O abandono do mundo



Capítulo 14
O abandono do mundo


Slytherin chegou à aldeia onde crescera na mesma noite em que Godric partira para Salisbury, onde foi recebido pela mãe com grande alegria. Isobel tinha tudo pronto e guardava na caverna onde vivera Sigrud o presente que preparara para o filho. Após conversarem sobre as novas, e Isobel contar a Salazar sobre o grande feitiço que fizera sobre os elfos, Salazar achou que já era tempo de abrir o jogo com a mãe.

–Não ficarei aqui, Isobel. Você terá de esperar que os planos que tenho para trazer o poder para os bruxos estejam adiantados.
–Como? – disse Isobel. – Você não ficará aqui? Não tentará tirar nossos bens roubados de volta das mãos daqueles trouxas? Não posso acreditar nisso!
–Isso me traria alegria fazer, mas não nesse momento. É a hora exata de trazer os bruxos poderosos e importantes para Hogsmeade e ali fundar um novo reino que será muito maior do que o de Arthur, você não vê?

Isobel mostrava-se profundamente decepcionada com o filho. Tivera certeza de que ele usaria o bicho para impor-se sobre os trouxas e, em vez disso, estava falando de reinados tão possíveis quanto tornar-se jovem novamente.

–Isso é uma tolice, Salazar! Não acontecerá! Fique com o que você pode conseguir e eu preparei tudo para isso.
–Estou decidido, Isobel. Não abrirei mão do poder que almejo por um punhado de galeões.
–Um punhado de galeões? Eles tiraram tudo o que tínhamos! É muito mais do que um punhado de qualquer coisa! Você me deixará aqui, passando penúria, enquanto persegue esse sonho tolo? Não será a morte de Arthur que tornará o poder mais fácil para os bruxos.
–Que sabe você, mulher? Sempre se lamentando e a única coisa que fez foi deixar alguns elfos abobalhados.
–Não é verdade! – exaltou-se mais a velha bruxa. – E o basilisco? Criei um basilisco para que você o comande contra os trouxas. É mais magia que você mesmo já fez, sempre a cochichar com cobras idiotas em lugar de fazer algo grande com esse poder que você herdou. Faça algo já! Avance contra os trouxas e traga-nos nosso patromônio de volta.
–Não. Eu já me decidi. Esses trouxas deverão esperar um pouco mais. Mas vou levar o basilisco quando voltar a Hogwarts. Você não poderá comandá-lo.
–E o guardará onde? Nas cocheiras do castelo, onde todos poderão ver e julgar o grande Slytherin, o bruxo das trevas que abandonou a mãe para perseguir sonhos de poder?

Slytherin estava cansado daquela conversa. A mãe não mudara e ainda era uma velha bruxa ressentida e cruel. Ainda assim resolveu contar para ela o que preparara.

–Eu já tenho um lugar para ele. Construí uma câmara sob as masmorras. Ele me terá serventia, algum dia.

Isobel não se conformava com a traição do filho. Acalentara por muitos anos a esperança de retomar o que era seu. Pensou em negar o monstro ao filho, ele que fizesse seu próprio monstro se quisesse. Mas lembrou-se que ela mesma não podia comandar o bicho, que estava crescendo e se tornando perigoso. Assim, quando Salazar demonstrou sua intenção de partir, ela entregou o basilisco, mas fazendo o filho prometer que a levaria de lá para perto do poder que ele afirmava que obteria. Slytherin prometeu e partiu, levando consigo o monstro criado por Isobel.

Salazar tropeçou em elfos quando chegou a Hogwarts, eles eram muitos e estavam em todo lugar. Questionou Godric se teriam de conviver com aquela enxurrada de criaturas todos os dias. Godric estranhou que Salazar não mostrara surpresa, apenas descontentamento, com a servilidade dos elfos. Haviam sido seres arredios e orgulhosos até bem pouco tempo e agora estavam a correr para alcançar as coisas que os bruxos desejassem, sorrindo com aparente tolice e vestindo-se com trapos. Mas Godric não ousava imaginar que seu amigo tivera algo a ver com a escandalosa mudança nos hábitos dos elfos, pra não dizer de seus carateres. Desse modo, uma aparente paz voltou a reinar em Hogwarts, as aulas foram retomadas e avançavam as tratativas para estabelecer um poder bruxo perto dali, em Hogsmeade. Godric invocara muitos feitiços antigos sobre a aldeia, de maneira que os trouxas não viam atrativo em se estabelecer por lá, mantendo aquele lugar totalmente bruxo. Isso garantiria um pouco de tranqüilidade quando começasse a funcionar o que Godric chamava de Conselho da Magia. Slytherin, é claro, não aceitava essa denominação, pois um conselho estaria abaixo do poder do rei, o futuro rei a dominar a Bretanha e queria que esse rei fosse exatamente um bruxo. De preferência ele, Slytherin, agora que Mordred morrera na mesma batalha em que pereceu Arthur. Mas aceitaria Godric como rei, se esse se mostrasse mais a favor dos bruxos. Não tolerava em Godric essa simpatia que ele nutria pelos trouxas.

Salazar guardara o basilisco na câmara que construíra e pensava que, se Godric continuasse com aquela linha de raciocínio a favor de trouxas, ele teria uma utilidade para o monstro muito brevemente.

Nos meses seguintes, enquanto as aulas continuavam e os jovens alunos desenvolviam suas habilidades e davam alguma ordem na confusão de poderes que antes cresciam em descontrole, Godric dedicava-se a criação do Conselho da Magia, convocando bruxos poderosos e importantes de toda a Bretanha. Depois da derrocada de Arthur, do fim do sonho de Camelot e do desaparecimento de Lundy, Godric confirmara seus mais sombrios temores. Não havia espaço para o mundo bruxo junto ao mundo trouxa. Merlim se fora e com ele o último dos mediadores entre a antiga religião e o mundo dos trouxas. Agora, novos pretendentes a rei da Bretanha se erguiam, com seus exércitos, a reclamar o poder e a herança do Pendragon, sem que houvesse, contudo, um legítimo herdeiro ou um poder supremo a definir esses direitos. A Deusa se recolhera, abandonando o mundo dos mortais, juntamente com a Excalibur e todas as relíquias sagradas, mergulhando em brumas o mundo que seria conhecido dali por diante apenas como um rumor. Também os bruxos deveriam tornar-se lenda, pensava Godric, pelo bem da comunidade, diante das guerras que se seguiriam pela retomada do poder na Bretanha.

O Conselho definiria como se faria esse gradual afastamento dos bruxos e invocaria os encantamentos necessários para garantir que o mito se consolidasse. Leis seriam necessárias para assegurar que o segredo fosse mantido pelas comunidades bruxas. Os animais mágicos deveriam ser controlados, especialmente os dragões, e as lembranças dos trouxas, sobre qualquer ser pertencente ao mundo mágico, precisariam ser apagadas, sob pena de jamais conseguirem a invisibilidade que se fazia necessária.

Slytherin se mostrava enfurecido com essa decisão e questionou o Conselho sobre a validade do afastamento. Porque deveriam se afastar, perguntava, se esse era exatamente o momento crucial, quando os bruxos poderiam aproveitar a confusão dos reis trouxas e tomar o poder da Bretanha?

Godric estava desgostoso com a atitude do amigo, que parecia estar embriagado diante da possibilidade de tornar-se rei, preocupando-se pouco com a integridade da comunidade bruxa. Não seria o poder agora que os livraria das perseguições. Justamente o contrário. Mais e mais bruxos seriam perseguidos por aqueles outros pretendentes ao trono, dizimando a comunidade bruxa que não estava preparada para enfrentar tal arremetida. Se fossem bruxos preparados, Godric não temeria tanto. Mas ele sabia que isso não acontecia.

E foi isso que disse a Salazar, na reunião do Conselho, naquela manhã de outono.

–Você não pode ver, Salazar, o malefício que seria para as comunidades bruxas da Bretanha pretender usurpar o trono sem estarmos preparados. Somos bruxos e muitos são poderosos, mas a maioria não sabe sequer ler nem conhece a extensão de seus poderes. Não somos um povo organizado e seria suicídio avançar sobre os reis trouxas sem essa preparação.
–Isso não importa! – retorquiu Salazar. – Precisamos avançar agora ou perderemos o momento decisivo. Não há como esses pretendentes possam resistir ao nosso avanço. Mesmo que sejamos poucos, somos muito mais poderosos que eles.

O Conselho parecia dividido. O que Slytherin sugeria poderia vir a ser um meio extremo mas eficaz da retomada da Bretanha para os bruxos, onde viriam a construir uma nação pagã nos moldes da antiga religião onde não sofreriam perseguições. No entanto, bruxos e trouxas já vinham se misturando há muito tempo e não saberiam como expulsar tantos trouxas sem destruir famílias e criar muita celeuma e dor.

Mas Godric opunha-se visceralmente. Dizia que não eram ou trouxas o problema e sim a incapacidade dos bruxos de se organizarem, de constituírem uma verdadeira comunidade coesa o que provocava todos os dissabores que enfrentavam.

–Não podemos simplesmente expulsar todos os trouxas da ilha. – defendeu Godric. – São demasiados e estão nessas terras há séculos, constituíram famílias aqui, criaram raízes, essa terra é tão deles quanto nossa. Porque nós, bruxos, devemos nos considerar os legítimos herdeiros da Bretanha se a própria deusa permitiu que eles viessem e colocou um deles no trono, como guardião da espada e das relíquias antigas? Certamente há um motivo para isso. Não nos compete decidir quem fica e quem vai. Isso já foi decidido. Caberá a nós, bruxos, neste momento, salvaguardar o nosso povo com os meios mágicos de que dispomos. Devemos estabelecer uma comunidade íntegra e invisível aos olhos trouxas, nos moldes da Ilha Sagrada, e seguirmos com nossa vida, dedicando-nos à educação e formação de nossos jovens. Não nos cabe lutar por um poder que não nos interessa, o qual nos traria muito mais sofrimento que tranqüilidade.

Diante das palavras de Griffindor, Slytherin ergueu-se e sacou da espada e da varinha, avançando em passos largos na direção de Godric. Muitos dos bruxos interferiram, invocando feitiços de contenção, a fim de evitar o embate entre os amigos. Godric estava estupefato com o comportamento de Slytherin e não podia crer que aquele, que fora seu amigo por tantos anos, levantasse sua espada e varinha contra ele.

O Conselho considerou que este evento mostrava o que o futuro reservava, caso os bruxos arremetessem em busca do poder na Bretanha. Acabariam por lutar uns contra os outros, talvez até determinando a extinção do povo mágico. Assim, apoiaram Godric em sua proposta de ocultamento do mundo bruxo. Diante do que parecia ser consenso entre os conselheiros, Slytherin não teve alternativa senão admitir a derrota e partiu de Hogwarts, deixando para trás os antigos amigos, um sonho acalentado, uma casa acéfala e um monstro, guardado numa câmara secreta, abaixo dos subterrâneos do castelo.

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