Quente e Frio



19 de Fevereiro de 1999.


Uma vingança além-véu do Black. Era a única explicação que Snape conseguia encontrar ao dar, pelo que pareceu, a septuagésima quinta volta pelo quarto, apenas naquela noite.

Há quatro dias Tonks não dava sinal de vida. Tudo poderia ter acontecido e ele, trancado ali, isolado de qualquer contato com o mundo, jamais tomaria conhecimento. Várias hipóteses haviam lhe passado pela mente, nenhuma delas boa. E além de preocupado, ele estava... sentindo falta dela. Ele já admitia para si, agora, sem se irritar consigo mesmo. Não se sentia mais fervendo por dentro, ou sequer incomodado... desde que não pensasse em Lupin. Às vezes o nome dele escapava acidentalmente pelos lábios dela; mas Severus se esforçava ao máximo para ignorar. Claro. Por que sentiria ciúmes? Ele não a amava; eram amigos. Ele só não queria pensar no lobisomem porque... bem, porque não. Porque ele tinha motivos de sobra para isso desde os seus treze anos. E ponto. Além do mais, naquela hora que passavam juntos todos os dias, não havia Remus Lupin. Eram apenas eles dois, Snape e Tonks, com suas implicâncias, conversas ao lado da lareira, partidas de xadrez, perguntas intermináveis... e descobertas.

Fosse o que fosse, Snape já havia se resolvido. Se ela não aparecesse até a noite seguinte, contra todos os argumentos, ele faria exatamente o que Black havia feito e se arriscaria a sair de seu esconderijo. E fosse para enfrentar Comensais da Morte ou a Ordem da Fênix, ele descobriria o porquê daquele sumiço. Mas Snape não precisou se arriscar. Era ainda muito cedo quando a porta do quarto se escancarou num estrondo, interrompendo o sonho ruim e costumeiro onde ele matava Dumbledore mais uma vez.

_ Snape? _ ele a ouviu sussurrando.

Tonks estava ainda mais pálida do que o normal. Os olhos arregalados, olheiras e ar abatido contrastavam chocantemente com os cabelos rosa. Snape nunca a havia visto assim; com exceção, talvez, da época em que Lupin andara vivendo com os lobisomens.

_ Tonks... Aconteceu alguma coisa? _ ele perguntou enquanto se sentava, apressado, preocupado.

_ Percy _ ela sussurrou e desabou na cama ao lado dele.

_ Weasley?

Ela confirmou com um aceno.

_ Morto. Ataque no Ministério _ e sua voz se tornou algo embargada enquanto uma expressão muito séria se estampava em seu rosto _ muita gente morreu. E Molly... tão arrasada... está completamente sedada desde que recebeu a notícia.

Apesar de ser um Weasley, e Grifinório, Snape não desdenhava Percy como era de se esperar. O garoto havia sido correto e ambicioso. Ou talvez, ele, Snape, simplesmente estivesse amolecendo ao passar tanto tempo remoendo toda a sua vida e se arrependendo de um ou outro movimento errado. Talvez fosse a expressão no rosto dela. De qualquer forma, ele murmurou:

_ Eu realmente sinto muito.

_ Eu também. Percy _ ela franziu a testa, fitando pensativamente a parede _ não foi justo. Ele não devia morrer. Não agora. Ele sempre foi um chato, mas... finalmente havia se desculpado com Molly e Arthur. A gente fica mal por causa deles, também...

Muito lentamente, ela virou a cabeça e o encarou, os olhos ainda arregalados e fixos.

_ Você já perdeu alguém? _ ela sussurrou.

Sim, ele já havia perdido alguém. Snape olhou para a parede, outra vez recordando, outra vez a expressão insondável na face. Longos minutos depois, ele respondeu que sim, já havia sofrido perdas daquele tipo.

_ Alguém próximo? _ ela perguntou, um arrepio sacudindo os ombros.

_ Alguém próximo.

Ela o encarou, o silêncio dominando o quarto, um fio invisível e quase palpável de confiança se estendendo entre os dois pares de olhos. Ela nunca o havia visto assim, tão abertamente... melancólico. Tão aberto em relação a o que quer que fosse, para ser mais exata. Tonks esperou. Snape murmurou:

_ Meus pais. Bem, podem não ter sido os melhores... _ e subitamente se interrompeu; havia coisas que não discutiria com ela. Coisas que o demonstrassem fraco, frágil. Mas dessa vez, ela insistiu:

_ Como? _ perguntou outra vez num sussurro, como se para não quebrar aquele momento mágico.

_ Comensais _ ele respondeu simplesmente; e num tom de voz seguro, mudou o rumo da conversa _ O Ministério, então, foi atacado? _ aquele era um velho plano de Voldemort.

_ Foi _ ela confirmou _ Mas, se não fosse você... Ainda temos o Scrimgeour, poderia ser bem pior, não acha? Claro, a comunidade está abalada e desmoralizada...

_ ... era o que o Lord pretendia.

_ ... mas não fosse você, Snape... _ ela então segurou-lhe as duas mãos e as apertou suavemente, agradecendo; e ficou de pé _ Tenho que ir. Estão me esperando lá embaixo. Só dei uma escapada pra ver como você estava.

_ Maravilhosamente bem _ ele cruzou os braços, os lábios se apertando levemente com desdém. Ele não podia evitar.

_ É, era o que eu pensava _ e o vestígio de um sorriso brincou nos lábios dela _ Aposto que pensou ter se livrado de mim, não foi?

Ele não pôde evitar, também, que seus lábios se descomprimissem e se curvassem um nada para cima. Para compensar, estreitou os olhos.

_ Sou assim tão óbvio?

_ É muito óbvio _ ela replicou, puxando-o pela mão. Não haviam nem chegado à porta quando Tonks, de repente, o enforcou com um abraço.

_ O que é isso agora? _ ele perguntou, sem saber o que fazer com as mãos.

Ela suspirou pesadamente contra o ombro dele; e ali ficou, uma das mãos apoiada em suas costas, a outra envolvendo sua nuca. Snape, ainda sem saber o que fazer com as mãos, resolveu erguer a esquerda um pouquinho e então, deu palmadinhas nas costas dela. Tonks ergueu a cabeça, ainda o abraçando; e lhe deu um rápido beijo no rosto antes de sair, deixando para trás um Snape surpreso. Ela sorriu. Podia se considerar uma garota de muita sorte; ainda tinha vivos os amigos mais queridos. Mas a guerra ficava a cada dia mais acirrada e equilibrada; e era impossível dizer qual lado ganharia. Às vezes ela sentia um arrepio agourento percorrendo seu corpo e tinha a sensação de que tudo poderia terminar numa catástrofe. Logo ela, sempre tão otimista... Mas, como Dumbledore tão sabiamente dissera, tinham Snape de volta e isso mudava muita coisa. Ela sorriu carinhosamente ao pensar nele. Snape havia se tornado um segredo, algo só dela, alguém que só ela conhecia... em bem mais de um sentido. Claro, ela se sentia muito, muito feliz mesmo com Remus; nunca pensara poder existir alguém tão inteligente, querido, doce e bom. E jamais pensaria que alguém assim a quisesse. Ela, Tonks, a criançona desastrada. Mas Lupin a queria. E por momento algum lhe passava pela cabeça abrir mão de seu amor.

Mas Snape estava, com o passar do tempo, se tornando alguém cada vez mais especial.


*

11 de Fevereiro de 2000.


Quando sua história com Remus terminou, Nymphadora Tonks pensou que jamais seria capaz de sorrir outra vez. Pelo menos, não um sorriso verdadeiro. Todos os sorrisos, frases espirituosas... bem, na verdade, todos os atos que ela fizera naqueles primeiros meses não eram dela; pertenciam à fantasia de super-mulher, forte e inabalável, que ela se obrigara vestir.

Nymphadora Tonks, porém, ainda achava perfeitamente natural demonstrar fisicamente o afeto que sentia por seus amigos.

Era exatamente por isso que, naquela tarde muito gelada de fevereiro, ao voltar das estufas de braços dados com Snape, ela estacou. De repente, se dera conta de tudo. Era maravilhoso. Ela finalmente havia conseguido. Ou melhor, havia conseguido mais. Não era apenas um Snape tratável ou não tão rabugento o que ela tinha ali, não. Era um Snape que se importava... Sim, pois ali estava ele, Snape, tão maltratado pela vida, o homem que todos odiavam porque não sorria... aquele mesmo Snape fazia de tudo para que *ela* sorrisse, ainda que fosse com comentários ranzinzas e sarcásticos. E com isso havia miraculosamente conseguido penetrar nas suas defesas e agora... a fazia sorrir um sorriso, ainda que tímido, mas que... pertencia à velha Tonks. Depois de quase um ano. Mas ela não se sentia assustada ou frágil. Ele a havia alcançado daquela mesma forma sutil com que preparava suas poções, atingindo a velha Tonks mas de um jeito que os muros cuidadosamente construídos em volta não desmoronasse. Se ela andava agindo menos mecanicamente agora, boa parte da culpa era dele. Cuidando dela... E com aquele sorriso tímido ela sentiu uma pequenina chama da velha Tonks queimando dentro de si. E com a chama, veio a impulsividade. Ela parou, então, na neve que lhe chegava aos tornozelos; e seu braço escorregou pelo dele até que seus dedos estivessem entrelaçados.

_ Sev... _ ela chamou, vaporzinho branco saindo de sua boca.

_ O quê? _ ele perguntou em outra nuvenzinha branca, parando e se virando.

Ela lhe tomou a outra mão. E então, tudo aconteceu ao mesmo tempo: as folhas de beladona escorregaram da mão dele e se perderam na neve fofa. Ela o puxou para bem perto. Os olhos dele se arregalaram... e os lábios dela tocaram os dele, em um beijo gelado. Os olhos dele se arregalaram mais um pouco; e Snape, durante alguns milésimos de segundo, pensou em lutar, resistir. Mas então, suas pálpebras se fecharam suavemente quando os lábios dela se moveram sobre os seus, acariciando, perturbando, num beijo frio e quente que o fazia ferver por dentro.

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finalmente um pouco de ação! uh. tipo, tentei fazer não tão de repente o beijo dela; mas se eu fosse esperar mais algumas etapas a fic ficaria gigantesca. e não foi tão do nada assim, vai. eu super acho que a tonks dá uns selinhos de vez em quando em alguém só de louca ;D anyway, eu adoro esse capítulo. o finalzinho é lindo :~

agora, apertem os cintos e se preparem. nossa viagenzinha pela montanha-russa começa no próximo capítulo.

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