A Pior Semana
Pensando sobre aquela semana fatídica, anos mais tarde, Gina não conseguiria recordar exatamente como as coisas se passaram, mas, ainda num reflexo de todos os sentimentos dolorosos que experimentou naqueles dias, sentiria a desagradável sensação de que havia alguma coisa rachada em seu passado – algo que simplesmente não podia concertar. Se pudesse escolher um momento da sua vida para apagar para sempre da história, Gina Weasley não precisaria pensar duas vezes para decidir por aquela semana.
Ela não conseguia dormir. Passava horas e horas deitada em sua cama, revirando-se de um lado para o outro com o pensamento em Luna, desejando com todas as suas forças que ela estivesse bem. Durante o café da manhã, limitava-se a ler atentamente cada pequena nota que saia no Profeta Diário, respirando um pouco mais aliviada cada vez que constatava que não havia nenhum comentário sobre Luna. É claro que estava sendo boba, pois se algo acontecesse com a garota, alguém certamente se encarregaria de lhe contar. De todo modo, Gina não conseguia pensar corretamente com todas aquelas preocupações. Como não dormia durante a noite, seu estado no dia seguinte era degradante. Mal conseguia se manter atenta as aulas, cochilando em todo lugar que parava por algum espaço de tempo maior que dez minutos.
Durante a segunda aula da tarde de Quarta-feira, Gina não conseguiu suportar o cansaço e apagou completamente durante a explicação de Snape. As conseqüências disso foram que, além de perder os usuais pontos para a Grifinória, a garota também foi expulsa de sala. Sob os olhares curiosos de seus colegas, Gina apanhou seu material e saiu com ordens expressas do mestre de poções para procurar McGonagall – mas não foi exatamente isso o que a garota fez.
Gina sabia que estava seriamente encrencada. Fora expulsa de sala, e mesmo tratando-se de Snape, essa não era uma situação muito comum em Hogwarts. Escreveriam aos seus pais para contar o que estava acontecendo, e sua mãe provavelmente faria o favor de coroar o seu final de semana com um berrador. No entanto, naquele momento Gina não conseguia parar para pensar sobre isso.
Estava completamente acabada. Precisava dormir. Isso era tudo o que tinha em sua cabeça naquele instante, de modo que arrastou-se para dentro do primeiro armário que encontrou. Usando sua mochila como travesseiro, Gina desabou num sono pesado e sem sonhos.
Quando acordou, a garota não tinha sequer consciência de onde se encontrava. Demorou alguns minutos para perceber que estava dentro de um armário, e permaneceu por mais ou menos vinte minutos dormitando antes de se levantar. Abriu a porta e saiu com alguma dificuldade, sentindo o seu corpo todo reclamar pelos maus tratos. Puxou a mochila e jogou-a sobre os ombros doloridos, imaginando quanto tempo teria dormido.
De acordo com seu relógio de pulso, já passava da hora do jantar. Estava decididamente encrencada, Gina pensou com um gemido. Snape certamente já procurara McGonagall para saber se Gina fora até ela conforme ele ordenara. McGonagall diria que não, e conversando com os outros professores eles descobririam que ela simplesmente não aparecera em nenhuma outra aula o resto da tarde.
Antes de encarar seus problemas, no entanto, Gina decidiu que precisava de um banho. Demorou o máximo que pôde agüentar sob o chuveiro, até seus dedos começarem a enrugar. Enquanto escorregava o sabonete pelo colo, Gina pensava na primeira vez que sentira alguma coisa por Luna. E pensar que tudo começara naquele mesmo banheiro, numa noite não muito diferente daquela.
Após terminar a sua higiene, Gina retornou a torre da Grifinória. O salão comunal estava consideravelmente cheio, e todos os seus colegas de casa tagarelavam animadamente sobre uma infinidade de assuntos que Gina considerava extremamente fúteis. Rony, por exemplo, discutia com Simas Finnigan o resultado do último jogo dos Cannons.
- O juiz era um comprado! Um ladrão!
- Quando se torce para um time ruim, caro Rony, o coitado do juiz é sempre trapaceiro. Tsc tsc.
As orelhas do irmão ficaram vermelhas, e se ele não fosse monitor e covarde demais para tal, talvez tivesse acertado um soco em Simas ali mesmo. Gina passou pelo irmão sem ser notada, e caminhou para a escadaria do dormitório feminino. Hermione, que estava sentada a um canto isolado cercada de livros e pergaminhos, lançou-lhe um olhar significativo que Gina fingiu não captar.
Ela subiu as escadas rapidamente e entrou no quarto, largando a mochila no chão e deixando-se cair deitada em sua cama. Permaneceu de olhos fechados durante alguns minutos, concentrando-se em manter a sua mente vazia. Não queria pensar. Estava tão cansada...
Abriu os olhos e encarou fixamente o teto escuro do dormitório. Lembrou que sempre fazia isso depois de passar a noite com Luna. Enquanto a loirinha dormia aninhada em seus braços, Gina pensava sobre o quão inacreditável era tudo aquilo para ela, e tinha a estranha sensação de que poderia permanecer ali para sempre, com Luna ressonando com a cabeça apoiada em seu peito. Agora Gina estava sozinha, sem o seu amor, e sentia que trocaria a sua vida inteira para poder viver mais uma noite com a menina que, sem dúvidas, valia mais que qualquer coisa no mundo para ela.
Gina engatinhou pelo colchão até o pé da cama e abriu seu baú. Precisou cavar entre as roupas para encontrar o que estava procurando: uma caixinha de madeira, decorada com entalhes de figuras de unicórnios e fios de ouro e prata que se entrelaçavam. A menina sentou recostada na cabeceira da cama, e abriu o objeto com a pequena chave prateada que levava pendurada em uma corrente em seu pescoço. A caixa pertencera a sua mãe, e desde o dia em que ganhou de presente Gina passou a guardar ali dentro todas as coisas que considerara importantes nas diversas fases da sua vida.
Havia uma foto de Harry que Gina roubara dos arquivos de Filch numa das vezes em que fora arrastada até a sala do zelador por jogar bombas de bosta nos corredores – a menina sorriu ao contemplar um Harry Potter de 13 anos piscando para ela da foto; sua aliança de namoro com Dino, que ela teria jogado pela janela no dia em que descobriu que ele a traíra se não estivesse furiosa demais para lembrar que tinha um anel em seu dedo; um recorte do Profeta Diário de quando a família Weasley foi notícia por ter ganho na loteria dos bruxos e – Gina suspirou – muitos e muitos bilhetes que Luna lhe escrevera durante o tempo em que estiveram juntas.
Enquanto passava os olhos e lia os pedacinhos de papel que apanhava, o desenho de um sorriso se formava lentamente nos lábios da garota. Será que Luna fazia alguma idéia do quão importantes aquelas bobaginhas seriam, quando as escreveu? Não, provavelmente não. Ela não sabia que iriam passar por todas as coisas horríveis que estavam passando agora. Mas... espere... o que era aquilo? Gina ergueu uma sobrancelha, curiosa. Havia um envelope na sua caixinha que a menina tinha certeza absoluta de nunca ter visto antes.
Ela apanhou o que constatou ser uma carta, e sentiu seus coração dar um pulo ao reconhecer seu nome escrito na caligrafia fina e inconfundível de Luna. Com os dedos trêmulos, Gina abriu o envelope e apanhou a carta.
A medida que transcorriam as linhas redigidas pela amiga, os olhos da ruivinha foram ficando inevitavelmente úmidos. Tinha a sensação de estar olhando para Luna naquele momento, e ouvido todas aquelas palavras dos lábios que tanto amava.
“Gin, amor...
O que está acontecendo com a gente? Por que você se afastou de mim? Eu não entendo... tudo parecia tão perfeito. Achei que você estava feliz. Foi, talvez, alguma coisa que eu disse, algo que eu fiz? Por favor, não me deixe assim sem ao menos explicar porquê. Quero tanto saber onde eu errei com você...
Estou sentada aqui no chão ao seu lado, observando você dormir enroscada nos lençóis. Vejo o seu peito subir e descer lentamente, no ritmo da sua respiração pausada. Sinto uma vontade quase incontrolável de tocar a sua pele morna, e saber que não posso fazê-lo causa-me uma dor que de tão intensa chega a ser física.
Sem você fica difícil respirar, amor. Cada vez que você passa por mim no corredor sem permitir ao menos que meus olhos encontrem os seus, sinto que morro um pouco mais. Todos os dias que tenho passado sem a sua presença não passam de um borrão na história da minha vida. Eu preciso de você, vê? Volte para mim...
Sei que há algo muito errado acontecendo. Você sente a minha falta também? Se a sua resposta for um sim, tenha piedade de si mesma e me procure. Eu estou aqui só para você, esperando. Sempre estarei esperando, até o último dia da minha vida. Então vem para mim outra vez... Volta... Volta...
Caso contrário, faço o favor de acabar com a minha existência miserável, que na sua abstinência é como um vaso de barro partido: nunca poderei juntar os pedaços outra vez.
Em alguns minutos o sol vai invadir esse quarto, e eu preciso sair antes que alguém acorde. Sei que quando você sentir saudades de mim vai abrir a sua caixinha e procurar todos os bilhetes inúteis que trocamos durante aqueles que foram os dias mais felizes da minha vida. Portanto, deixo para você mais do que imaginava encontrar.
Independente de quanto tempo tiver passado desde que escrevi essa carta, meus sentimentos por você continuam os mesmos, portanto, amor da minha vida... volte a ser o meu ar.
Luna”
O som da porta do quarto abrindo fez com que Gina pulasse no lugar, e rapidamente a menina enxugou as lágrimas na manga do casaco.
- Tudo bem, sou só eu, Gina.
A garota ergueu os olhos para Hermione, que estava parada à porta. Resmungou qualquer coisa e voltou seus olhos para a carta outra vez. Releu as últimas palavras “volte a ser o meu ar”. “Ah, Lu...” pensou, mordendo o lábio inferior. Percebeu que Hermione continuava a olhá-la.
- Você quer alguma coisa? – Gina indagou sem conseguir conter uma pontada de irritação em seu tom de voz.
- Saber como você está – Hermione disse com um pouco de receio. Não esperava receber de Gina nada mais que pedradas, mas sempre havia uma esperança.
A ruivinha soltou o ar dos pulmões lentamente.
- Como você acha que eu estou?
- Preocupada – disse a monitora com simplicidade.
Gina ergueu uma sobrancelha, olhando desconfiada para a garota em quem um dia confiara. Hermione estava ali desarmada, e parecia sincera em sua preocupação. A ruivinha não tinha certeza de como deveria tratá-la, afinal. Decidiu que tentar uma conversa civilizada era a melhor opção.
- Preocupada – Gina repetiu com algum sarcasmo. – Preocupada é pouco. Acho que estou à beira de um ataque de nervos. Não tenho notícias dela há dias, e sinceramente não sei se isso é bom ou ruim.
- É bom, afinal, notícia ruim sempre chega rápido – Mione falou, e arriscou aproximar-se um pouco mais. – Você estava chorando?
Gina olhou para Hermione, pensando seriamente em dar uma resposta bastante mal educada. No entanto, a voz simplesmente não saiu. Voltou os olhos para a carta de Luna novamente. Contou, então, com a voz quase sumida:
- Ela me deixou uma carta. Fala tantas coisas e... eu... – Gina fechou os olhos, respirando profundamente. Voltou a abri-los, e encarou Hermione. – Quer ler?
Mione hesitou por um minuto, mas então apanhou o pergaminho que a menina lhe estendia e sentou na beirada da cama. Leu em silêncio. Gina fixou os olhos na parede, sem interesse em perceber as mudanças de expressão no rosto de Hermione a medida que avançava na leitura. Quando acabou, a garota estendeu o pergaminho de volta para Gina com um suspiro.
- Ela escreve muito bem – disse, pois não conseguiu pensar em nada mais para falar.
A ruivinha esboçou um pequeno sorriso.
- Luna é muito mais talentosa do que as pessoas imaginam. Ela é a pessoa mais doce e meiga que eu já conheci. Se você a conhecesse melhor, sem preconceitos, perceberia que falo a verdade.
- Eu não tenho nada contra a Luna – Hermione falou.
- É, percebe-se – riu-se Gina.
Hermione suspirou.
- Certo, eu sei que você tem todas as razões do mundo para estar com muita raiva de mim. Mas, Gina... eu juro... Eu nunca pensei que fosse tão importante para você. Eu... Eu gosto muito de você, quero apenas o seu bem. Foi pensando na sua felicidade que...
- Não, não foi – Gina interrompeu. – Não precisa fazer esse teatrinho. Você é uma grande idiota, isso é tudo o que tem que admitir. Acha que está acima dos outros só porque tira as melhores notas. Acha que pode decidir o que é certo ou errado. Mas, Hermione, eu tenho uma novidade para você: nem tudo funciona da forma que você imagina. As pessoas são diferentes, você precisa respeitar isso.
- Eu... – Hermione começou irritada, mas obviamente não conseguiu pensar em nada para dizer, pois se calou e desviou os olhos para o chão. – Talvez você esteja certa – murmurou.
Gina passou os dedos pela carta de Luna, pensativa. Durante um espaço de tempo considerável nenhuma das duas disse nada.
- Você não tinha o direito de ter interferido.
- Eu sinto muito...
- Você acabou com as nossas vidas.
- Ah, Gina, eu...
- Por que? – Gina indagou, fechando os olhos procurando manter o sangue frio.
Hermione abriu a boca para falar, mas mudou de idéia. Respirou fundo. Não conseguiu olhar para Gina.
- Eu estava tão assustada. Não queria sentir o que eu estava sentido pelo Harry. Quero dizer, beijar o Vítor Krum nas férias de verão é uma coisa, mas se apaixonar pelo seu melhor amigo é outra totalmente diferente. Especialmente sabendo que o melhor amigo do seu melhor amigo gosta de você.
Gina ergueu os olhos para Hermione.
“Além disso, eu sabia que ele estava interessado em você. Depois de falar para o Rony o que estava sentindo e de receber a aprovação dele para chegar mesmo em você, a primeira coisa que o Harry fez foi me procurar e pedir ajuda. Pode imaginar o quão partido meu coração ficou, não é?”
- Eu só não vejo lógica – Gina falou sacudindo a cabeça. – Se você estava apaixonada por ele, porque fez questão de me separar da Luna sabendo que obviamente eu acabaria ficando com ele?
- Você não entende, eu não queria gostar dele – exclamou Hermione. – E, Gina, sinceramente... Eu fiquei muito chocada quando vi... Bem, você e a Luna. Era algo que jamais passara pela minha cabeça, que vocês duas pudessem ser...
- Mas nós somos sim – Gina cortou.
- Certo – Hermione falou. – Mas você gosta de meninos, não gosta?
- Gosto.
- Então...?
- Ah, Mione – Gina disse. – É muito complicado para você entender. Eu sei que é uma situação bastante perturbadora. À princípio, eu não queria de jeito nenhum aceitar o que estava acontecendo. Mas é muito mais forte do que você imagina. Não é algo que se possa controlar.
- Quando foi que vocês... ah... ficaram juntas pela primeira vez? – Hermione perguntou.
Gina franziu o cenho, forçando sua memória.
- Acho que foi no dia das bruxas... Não, foi antes. A gente se beijou antes. Mas começou mesmo na festa de dia das bruxas.
- Entendo – Hermione falou. – Por isso você estava fugindo do Harry, agora faz bastante sentido.
- Pois é – Gina disse.
- E você já ficou com alguma outra menina, além da Luna?
- Não.
- Por que?
- Eu estava namorando o Harry – Gina disse simplesmente.
Hermione sacudiu a cabeça lentamente.
- Mas você sente vontade?
- Sinceramente, eu nunca parei para pensar sobre isso. Eu nunca tive a intenção de me relacionar com nenhuma outra menina que não fosse a Luna. Nós nunca namoramos ou coisa assim. Nunca falamos no assunto. Era como se continuássemos sendo amigas, mas... com algumas coisas a mais. Sabe, eu não sei se você conseguiria entender, mas... digamos que chegou um momento no nosso relacionamento... na nossa amizade, em que não havia outro caminho a seguir. Simplesmente tinha que ser. Mas eu nunca imaginei que fossemos chegar tão longe.
- Sempre achei que o Harry era o grande amor da sua vida – Hermione falou lentamente.
- Eu também – Gina sorriu fracamente. – Mas, veja só, as pessoas mudam.
- Ele gosta muito de você.
- Eu sei que gosta. Mas, infelizmente, não tinha mais como continuar.
- Você não vai se arrepender?
- Não.
Hermione não disse nada, e novamente caiu o silêncio.
- Eu preciso esquecer do Harry...
- Precisa mesmo – Gina disse. – Se você ficar com ele vai criar uma situação terrível com o Rony.
Hermione gemeu.
- Eu sei. O Rony tem sido tão legal comigo...
- Você não gosta nem um pouquinho dele?
- Gosto... Mas é diferente.
Gina deu uma risadinha.
- Sei como é isso. Você já ficou com ele, não ficou Hermione?
- Não fiquei – Hermione disse sacudindo a cabeça.
- Por que não?
- Eu não quero iludi-lo.
Gina suspirou.
- Certo... Mas talvez fosse bom você dar uma chance para o Rony. Quem sabe você gosta e não tira o Harry de vez da cabeça?
- Acho que não é uma boa idéia – Hermione fez uma careta.
Gina encolheu os ombros e não disse mais nada. Hermione era decididamente uma pessoa problemática, pensou. Percebeu que não estava mais com tanta raiva. Seria aquela conversa o começo de uma trégua entre elas? Permaneceu perdida em seus próprios pensamentos durante alguns minutos, até que a voz de Hermione fez com que a menina voltasse ao mundo real.
- É muito diferente?
- O que? – perguntou Gina, confusa.
- Beijar uma menina...
Gina ergueu uma sobrancelha.
- Com certeza.
Percebeu que Hermione estava vermelha.
- Você acha melhor que beijar um menino?
- Eu acho... – Gina disse com simplicidade. – Por que você está perguntando?
- Nada, eu só estou curiosa. Eu andei lendo a respeito, e...
- Você o quê? – Gina soltou uma gargalhada. Foi tão repentino que até ela mesma se surpreendeu.
- Eu... estive lendo – Hermione continuo, o orgulho ferido e as bochechas furiosamente vermelhas.
Gina não conseguia mais parar de rir.
- Ah, mas isso é bem a sua cara mesmo – ela disse com dificuldade.
- Posso saber o que é tão engraçado? – Hermione indagou, irritada.
Gina controlou o riso, procurando ficar séria.
- Hermione, você está curiosa sobre como é ficar com uma menina?
- Não!
- Então por que estava lendo a respeito? – Gina falou sarcasticamente.
- Eu queria entender um pouco mais, é só... Saber o que você está passando e... ainda mais depois de toda aquela confusão com Padma Patil e Hannah Abott...
- Pode crer...
- Se você não quiser acreditar o problema é seu – Hermione disse, vermelha de raiva. – Eu não sou desse jeito, eu... eu não sou uma... uma...
Gina parou de rir instantaneamente. A expressão em seu rosto se fechou, e sua respiração tornou-se mais ruidosa.
- Qual é o problema em dizer a palavra? Lésbica. Diga.
Hermione abriu a boca como que para dizer algo, mas não produziu nenhum som.
“Você está tentando me convencer de que mudou a sua forma de pensar, mas não é verdade.”
- Você está sendo injusta comigo. Eu estou tentando... Eu quero muito entender, Gina.
- Entender o quê? Aqui não há nada para ser entendido pela sua pessoa. Pare de meter o nariz na minha vida e vá cuidar da sua.
Gina levantou da cama e caminhou para a porta sem olhar para Hermione. Não precisava observar a expressão em seu rosto para saber o efeito de suas palavras sobre a garota: ela estava furiosa. Não que achasse que fora ofendida. O fato é que sabia que Gina estava certa, e exatamente por isso não tinha palavras para retrucar. E se havia uma coisa que tirava Hermione do sério, com certeza era descobrir que não tinha argumentos para defender o que quer que fosse.
Antes que Gina deixasse o quarto, no entanto, ela chamou seu nome. A garota revirou os olhos e voltou-se para Hermione.
- O que foi?
- McGonagall quer falar com você – Hermione informou com uma formalidade irritante.
Gina sentiu o seu coração dar um pulo no peito. Luna. Teria notícias de Luna.
- O que eu fiz? – foi tudo o que ela conseguiu balbuciar naquele momento, com o pulso acelerado pela ansiedade.
- Não sei absolutamente nada, só estou passando o recado – Hermione disse encolhendo os ombros.
Gina permaneceu algum tempo parada à porta, como que terminando de processar o conteúdo das palavras da garota. Viajou por uma infinidade de pensamentos diferentes em alguns milésimos de segundos, aterrizando de volta na realidade com um piscar de olhos. Deixou o dormitório feminino ainda um pouco entorpecida, mas consciente de que precisava procurar a professora Minerva.
Sequer sentiu o olhar pesado de Harry sobre ela quando atravessou o salão comunal, e provavelmente foi a sorte que impediu que fosse atingida pelos vasos de samambaias dançantes que Pirraça estava jogando pelo corredor.
- Weasley, Weasley, sempre tramando, sempre... vou contar ao Filch a bagunça que você fez por aqui, ele vai adorar saber... – o poltergaist cantarolava atrás dela, maldoso e desafinado.
Gina nunca tivera muita paciência com ele. Desde o seu primeiro ano, quando o idiota fizera questão de recitar incansavelmente cada palavra do poema que ela escrevera para Harry no dia dos namorados todas as vezes em que a via. Ela não via graça em nenhuma de suas brincadeiras, e com o passar dos anos aprendera a responder tranqüilamente aos insultos que recebia. Mas naquela noite sequer percebeu que ele estava praticamente bufando em seu pescoço.
Quando deu-se conta, estava parada diante da porta da sala da McGonagall, com o punho erguido para bater na porta. Pirraça tratou de desaparecer rapidamente, deixando a caçula Weasley sozinha num silêncio de ensurdecer. Ela hesitou por alguns momentos, e então bateu na porta. Um minuto se passou sem que houvesse qualquer movimentação no interior da sala. Então, quando Gina estava prestes a bater outra vez, a porta se escancarou.
- A senhora mandou me chamar, professora? – a menina perguntou timidamente.
McGonagall suspirou e afastou-se para que ela pudesse entrar.
- Sente-se – disse, e fechou a porta atrás de Gina.
Tomou lugar atrás de sua mesa em seguida. A garota reparou que ela tinha uma aparência bastante exausta. Talvez estivesse muito enganada, mas tinha a clara impressão de que havia surgido novas rugas no rosto da professora desde a última vez em que estivera naquela sala, há pouco mais de duas semanas. A bruxa passou algum tempo examinando alguns pergaminhos sobre a mesa, e então voltou finalmente as suas atenções para uma Gina bastante inquieta.
- O professor Snape veio ter comigo antes do jantar. Fiquei bastante surpresa ao saber que, supostamente, deveríamos ter conversado essa tarde.
“Merda” Gina pensou, sentindo o peso do mundo cair sobre as suas costas ao lembrar-se de que fora expulsa da aula de Snape naquela tarde, e de que deveria ter ido até McGonagall ao invés de ficar dormindo dentro do armário. Agora estava decididamente encrencada. Por que raios Merlin não ia com a sua cara?
“O que você tem a dizer sobre isso?” indagou a professora, observando-a atentamente.
Gina mordeu o lábio inferior nervosamente. Não conseguiu olhar para McGonagall.
- Eu sei que pode parecer que... ahn... Eu meio que fugi, ou coisa do tipo – Gina tentou explicar de maneira confusa. – Mas eu juro que não foi isso. É que eu estava com muito sono, e...
- Srta. Weasley – Minerva interrompeu a garota em suas explicações – Estou seriamente preocupada com o seu comportamento nos últimos dias. Os professores têm reclamado da sua falta de atenção nas aulas; está sempre dormindo pelos cantos, e fiquei sabendo que você também não tem se alimentado direito. Quero que me responda sinceramente... É por causa de Lovegood?
- Bom, eu estou preocupada com ela – Gina disse, sentindo-se um pouco zangada. Certo, então a pessoa que você mais ama no mundo pode estar morrendo, e você não tem sequer o direito de estar apavorado? – O que a senhora esperaria?
McGonagall sacudiu a cabeça em um sinal de descontentamento.
- Minha querida, em que mundo você vive?
- Desculpe? – Gina indagou, confusa.
- Acha que pode permitir que a sua vida inteira pare apenas porque está passando por um problema com a sua amiga? Você já parou para pensar que os N.O.M’s estão se aproximando a cada dia? Aliás, você por acaso decidiu o que quer fazer da vida? Porque, pelo que eu estou vendo, você não está fazendo muita coisa por si mesma nesse sentido...
Gina ficou sem ação durante alguns segundos, atônita. Então Luna estava internada naquela merda de St. Mungus e McGonagall tinha a coragem de chamá-la em sua sala para dar-lhe bronca por suas notas baixas? Certamente achava que era muito fácil acordar todos os dias sem saber se aquele era o último dia... Sem saber nada. Como alguém podia ser tão imbecil a ponto de achar que uma maldita poção de “sei-lá-o-quê” ou a revolta dos centauros de 1524 eram mais importantes?
A menina explodiu.
- Ah, é claro, a senhora me desculpe por não ser uma egoísta insensível que possui um coração de pedra! Vou me esforçar mais para parar de me importar tanto com as pessoas que eu amo e que estão muito doentes... Porque, de fato, não é importante, é? E daí se ela pode morrer? Quem se importa? Eu prometo que vou me esforçar a partir de hoje, professora! É, vou passar a noite inteira estudando para aprender a transfigurar uma maldita vaca em um canário cor de rosa! Quero dizer, está na hora de dar vazão as coisas que realmente importam na vida de uma pessoa!
Gina falou tudo isso muito rápido e gaguejando. Percebeu que estava chorando compulssivamente, e seu corpo todo tremia de ódio.
McGonagall estava completamente sem ação, boquiaberta. Com certeza esperaria qualquer reação da garota, menos aquele repentino ataque de histeria.
- Meu bem...
- Que se foda você e as suas malditas palavras - a menina balbuciava aos soluços - Que se foda essa merda de escola...
Durante alguns minutos a professora Minerva ficou paralisada, sem conseguir decidir o que fazer. Então ela ficou de pé e, contornando a mesa, puxou muito desajeitadamente a menina Weasley para o que julgava ser um abraço maternal. Os braços ásperos de McGonagall estavam longe de trazerem a segurança que o calor do colo macio da Sra. Weasley proporcionava. Na verdade, Gina sentiu-se terrivelmente desconfortável naquela situação. Teve o impulso violento de empurrar a mulher, mas conteve-se. Deixou-se abraçar durante algum tempo, sentindo uma vontade gigantesca de desaparecer para sempre do universo.
Um clima de constrangimento pairou entre as duas quando Minerva afastou-se da menina. A bruxa ofereceu um lenço a Gina, que aceitou educadamente. Agora que estava mais calma, sentia-se extremamente envergonhada por ter surtado daquela forma na frente da professora. Oh Merlin, como gostaria de poder sumir...
Gina ergueu os olhos para McGonagall, bastante sem jeito. A professora tentou esboçar um sorriso, sem muito sucesso.
- Veja bem, eu entendo o que você está sentindo, minha querida – Minerva disse relutante. Gina precisou controlar o impulso de dizer que não, ela não sabia – Eu sei que é complicado seguir com a vida quando estamos tão preocupados com alguém que amamos muito. Mas, se você tivesse deixado que eu acabasse de falar...
- O quê?
- Temos notícias da Srta. Lovegood. Já sabemos exatamente o que aconteceu.
Gina sentiu seu coração acelerar bruscamente.
“Resumidamente, o que ocorreu foi o seguinte. A Srta. Lovegood arranhou-se nos espinhos de uma planta venenosa muito peculiar que costuma nascer em jardins abandonados ou cemitérios. Negligente, não procurou a ala hospitalar, deixando que o veneno agisse de modo a causar uma infeção no ferimento que quase lhe custou a perna. Os curandeiros de St. Mungus demoraram para produzir um antídoto porque tiveram alguma dificuldade em descobrir a planta com a qual Luna teve contato.”
- Então ela vai ficar boa? – Gina perguntou pressurosa.
- Tudo indica que sim. Ela já está recebendo as poções corretas, e dependendo de como seu corpo reagir deve voltar a sua vida normal em uma ou duas semanas, no máximo.
- E por que ninguém me disso isso antes? – indagou a garota, que começava a sentir o peso que estivera esmagando seu coração na última semana diminuir.
- Porque nós só fomos informados hoje – Minerva suspirou, exausta.
- Sim, é claro... Desculpe – Gina murmurou.
- Há mais uma coisa...
- O quê? – perguntou a menina com desconfiança.
- Na realidade, é esse o principal motivo pelo qual pedi que Hermione chamasse você aqui – McGonagall falou olhando fixamente para Gina. – Luna sairá de St. Mungus amanhã pela tarde e irá para casa, onde terminará de se recuperar até estar saudável o bastante para poder voltar à vida escolar. O Sr. Lovegood é um homem ocupado que simplesmente não pode estar em casa para cuidar da filha, de modo que a avó dela assumirá essa função assim que chegar à Inglaterra na Terça-feira.
- Eu nem sabia que a Luna tinha uma...
- É porque a mulher é trouxa – McGonagall esclareceu com impaciência – Como eu dizia, a avó de Luna cuidará dela a partir de Terça-feira. O fato é que o Sr. Lovegood precisará viajar justamente nesse final de semana, e a sua mãe fará o favor de cuidar da menina nesse período. Eu já a informei da sua aflição com relação ao estado de saúde de Luna, e sugeri em carta que, talvez, fosse interessante para você ficar com elas por esses dias.
Gina não conseguia pensar em nada para falar. Ela sequer acreditava que, de fato, estava ouvindo o que achava que estava. Era como se seu cérebro tivesse emperrado, e precisava de uns tapinhas para voltar a processar toda aquela quantidade de informação que recebera num espaço de tempo tão pequeno.
- A senhora está dizendo que eu vou...
- Se você quiser – McGonagall suspirou. – Sim.
- Como assim? Se eu quiser... – Gina balbuciou.
- Sim, minha querida, sim! Por favor, será que não prestou atenção em nada do que eu disse até agora? Se você quiser passar o final de semana com a sua mãe, ajudando a cuidar da Srta. Lovegood, eu libero a sua saída!
A menina mal podia acreditar.
- Mas... e as aulas?
- Você não está produzindo, de qualquer forma. Estar ou não estar presente fisicamente não faz muita diferença, se a sua cabeça está pensando em outras coisas. Passe alguns dias com a Luna e tranquilize-se sobre sua saúde, de modo que possa retornar à escola com a cabeça centrada novamente em seus estudos.
Gina começou a sorrir. Era um sorriso bastante retardado. Se pudesse se ver naquele momento, provavelmente daria risadas... Mas isso não vem ao caso.
Quando saiu da sala da professora McGonagall, a ruivinha tinha o peito cheio de um sentimento que há muito tempo não sentia. Algo que enchia o seu estômago como se fosse um balão de gás, e fazia com que ela continuasse sorrindo daquela forma consideravelmente idiota.
Gina estava cheia de esperanças.
***
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