenho mais o que fazer – e Luna passou por Gina com displicência, estendendo a mão para a maçaneta da porta até que...

- Petrificus totalis.

Luna paralisou instantaneamente.

- Eu disse que você teria que me ouvir – Gina falou, guardando a varinha no bolso do casaco outra vez.

Respirou fundo.

Agora que tinha a sua chance de explicar tudo, não fazia muita idéia de como começar. Pensando bem, sabia que não havia uma justificativa verdadeiramente válida para o seu comportamento. Covardia era a palavra que resumia tudo. Mas, por falta de algo melhor, Gina resolveu ater-se simplesmente à... Verdade.

***

- Não foi por causa do Harry – Gina olhou para as costas de Luna. – De modo algum, não foi por causa dele. Eu sei o que você está pensando, ah, você gostou dele a sua vida inteira e, agora, vem contar essa história? Pois é isso mesmo. O Harry não foi o motivo.

Gina refletiu durante alguns momentos antes de continuar a falar.

“Alguém nos viu.”

Ela olhou para Luna, como se esperasse alguma reação da garota esquecendo que a havia petrificado. Gina baixou os olhos para o chão.

“Hermione... Nunca esperaria algo assim vindo dela, sabe. Mas ela realmente ameaçou contar tudo ao Rony e, bem, você imagina como eu fiquei? Certo, talvez não... Você não tem irmãos, não se importa com o que as outras pessoas falam da sua família. Eu não sou assim. Ou pelo menos não era, agora já não sei mais dizer. Quando Hermione ameaçou contar sobre nós para o Rony eu fiquei completamente apavorada. Ela impôs as condições: ou você se afasta da Luna, ou eu terei que contar.”

A menina ergueu o olhar para Luna novamente, que parecia estranhamente tensa em sua imobilidade. Puxou a varinha e libertou-a de sua condição. Luna não virou para ela, e o único movimento que fez foi abaixar o braço. Apenas aguardou que Gina continuasse a falar, imóvel.

“Eu sei que foi uma atitude covarde e... Eu sei que deveria ter contado tudo para você desde o princípio. Mas, pensando bem, será que teria realmente adiantado alguma coisa? Será que você teria entendido, Lu? Ah... Tantas vezes eu quis fazer isso, procurá-la para explicar tudo e... E te abraçar quando via seus olhar entristecido esbarrar com o meu pelas curvas dos corredores...”

- Gina – Luna cortou.

- O quê?

- Isso é tudo?

Gina olhou para a garota, que continuava estática.

- É, mais ou menos...

- Certo. Já posso ir?

- Você não vai dizer nada?

Luna virou para Gina e a encarou de maneira indecifrável.

- Eu já disse que não tenho nada mais a falar.

- Mesmo depois de...

- É.

Gina suspirou, sentindo-se extremamente cansada e deprimida. Sua visão começou a embaçar, e ela odiou-se por isso. Fraca, sempre fraca...

- Você me odeia? – ela murmurou com a voz um pouco rouca, desviando os olhos para o chão para tentar esconder de Luna algumas lágrimas intrometidas.

A garota não respondeu.

Gina deu alguns passos para trás, encostando-se à parede gelada, e deixou que as grossas lágrimas rolassem livremente pelas suas bochechas. Alguns minutos se passaram, e ela estava certa de ter ouvido a porta se abrir e Luna deixar o local. Foi de forma surpresa que ela ergueu o olhar para encarar a pessoa que tocou gentilmente seu ombro.

Os grandes olhos azuis de Luna a encaravam de forma morna e singular. Gina sentiu os dedos da menina enxugarem suas lágrimas de forma gentil.

- Por que você está fazendo isso? – perguntou, a voz debilmente embargada.

- Porque eu não gosto de ver você chorar – ela respondeu com simplicidade, afastando uma mecha do cabelo de Gina para trás da orelha.

- Achei que você não tivesse mais nada para falar.

- Tenho que pensar e ficar sozinha um pouco. A cabeça não funciona bem sob pressão. Nós falamos e fazemos coisas de modo precipitado, não é bom agir assim.

- Está bem... – e então, num movimento débil, Gina jogou-se nos braços de Luna e a abraçou muito forte, murmurando coisas sem sentido no ouvido da garota. – Não me odeie, não me odeie...

- Por que você ficou com ele? – Luna disse com o olhar fixo no nada, as mãos brincando mecanicamente com o cabelo de Gina.

- Porque eu fui idiota, porque eu precisava esquecer você, porque... Eu não sei.

- Gina...

- Ah, Lu... Eu sinto muito... Você tem todo o direito de não querer entender.

Gina sentiu a menina suspirar profundamente em seu ombro, e desvencilhar-se de seu abraço em seguida. Luna a fitou demoradamente com aquela intensidade que lhe era característica. A ruivinha passou as costas da mão sobre os olhos úmidos e fungou, baixando a vista para o chão.

- Por que você faz tanta questão de me explicar as coisas agora? O que mudou?

Gina mordeu o lábio inferior.

- Eu quase perdi você para sempre... – ela buscou o olhar de Luna – Nunca senti tanto pavor em toda a minha vida.

- Sei...

- Luna – Gina disse, aproximando-se para tocar o rosto da menina. – Eu amo você.

Ela percebeu uma leve alteração na respiração de Luna, que fechou os olhos para sentir o carinho dos dedos da menina em sua face.

- Eu queria que você soubesse que – Luna murmuro de forma imprecisa – Eu não acho, de verdade, aquelas coisas que disse da última vez... Pelo menos não tudo.

- Você me odeia?

Luna relutou um pouco, os lábios entreabertos, e então sacudiu a cabeça negativamente.

- Você.... Não me ama mais?

Luna deu um passo para trás e abriu os olhos para encarar Gina.

- Não quero falar sobre isso ainda.

- Por que?

- Porque eu tenho medo.

Gina respirou fundo, vencida.

- Está bem. Você me procura quando não estiver mais com medo, pode ser?

Luna assentiu com a cabeça e virou-se para observar Gina deixar a sala com passos curtos. Ela fechou os olhos, sentindo o perfume da menina impregnado no ar.

- Eu só quero ter certeza de que você não vai me machucar de novo...

No íntimo, ela já tinha sua resposta.

***

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.