Uma Visão Otimista
Os primeiros raios de sol da manhã atravessaram o vidro da janela e inundaram o quarto com seu brilho morno. Luna sequer pareceu reparar na claridade, quando que Gina, por sua vez, abriu os olhos com um resmungo. Estava acostumada a acordar assim em seu quarto, na Toca, e até mesmo em Hogwarts, mas não precisou de muito tempo para lembrar que não estava em nenhum desses lugares. À medida que seus sentidos despertavam, aquele cheiro tão característico da pele de Luna foi invadindo suas narinas.
Gina fitou o teto durante alguns minutos. Precisava voltar ao quarto de Luna antes que sua mãe aparecesse, mas sentia-se tomada por uma preguiça que estava se mostrando muito mais forte do que o seu bom senso. Quando ouviu um som que deduziu ser o da porta do quarto de Molly se abrindo, Gina escorregou para fora da cama rapidamente e aguardou, parada ao lado de uma Luna adormecida, que a mãe apontasse na porta – mas ela não veio.
Um pouco menos apreensiva, Gina deslizou até a porta e abriu uma pequena fresta para espiar o corredor. Não havendo qualquer sinal de sua mãe, a garota saiu o quarto e percorreu apressadamente o caminho de volta para o seu próprio quarto. No caminho, viu de relance a porta do banheiro fechada e imaginou que sua mãe estivesse lá. De qualquer forma, não ia esperar para ter certeza.
Trocou de roupa e deu um jeito nos cabelos. Não estava com pressa, de modo que demorou muito mais tempo do que o normal na realização dessas tarefas. Acabando de escovar seus cabelos, Gina depositou a escova sobre a mesinha ao lado da cama, onde estava sentada. Cruzou as pernas em cima do colchão, colocando os tênis sobre o acolchoado - um comportamento que sua mãe fervorosamente condenava. Distraiu-se por algum tempo observando os pequenos planetinhas girando lentamente ao redor da galáxia-abajur de Luna.
“Sabe, você tem gosto de morango”
O pensamento chegou sutil, como a brisa morna de um fim de tarde de verão. Gina teve uma sensação confortavelmente quente, que ruborizou a pele de sua bochecha. O tipo de sensação que ela tinha quando estava sentada no balaustrado da torre de Astronomia, esperando por Luna e tentando convencer a si mesma de que não estava realmenteapaixonada... Era um sentimento engraçado, pois ela não estava mais lutando contra o que sentia – e sabia que sentia. Dizia para si mesma que não era o que tinha certeza ser pela simples graça de criar um conflito bobo quando tudo estava óbvio e perfeito.
Então Luna vinha, e Gina escorregava para o chão e elas se abraçavam de um jeito que nada tinha de fraterno. E quando ela a beijava, era sempre de um modo gentil, lento e cuidadoso, como se não houvesse nada mais interessante no mundo do que Gina – boca, língua. Luna era uma menininha novamente, e Gina sua brincadeira favorita. No entanto, não havia nada de infantil no modo como as suas pernas roçavam com as de Luna. Nada.
- Sabe, você tem gosto de morango – Luna disse uma vez, enquanto afagava os cabelos ruivos de sua amante sonolenta após uma noite inteira namorando.
Gina lembrava de ter sorrido, mas não tinha certeza do que havia dito. Entretanto, recordava com clareza do quão docemente meigo fora aquele momento, e de como adormecera com a certeza de que não havia nenhum outro lugar onde desejaria estar pelo resto de sua vida que não fosse nos braços da para-sempre-sua Luna.
Surpreendentemente, aquelas lembranças não eram dolorosas. Pelo contrário. Pareciam confortar o coração partido de Gina, aquecendo-a como uma xícara de chocolate quente com canela.
A porta do quarto abriu repentinamente, fazendo a menina sair daquele torpor nostálgico. A Sra. Weasley entrou de supetão.
- Gina, meu bem, hora de acordar... Ah, você já está de pé – os olhos de mãe da bruxa fixaram-se nos pés da filha, displicentes sobre a cama – Tire já os pés dessa cama!
A garota obedeceu, revirando os olhos.
- Então – disse empertigando-se – Teremos alguma coisa para o café da manhã ou eu devo ir ao jardim absorver raios solares e fazer fotossíntese?
Num movimento inconsciente, ela havia colocado os tênis sobre o acolchoado outra vez.
- Eu tenho que preparar algo para Luna primeiro, se você quiser esperar... E EU JÁ DISSE PARA TIRAR OS PÉS!
Gina deixou-se cair de costas
***
Choveu durante toda a tarde, o que frustrou os planos de Gina de conhecer o jardim. Ela se odiou por ter esquecido de trazer algum livro para ler nos momentos de tédio, mas o fato é que sequer havia parado pra pensar no que exatamente faria na casa de Luna. A falta de material de leitura deixou rapidamente de ser problema no momento em que Gina descobriu que o escritório do Sr. Lovegood era também uma biblioteca de tamanho razoável – montada, obviamente, para satisfazer a fome de sua única filha por novas histórias.
Passou horas lá dentro, apenas folheando os livros. Grande parte deles era de contos de fadas infantis, recheados de ilustrações coloridas que se moviam como se fossem fotografias. Por outro lado, havia Mark Twain, Oscar Wilde, Charles Dickens, Herman Melville, Robert Louis Stevenson e até Cervantes escondido sob Dostoesvky – este Gina deduziu pertencer ao pai de Luna. Uma porção de mundos diferentes, todos servindo à tarefa de alimentar a fértil imaginação de uma criança solitária. Quem poderia culpá-la por preferir viver no mundo que criara dentro de sua cabeça, afinal?
Para alcançar os livros que estavam nos pontos mais altos da estante, Gina subia na cadeira do Sr. Lovegood e rezava para que sua mãe não aparecesse – sua saúde estaria seriamente comprometida, neste caso. É claro que poderia alcançar qualquer coisa com facilidade com sua varinha - McGonagall a autorizara a realizar alguns feitiços básicos no período em que estivesse fora. O caso é que a havia esquecido no quarto, e sua disposição para subir até lá não estava das melhores. Acabou aprendendo que a preguiça não compensa quando perdeu o equilíbrio ao tentar alcançar um volume vermelho aveludado que lhe chamou a atenção na última prateleira da estante. Tentou agarrar-se a alguma coisa que mostrou ser leve demais para suportar seu peso, caindo de mau jeito e machucando os cotovelos.
O livro rubro e a grande caixa de madeira em que se segurou caíram desastradamente com ela, e esta última espalhou seu conteúdo ao redor de Gina. A garota sentou-se, massageando os cotovelos com uma careta de dor. Imaginou se sua mãe teria escutado o barulho e estaria descendo furiosa, disposta a mandá-la imediatamente de volta para Hogwarts. Como a bruxa não aparecesse, Gina parou de se preocupar e sentiu-se livre para espiar o livro que tivera tanta dificuldade para apanhar. Descobriu que se tratava, na verdade, de um álbum de fotografias.
As primeiras três fotos eram do casamento dos pais de Luna. Gina surpreendeu-se com a semelhança que havia entre a bruxa de branco acenando para ela e sua filha. Havia uma foto do casal sorridente em uma paisagem de montanhas e, logo em seguida, a Sra. Lovegood ostentando um barrigão. As vinte páginas seguintes estavam recheadas de fotos de Luna, a maioria delas acompanhada de sua mãe: uma Luna bebê tentando puxar a meinha do pé, já com uns três anos abraçada a um gato gordo de pêlos brancos, ela e a mãe brincando em um balanço, Luna sorrindo sem um dentinho de leite... Mas o álbum não estava completo. Acabava repentinamente, grosseiramente, abruptamente - assim como a vida da jovem Katherine Lovegood, que deixou a filha com a página seguinte de seu álbum fotográfico... Vazia.
- Gina, aí está você! Preciso que... – a Sra. Weasley parou de falar ao ver a bagunça que a menina havia feito no escritório do dono da casa. – O que você pensa que está fazendo, mocinha? Alguém lhe disse que podia mexer nessas coisas?
- Não, mas...
- Se você quebrar ou perder algo, como eu vou explicar ao Sr. Lovegood?
- Certo, mamãe, desculpe – Gina resmungou mal humorada, ficando de pé. – Eu só estava tentando me distrair. Não tenho absolutamente nada para fazer nessa casa...
Enquanto falavam, a Sra. Weasley começou a arrumar as coisas que estavam espalhadas com mágica.
- Eu já disse que não há problema nenhum em você ficar com a sua amiga.
Gina revirou os olhos.
- Não acho que ela queira a minha companhia – murmurou.
- Disse alguma coisa? – sua mãe perguntou, enquanto fazia o álbum de fotografias se fechar no ar e voar de volta para o espaço vago no alto da estante.
- Pensei em voz alta – Gina respondeu, caminhando até a janela para observar as gotas de chuva que batiam no vidro.
- Quanto a não ter o que fazer, pode ficar contente – Molly continuou ignorando-a. – Vai fazer uma coisa para mim.
- E o que seria? – Gina indagou sem animação.
- Vai auxiliar a sua amiga no banho enquanto eu passo na Toca para pegar algumas peças de roupa de que vou precisar.
Gina estava em vias de responder um “tudo bem” mecânico quando seu cérebro processou a frase que acabara de ouvir. E então, antes que pudesse se controlar, gaguejou palidamente:
- Eu não posso.
A Sra. Weasley riu-se de maneira maternal.
- Não precisa ficar envergonhada, meu bem. Não há nada de mais em ver uma amiga nua. Aliás, eu tenho certeza de que você já viu várias vezes – “oh sim, mãe, várias” - uma ou outra colega saindo do banho na escola.
Gina respirou fundo. “Mamãe, por favor, não faça isso comigo” pensou desesperada. Claro que não havia problema nenhum em ajudar uma amiga doente no banho... O problema é que essa amiga em particular era sua ex-namorada – mas algo lhe dizia que sua mãe não entenderia se tentasse explicar.
“Eu usei a palavra namorada?” Gina percebeu, surpresa consigo mesma. Mesmo quando ela e Luna estavam juntas, nunca havia pensado na relação que tinham como um namoro - um pouco talvez por medo do peso que a palavra tinha, outro porque Luna nunca parecera muito interessada na questão. De qualquer forma, era inegável que o termo se encaixava bem no contexto e, Gina deu-se conta, a palavra já não lhe parecia tão assustadora assim.
Seja como for, o que verdadeiramente a apavorava naquele momento era a idéia de ter Luna nua em sua frente. O corpo que tanto amava e desejava a poucos milímetros do seu, e Gina sem poder abraçá-lo, beijá-lo... Estava começando a achar que havia alguém, em algum lugar, que decididamente a odiava.
Tentou dissuadir sua mãe da idéia, sem sucesso. Caminhava nos calcanhares da bruxa, que se dirigia decidida para a lareira.
- E se eu for buscar as coisas para a senhora?
- Ah, está tudo espalhado, querida! Não, é melhor que eu vá...
- Então o banho da Luna pode esperar a sua volta – Gina arriscou.
- De modo algum, meu amor – Molly disse, postando-se dentro da lareira e virando para a filha. – Apanhe ali na mesa aquele vasinho de Pó de Flu.
Gina obedeceu.
- Tudo o que você precisa já está no banheiro da suíte. Arrumei para você.
- Mamãe, por favor... – suplicou miserável.
E a Sra. Weasley desapareceu numa nuvem esmeralda.
Gina desabou no sofá verde esfiapado. Certo, o que podia fazer? Quem sabe se esperasse até sua mãe voltar... Não. Não, péssima idéia. Molly ficaria furiosa demais por ter sido desobedecida, e ela acabaria voltando para a escola antes do fim do dia. Ok, tudo o que precisava era de um pouco de sangue frio. Esforçar-se-ia para esquecer que estava diante da pessoa cuja simples lembrança do beijo fazia seu coração bater mais rápido, aquela que tantas vezes lhe arrancara suspiros abafados no meio da madrugada.
Gina afundou o rosto das mãos.
- Isso não vai dar certo...
***
A ponta dos dedos de Gina roçou a água morna da banheira. Ela suspirou. Ergueu-se e voltou para o quarto, onde Luna a aguardava sentada na beira da cama.
- Luna – chamou.
A garota não respondeu. Parecia concentrada em alguma coisa. Gina caminhou até ela, e tocou seu ombro gentilmente. Luna ergueu os olhos.
“Já está pronto” disse, reparando que se tratava de um porta-retrato o objeto que prendia tão fortemente os olhos e a atenção da amiga.
Luna meneou a cabeça positivamente, e ignorou a mão que Gina estendeu para ajudá-la a ficar de pé. Levantou-se sozinha e caminhou lentamente para o banheiro, seguida de perto por Gina.
- Achei que você não estava conseguindo andar sozinha...
Luna não respondeu.
“Certo, minha mãe provavelmente exagera nos cuidados com você. Agora tente imaginar uma vida inteira de super-proteção e bem-vinda ao meu mundo.”
Gina encostou a porta do banheiro atrás de Luna.
- Tudo bem, por mim – foi só o que ela respondeu.
A menina pensou que, obviamente, Luna não estava com muita pré-disposição para conversas. Não que isso fosse alguma novidade, é claro. De todo modo, havia uma estranheza em seu silêncio que normalmente não estava lá, e Gina podia sentir claramente. Talvez fosse porque Luna não mais se importava com o que quer que dissesse. Gina não significava mais nada para ela. Era apenas mais uma pessoa comum e desinteressante, que simplesmente não cativava sua atenção e seus sentidos.
Gina forçou-se a evitar estes pensamentos. Ergueu a cabeça e encarou Luna, que estava parada ao lado da banheira com o olhar fixo na água transparente. De repente, como se alguém houvesse sussurrado a ordem em seu ouvido, ela começou a se despir. Parecia ignorar o fato de que Gina estava presente. Esta corou e baixou os olhos para o chão.
“Ok, eu não vou olhar” pensou consigo mesma. “Não vou, não vou olhar...”
Espiou com o canto dos olhos.
Luna acabara de deixar a camisa do pijama escorregar para o chão – e não estava usando nada embaixo dela. Gina sentiu suas bochechas queimarem e voltou a fitar os ladrilhos do piso como se não houvesse nada mais interessante no mundo. Pensou em quão ridiculamente irônica era aquela situação: conhecia cada pedacinho do corpo daquela menina; cada detalhe, cada mancha, cada curva que tantas vezes percorrera com sua boca ávida; e agora estava condenada a ter que desviar os olhos e suportar um misto de culpa e tristeza todas as vezes que estava na presença da menina a qual tantas noites passara em seus braços.
- Preciso de ajuda para entrar na banheira – Luna anunciou sem emoção.
Quando ouviu a voz de Luna, ela ergueu as vistas num reflexo. Luna estava nua, e o estúpido coração de Gina deu pulos quando seus olhos percorreram o corpo dela de cima a baixo, automaticamente. Linda...
“Gina” Luna falou. Não parecia ter reparado na forma como estava sendo olhada.
- Desculpe – Gina murmurou, precipitando-se para apoiá-la em sua entrada na banheira.
Ao que o corpo da menina mergulhou na água morna, a ruivinha lembrou que, ironicamente, toda aquela história começara em um banheiro, numa noite não tão diferente daquela.
Gina soltou a respiração lentamente e deu alguns passos para trás, na direção do bacio em que sentou sobre a tampa fechada. Luna estava de costas para ela. Durante vários minutos Gina observou, como que hipnotizada, os longos cabelos da amiga flutuando na superfície da água enquanto ela afundava e vinha à tona sucessivas vezes.
- Você parece bem melhor – comentou, brincando com seus próprios dedos. Ergueu o rosto. – De verdade.
Nenhuma resposta. Luna começou a ensaboar seu corpo.
“Quanto tempo será que demora para você poder voltar à escola? Não mais que uma semana, talvez?”
Dessa vez Luna falou, apesar de ter demorado alguns bons minutos para fazê-lo.
- Ninguém vai sentir a minha falta, de todo modo – não havia tristeza em sua voz. Nem ressentimento também. Ela estava apenas concluindo o assunto friamente, numa provável tentativa de fazer Gina parar de dirigir-lhe a palavra.
- Você não devia falar assim – Gina resmungou, e depois acrescentou num quase sussurro – Eu vou...
Luna não ouviu – ou fingiu não ouvir.
O silêncio propagou-se por alguns minutos, até ser quebrado pela dona da casa.
- Gina – a ruivinha ergueu os olhos para ela, que brincava de deslizar os dedos pela água.
- Diga.
- Importa-se de me ajudar com o cabelo?
- Nem um pouco...
Gina respondeu e aproximou-se para apanhar o vidro de xampu, imaginando se Luna estaria fazendo aquilo para provocá-la, magoá-la ou porque realmente não conseguia lavar o cabelo sozinha – algo que lhe parecia pouco provável. Sentou na borda da banheira, molhando um pouco as calças, e despejou um bocado do líquido gelatinoso na palma da mão. Começou a massagear a cabeça de Luna, fazendo espuma. O perfume de maçã verde impregnou suas narinas. Seus dedos escorregaram da têmpora da garota para seu pescoço, e Gina poderia jurar ter ouvido Luna suspirar sob seu toque.
Por algum motivo, havia uma certa eroticidade naquilo tudo. Talvez pela lembrança provocante da primeira vez que sentira atração por Luna, talvez pelo cheiro inebriante do xampu mixado à vista que tinha do corpo da amada, o fato é que Gina começou a se sentir quente – e não havia qualquer relação com o calor ambiente.
- Pode enxaguar – a menina falou, dirigindo-se à pia para lavar as mãos na água da torneira.
Ela observou a espuma descer pelo ralo, procurando fixar seu pensamento em algo que acalmasse a agitação de seus hormônios. “Snape de cueca, Snape de cueca, Snape de cueca e tirando...”
Ouviu o som de Luna erguendo-se da água.
- Já pego a sua toalha. Um minuto. Aqui. Pronto – e ajudou a amiga a sair da banheira.
Notou que Luna parecia mais frágil e fraca do que quando viera para o banho, e temeu que ela fosse desmontar bem diante dos seus olhos. Segurou-a pelo braço com mais força até do que deveria, e passou rapidamente os olhos ao redor. Perfeito, sua mãe esquecera de apanhar alguma roupa para Luna – ou talvez essa tarefa fosse de Gina, não tinha certeza. Independente disso, teve que caminhar com uma Luna completamente mole e semi-nua de volta ao quarto, não muito certa de que seria capaz de segurá-la caso seus joelhos fraquejassem.
- Vou até o seu quarto apanhar alguma coisa para você vestir... Oh, claro, você ainda está molhada. Não tem problema, é só um segundo...
Com as pontas da toalha que cobria as costas de Luna, Gina começou a secá-la. Ela estava sentada na ponta da cama, com as mãos sobre o colo, e pela primeira vez parecia reparar em Gina. Seus olhos estavam fixos nela.
Gina tentava não pensar, não sentir, não olhar, não querer, mas era tão insuportavelmente difícil. O cheiro de Luna, sua pele, seus peitos que tocava com a toalha, tudo parecia despertar seus sentidos. E ainda havia aqueles grandes olhos azuis que a encaravam atentamente, os lábios provocantemente entreabertos...
- Merlin, você é linda – e Gina tomou-os para si em desespero, largando a toalha e segurando o rosto de Luna entre as mãos.
Aquele gosto, os movimentos lentos e ritmados da língua da garota parecendo querer acalmá-la, o corpo nu de Luna colado ao seu... Gina não podia, não queria parar. Precisava tê-la, precisava agora.
- Não vou machucar você – sussurrou ao ouvido dela.
Como que se entregando, Luna arrastou-se para o meio da cama e permitiu que Gina rasteja-se cuidadosamente sobre seu corpo, mordendo, lambendo, suspirando. Parecia perfeito. Tinha que ser, era...
Luna desviou o rosto.
Gina ficou surpresa, mas achou que era apenas uma provocação. Tentou alcançar os lábios dela outra vez, sem sucesso.
- O que... – disse, sem fôlego e confusa.
- Pode fazer o que quiser comigo – Luna disse sem olhá-la – mas não me beije.
Gina demorou alguns segundos para processar. Piscou.
- Como?
- Não me beije.
Gina a encarou atônita. Perguntou o motivo sem obter resposta. Forçou Luna a olhá-la e repetiu:
- Por que?
- Eu não consigo – Luna disse, tirando as mãos de Gina de seu rosto e fitando o canto da parede.
Mais alguns segundos, Gina boquiaberta.
- Por que não? – sua respiração bastante audível permaneceu sendo o único som no ambiente – Olhe para mim.
Ela não obedeceu, mas falou e Gina não pôde acreditar em seus ouvidos.
- Quando você me beija eu não consigo não pensar nele fodendo você contra aquela parede. É como se eu ouvisse você gemendo de novo, e isso me deixa nauseada.
Gina ficou sem palavras durante vários segundos.
- Por que você está fazendo isso? – falou afinal, escorregando para o lado e afundando o rosto nas mãos. – É para me castigar? É isso, você quer me machucar?
- Não...
- Por favor, pare – Gina chorou. – Pare, pare!
- Sinto muito...
- Não, você não sente nada! Desde que eu cheguei você não teve a capacidade de tentar me ouvir! Sequer perguntou os meus motivos, tentou entender...
- Não há o que entender – Luna cortou com frieza.
- Sim, há! – Gina levantou da cama – Você realmente acha que eu sou essa pessoa fútil? Acha mesmo que eu sou tão falsa, tão mentirosa?
- Você nunca me deu motivos para pensar de outro modo...
As orelhas de Gina queimaram.
- Você nunca perguntou por eles!
- Por que deveria? Quando eu estava desesperada para saber, você me virava o rosto nos corredores. Apareceu com um namorado novo e nunca se deu ao trabalho de me contar. Fiquei sabendo ouvindo a conversa alheia, da pior forma possível, e você acha que tem o direito de me cobrar alguma coisa?
Como Gina estivesse em ação, ela continuou.
“Você é hipócrita, falsa e mentirosa. Se quer saber, eu não preciso perguntar para saber o que aconteceu. É evidente. Ele começou a reparar na sua existência, então você esqueceu a minha. Não era mais necessária a distração, afinal o seu amorzinho estava à sua disposição.”
- Não é verdade...
- Pareceu verdadeiro o bastante para mim, Ginevra.
- Não me chame assim! – Gina exclamou furiosa.
- Chamo-a como quiser. Agora que o seu namoradinho não lhe quer mais, você está vindo atrás de mim. Pois fique sabendo que eu não vou permitir que você me use outra vez. Vá procurar algum dos seus amiguinhos e me deixe em paz. Não tem mais espaço para os seus jogos na minha vida.
O clima estava tenso como nunca antes, e Luna não parecia minimamente alterada. Falava calma e lentamente, sem o menor sinal de exaltação na voz. Gina sentiu que, pela primeira vez, estava odiando cada pedacinho de Luna, como se ela fosse o próprio desprezo personificado. Sentiu que poderia machucá-la, mas algo a mantinha parada no lugar. Percebeu que estava apertando as unhas contra as palmas das mãos com tanta força que estava machucando. Então soltou a respiração lentamente, deixando os músculos relaxarem pouco a pouco.
- Se é assim que você quer – disse.
- É – Luna falou.
Gina trincou os dentes com raiva.
- Está bem. Antes que eu me esqueça, accio roupas – disse, apontando a varinha com violência para a parede na direção do quarto de Luna.
Ouviu o som das roupas saindo violentamente do armário e batendo, segundos depois, na porta fechada do quarto onde estavam. Gina olhou para Luna como que se a desafiasse – a quê, também não sabia. A garota não exprimiu qualquer reação, permanecendo estática. Após algum tempo, a ruivinha se moveu na direção da porta. Colocou a mão sobre a maçaneta, e então hesitou momentaneamente.
- Eu vou abrir essa porta – disse sem se virar – E sair do seu quarto, da sua casa e da sua vida.
- Tchau – Luna disse, e Gina teria preferido que houvesse sarcasmo em seu tom de voz. Mas não havia nada...
Abriu a porta e afastou-se para deixar as roupas se amontoarem ao pé da cama de Luna. Saiu batendo a porta atrás de si, e correu para o quarto da menina com quem acabara de brigar. Chutou a cama com violência, largando-se no canto da parede. Enterrou o rosto nas mãos e chorou durante algum tempo, remoendo e alimentando a sua raiva.
À medida que os segundos passavam e sua respiração voltava lentamente ao normal, uma certeza venenosa começava a crescer dentro do peito de Gina, tomando o seu corpo como se estivesse a se propagar através do sangue correndo-lhe nas veias. Ela passou a língua pelo lábio, provando o sal das lágrimas que secavam deixando um rastro odioso por sua pele branca.
Acabou.
***
“Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.”
Pablo Neruda
Gina abriu a porta do quarto que dividia com suas colegas da Grifinória. O vento sacudiu as pregas da sua saia, arrepiando-lhe os pêlos das pernas. O dormitório estava vazio, felizmente. Não queria falar com ninguém. Responder perguntas era a última coisa de que precisava agora.
Ela arrastou sua pequena bagagem para dentro do quarto, largando-a aos pés de sua cama. Sentou no colchão macio, a perna esquerda sob a direita. Espiou o relógio em seu pulso, contatando que já passava das 20h. Dentro de alguns instantes as outras meninas estariam invadindo o quarto, e Gina não poderia evitar a curiosidade delas. Era melhor guardar suas coisas rapidamente, trocar de roupa e meter-se sob as cobertas antes que fosse tarde demais para fingir que estava dormindo.
Enquanto recolocava suas roupas no baú ao pé da cama, ela pensava em quão rápido passara aquele dia. Ainda não havia sequer digerido a briga com Luna quando sua mãe voltara, e precisou inventar a desculpa mais idiota que lhe veio à cabeça para convencê-la de que precisava mesmo voltar para Hogwarts. Conforme esperara, Molly não fizera muita oposição, apesar de ter ficado desconfiada de que algo não estava bem.
- Você estava chorando?
- Não.
- Estava sim, olhe para a mãe – ela tentou segurar o rosto de Gina com as mãos, mas a garota esquivou-se com rispidez.
- Eu estou bem – Gina grunhiu irritadiça.
- Seus olhos estão inchados.
- Impressão sua.
- Sim, estão.
Gina bufou e fitou seu reflexo no vidro da janela. Molly tinha razão, seus olhos estavam definitivamente inchados. Encostou a testa na madeira, fechando as pálpebras. Murmurou um palavrão que felizmente escapou ao ouvido da mãe.
“Tem certeza de que está tudo bem, meu amor?” a bruxa perguntou, colocando a mão sobre o ombro da filha. A menina desviou-se, arredia.
- Só preciso dormir um pouco – murmurou, caminhando escada acima.
Mas dormir era a última coisa que ela conseguiria fazer, mesmo no longo trajeto de volta ao castelo. Enquanto observava da janela a paisagem que passava rápido, Gina perguntava-se por que raios não podia simplesmente usar Pó de Flu. Seria muito mais rápido para ela, mas obviamente Dumbledore, McGonagall ou quem quer que fosse não a considerava importante o bastante para conectar por um momento uma lareira de Hogwarts só para que fizesse uso.
Ruminando esses pensamentos, Gina era um poço de mau humor e mágoa. Ficou feliz por não ter sido chamada à sala da profª. Minerva logo que colocou os pés no castelo. Decididamente não estava em condições de ter uma reuniãozinha com a mestra de transfiguração. Não hoje, quando tudo parecia estar irremediavelmente péssimo. Não conseguiria nem se olhar no espelho, pois sabia que se o fizesse seria para sentir-se a mais patética criatura existente na terra.
Gina apanhou a última peça de roupa, um casaco preto com listras brancas nas laterais das mangas que não via desde o Natal. Usava-o com freqüência nos dias menos frios, de modo que sentiu a falta dele quando voltou do feriado natalino. No entanto, o decorrer dos acontecimentos fez com que ela esquecesse de pedir para Molly mandá-lo. Sua mãe trouxera para ela na volta de sua incursão aos armários da Toca, naquela manhã, e acrescentara-o a sua bagagem.
Ela vestiu o casaco e colocou as mãos no bolso apenas por hábito, e... Havia algo ali.
Gina ergueu diante de seus olhos uma correntinha de prata, com uma pedra roxa de aparência bruta na ponta. Apertou os olhos, imaginando de onde raios teria saído aquilo. Nunca tinha visto entre os enfeites de sua mãe. Talvez fosse de Hermione, mas achava improvável. Não faria sentido estar em seu casaco, e havia uma certa energia emanando daquela pedra que não lhe deixava dúvidas: aquela não era uma pedra qualquer do tipo que os trouxas usam no pescoço. Havia mágica, e era de um tipo morno e sutil.
Batidas na porta.
Gina deixou a correntinha cair dentro do malão e atirou-se na cama, encolhendo-se com o rosto virado para a parede. Abriram a porta do quarto. Se falassem com ela, ia fingir estar adormecida...
- Gina?
Não respondeu.
“Você está dormindo?”
Ótimo. Era Hermione. Aquele decididamente não era o seu dia...
Sentiu a garota hesitar por alguns momentos.
“Ouça, se estiver acordada... Eu preciso falar com você. É importante.”
Gina demorou alguns segundos para decidir, e então se virou com um suspiro.
- Estou ouvindo.
Hermione chegou mais perto. Gina não se deu ao trabalho de virar para olhá-la.
- Como estão as coisas?
- Maravilhosas – ela respondeu mal humorada.
- Você está sendo sarcástica...
- Oh, jura? Eu nem tinha percebido...
Hermione bufou.
- Olha Gina, eu não estou com paciência para aturar as suas infantilidades – a garota disse num tom de voz carregado com certa irritação. – Vim aqui para dar um recado, só isso. Não precisa vir com três pedras...
- Então dê logo a porcaria do recado – Gina cortou grosseira.
Hermione perdeu a linha por breves segundos, mas recompôs-se em seguida.
- A professora Minerva quer falar com você.
- Ah, que beleza – Gina riu ironicamente. – Deixe-me adivinhar: é urgente?
- Na verdade, não – Mione falou vermelha – Ela disse que você pode ir amanhã, se estiver muito cansada.
- Fantástico. Mais alguma coisa?
- Não, era só isso.
- Ótimo.
- Você vai?
Gina deu de ombros. Hermione ainda esperou uns dois minutos por alguma palavra da irmã de Rony para então se retirar. A menina ficou sozinha, encarando o teto e procurando acalmar a raiva contra tudo e todos que fervilhava dentro dela.
Quando suas colegas de quarto chegaram, Gina ainda estava acordada. Porém fingiu-se perdida no mais profundo sono, que só chegou verdadeiramente durante a madrugada. Mal conseguiu acordar na manhã seguinte, sentindo que toda a irritação que irradiava no dia anterior havia se transfigurado numa tristeza melancólica sem precedentes. Enquanto brincava com suas panquecas no café da manhã, ela pensava em como desejava sumir, desaparecer mesmo, ir para algum lugar onde...
- Oi.
Ela levantou a cabeça.
- Oi, Harry...
Ele sentou ao lado dela, parecendo meio sem jeito. Gina pensou que era surpreendente vê-lo desacompanhado de Cho Chang. Fez esse comentário, mas arrependeu-se de imediato. Agora Harry iria achar que ela estava com ciúmes, o que até certo ponto era verdade - mas isso não significava que ele tinha o direito de saber. O rapaz disse que não estava mais com ela, e brincou que as corvinais não faziam muito o seu estilo. Gina riu, apesar de não ter achado graça. Harry deu um sorrisinho. Ela achou que ele parecia muito melhor do que da última vez que o vira, apesar de não fazer tanto tempo assim.
Não tinham muitos assuntos para falar. Gina perguntou sobre o quadribol, as aulas, o jantar anterior... Harry respondeu com poucas palavras e indagou a respeito da saúde de Luna. A menina respondeu um “é, ela está melhorando...” e forçou-se a sorrir. Ele disse que precisava encontrar Rony e Hermione na biblioteca. Roubou com um garfo um pedaço da panqueca de Gina e saiu apressado, jogando a mochila sobre os ombros.
Foi o maior diálogo que teve durante a manhã, tirando uma conversa que mais pareceu um monólogo com Davy Gudgeon, sua dupla na aula de Feitiços. Gina sabia que ele tinha uma queda por ela desde o terceiro ano, mas o garoto era tímido demais para se aproximar. Parecia estar tão nervoso com a pequena distância entre eles que se assemelhava a uma matraca de tanto que falava. Todas as vezes que ele falava alguma coisa com entonação de pergunta Gina respondia “aham” ou “pois é” automaticamente. Ficou contente em se livrar dele, esquivando-se rapidamente para fora da sala de aula antes que Davy tivesse tempo de perceber para onde ela estava indo.
Após o almoço, foi procurar McGonagall e descobriu que, sim, as coisas podiam ficar piores do que já estavam. Suas notas estavam degradantes, e Minerva parecia preocupada. Não achava que seria fácil para Gina recuperar. Sugeria algumas aulas extras, e a garota não teve escolha se não aceitar. Não falaram muito sobre Luna – evidentemente, Minerva estava bem informada. A professora demonstrava maior aflição com relação ao desempenho escolar de Gina que com a saúde da outra aluna. Isso não surpreendeu a Weasley, que saiu da sala de McGonagall sentindo-se o maior lixo existente na face da terra. Excelente! Agora além de solitária, mal amada e estúpida, ela também era uma forte candidata à reprovação. Nem ousava perguntar a si mesma se poderia piorar ainda mais, pois temia uma resposta dos céus.
- Você só precisa estudar um pouco para as provas finais, só isso – repetiu para si mesma horas mais tarde, quando estava sentada nos degraus da escadaria de entrada do prédio.
Decidiu que o melhor era começar a fazê-lo imediatamente, e correu para a biblioteca logo que saiu da última aula do dia seguinte – história da magia. Gina pegou a mesa mais isolada que conseguiu e tentou, de verdade, entender alguma coisa do que dizia o seu texto de poções. No entanto, seu esforço não parecia estar sendo o suficiente. Lembrava de ter ouvido algum comentário sobre tal coisa, mas... Não sabia o que significava. O texto da página 351 era simplesmente técnico demais para a sua cabeça, e os gráficos de temperatura da página 359 simplesmente não faziam o menor sentido para ela. Começou a entrar em desespero. Fechou o livro e enterrou a cabeça nos braços por alguns segundos.
- Ok, vamos tentar de novo. Poções é um pouco complexo demais, que tal... ahn... Herbologia?
- Shhh! – Madame Pince exclamou.
Gina revirou os olhos e voltou sua atenção para o livro de Herbologia. Estava velho, ensebado e mal acabado. Havia pertencido ao Rony, que herdara do Fred, que ganhara do Percy, que por sua vez herdada do Carlinhos. Acabou se distraindo com alguns desenhos que desconfiava pertencerem ao gêmeo de Jorge. Procurou recuperar a concentração.
“As plantas carnívoras da Escandinávia” leu o título mentalmente. Ao lado deste, havia uma anotação escrita com a sua letra dizendo para olhar os pergaminhos – mas quais? Descobriu que, se é que existiam, suas anotações simplesmente tinham evaporado.
Com tantos boicotes às suas tentativas de voltar a ser uma menina responsável, Gina decidiu que aquele decididamente não era um bom dia para começar a estudar. Precisava relaxar e descansar um pouco... Sair para tomar uma cerveja amanteigada ou, ainda melhor, algo com um teor alcoólico bem mais elevado. Deixou a biblioteca quase esbarrando em Dino, que nem teve tempo de lhe dirigir a palavra – agora que sabia do fim do namoro dela com Harry, ele nunca perdia uma chance de tentar reconstruir os “laços de amizade que haviam perdido com o fim da relação”. Gina sentia vontade de rir todas as vezes. Laços de amizade? Ele estava sempre ocupado demais tentando chegar aos finalmentes para... Tudo bem, não importa.
Ela escapou por uma passagem secreta que saia em uma ruela na área mais boêmia de Hogsmeade, onde havia bares para todos os tipos de criaturas noturnas, e bebidas da mais fraca até aquela que poderia colocar fogo em partes do corpo que Gina nem lembrava que tinha. Se havia alguma coisa que podia dizer que ganhara namorando Michael Corner, fora o hábito não tão saudável de sair para tomar uns porres na madrugada. Não fora uma relação construtiva em nenhum sentido, pois bêbado o rapaz ficava triplamente mais ciumento do que já era de costume. Uma vez ele surtara porque vira Gina olhar para um manequim em uma loja, e fez um tremendo escândalo no meio de uma rua deserta do povoado. Atraiu mais atenção do que deveria, e os dois quase tiveram problemas sérios na escola por isso. Foi praticamente a última gota, e depois disso o namoro desandou.
Enquanto observava o garçom encher um copo com a sua bebida preferida, Gina perguntava-se por que diabos tinha que se meter o tempo inteiro em relações complicadas. Primeiro Michael e seu ciúme doentio. Depois Dino, um mulherengo incorrigível. Luna... Ah, Luna... Não queria pensar sobre isso. Harry, provavelmente, fora o seu namorado mais normal. De verdade! Não havia briga, desentendimento, cobrança... Nada, absolutamente. Era o namorado perfeito, mas... Não se pode mandar no coração, certo? Se pudesse escolher – Gina bebeu um gole do copo -, optaria por estar perdidamente apaixonada pelo Menino Que Sobreviveu. Mas não podia, certo? Então a única solução era beber, beber, encher a cara e chorar a sua dor de cotovelo.
- Weasley?
A garota deu um pulo. “Não, por favor. Diz que não é a McGonagall, diz que não...”
- Oi, ahn...
- Hannah. Abbot.
- Isso, Hannah – Gina suspirou com alívio.
- Está ocupada? – a menina perguntou, colocando a mão sobre o encosto da cadeira do lado oposto da mesa.
- Não, pode sentar.
Ela não esperou que Gina terminasse a frase para fazê-lo.
- Curioso – Hannah falou com um sorrisinho. – Essa também é a minha bebida preferida.
- Como você sabe que é a minha preferida? – Gina indagou antes que pudesse se conter.
Hannah deu uma risadinha.
- Eu não sei. É?
A expressão no rosto de Gina se desanuviou um pouco. Fez que sim com a cabeça.
- Pode se servir – a menina falou com displicência – Mas o próximo é por sua conta.
- Tudo bem – Hannah disse, servindo-se sem cerimônia – Mas eu não vou querer o próximo.
- Fraca para bebida?
- Não, mas tenho prova prática de poções amanhã.
Gina fez uma careta.
- Meus pêsames. Odeio poções... Profundamente.
- Mesmo? Bem, eu até gosto.
- Ah – Gina surpresa. Bebeu um gole. – Você há de convir que isso não é algo que se escuta todos os dias.
As duas riram.
- Você andou sumida – Gina ergueu a sobrancelha. – Quer dizer, nunca mais a vi...
- Está vendo agora – ela deu de ombros. Hannah sorriu, e Gina achou que a menina tinha um certo ar nostálgico nos olhos – O quê, você não vai me dizer que eu a lembro de alguém que você conheceu há muito tempo atrás...
Ela cantarolou essa última parte da frase, entediada.
- Mais ou menos – Hannah falou divertida.
O vácuo invadiu o ambiente. Gina não sabia o que falar. Era a primeira vez que lembrava de estar realmente conversando com Hannah Abbot e, tirando o fato de ambas terem interesses sexuais semelhantes, não achava que tivessem algo mais em comum.
- Estou realmente encrencada – Gina disse.
- Com o quê?
- Poções.
- Não pode estar tão ruim assim...
- Acredite, eu estou. McGonagall me chamou exclusivamente para dizer isso.
- Certo, então você está mal mesmo – Hannah riu. – Por que não pede alguma ajuda?
- Para quem?
- Bem, Hermione Granger...
- Ah, por favor! – Gina exclamou revirando os olhos.
Hannah pareceu surpresa.
- Achei que vocês fossem amigas.
- Nem pensar...
- Mesmo assim, tenho certeza de que ela não iria se incomodar em aju...
- Hermione não – Gina concluiu.
Hannah serviu-se de mais um pouco de bebida, e ficou brincando com o copo durante algum tempo.
- Ela é uma pessoa incrível, a Hermione...
- Muito – Gina falou com sarcasmo.
- Sério mesmo. Devo muito a ela.
- Eu também – Gina disse com amargura.
- Ela salvou a vida da Padma – Hannah murmurou.
A ruivinha zombou.
- O quê, ela agora está dando aulas particulares?
Hannah suspirou.
- Você não sabe mesmo do que eu estou falando, então?
- Deveria?
- Depende... Quer dizer, o castelo inteiro sabe, com exceção de você.
- Então faça com que o castelo inteiro saiba mesmo – Gina resmungou. Não estava interessada de verdade, mas... – O que a genial Hermione Granger fez pela sua namo... oh... Desculpe, quer dizer...
- Tudo bem – Han falou com uma expressão de quem estava sendo sincera.
Gina sorriu constrangida.
- Estou ouvindo...
Hannah respirou fundo, e então resumiu em poucas palavras:
- Depois que o pai a deserdou, a Pad tentou se matar.
- O quê? – Gina exclamou incrédula.
- Ela tentou se envenenar – Hannah murmurou. – E teria conseguido caso Hermione não tivesse descoberto o veneno e me mandado pedir o antídoto certo para o prof. Snape.
A menina ficou algum tempo boquiaberta, processando as informações.
- De qualquer forma – disse, recompondo-se – Isso não faz de Hermione uma grande pessoa. Ela só fez o que qualquer um teria feito, tentou ajudar...
- Não qualquer um – Hannah cortou. – E não foi só isso. Ela foi uma das poucas pessoas que apoiou o meu namoro com a Pad na Grifinória.
Gina engasgou com a bebida.
- Você não está falando sério.
- Estou sim...
- A Herm... Não, não pode ser. Não a Hermione Granger.
- Ela mesma.
Gina começou a achar que havia bebido demais. E então, de repente, percebeu o quão incomum era aquela conversa. Hannah simplesmente estava sentada conversando com Gina sobre a sua namorada, sem sequer tomar o cuidado de escolher as palavras ou... Era como se soubesse que ela não reagiria de forma preconceituosa, o que fez Gina gelar. Ela sabia?
Como se estivesse lendo os seus pensamentos, Hannah falou rapidamente.
- Eu nunca contei pra ninguém. Quer dizer, exceto para a Padma.
Apesar de ser óbvio o assunto ao qual a menina estava se referindo, Gina piscou e ainda se fez de desentendida.
- Nunca contou o quê?
- Bem, você sabe – e abaixou o tom de voz, aproximando o rosto de Gina na mesa. – Você e a Luna Lovegood...
As bochechas de Gina ficaram vermelhas, e ela levantou-se de um salto. Hannah levantou também.
- Você não sabe do que está falando – Gina colocou a mão no bolso e largou algumas moedas sobre a mesa, dirigindo-se em seguida para a saída do estabelecimento.
Hannah foi atrás, tentando alcançá-la.
- Gina, sinceramente – ela apertou o passo. – Você acha que precisa fazer esse teatro comigo?
Mas ela não estava ouvindo. Um único pensamento não saia da sua cabeça. Se Hannah Abbot sabia, então quantas outras pessoas...
A garota colocou-se na sua frente, segurando seus pulsos.
- Solte-me – Gina disse.
- Escuta, você está sendo boba – Han falou rápido. – Eu não contei para ninguém, descobri por acaso! Ninguém mais sabe, e é óbvio que é totalmente normal para mim...
- Veja bem, eu não sei o que você viu, mas... Mas... Não é o que você está pensando, entendeu?
Hannah revirou os olhos.
- O que vi só pode ser o que vi, eu garanto...
Gina sentiu que seu rosto estava adquirindo um tom avermelhado tão forte quanto o de seus cabelos. Que ótimo, não? Hermione, Hannah, Padma Patil... Todas se divertindo assistindo aos momentos íntimos que tinha com Luna. Oh, Merlin, queria desaparecer! Queria desaparecer agora...
Respirou fundo. Ergueu os olhos para Hannah.
- Ouça – disse derrotada. – O fato de você ser, bem, gay, não torna essa situação menos constrangedora.
- É menos constrangedor do que ter a escola inteira sabendo, eu garanto – Hannah falou, relaxando os músculos também.
- Nem me fale – Gina gemeu, largando-se na beirada da calçada e escondendo o rosto nas mãos.
Hannah sentou ao seu lado, cruzando as pernas esticadas de maneira displicente.
- Merlin, o que eu não daria por um cigarro – Gina riu forçadamente.
- Pense rápido – Hannah brincou, puxando uma carteira do bolso.
Apesar da piada, deixou que a garota se servisse. Cada uma acendeu o seu fumo, e ficaram assim durante vários minutos, sem dizer nada.
- Hannah Abbot – Gina disse distraída – Você é só surpresas. Parece uma santa, mas... Para uma Lufa-Lufa...
As duas riram descontraídas.
- Quanto ao cigarro, é realmente uma nova aquisição – Hannah comentou. – É para ajudar a suportar o meu coração partido...
- Coração partido?
- É, quase. A Pad está muito estranha comigo. Toda essa história do pai dela... Ah, não sei não. Preciso esperar ela sair da ala hospitalar para poder ter uma conversa de verdade. E você?
- O quê?
- Quando vai se resolver com a Luna?
- Nunca, eu acho... – Gina murmurou com amargura. – Espere um momento. Como você sabe que eu tenho problemas com ela?
- Você não perguntou o que eu vi, perguntou? Pra ser sincera, fiquei bastante surpresa quando ouvi os berros de Luna no banheiro da Murta. Eu estava passando, e...
- Ah, entendi... – Gina suspirou. – Acho que a perdi para sempre, sabe.
Hannah deu um último trago no cigarro e espremeu-o contra a calçada.
- Gina, você é novinha...
- Um ano a menos que você – ela cortou indignada.
- Eu sei. Mas, a verdade é que... Às vezes, um ano pode fazer toda a diferença do mundo. Não complique tanto as coisas. O fato de não ter dado certo com a Luna não é o fim do mundo. Se for para vocês terminarem juntas, é assim que vai ser. Caso contrário, você vai achar outra menina.
- Ou menino.
- Ou menino – Hannah corrigiu, e colocou-se de pé.
- Bela visão otimista das coisas, mas não serve para mim – Gina falou.
- Eu sei. Também não serve para mim, mas não custava tentar.
E enquanto observava Hannah Abbot se afastar lentamente, Gina começava a pensar que, talvez, só talvez, as coisas não fossem assim tão ruins.
Talvez...
Deu um último trago no cigarro e voltou para o castelo.
***
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