Mais que Morta

25 de Agosto de 1999.

_ Só não entendo porque eu. Dentre todos os bruxos da Inglaterra... quero dizer, eu tenho consciência da minha falta de coordenação. Você acha... que ainda assim...

_ Ora, Nymphadora _ e McGonagall fez um gesto impaciente com a mão _ Isso é o de menos. Você sempre se saiu muito bem em feitiços, o Professor Flitwick _ ela suspirou _ vivia me repetindo isso desde o seu primeiro ano em Hogwarts. Pense na quantidade de feitiços que você ensinou para os garotos nesses últimos anos. Claro que _ e ela encarou Tonks severamente por cima dos óculos enquanto fazia um muxoxo _ ...nem todos seriam aconselháveis para se ensinar numa escola. Quero que se lembre disso _ ela pediu, obtendo um sorriso vagamente constrangido como resposta _ Você tem muito jeito com os adolescentes; é só lembrar daqueles primeiros jantares da Ordem. E todos nós concordamos unanimemente com a sua nomeação.

_ Até o Snape?! _Tonks não resistiu.

_ Inclusive o professor Snape. Agora _ Minerva ficou de pé e estendeu um pequeno pedaço de pergaminho _ Aqui está a senha da sala do Professor Flitwick. Memorize-a. Quero apenas que você faça uma análise rápida do que ele ensinou; nas primeiras semanas de aula iremos apenas revisar. Sinto não poder lhe ajudar mais... meu trabalho me chama _ ela apontou uma gigantesca pilha de pergaminhos, a maior parte ainda lacrada, sobre a mesa.

_ Não tem problema; eu me viro _ ela deu um sorriso rápido, pegou as chaves e saiu da sala, sob o olhar atento da diretora. Só quando a porta se fechou foi que Minerva deixou uma expressão mais branda tomar conta de seu rosto. Não havia dúvidas de que Nymphadora estava se saindo muito bem; nem parecia a mesma garota à beira do estado de choque que ela encontrou naquele dia fatídico. Agora, se ela algum dia voltaria ao que era antes... McGonagall duvidava seriamente. Mas esperava que a convivência com gente mais jovem ajudasse no processo; este era o terceiro e secreto motivo daquele convite.

Ela suspirou, voltando à realidade. Tinha dois anos de correspondência e arquivos para atualizar. Correspondentes aos dois anos de inatividade em Hogwarts. Dois anos de atraso na educação de quase uma geração inteira de jovens.

"Maldito Ministério da Magia, fechando a escola depois da morte do Albus!"

Embora odiasse Adivinhação com todas as suas forças, Minerva conseguia prever muito claramente que teria sérios problemas com "certos alunos" naquele regresso, especialmente um certo aluno com as iniciais H e P. Cheia de fúria, ela se atirou ao trabalho.

*

Tonks havia passado seis dias trabalhando arduamente. As anotações do falecido Professor de Feitiços eram claras e precisas; mas ela queria surpreender a todos. Não se sentia exatamente empolgada com o novo emprego (aliás, ela duvidava seriamente que algum dia fosse voltar a se empolgar com alguma coisa), mas estava esperançosa. E muito ansiosa. E se Minerva... e até mesmo Snape... (e um leve sorriso lhe aflorava aos lábios quando ela se lembrava. Mentiroso!) achavam que valia a pena ter ela, Tonks, como professora... então... talvez valesse mesmo.

Snape. Severus... Se um ano atrás alguém lhe dissesse que se tornariam tão íntimos, tão cúmplices, ela daria uma gargalhada estrondosa na cara desse alguém e lhe diria que estava sob um feitiço Confundus. Mas as circunstâncias a fizeram conhecer um outro lado dele; e o fizeram conhecer um outro lado dela... desembocando no que eles tinham agora: sentimentos muito especiais, e um desejo de querer ver o outro bem e feliz. Ele não era tão rabugento quanto parecia à primeira vista; e até tinha algum senso de humor (distorcido, é claro). E estava bem mais relaxado agora que a Guerra terminara. Tudo o que ele precisava mesmo era de um bom abraço, mas um abraço sincero, como ela havia achado desde o começo. Tão atencioso nos últimos dias... bem, do jeito dele. Não deixou de criticar seus planos de aulas ("fracos demais") nem implicar com suas vestes novas, compradas especiamente para as aulas ("vai dar aula usando isso?" e ela estava muito satisfeita com a aquisição: eram mais comportadas - para o padrão Tonks - chegavam até os jolhos e tinham a cintura marcada; e até as cores eram mais sóbrias que o normal). Mas houve também umas duas partidas de xadrez; alguns passeios no jardim depois do jantar... e uma taça de vinho entregue com um leve sorriso, como agora.

Ela agradeceu e bebeu um gole; e sentiu um friozinho no estômago quando passou os olhos pelo do Salão Principal. Estava se enchendo rapidamente com as vestes negras; os alunos finalmente retornavam à escola. Volta e meia ela espichava o pescoço, tentando enxergar rostos conhecidos; mas Harry, Rony e Hermione só apareceram muito depois do chapéu seletor ter entoado sua nova canção; desta vez, festiva, versando de novo sobre a união entre as casas e a necessidade de se preservar o mal sob controle. Tonks não resistiu e deu um tchauzinho para os garotos surpresos. Ela não comeu muito (como aliás vinha ocorrendo desde "aquele dia") e pulou a sobremesa, pudim de chocolate. Estava começando a se sentir apática outra vez quando viu mais uma cabeça coberta por cabelos flamejantes atravessar rapidamente o salão, dar a volta e sentar na cadeira vazia do outro lado de McGonagall.

_ Desculpa... a demora... mas... mamãe... teve outra... daquelas... crises _ Murmurou um Carlinhos Weasley ofegante; e em seguida seus lábios formaram um "Criaturas Mágicas" na direção de uma Tonks agradavelmente surpresa, enquanto ele erguia a mão num cumprimento.

McGonagall fez outro gesto de impaciência e murmurou algo sobre a Sra. Weasley ter todo o direito de ter quantas crises ela quisesse. Ficando de pé, bateu com uma colher num cálice de estanho, chamando a atenção das quatro mesas:

_ Alunos, atenção. Começamos agora, finalmente, mais um ano de muito estudo. Como sabem, temos várias mudanças no staff da escola. Não é com felicidade que assumo o cargo de diretora. Se pudesse escolher, estaria ainda ocupando meu antigo posto. Mas o que tem de ser feito, será feito. Peço a mesma responsabilidade a vocês. Sei que muitos... _ e seus olhos se voltaram na direção do trio _ ... passaram por aprendizados alternativos durante esses dois anos; mas é importantíssimo concluir os estudos de forma adequada. Pode não parecer nada agora, mas pensem no futuro. Os alunos do sétimo anos deverão, portanto, fazer seus N.I.E.M.s normalmente _ Minerva fez uma pausa e, quando voltou a falar, sua voz pareceu levemente emocionada _ Vamos nos lembrar agora dos que nos deixaram... dos que pereceram na luta contra as trevas...

Tonks sentiu olhos negros a fitando inquisidores quando levou a taça aos lábios, para esconder uma pequena lágrima que escorria pelo seu rosto.

*

Setembro de 1995.

_ Ops.

A taça escorregou de suas mãos e fez um estrondo ao bater no chão, tingindo as pedras de vermelho escuro. Snape bateu o calhamaço de papéis na mesa, fechou os olhos e cuspiu:

_ Mas será possível que a senhorita não saiba... existir... sem fazer barulho?

_ Ai, *me* desculpa, não foi por mal, eu...

_ Eu tenho, caso não tenha percebido, uma quantidade enorme de relatórios para ler; e já é a oitava vez que a senhorita me interrompe apenas esta noite! Será que não pode simplesmente se sentar e ficar imóvel? Se é que conseg...

_ Ok, pára! Já deu! _ Tonks sentiu toda a revolta de sete anos e mais algumas semanas aflorando; ela finalmente tinha se dado conta de que não era mais apenas uma aluna; e agora podia dizer na cara tudo o que pensava sobre toda aquela injustiça e falta de educação _ Como se eu tivesse feito de propósito! Você sabe muito bem que não, não fiz pra te encher o saco. Pensa que é só você quem tem problemas? Que está com a cabeça quente? _ sua voz foi subindo e subindo de tom enquanto falava cada vez mais rápido _ Pois bem, eu vou te contar um segredo: todo mundo aqui tem seus problemas. Todo mundo. Mas você... _ ela estendeu o dedo na direção dele, que abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa mas se interrompeu na metade do caminho; limitando-se a erguer uma sobrancelha _ ...você é o único que desconta em todo mundo! Todo cheio de si, achando que é muito inteligente e cheio de classe, mas não é coisa nenhuma. Não tem um pingo de educação! É, é. Parece que faz questão de ser intratável. Deve ser um frustrado, ou... talvez... o contrário. Pois saiba, Senhor Severus Snape... _ e ela chegou bem perto dele, que a tudo assistia com um sorriso sarcástico nos lábios finos, e sussurrou _ ... que se não fosse tivesse essa tendência a ser insuportável, ranzinza e grosso... talvez pudesse ser até... muito interessante. Um pouco de educação... não ia te fazer mal algum. Pelo contrário.

E o jorro de palavras cessou de repente. Ela sentiu as bochechas pegando fogo. Tinha mesmo tido coragem de dizer tudo aquilo? Louca! Encarado o terrível e vingativo Mestre de Poções? Ela estava ferrada. Morta. Mais que morta. Sem dizer mais uma palavra, passou por ele e sumiu nas sombras do número doze, Grimmauld Place, a tempo de ouvir ainda uma voz desdenhosa perguntado:

_ Terminou o showzinho?

Snape sentiu o sangue fervendo. Muito. Todo mundo tinha problemas? Não como os dele. Ter que andar na linha para recuperar a confiança do Lord das Trevas; conseguir não se trair; e ainda ter que aturar aqueles cretinozinhos em Hogwarts... Aliás... que tipo de problemas tal criatura poderia ter? Falta de remendos suficientes naqueles trapos que ela chamava de roupa? Probleminhas amorosos pós-adolescentes? E que historiazinha ridícula era aquela... "pudesse até ser interessante"? Como se ele quisesse que aquela garota louca o achasse interessante. Devia era estar naqueles dias ou algo que o valha. Descerebrada.

Na reunião seguinte, Severus passou por Tonks, parou, olhou por cima do ombro e disse calmamente:

_ Boa noite, Nymphadora.

E seguiu em frente. Ela só conseguiu gaguejar uma resposta quando ele ia longe; e um sorriso de incredulidade se estampou no rosto dela quando o seguiu para a reunião.

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adorei escrever esse capítulo. essa cena final, da discussão, foi extremamente divertida ;D

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