Lembre-se de Respirar




“Lembre-se de respirar”

Gina repetiu essas palavras mentalmente pela milésima vez no último minuto. Ela não sabia muito bem porquê, mas o fato é que estava apavorada. A cada passo que avançava, com seus pés afundando na grama fofa do jardim da casa dos Lovegood, a menina sentia seu coração bater mais forte. Controlar a sua ansiedade não era uma tarefa fácil.

- Merlin, como você é patética – Gina disse, censurando a falta de controle dos seus nervos.

O sol brilhava radiante no céu primaveril, e uma brisa agradável balançava as folhas das árvores num compasso lento. No entanto, as mãos da garota estavam geladas, e ela começava a suar frio.

Por que estava apavorada como uma menininha boba ao aproximar-se daquele por quem alimentava uma paixão platônica? Não era esse o caso, é claro. Ela conhecia Luna muito bem. Tanto que sabia que, a julgar pela forma como ela a estava tratando nos últimos dias que estivera em Hogwarts, sua mágoa com Gina era forte demais para já ter abrandado. Luna não se comportaria de uma forma exatamente gentil – e Gina não estava certa de que poderia suportar aquilo.

Quando deixara a sala da profa. McGonagall naquela noite, Gina tinha seu peito estufado de felicidade. Poderia ficar perto de Luna cuidando dela, ajudando em sua recuperação. Ah, e como queria dar à menina todo o carinho e a atenção que fora obrigada a lhe negar nos vários meses passados... Todo o amor suprimido em seu peito, apertadinho; machucando e implorando para sair. Gina queria extravasar esses sentimentos tão bons que, reprimidos, estavam causando tantos estragos em seu coração.

Entretanto, quando voltou a pensar sobre o assunto horas mais tarde, já no aconchego de sua cama, Gina percebeu que as coisas já não eram tão simples assim. Sabia que Luna não estava mais aberta a ela. As noites mal dormidas, todas as lágrimas que no final chorara; cada dia que passara suportando a dor da solidão, sem ao menos compreender o motivo daquela mudança radical do comportamento de Gina; tudo isso fez com que Luna criasse uma muralha em volta do seu coração. Ela só não queria mais sofrer... e Gina sabia que não podia condená-la por isso.

A menina parou diante da porta frontal da casa. Deu alguns passos para trás, e ergueu a cabeça para contemplar melhor a estrutura da residência. Só estivera na casa de Luna uma ou duas vezes, e há muitos anos atrás. A única lembrança que tinha daquele lugar era do velório da Sra. Lovegood. Na verdade, as imagens não estavam claras em sua cabeça. Eram apenas borrões, que serviam somente para que Gina lembrasse que estivera ali no determinado dia.

Repentinamente, a porta da casa se escancarou, e Gina deu um pulo para trás. Encarou sua mãe, que lhe sorria um sorriso morno. A menina reparou que ela parecia exausta, e seu rosto normalmente rosado parecia mais pálido do que de costume. Seus cabelos ruivos estavam amarrados com um lenço amarelo florido, e a bruxa vestia um avental.

- Mamãe – Gina balbuciou debilmente, quando a robusta senhora agarrou-a pela gola do casaco e puxou-a para um abraço sufocante.

- Gina, querida – disse a Sra. Weasley, apertando a filha contra o peito. – Eu estava tão preocupada com você. Ah, temos tantas coisas para conversar!

- Temos? – Gina indagou distraída, apanhando sua mochila e espremendo-se para dentro da casa.

- Sim, sim – Molly falou pressurosa, sacudindo uma colher de pau. – Mas acho que teremos tempo o suficiente para isso, é claro. Por que demorou tanto?

- O trem atrasou – murmurou a menina, olhando a paisagem ao redor.

A sala era consideravelmente espaçosa. As paredes pintadas de azul claro passavam a Gina uma sensação desconfortável de frio. Havia um sofá azul sob um grande tapete verde felpudo, que lembrava o gramado do jardim da Toca quando descuidado. Em frente ao sofá, uma mesa de madeira clara decorada com alguns objetos de mármore e um vaso com flores de aparência maltratada. Quadros de vários formatos enchiam as paredes, todos colocados em ângulos estranhamente tortos. As portas de vidro no lado esquerdo estavam escondidas por uma cortina branca com babados de um tom azul marinho. Era óbvio – Gina constatou – que o Sr. Lovegood não tinha muita noção de estética decorativa. Mas concluiu que aquilo devia ser normal numa casa onde vivia apenas um homem sozinho a maior parte do ano.

Gina percebeu o peso do olhar da mãe em sua nuca, e virou-se para encará-la.

- Você está mais magra – disse Molly, em tom de censura. – Não tem se alimentado direito, imagino.

- Bom, perder alguns quilinhos nunca pode ser problema – Gina resmungou encolhendo os ombros. – Eu acho.

- Oh não, meu bem! – a Sra. Weasley exclamou. – Você já é magrinha demais. Veja só – a bruxa aproximou-se da filha e começou a apalpá-la. – Veja só, está totalmente seca! Ah, meu amor, assim você não pode ter energias para estudar mesmo! Depois não sabe porque dorme o dia inteiro. É óbvio, o corpo não pode agüentar, pode?

- Ora – Gina começou, mas foi interrompida pela mãe novamente.

- Você deve estar faminta. Tudo bem, não se preocupe. Já estou acabando de preparar a sopa de Luna, e com certeza vai sobrar. De modo que você poderá comer um pouquinho enquanto eu preparo o nosso almoço de verdade.

Gina ergueu uma sobrancelha. Pensou em dizer que decididamente não estava com fome. Na verdade, achava que se tentasse comer alguma coisa, o que quer que fosse não permaneceria muito tempo em seu estômago. Mas 15 anos de convivência com Molly Weasley tinham lhe ensinado que não valia a pena discutir certas coisas – e o fato de estar ou não com fome era um delas. Acabou acenando levemente com a cabeça em aceitação.

- Estou um pouco cansada – Gina disse com um suspiro. – Em que quarto vou ficar?

- Eu lhe mostro, venha comigo.

Gina subiu as escadas para o segundo andar atrás da mãe, sentindo seus pés pisarem fofo sobre o carpete preto que cobria os degraus. Chegaram a um corredor curto, que se bifurcava logo adiante. Seguindo o modelo da sala, as paredes brancas estavam cheias de porta retratos. Havia uma porta grande no lado direito e três pequenas no lado esquerdo – mas a Sra. Weasley não parou em nenhuma delas. Atravessou o espaço rapidamente e virou à esquerda, onde havia uma única porta ao fim de mais um pequeno corredor.

- Você ficará aí – disse Molly, afastando-se para que Gina pudesse se aproximar da porta fechada. – Eu trouxe algumas coisas que achei que você fosse precisar, porque vocês, crianças, quando ficam encarregados de arrumar uma mala sempre esquecem de algo.

- Ok – Gina disse sem prestar atenção.

- Tente descansar um pouco – a Sra. Weasley sugeriu. – Quando a comida estiver pronta eu venho lhe chamar.

- Ok – a menina repetiu, e deu um beijo gentil na bochecha da mãe antes que ela desaparecesse na curva do corredor.

Caminhou até a porta e girou a maçaneta. A madeira resmungou baixinho, e Gina entrou no quarto que ocuparia durante o final de semana.

As paredes de um tom azul escuro contrastavam com o chão coberto por um tapete turquesa estampado com estrelas e luas brancas. O teto estava totalmente decorado com astros prateados que brilhavam no escuro, fazendo com que Gina se sentisse um pouco tonta. Ela caminhou até a janela e escancarou as cortinas de veludo preto para que a luz invadisse o local. Pôde, então, ter uma visão completa do espaço onde estava – e não teve mais dúvidas de que estava no quarto de Luna.

A decoração era bastante infantil para o quarto de uma menina de 15 anos. Havia um baú sob a janela lotado de brinquedos, e todo o tipo de bichinhos de pelúcia espalhados pelos quatro cantos do cômodo. Ao lado de uma escrivaninha atulhada de livros, pergaminhos e toda a espécie de cacarecos, uma almofada gigante no formato de uma abóbora sorria marotamente para Gina. Sob a cama de Luna, um letreiro colorido com seu nome escrito com letras brilhantes dentro de estrelinhas. Logo ao lado estava a cômoda, com um abajur no formato de um sistema solar flutuando com os corpos em movimento perfeitamente sincronizado. Aquele devia ser o quarto mais inadequado do mundo para a maior parte das meninas da sua idade. Para Luna, porém, parecia simplesmente perfeito.

Gina deixou-se cair deitada na cama, e fitou o teto estrelado durante vários minutos. Pensou em como seria agradável dormir naquele quarto. Era quase como se estivesse com Luna ao seu lado. Quase. Ela não estava ali. No entanto, seu perfume estava impregnado em todas as coisas.

A ruivinha abraçou um travesseiro e fechou os olhos.

Estava gelada. Gina podia sentir o frio entrando por cada pedacinho mal protegido de seu corpo. Entrando e congelando.

Seus dentes começaram a tiritar.

- Mamãe – sussurrou, puxando a barra das vestes da bruxa. – Mamãe.

- Shh! – fez a Sra. Weasley, colocando o indicador sobre os lábios. – Silêncio agora, meu amor.

- Eu quero ir para casa – Gina choramingou.

- Logo, logo.

A menininha soltou a mão da mãe e cruzou os bracinhos, contrariada. Estava odiando aquele lugar. Por que não podia ir para casa?

Tornou a olhar para o amontoado de pessoas que, num quase círculo, mantinham todas os olhos atentamente fixos na figura do padre, que pronunciava monotonamente uma porção de palavras que a pequena Weasley não compreendia direito.

Suspirou. Passou os olhos por cada uma das pessoas lentamente. Uma senhora puxou um lenço da bolsa, e enxugou o canto dos olhos. Gina sabia que ela estava triste por causa daquele grande caixão de madeira que ocupada o centro do semicírculo. Certo, não exatamente pelo caixão em si, mas sim pela pessoa que estava dentro dele.

Gina vira o rosto da mulher no... como era mesmo? Ah, velório. Era essa a palavra. A menina coçou o nariz. A visão da jovem adormecida dentro daquele caixão de madeira tirara o sono de Gina durante duas ou três noites. Lembrava que a mãe dissera “Ela está dormindo, meu bem”. Dormindo? Ok. Então por quê ninguém a acordava?

A garotinha fixou as vistas nos irmãos, um a um. Rony tinha os olhos concentrados em seus sapatos, como se os cadarços tivessem repentinamente criado vida e se transformado numa atração interessante. Gui e Carlinhos estavam visivelmente deprimidos – Gui não parava de meter o dedo sob a sua gravata, afrouxando o nó em seu pescoço. O olhar de Percy estava perdido em algum lugar no horizonte, e até os gêmeos pareciam desanimados e tristes.

Gina desejou que pudesse ir embora logo, pois estava começando a ficar com vontade de chorar.

- Mamãe, por favor – sussurrou.

- Shhh querida – Molly disse, pegando a mãozinha da filha. Gina desvencilhou-se, no entanto.

Sem que a mãe percebesse, Gina se afastou da família e caminhou para longe do agrupamento de pessoas. Chutava as pedras que encontrava pela frente, aborrecida. Só queria ir para casa, só isso. Por que não podia?

A ruivinha parou. Alguns metros à frente havia outra criança. Uma menina de cabelos loiros, que estava sentada sobre uma pedra. Gina aproximou-se lentamente, intrigada. Quem quer que fosse, não pareceu perceber a sua presença.

Gina estendeu a mão e tocou o ombro da outra garota.

- Ei, você está perdida?

A criança se virou, e Gina reconheceu seu rosto imediatamente. Era a filha da moça que estava lá, trancada naquele caixão.

“Por que você não está com o seu pai?” perguntou apertando os olhos.

- Eu deveria estar. Mas não quero. Papai quer que eu diga tchau. Eu não vou dizer tchau.

Gina ergueu uma sobrancelha.

- Acho que se descobrirem que você fugiu vão lhe dar uma bronca.
Luna não respondeu. Desviou os olhos para algum ponto além de Gina, distante.

“Você está triste?”

Ela voltou a olhar para Gina. Deu um pequeno sorrisinho.

- Não.

Luna empurrou-a levemente, e caminhou decidida até uma árvore próxima. A ruivinha foi atrás dela.

- O que você está fazendo? – perguntou.

Luna estava pulando para alcançar o galho onde havia uma flor branca – a única da árvore, Gina constatou. Sob seus pés, havia uma porção de pétalas brancas de flores que o vento tinha soltado da árvore.

“O que você está fazendo?” repetiu.

- Vou pegar aquela flor – Luna disse, pulando novamente, e dessa vez teve sucesso. Agarrou o galho e puxou-o para baixo, apanhando a flor com todo o cuidado.

- Para que você fez isso? – Gina indagou curiosa.

- Mamãe adora flores brancas. Quando ela chegar em casa, vou colocar em seu cabelo. Vai ficar lindo.

Gina piscou, confusa.

- Ela não vai voltar.

- Ah, vai sim – Luna disse com um sorriso tranqüilo. Seu olhar era o de alguém que sabe de algo mais.

- Minha mãe disse que não vai.

Luna suspirou, o olhar perdendo-se outra vez. Brincava calmamente com a flor entre seus dedos.

- Ela está enganada.

Gina abriu a boca para protestar, quer dizer, aquela menina estava chamando a sua mãe de burra ou algo assim? Quem pensava que era para fazê-lo? Antes que pudesse pronunciar qualquer palavra, porém, a voz de seus irmãos atraiu a sua atenção.

- Gina! Gina!

- Estou aqui! – a menina berrou, avistando a figura de Percy há vários metros.

- Achei! Está aqui! – o irmão avisou em voz alta, e correu para Gina em seguida. – O que você está...

Ele olhou para Luna e fez uma careta de desagrado. A menina, no entanto, sequer pareceu notar que Percy estava ali.

“Vamos, todos estão preocupados!” Percy falou ,arrastando Gina para longe de Luna o mais rápido que pôde.

- Ai! Você está me machucando!

- Não tem nada que ficar falando com essa menina! Ela é maluca, eu lhe digo. Piradinha! – o irmão repreendia com veemência, mas Gina não estava prestando atenção.

Tentava espiar por cima dos ombros para dar uma última olhada naquela criança tão estranha. E, por algum motivo, a imagem de Luna Lovegood não deixou a sua cabeça durante as noites que se seguiram.


Gina acordou sobressaltada. Pensou Ter fechado os olhos por apenas alguns segundos, mas na verdade foram horas. O quarto estava escuro, e as estrelas no teto brilhavam fortemente. A menina percebeu que estava coberta.

- Que horas são – murmurou, sentando-se e esfregando os olhos. Ainda estava se sentindo um pouco sonolenta.

Checou o relógio em seu pulso. 21:08. Os números verdes piscavam para ela. Gina levantou e cambaleou para fora do quarto, sentindo o silêncio da casa perturbar seus ouvidos com um zunido desconfortável. Ok, onde era o banheiro? Tentou uma porta, duas... Encontrou.

Tateou a parede até encontrar o interruptor e acender a luz. A claridade cegou seus olhos momentaneamente, e Gina então debruçou-se sobre a pia para lavar o rosto com a água cristalina. Encarou seu rosto molhado no espelho. As mechas de sua franja ruiva estavam úmidas, coladas em sua testa. Gina colocou-as para trás das orelhas, e secou o rosto com a toalha rosa pendurada ao lado.

A casa estava tão silenciosa que Gina tinha a sensação de que estava totalmente sozinha. Mas não era possível, era? A menina procurou por sua mãe no andar inferior, mas a bruxa não estava lá. Na cozinha, as panelas ainda cheias entulhavam o fogão. Gina achou que talvez estivesse com um pouco de fome, mas não conseguiu pensar em nada que quisesse realmente comer.

Voltou ao andar superior, e testou cada uma das portas para ver se encontrava a Sra. Weasley. Não teve sucesso. A porta maior no lado direito do corredor abria-se para uma espécie de escritório, ou talvez fosse uma biblioteca – Gina não tinha certeza. Havia o banheiro onde ela estivera alguns minutos atrás, e dois quartos de hóspedes ao lado. O primeiro era um pouco menor, e estava totalmente desarrumado: as camas sem a proteção de lençóis, e os armários escancarados deixando à mostra três ou quatro casacos velhos já cheios de mofo; o quarto seguinte era onde evidentemente sua mãe estava dormindo: as cortinas fechadas e a cama cuidadosamente arrumada, com uma singela malinha depositada sobre o colchão. Mas Molly não estava ali naquele momento.

Restava apenas uma última porta, e Gina já sabia o que encontraria lá. Estava com medo da reação de Luna ao vê-la, mas sabia que era algo que teria que enfrentar mais cedo ou mais tarde. Já que viera para aquela casa especialmente para cuidar da menina e – num plano um pouco mais avançado – tentar concertar as coisas entre elas, não fazia sentido em ficar fugindo.

Parada diante da porta oposta a sua no corredor transversal ao corredor principal, Gina tremia de frio. Frio? Estavam na primavera. Mas aquele frio não tinha nada a ver com a temperatura ambiente. Era o seu nervosismo que estava transparecendo daquela forma tão óbvia, fazendo com que seu corpo tremesse debilmente.

“Lembre-se de respirar” Gina repetiu novamente.

Estendeu a mão para a maçaneta e abriu a porta lentamente.

O quarto estava vazio.

Gina ergueu uma sobrancelha, intrigada. Deu alguns passos para dentro do cômodo, e então olhou com mais atenção. A cama de casal estava desarrumada, e a grande cortina bordô na janela estava escancarada para a noite lá fora. Sob a cômoda direita apoiava-se uma bandeja com um prato de sopa que estava quase vazio. Sem dúvidas, era ali que Luna deveria estar.

A menina caminhou até a janela e espiou a vista. A noite estava clara, iluminada pela lua cheia prateada e por várias estrelas que pontuavam o céu preto azulado. Gina não conseguia entender... Onde elas podiam estar?

O som de uma porta se abrindo fez a garota pular no lugar, assustada. Virou-se, os cabelos da nuca arrepiados. Sentiu seu coração dar um pulo no peito. Havia mais uma porta, mais uma porta no quarto. A porta do banheiro. E parada diante dela, os cabelos molhados caindo sobre a gola do pijama branco estampado com abóboras sorridentes, estava Luna. A sua Luna.

Gina sentiu os joelhos fraquejarem.

- Oi, Lu – murmurou.

Luna não respondeu. Fechou os olhos por alguns momentos, parecendo levemente tonta. A Sra. Weasley a estava apoiando com o braço.

- Que bom que você apareceu, querida – exclamou Molly pressurosa. – Ajude-me a levá-la para a cama, por favor. O banho deixou o corpo dela um pouco mole.

Gina ficou sem ação durante alguns segundos. Então, sob o olhar inquisidor de sua mãe, caminhou até Luna com uma força que pensou ter perdido nas pernas. Postou-se ao lado esquerdo da menina, e apanhou a mão da garota com alguma relutância. Luna abriu os olhos e olhou para Gina. Olhou-a nos olhos, e Gina sentiu que seu mundo estava desmoronando. Não conhecia aquele olhar... Não conhecia mais aquela pessoa.

“Ok, vamos andando devagarinho” comandou a Sra. Weasley.

Passo a passo, mãe e filha ajudaram a menina a caminhar até a cama. Gina sentia a mão morna de Luna segurando fracamente a sua, fria e suada. Queria tanto abraçá-la... queria tanto... Percebendo que seus olhos estavam ficando úmidos, a menina agradeceu intimamente à escuridão – seria difícil explicar aquelas lágrimas para a sua mãe. Mais difícil ainda permitir que Luna percebesse sua fraqueza. Tinha que ser forte. Forte para que ela pudesse confiar em Gina outra vez. Forte. Não uma covarde chorona. Com esses pensamentos, Gina conseguiu recuperar o controle das suas emoções.

Elas deitaram Luna na cama com todo o cuidado. Molly apoiou delicadamente a perna ferida da menina sobre uma almofada. Gina reparou que não havia nenhum tipo de curativo protegendo a ferida. A marca do arranhão estava lá, visível. Possuía uma cor de tonalidade estranha. Gina imaginou que era conseqüência das poções que Luna estava tomando – ou não.

- Pronto, assim. Alcance aquele travesseiro para mim, Gina? Isso, obrigada. Aqui, querida, pode apoiar as costas. Como está se sentindo?

- Tonta – Luna respondeu baixinho, mas a Sra. Weasley não escutou.

- Quer um pouquinho mais de sopa?

- Não...

- Ah, querida, você tem que se alimentar direito – Molly falou preocupada. – Tem que comer alguma coisa, pelo menos para poder preparar seu estômago para receber as poções.

- Eu já comi – Luna retrucou sem muita energia.

Gina observava, mordendo os lábios. A menina não estava olhando para ela. Ela não estava olhando. Era como se Gina fosse simplesmente parte da decoração. Como se fosse invisível. “Controle-se. Controle-se”

- Duas colheres! Meu bem, assim você não fica boa! Vamos, diga para a tia, o que você quer comer? Eu posso tentar preparar! Algum doce especial, ou...

- Não precisa, obrigada.

- Ah, vamos, meu anjo...

- Não, eu...

- Ela gosta de mingau de maizena – Gina falou. Surpreendeu-se com a própria ousadia.

- Ah, gosta? Então eu vou preparar para você – A Sra. Weasley disse, levantando-se satisfeita.

- Não quero – Luna resmungou. – Não quero.

- Sem teimosia, querida – Molly disse severa. Afastou uma mecha de cabelo do rosto de Luna, e olhou para Gina com um sorriso grato. – Gina ficará aqui lhe fazendo companhia. Você podem colocar a conversa em dia mas, Gina, não canse muito a menina, está bem? Não vou demorar muito.

Gina sentiu-se repentinamente em pânico. Ia ficar sozinha com Luna. De repente, não tinha mais certeza de que queria isso. Agora que estava frente à frente com a amiga, percebeu que não fazia a menor idéia do que fazer, e nem sabia o que poderia falar. Desejou poder voltar para o outro quarto e se esconder embaixo das cobertas...

- Mamãe – Gina exclamou rapidamente. – Você não vai precisar de ajuda?

A Sra. Weasley voltou-se, surpresa.

- Oh não, Gina querida – disse com um sorrisinho amigável. – Posso cuidar disso sozinha. Fique com a Luna, tenho certeza de que ambas tem muito assunto para colocar em dia. Você não estava morrendo de saudades dela? Então trate de aproveitar. Ah, essas crianças... vai entender – riu-se a bruxa, fechando a porta atrás de si e deixando para trás uma Gina vermelha feito um dos tomates gigantes que Hagrid plantava em sua horta.

Durante alguns minutos ela ficou para olhando para a porta, sentindo um medo gigantesco de virar-se e encarar Luna. Temia aquele olhar. Não sabia mais se queria falar, pois já não tinha certeza da resposta que ouviria. A única certeza que tinha era a de que estava com muito medo... E achava que Luna já devia ter percebido.

Lembrou-se de uma coisa que a menina disse certa noite, quando estavam as duas deitadas sobre seus casacos na Torre de Astronomia, observando o céu estrelado de mãos engatadas...

Luna disse:

- Estou com medo... Gin, estou com muito medo.

Gina, surpresa, perguntou por quê, ao que a garota respondeu “Acho que vou perder você”.

- Você nunca vai me perder...

Luna suspirou. Voltou os olhos para o céu, pensativa.

- Talvez não. Mas... Ah, é meio difícil de explicar. Sabe, Gin... Eu amo você. E se eu pudesse descrever a sensação... Se eu soubesse como...

- Tente...

- Amor... Estar com você, sentir você... É como se apaixonar quando você tem dez anos.

Gina sorriu.

- E como é isso?

- É como nascer cego e sentir o mar pela primeira vez.

Finalmente Gina entendia o que Luna estava querendo dizer naquela noite. Estar com ela era a coisa mais maravilhosa que poderia desejar, e justamente por isso tinha tanto medo. Porque não tinha controle sobre o que poderia acontecer, e se não tomasse cuidado, as ondas poderiam arrastá-la para o fundo do oceano e tragá-la para sempre.

- Gina – Luna disse lentamente, num tom de voz cansado. – O que você está fazendo aqui?

- Vim ver você – a ruivinha respondeu quase num sussurro.

Não tinha coragem de olhar para Luna e, de cabeça baixa, ouviu quando a menina suspirou longamente.

- E Hogwarts?

- A profa. Minerva me liberou – Gina contou.

- Por que? – Luna indagou.

- Ela achou que deveria...

Não fora exatamente a resposta mais esclarecedora. No entanto, Luna não parecia interessada em saber mais. Voltou a ficar em silêncio, e após alguns minutos insuportáveis Gina criou coragem para erguer a cabeça e encarar a menina. Ela estava de olhos fechados, distante.

- Você não deveria estar aqui – disse de repente.

- Por que não? – Gina murmurou debilmente.

- Vai perder muitas aulas.

- Isso não é problema. Eu posso recuperar depois – a menina retrucou rapidamente.

Luna abriu os olhos para fitá-la.

- Se você diz...

Gina mordeu o lábio inferior, não muito certa de que deveria dizer as palavras que estava prestes a pronunciar. Relutou durante alguns instantes, e então tomou coragem para dizer:

- Eu senti tanto medo... Ah... Lu, eu tive tanto medo...

- Medo de quê?

- Achei que ia perder você – Gina sussurrou, a visão começando a ficar turva.

- Sério? – Luna perguntou sem emoção.

- Sério – Gina repetiu, a voz um pouco trêmula.

- Não vejo por quê – Luna falou.

- Como não vê?

- Bom, você não pode perder algo que não lhe pertence...

Gina sentiu seu pequeno coração adolescente rachar em seu peito. Como ela podia ser tão fria... Como... Por que? Grossas lágrimas começaram a escorrer pela sua bochecha, deslizando pelo seu peito e secando antes mesmo de chegar ao chão.

- Não chore – Luna disse. Mas não havia qualquer sinal de carinho em sua voz. Nada. Ela simplesmente não se importava mais. Era como se o fato de Gina estar chorando fosse nada mais do que um incômodo para a sua pessoa. E daí que partira o coração da garota? Não fazia mais diferença...

- Lu – Gina balbuciou. – Você não pode me perdoar, eu...

- Pára. Não quero falar sobre isso.

Gina agora estava chorando abertamente, sem tentar esconder. Sem buscar se controlar. Atirou-se de joelhos ao lado da cama de Luna, e apanhou sua mão. Encostou a testa nos dedos finos da amiga.

- Eu sinto muito, sinto muito...

- Gina – Luna murmurou.

- Eu não sei viver sem você. Eu te amo tanto, tanto, tanto... Luna, por favor...

Luna não disse nada. Tentou libertar a mão, mas Gina era mais forte e não permitiu. Continuou agarrada aos dedos de Luna, chorando debilmente como um bebê.

- Gin, por favor – Luna falou tentando ser gentil. Parecia um pouco constrangida – Você não precisa disso.

- Eu preciso de você.

- Não, não precisa. Solte-me, por favor.

- Não – Gina chorou, segurando agora o pulso de Luna com bastante força.

- Gina...

- Luna, amor... por favor...

Luna abriu a boca para dizer algo, mas não teve tempo de pronunciar qualquer coisa. As duas ouviram nitidamente os passos da Sra. Weasley no corredor, e Gina viu-se obrigada a soltar a mão da menina. Escorregou para o lado, sentando-se. Tentou secar as lágrimas e disfarçar a cara de choro da melhor forma que conseguia.

Quando a Sra. Weasley apontou na porta, segurando uma bandeja com um prato de mingau fumegante, o clima ainda estava bastante tenso no quarto. Porém, a bruxa não pareceu perceber. Gina não tinha mais dúvidas de que, evidentemente, pais e mães só enxergam aquilo que querem ver. Molly Weasley queria acreditar com todas as suas forças que Gina e Luna eram grandes amigas. A não ser que não existisse mais a menor possibilidade de se enganar com esse pensamento, a bruxa continuaria acreditando piamente nele.

Gina deixou a mãe dando o mingau na boca de Luna e foi para o seu quarto. Meteu-se entre as cobertas e abraçou os travesseiros impregnados com o perfume de sua dona, chorando até não haver mais lágrimas para escorrer. Não tinha certeza de que conseguiria sobrevier àquela noite. Ah, Luna... Por que? Por que?

Quando Molly bateu na porta para chamá-la para jantar, Gina fingiu que estava dormindo. Não queria ver ninguém. Só queria poder sumir...

***

O dia mais frio de novembro.

A chuva desabava pesadamente sobre o castelo. Olhando pela janela, enxergava-se apenas uns poucos centímetros à frente do nariz. Ninguém ousava colocar os pés para fora do castelo... Ninguém exceto...

- Luna, você é decididamente louca!

A menina ria alegremente, dançando sob a chuva e arrastando Gina consigo. Ambas estavam completamente ensopadas.

Ao sair das estufas após uma interessantíssima aula de herbologia sobre as Plantas Carnívoras da Macedônia, Luna puxou Gina na direção contrária a dos colegas que corriam apressados para o aconchego dos salões de Hogwarts. Agora estavam completamente ensopadas, como se tivessem resolvido dar um mergulho no lago e esquecido de tirar os uniformes.

- Ah, Gin, eu sempre quis fazer isso!

- Esse é o maior clichê de todos os tempos – Gina disse com um suspiro, enquanto Luna valsava com ela animadamente pelos jardins.

- Eu sei! Não é a coisa mais legal do mundo? Ah, vamos Gin... E não revire os olhos desse jeito tão sensual, senão eu me apaixono!

- Sua boba – Gina disse, mas não conseguiu evitar sorrir.

De certo modo Luna estava certa: dançar na chuva, apesar de ser incrivelmente clichê, era bem divertido. Além disso, Luna ficava consideravelmente linda com os cabelos molhados caindo sobre seus ombros... E – Gina não pôde deixar de perceber – a blusa branca da menina estava completamente transparente, deixando totalmente a vista sua roupa de baixo e sua barriga.

Luna sorriu ao perceber o olhar da ruivinha.

- Vem aqui – falou, puxando Gina mais perto e escorregando os lábios de maneira provocante pelo seu queixo.

- Você pirou? E se alguém nos ver? – Gina exclamou, mas Luna não estava escutando.

Deslizou as mãos pelos ombros de Gina, fazendo o casaco da garota escorregar para o chão.

“Merlin, vou pegar uma pneumonia”

- Não se preocupe, eu esquento você amorzinho – Luna disse com um sorriso.

Começou a morder o pescoço de Gina, deixando a mão entrar embaixo da roupa da menina e roçando as unhas em suas costas.

- Você venceu – Gina sussurrou, esquecendo completamente de que estavam no meio do jardim de Hogwarts, expostas aos olhos de qualquer pessoa que estivesse por perto. – Então beije-me logo antes que eu mude de idéia.

Seus lábios encontraram-se com uma certa violência. Os corpos colados, encharcados pela chuva e totalmente possuídos pelo desejo de se tocarem. A pele de Luna tinha gosto de chuva; seus cabelos longos roçavam o rosto de Gina, fazendo com que ela desejasse mais e mais o corpo da amiga.

- Eu quero você... Agora, Lu – Gina murmurou no ouvido da menina, e sentiu o coração dela acelerar ao ouvir aquelas palavras.

Então elas fizeram a coisa mais louca de que se lembrariam nos próximos anos. Luna puxou Gina para trás da cabana de Hagrid, e empurrou a menina contra a parede com mais força do que pretendia. Colou seu corpo no dela lentamente, prendendo suas mãos contra a pedra fria e brincando com a boca pelo seu pescoço.

- Beije-me – Gina pediu, a respiração falhando.

Luna mordeu o lábio dela provocantemente, mas não deixou que suas línguas se encontrassem.

“Oh, você é má...” a ruivinha murmurou.

- Eu sou – Luna disse, abrindo os botões da camisa de Gina e, ao mesmo tempo, escorregando uma mão marota por baixo da saia da menina.

- Muito, muito má...

- Muito – afirmou, mordendo a barriga de Gina.

A mão boba de Luna começou a provocá-la por baixo da saia. A respiração de Gina acelerava a cada toque, sua pele ardendo sob o contato provocado pela menina Suas pernas foram ficando fracas, até que ela não conseguiu mais se sustentar em pé e escorregou pela parede.

Luna puxou suas pernas, fazendo Gina deitar mais no chão. Voltou a provocá-la, mas dessa vez com a boca, tomando um cuidado especial em cada parte das coxas de Gina até chegar onde desejava. E fez o pulso de Gina acelerar mais e mais. Sentiu as mãos da ruivinha apertando seus braços, machucando – mas ela não se importava.

Assim que acabou ela soube... mas não parou, apenas diminuiu a intensidade. Lentamente. Beijando a barriga de Gina, subiu para ganhar a sua recompensa. O melhor beijo. Sempre. Morno, calmo... Se tivesse que eleger um momento como o mais feliz da sua vida, com certeza seria aquele em que tinha a sua doce Gina totalmente frágil em seus braços, tentando fazer sua respiração voltar ao normal. Ela parecia um anjo... Ah, Luna a amava por isso. Amava tanto...

- Lu...

- Não precisa dizer – ela cortou, encostando a cabeça em seu ombro. – Não diga nada, eu sei...bebê... eu sei...

Gina sorriu, os olhos ainda fechados.

- Nós acabamos de fazer sexo... Agora eu quero fazer amor – Gina disse.

Luna olhou para ela, confusa. Os olhos claros de Gina encontraram os seus durante vários segundos. Ela então sorriu um sorriso morno. Roçou seu nariz suavemente no de Luna, e beijou sua boca lentamente, mordiscando seu lábio.

Empurrou Luna para o chão com gentileza, e ficou sobre ela com a coxa esquerda entre as pernas da menina, pressionando com um pouco de força. Beijou o pescoço dela lentamente, enquanto abria um por um os botões da sua camisa. Desceu as mãos pela cintura de Luna, por dento da camisa, e subiu outra vez arranhando fracamente suas costas. Livrou-se do sutiã agilmente, e concentrou-se em beijar cada pedacinho da barriga de Luna.

A respiração da menina acelerava a cada toque dos lábios de Gina, tornando-se mais ofegante a cada segundo. Já estava vendo estrelas coloridas quando a ruivinha começou a provocá-la por cima da calcinha com a boca.

- Gin, vem aqui – Luna pediu, agarrando a mão da garota.

Gina obedeceu, arrastando-se para cima com seu corpo ainda colado ao dela. Elas se encararam durante vários segundos em silêncio, sem dizer nada, apenas respirando. Luna tocou o rosto de Gina com as mãos. Ela fechou os olhos, sentindo as mãos da menina percorrendo o desenho da sua face. Quando Luna beijou sua boca ela retribuiu, lenta e cuidadosamente. Luna empurrou Gina para o lado, contra a parede da cabana, e deslizou a mão pelos peitos da garota, seguindo pela sua barriga e tocando seu umbigo até...

Gina fez a mesma coisa. Elas não pararam de se beijar enquanto se tocavam. Era como se houvesse uma espécie de sincronia em seus movimentos. Não havia ninguém mais no mundo, apenas Gina, Luna e a chuva que não parava de cair, como que abençoando aquele momento.

Luna abriu os olhos – era agora. Gina retribuiu o olhar. E dessa forma, olhos nos olhos, elas conheceram um pouquinho mais de paraíso nas expressões desenhadas nos rostos de cada uma.

Os corpos quentes, as duas se abraçaram com força e assim permaneceram durante vários minutos que mais pareceram horas.

- Eu não disse – Gina falou com a voz rouca ao pé do ouvido de Luna.

- O quê? – Luna indagou, beijando gentilmente a testa da menina.

- Acabamos de fazer amor, Lu...

Luna sorriu. Ela estava certa.

- Amor – Gina murmurou, abraçando a menina.


Abriu os olhos. Um choque de realidade.

Não era Luna que estava em seus braços, mas sim um maldito travesseiro. Gina suspirou, fechando os olhos outra vez. Abraçou o travesseiro com mais força, encostando o nariz na fronha estampada para sentir com mais intensidade o perfume de Luna.

“Você é patética” disse para si mesma.

Sua boca estava seca, e sua cabeça doía um pouco. Gina levantou e caminhou até a cozinha para beber um copo de água. Ficou alguns minutos sentada na sala, brincando de girar o líquido transparente em seu copo. De algum modo, isso a acalmava.

Gina ergueu o rosto, contemplando a sala com um pouco mais de atenção. Estranho... Por algum motivo, aquele lugar agora lhe proporcionava uma estranha sensação. Tinha certeza de que se lembrava de alguma coisa... mas não sabia exatamente o quê.

”Não fale com essa menina, ela é piradinha!”

A água girava, girava dentro do copo.

“Ela é diferente...”

Mais rápido agora.

”Veja, ela está tão quietinha naquele canto... Tão séria...”

Respingou um pouco na sua mão.

”Mas é a cara da Kate...”
“Você acha? Não vejo tantas semelhanças. Quer dizer, o nariz certamente é dela.”
“Shh... Que a pobre descanse em paz.”

O copo escapou da mão de Gina, espatifando-se no chão.

“Ela não chorou.”

Gina ficou de pé. Todas aquelas lembranças voltaram tão rapidamente quanto no passado se perderam, e as imagens do velório da Sra. Lovegood estavam de repente muito nítidas em sua cabeça.

Lembrava-se do burburinho que havia na sala, e de como ela e seus irmãos estavam entediados. Algumas pessoas choravam discretamente, e o Sr. Lovegood recebia os pêsames dos amigos com uma expressão bastante desolada. E lá, ao pé da escada, estava a pequena Luna.

Sentada na beirada do segundo degrau, ela parecia completamente alheia a tudo que acontecia a sua volta. Folheava um livro de capa grossa e folhas amareladas.

Ela não estava chorando...

***

Gina abriu a porta e caminhou para dentro do quarto. Estava escuro demais para que ela conseguisse enxergar com clareza, mas a medida que se aproximava timidamente da cama conseguia destinguir a figura de Luna adormecida sob as cobertas. Não queria que ela acordasse. Gina não estava certa de que poderia suportar ouvir novamente as coisas que Luna dissera algumas horas atrás, naquele tom de voz frio e desprovido de qualquer emoção. Ela só desejava poder ficar um pouco perto daquela menina tão especial. Alguns minutos observando-a dormir, era tudo o que queria. Não podia ser pedir demais, podia? Luna nunca precisaria saber...

A garota sentou-se cuidadosamente ao pé da cama, fazendo o mínimo de ruído possível para que a loirinha não acordasse. Estava longe demais para conseguir escutar a respiração de Luna, mas perto o suficiente para que seus olhos – agora acostumados com a escuridão – pudessem observar o ritmo lento com que o peito da menina subia e descia por baixo dos lençóis. Lembrava que sempre fazia isso quando dormiam juntas. Luna pegava no sono primeiro todas as vezes, e Gina ficava assistindo-a sonhar até que ela própria não conseguisse mais se manter acordada. Era quando se sentia verdadeiramente em paz. Talvez por isso suas noites, agora, fossem recheadas de pesadelos e acabassem sempre mal dormidas. Luna não estava mais respirando no travesseiro ao lado. Nunca estaria novamente.

Gina mordeu o lábio inferior, tentando conter as lágrimas. Que criatura patética havia se tornado: não conseguia ficar um intervalo maior que meia hora sem começar a querer chorar outra vez. Certo, teria que superar aquilo. Não podia passar o resto da vida se culpando por ter perdido Luna. Tinha outras coisas a fazer, toda uma vida, muito. Conheceria outras pessoas interessantes e... Ah, Merlin! Por que essa vozinha irritante sussurrando em seu ouvido “jamais vai encontrar alguém como ela”? Vamos encarar os fatos: ia enlouquecer.

Lembrava constantemente das noites que passaram juntas, o calor da respiração de Luna em seu pescoço. O gosto dos lábios mornos de Luna nos seus, e aquele arrepio tão característico que somente o beijo dela conseguia lhe proporcionar. Não era algo que facilmente aprenderia a substituir. Aliás, não acreditava que um dia seria capaz de amar outra pessoa. Pelo menos não daquela forma, com tanta intensidade. Gina agora sabia que todos os momentos que vivera com Luna foram simplesmente únicos demais para que ela pudesse reviver as sensações com um outro alguém. Sua respiração falhou – quantas noites mais passaria se culpando por ter rompido aquela ligação tão especial que elas tinham? Ah, seria que algum dia poderia se perdoar?

Luna resmungou alguma coisa em seu sono. Estava ficando visivelmente inquieta, o que levou Gina a deduzir que ela provavelmente estava tendo um pesadelo. Isso era algo novo, pois pelo que a menina conseguia lembrar, de um modo geral Luna sempre tinha o sono mais tranqüilo de todos. Mas talvez fosse porque ela estava em seus braços... E naquela época isso ainda significava alguma coisa.

Gina relutou por alguns momentos, e então estendeu a mão para acariciar o rosto de Luna. Afastou gentilmente uma mecha de cabelo loiro para trás da orelha da garota, e tocou suavemente as maçãs de sua face com as costas da mão. A pele dela estava quente, mais do que o normal. Gina estava acostumada, a temperatura de Luna sempre subia muito quando elas faziam amor. Naquele caso, porém, não era nada normal.

A garota percebeu uma leve movimentação de Luna e, receando que a amiga acordasse, afastou-se rapidamente da cama e ficou de pé. Já estava caminhando para fora do quarto, decidida a acordar sua mãe e chamá-la para verificar a temperatura da menina, quando sentiu alguma coisa segurar seu braço. Voltou-se para encarar uma Luna meio-sentada em sua cama, as cobertas escorregando para o chão de modo a denunciar a rapidez com que ela se levantara.

- Aonde você vai? – Luna fez uma pergunta sussurrada.

- Desculpe – Gina disse sem olhá-la. – Eu só vim ver como você estava, mas já estou de saída. Sinto muito tê-la acordado.

Luna soltou a respiração lentamente, e Gina sentiu a menina afrouxar devagar o aperto em seu pulso até finalmente libertá-la.

- Tudo bem – ela disse com a voz um pouco rouca – Eu estava tendo um sonho ruim...

Gina mordeu o lábio inferior. Luna não precisava lhe dizer. Ela sabia. Tudo o que tinha a ver com Luna. Todos os detalhes. Gina estava descobrindo que conhecia bem mais do que supusera. E, de algum modo, isso agora doía... muito.

- Eu acho que você está com febre – a menina falou finalmente. – Estava indo chamar a minha mãe.

- Não precisa – Luna interrompeu. – Eu tenho febre todas as noites, é normal. As poções que eu estou tomando produzem esse efeito...

- E os pesadelos também? – Gina indagou.

- Não – Luna respondeu, e Gina poderia jurar que, se não estivesse escuro demais para isso, estaria olhando para um sorrisinho sem emoção desenhado nos lábios da garota. – Não, os pesadelos são por outros motivos.

Apenas um minuto se passou sem que nenhuma das duas dissesse alguma palavra, mas para Gina pareceram horas. Odiava aquele vácuo. Não podia suportar o silêncio entre elas. É claro, Luna nunca fora de muita conversa. Na realidade, elas normalmente estavam ocupadas demais para poderem falar. Mas essa falta de palavras que havia entre elas agora estava longe de parecer com o silêncio cúmplice que possuíam antes, e que alimentavam com olhares de mútuo entendimento. O vácuo, agora, era simplesmente barulhento e ensurdecedor demais para que Gina pudesse suportar sem ter vontade de desaparecer.

- Acho que vou voltar para o meu quarto, então... – ela falou, fazendo menção de se virar.

- Não, espera – Luna falou.

Gina virou-se para ela novamente, o coração estranhamente acelerado. Se pudesse enxergar a expressão no rosto de Luna, perceberia que sua face denunciava claramente que a menina estava passando por uma batalha interna terrível naquele momento. Gina engatou as mãos atrás das costas, esperando Luna se pronunciar.

“Eu acho... Eu acho que você pode ficar...”

Pelo tom de voz da garota, Gina rapidamente deduziu que ela não estava certa sobre o que estava dizendo. Estava evidentemente passando por cima de uma porção de idéias que tinha para conseguir murmurar aquelas palavras, mesmo sem olhar para Gina.

- Você quer que eu fique? – a ruivinha perguntou, encarando Luna fixamente.

Ouviu a respiração dela ficar mais forte e agoniada. Isso sempre acontecia quando Luna estava nervosa ou incomodada com alguma coisa. Por esse motivo, foram poucas as vezes em que Gina presenciara aquele comportamento na amiga. Luna decididamente não era o tipo de pessoa que perdia o equilíbrio com facilidade. No entanto...

“Luna?”

- Eh, quero – ela resmungou.

Gina não conseguiu conter um sorriso, sentindo-se muito quente repentinamente.

- Você quer que eu durma com você?

- Sim, mas... hum... só dormir, só isso... quer dizer – Luna gaguejou, parecendo constrangida.

- Não se preocupe – Gina disse, enquanto levantava as cobertas do outro lado da cama e se enfiava embaixo delas. – Eu não vou violentá-la.

Era para ser uma piada, mas não caiu muito bem. Gina arrependeu-se imediatamente de ter falado aquilo, pois Luna pareceu ficar ainda mais sem jeito e o clima estranho entre elas simplesmente dobrou de intensidade.

- Eu não pensei que fosse – a loirinha murmurou.

As meninas voltaram a ficar em silêncio, ambas encarando o teto. Era uma situação de extremo desconforto para ambas. Gina tinha medo de se mexer, pois sem querer podia esbarrar em Luna. E, por algum motivo, temia a simples idéia de um contato físico com ela.

- Sobre o que era o sonho? – Gina indagou de repente, tomando a iniciativa de quebrar o silêncio.

Luna demorou alguns segundos para responder, como se avaliasse se o assunto lhe parecia apropriado e se deveria responder. Isso era bem característico dela, e Gina sentiu-se um pouco mais confortável.

- Sonhei com a minha mãe... É sempre com ela, sempre... Eu achei que tinha parado, mas desde que... – Luna parou. Gina fechou os olhos, desejando intimamente que ela não terminasse a frase. – De uns tempos para cá, os sonhos voltaram. E, como sempre, aqui em casa é pior. É a energia, sabe... A energia do ambiente, a energia da pessoa... Quando as coisas não estão boas, o inconsciente sempre acaba achando uma forma de demonstrar.

Gina não disse nada, e durante vários minutos só o que se ouvia era o som do vento assobiando lá fora.

“Também sonho com você”

O coração da menina deu um salto no lugar.

- O que você sonha?

- Eu não acho que você gostaria de saber – Luna murmurou.

Silêncio.

O relógio na parede ao lado da cama badalou duas vezes. No jardim, as árvores começaram a balançar sob o ritmo do vento. De repente a noite parecia mais fria.

Gina pensou nas lembranças que acabara de recuperar há alguns minutos atrás: o velório da Sra. Lovegood, e o fato de que Luna não derramara uma única lágrima pela morte da mãe. Após alguns momentos de hesitação, a pergunta simplesmente deslizou naturalmente da sua língua, antes mesmo que pudesse se conter.

- Você realmente achava que ela ia voltar... não achava?

Gina não estava olhando para Luna, mas tinha certeza absoluta de que as feições da menina estavam agora sob uma máscara de surpresa. Ela permaneceu em silêncio durante vários minutos, naquela atitude bastante característica da sua pessoa.

- Nos primeiros dois anos, eu a esperei todos os dias – Luna respondeu afinal, num tom de voz totalmente desprovido de emoção. – É, eu achava que ela ia voltar.

- Então foi por isso que você não chorou, não é? – Gina falou lentamente.

- Eu chorei.

- Chorou? Mas eu lembro que... quer dizer, no velório você...

- Chorei quando percebi que ela tinha ido embora mesmo – Luna cortou. – Todos estavam certos, afinal. Papai, minha avó, meus parentes e todas aquelas pessoas estranhas que eu não conhecia. Ela realmente tinha me deixado...

Havia um tom de irônica melancolia em sua voz que fez Gina sentir um nó sufocante na garganta.

- Eu sinto muito... Você sente falta dela de verdade, não sente?

A resposta de Luna foi um longo e sonoro suspiro.

- Se você não se incomodar – a garota disse em seguida – eu preferiria não falar sobre a minha mãe. Na verdade, eu não quero mais falar sobre qualquer assunto essa noite.

- Está certo, desculpe – Gina murmurou.

Fitou o teto do quarto por um longo tempo, pensativa. Não precisava olhar para Luna para saber que ela já estava de olhos fechados, porém, do mesmo modo, tinha certeza de que ela ainda não estava dormindo.

“Você não devia ter raiva dela, sabe” Gina falou repentinamente “Se a sua mãe tivesse escolha, não teria lhe deixado.”

Ela virou-se na cama, dando as costas para a menina, e puxou as cobertas mais para junto de seu pescoço.

Luna abriu os olhos. Não disse uma palavra sequer, mas em silêncio sua mente respondeu: “É, ela não teve escolha. Você sim...”

***

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