Azevinho e Acromântula



25 de dezembro de 1999.


Snape se virou e puxou sobre si a coberta áspera e pesada. Já havia passado em muito sua hora habitual de estar de pé; mas hoje não havia aulas a dar, não havia nada que ele *desejasse* fazer, ninguém que ele quisesse realmente... Ele bufou e virou para o outro lado, seus olhos agora fitando as brasas quase apagadas na lareira. Lá estava ele outra vez pensando nela daquela forma. Era insensato, irracional, absolutamente desaconselhável. E ainda assim... Fazia apenas três dias que ela havia ido para casa; e ele já sentia um incomodozinho no peito como... como... Ele se virou mais uma vez sob a pesada coberta. Não devia pensar. Não iria pensar. Pensar seria admitir.

Ele havia sido convidado a passar o Natal na Toca, assim como todos os membros restantes da Ordem da Fênix. Mas, tinha certeza, caso aparecesse lá, não seria bem recebido nem por meia-dúzia de pessoas. Mas era como devia ser. Sua natureza jamais mudaria; e ele deveria permanecer, para sempre, nas masmorras, solitário, frio e inacessível. Era o percurso natural das coisas e ele não estava se lamentando. Seus olhos agora fitavam pedra e negro, por acaso o mesmo material de que ele era feito. Suspirando, ele se permitiu divagar. E como se ela fosse um grande ímã, seus pensamentos se voltaram mais uma vez para Tonks. Tudo bem, Snape admitia, ele sentia sim uma satisfaçãozinha em tê-la por perto. Mas ele haveria de cuidar para que ela jamais soubesse; e igualmente jamais soubesse em quê essa satisfação andava se transformando ultimamente. Ainda bem que ela estava fazendo a sua parte e não havia tentado beijá-lo outra vez, além de nunca mais ter se metamorfoseado naquelas aparições de tirar o fôlego. Se tudo continuasse assim, ele estaria a salvo; afinal, era mestre em ocultar seus sentimentos, por anos se assim fosse preciso.

Às vezes achava que já devia ter contado a ela, fazia quase dez meses agora... mas Tonks parecia estar se resignando com a falta "dele"; embora Snape soubesse que ela ainda chorava à noite, andava agindo menos mecanicamente e não tinha mais aquele olhar perdido nas vinte e quatro horas do dia. Ainda não era a velha Tonks que ele, a contragosto, admitia preferir. Mas era melhor do que nada. Principalmente porque agora ela já não precisava daqueles abraços longos que cada vez mais o perturbavam; abraços onde ele aspirava tão intensamente seu perfume que sonhava com ele por noites a fio; abraços onde o corpo dela se pressionava muito suavemente contra o seu, mas ainda assim...

_ Diabos _ ele murmurou.

Ele iria se levantar e procurar o trabalho mais estafante que fosse capaz. Quem sabe assim tiraria da cabeça aquelas idéias loucas. Franzindo a testa, ele se espreguiçou lentamente. Seus pés tocaram, então, alguma coisa no pé da cama; algo que não estava ali quando ele se deitara. Seu cérebro demorou alguns segundos para recordar que era Natal e que pessoas (*pessoas* e não, grandes morcegos velhos) recebiam presentes de Natal. Atirando a coberta para um lado, ele se sentou na cama, o coração batendo um tantinho mais rápido. Havia não um, mas quatro presentes, que seus dedos ágeis logo alcançaram. Um retangular e pequeno, da diretora McGonagall. Um grande, assinado simplesmente "Weasleys". Sua testa se franziu; e ele esperou sinceramente que não fosse um daqueles famosos e abomináveis suéteres. O presente seguinte estava assinado Hermione Granger. Isso sim era surpresa, embora ultimamente ela viesse o tratando com respeito. Severus não queria a compaixão de ninguém, porém, não havia como negar a satisfação de conseguir o reconhecimento que merecia. Dedos longos finalmente alcançaram o último presente, e a batida de seu coração vacilou enquanto ele virava o pacote à procura do nome.

As feições se abrandaram quando ele reconheceu a letra espalhafatosa. Como ele poderia ter pensado, ainda que por alguns segundos apenas, que ela o esqueceria? Ignorando os outros presentes, Snape colocou o dela no colo, apalpando o embrulho feito num sóbrio tom de verde escuro; tentando adivinhar o que era. Era macio e não muito grande. Seus lábios se curvaram um nada para cima; ele torcia para que ela já houvesse aberto o presente dele, um enorme livro de feitiços raros; e lido o cartãozinho sobre "melhorar, ainda que um mínimo, as aulas. Alunos devem pensar e não, passear em classe." Seus dedos se moveram sobre o papel mais uma vez, agora desfazendo o embrulho. Um flash verde fluorescente quase o cegou. Se ele ao menos soubesse gargalhar... Era claro que Tonks não lhe mandaria um presente, mas uma provocação. Um cachecol verde berrante. Ele acariciou com a ponta dos dedos a superfície felpuda, macia. Era sem dúvida alguma a coisa mais colorida que aquelas velhas paredes de pedra já haviam visto. Estreitando os olhos, Severo segurou o cachecol com as duas mãos e o estendeu em frente ao rosto, estudando-o. Aquela partida ela havia ganho. Então, num gesto impulsivo, ele aproximou o macio tecido do nariz e aspirou. Era obviamente uma insanidade, mas Snape pensou ter notado traços do perfume dela ali. Suas pálpebras se fecharam e ele aspirou outra vez.

Então, algo caiu em seu colo; era o cartão, oculto em uma das dobras do cachecol. Ele o apanhou e sentiu um choquezinho ao ler que precisava de "... um pouco mais de cor na sua vida."

Como? Como poderia ela saber? Lutando com pensamentos, Snape ficou de pé lentamente, franzindo a testa. Como ela poderia ter descoberto, a despeito de todas as suas habilidades em Oclumência, que "... um pouco mais de cor na sua vida" era o desejo contra o qual ele vinha lutando há um bom tempo, sem admitir para si nem mesmo em seus delírios mais fantasiosos?

*

25 de Dezembro de 1998.


E o que era aquilo? Ele não havia jurado a si mesmo cortar todos os laços? Não se permitir nada além de assuntos da Ordem? Lutar por um objetivo comum era perfeitamente aceitável. Porém, começar outra vez aquela historinha de amizade era ridículo... ainda mais em três míseras semanas de convivência. Snape sacudiu a cabeça e seus olhos caíram sobre o mostrador do relógio. Quase oito horas... ele se irritou consigo mesmo ao notar que seu primeiro pensamento fora que ela em breve estaria ali.

Outra vez. O que era aquilo? Estaria realmente ansioso pela visita *dela*? Ou por contato humano? A última hipótese era risível, logicamente. Severus Snape ia e vinha pelo quarto remoendo pensamentos. Ele não conseguia mais se enfurecer com ela. Irritar-se, talvez, se ela estivesse num dia particularmente desastrado. Implicar, com certeza, praticamente todos os minutos. Mas mesmo a implicância não tinha como origem a raiva. Viria de onde, então? Talvez Snape descobrisse a resposta se se permitisse abrir aquela caixinha de segredos tão cuidadosamente escondida debaixo de camadas de indiferença.

Mas ele não faria aquilo.

Havia Lupin. Não havia necessidade alguma de perguntar. Era óbvio, pelo modo com ela agora irradiava exuberância, que eles tinham finalmente se acertado. Porque Nymphadora trocaria o doce, amável, gentil e sensível Remus Lupin pelo amargo, sarcástico, frio e insensível Severus Snape? Ele tentava lutar contra um amarguinho desconfortável que essa idéia lhe causava quando a porta finalmente se abriu.

_ Fecha os olhos! _ ela pediu enquanto se aproximava, um ar misterioso no rosto e uma das mãos escondida atrás das costas.

_ Nymphadora... _ ele começou, um tom de censura na voz.

_ Ah, Snape, não seja turrão, vamos! Vou ter que fechar eles à força, então? _ sem esperar resposta, ela tapou-lhe os olhos com a mão livre _ Agora, estende as mãos.

Severus suspirou, derrotado. O quanto antes concordasse com aquela maluquice, o mais cedo ela terminaria. Ele obedeceu. Algo leve foi colocado então sobre suas palmas estendidas; e ela destapou seus olhos. Era uma caixinha comprida e fina, atada por uma fita vermelha que se arrematava num belo laço. Ele podia adivinhar o que havia lá dentro; e franziu a testa.

_ Bem, antes de tudo, tenho que te confessar: comprei num impulso _ ela se adiantou, ansiosa _ Claro que pode não servir e ser uma droga completa.

Lentamente Snape puxou a fita, que escorregou suavemente para o chão. Uma varinha não era absolutamente um presente recomendado; já que qualquer bruxo de dois anos de idade sabia que era a varinha quem escolhia o dono. Franzindo a testa mais um pouco, ele retirou a tampa.

_ Azevinho e pêlo de acromântula, exatamente como a outra _ ela continuou _ e é só um tantinho mais comprida, trinta e nove centímetros. Era a única que tinha na loja _ ela se desculpou, parecendo vagamente chateada.

Snape não esperava muito daquela varinha; embora possuísse exatamente a mesma constituição daquela que tivera que deixar para trás, partida em duas, ao lado de seu falso cadáver. Quando suas mãos se fecharam em torno dela, porém, era como se nunca houvesse existido outra varinha para ele que não essa.

_ É perfeita _ ele murmurou, ainda franzindo a testa, enquanto sentia ondinhas de energia emanando da varinha, como se ela reconhecesse seu novo dono.

Tonks respirou, aliviada.

_ Não foi fácil achar. Como eu te disse, era a única que havia na loja, e estava esquecida numa das últimas prateleiras lá do fundo. Essa nunca quis ninguém, pelo jeito _ ela então sorriu _ O atendente foi consultar no livro e a última vez em que venderam uma de azevinho e pelo de acromântula foi em 1971 _ ela deu uma piscadinha. Pelo ano, o comprador havia sido... esse mesmo Severus Snape.

Ele desviou os olhos do presente e a encarou.

_ Bem... obrigado _ e pela primeira vez ele o viu sem aquela rabugice toda marcando o rosto. Só aquilo já havia valido a pena aquela loucura de presente de Natal. Ela sorriu.

_ Esquece. Não foi nada.

Ele franziu a testa outra vez.

_ Não tenho nada para você _ ele disse, num tom um pouco constrangido e vacilante, como se houvesse esquecido como se fazia uma gentileza.

_ Ah, que é isso. Não comprei esperando nada em troca. Sério _ mas então, ela se interrompeu _ Quer dizer, quer *mesmo* me dar um presente?

_ Claro _ ele respondeu, muito sério.

_ Me chama de Tonks? Por favor? _ ela pediu com olhos suplicantes.

Os lábios dele se curvaram no mesmo instante; e, sem responder, ele voltou a estudar a varinha. Conjurou duas taças de vinho e estendeu uma a ela.

_ Vou pensar no seu caso.

Ela revirou os olhos. Enquanto bebia, Snape se recordou de que acromântula e azevinho não era apenas uma combinação rara...

_ Escute... você comprou isso? Com o seu dinheiro? _ ela fez que sim com a cabeça _ Essas varinhas não são nada baratas... N... Tonks, quando sairmos daqui... pode me pedir...

_ Oh, não, sem essa _ ela o interrompeu _ Eu realmente não quero nada em troca. Comprei porque... sabe, você é legal. E também porque eu... _ e então seu tom de voz também se tornou incerto e ele podia jurar tê-la vista corando _ Eu gosto de você.

E, por Merlin, o que havia sido aquilo?

_ Ah _ ele ergueu uma sobrancelha; e um sorrisinho de desdém lhe aflorou aos lábios quando ele mesmo respondeu sua pergunta, mentalmente. Aquilo poderia muito bem ser uma brincadeira. "Eu gosto de você." Tssss _ E quanto ao Lupin? _ ele perguntou em tom casual, erguendo a sobrancelha.

Ela piscou, surpresa; e então um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.

_ Não me diga que está com ciúmes.

Snape procurou manter a pose; e respondeu num tom mais frio e irônico do que pretendia.

_ Ciúmes? Porque estaria?

_ É, me pergunto a mesma coisa. Porque estaria? _ ela concluiu, com um sorriso de Mona Lisa.


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capítulo temático; a fic é praticamente uma novela da globo, hahah! o capítulo é bastante reflexivo e até me deixou com um nozinho na garganta. Foi a calmaria antes da tempestade, no próximo as coisas começam a se complicar seriamente. ai, de repente tô achando minha tonks meio mary sue, me digam... confere? =X

erm, e acromântulas têm pêlo, espero. não existe descrição alguma da varinha do SS aí tive que inventar uma. bom, vou tentar atualizar mais uma vez essa semana, já que o capítulo 11 tá todo planejado na minha cabeça. mas porém todavia contudo, pode haver uma atraso, com essa história de natal, família, ceia e tudo o mais. aproveitando, feliz natal procês, tudo de bom, muitos sapos de chocolate, varinhas, caldeirões, corujas, cartões e etc. e muito cuidado com o visgo! (visco? whatever)

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