Caminhos que mudam



Capítulo 13
Caminhos que mudam


Helga caminhava pelas estufas, vendo se seus alunos haviam transplantado corretamente as pinguículas e enterrado suficientemente fundo as sementes de beladona. Havia, é claro, uma muda de pinguícula acomodada em terra e Helga pôs-se a retirar a planta carnívora para um preparado adequado. Sempre havia quem não prestasse atenção nas orientações, o que eventualmente resultava em problemas.

O teto de vidro sugerido por Rowena fora um achado e tanto, as plantas haviam se adaptado perfeitamente, como se estivessem em seu próprio habitat. No caso de algumas espécies, isso era surpreendente. Havia reservado uma estufa pequena junto à parede leste do castelo especialmente para a Amorphophallus titanu, que floresceria em dois ou três anos, se tivessem sorte. Desejava que sua primeira turma recebesse todos os mimos botânicos que pudesse dispor.

Enquanto regava parcimoniosamente uma pulsatila pratensis e pensava se não deveria agasalhá-la melhor – era tão sensivel à friagem e seria muito necessária quando as meninas crescessem um pouco mais e começassem com lágrimas sem motivo – percebeu que uma coruja pousara perto da porta. Não estava esperando nenhuma notícia e foi pegar a mensagem rapidamente. Ao desdobrar a carta, teve um grande desassossego, as novas eram terríveis! Chamavam-na em Inverness o mais breve possível pois Nessie estava muita doente. Helga não esperou um minuto sequer e logo já estava com sua bolsa pronta para a viagem. Despediu-se de suas meninas e de Rowena, mas não esperaria Godric voltar da caça. Prometeu enviar uma coruja o quanto antes avisando do estado de Nessie e por quanto tempo permaneceria fora.
Rowena adaptaria o horário da semana para a ausência de Helga.

Chegando em casa, Helga teve bons motivos de preocupação, pois o monstro do lago estava profundamente abatido, com olheiras fundas e parecia sentir grandes dores. Helga dedicou-se a descobrir o que poderia estar causando aquele mal-estar na sua querida Nessie, sem sucesso. Pesquisou livros, examinou-a detidamente, fez poções revigorantes, mas nenhum dos remédios de Helga parecia surtir qualquer efeito. Helga inconformada, pensou que poderia obter alguma ajuda das visões de Maeve e assim, foi para Castlegregory na tarde do terceiro dia. Encontrou Maeve rosada e gorda, mas não fez perguntas constrangedoras, coisa difícil para Helga, até que, após a leitura das folhas de chá, Maeve decidiu por contar a Helga o que sucedia. Helga, ficou felicíssima, mas não era capaz de afastar do pensamento o aparente fim próximo de Nessie. Após conversarem por algumas horas, Helga voltou ao seu castelo, decidida a tentar um último recurso. Preparou Nessie e avisou Hogwarts e, quando o sol já se punha, partiu para lá levando Nessie consigo.

O esforço necessário para transportar um animal de pelo menos uma tonelada deixou Helga exaurida, mas logo viu que Nessie estava bem acomodada no lago diante da escola. Passou aquela noite à beira da água negra, observando se o monstro se adaptava. Não sabia se essa mudança de ares seria suficiente para sua recuperação. Não encontrara nada de errado com ela, quem sabe a saudade fosse a causa da tristeza de Nessie.

Pela manhã Rowena foi buscar Helga para que descansasse, prometendo ficar de olho no animalzinho da amiga. Helga aceitou, haviam muitas emoções seguidas e um grande esforço realizado no transporte. Além disso, ficara comovida e preocupada com Maeve e contou a Rowena da visita que fizera e do que Maeve lhe confidenciara. Não via motivos para esconder de Rowena pois, se Maeve tinha amigas no mundo, eram elas duas. Rowena ficou calada por bastante tempo e não teria dito nada se Helga, aflita mesmo quando cansada, não tivesse insistido por uma palavra.

–Que posso dizer, Helga? Estou feliz por Maeve mas também preocupada. Temo que Edward não seja compreensivo. – Fez uma pausa. – É claro que é uma coisa maravilhosa! Maeve sempre desejou exatamente isso e estou feliz pela minha amiga. – Mas Rowena não parecia feliz.
–Rowena, você me toma por uma tola? Então eu não saberia que você está entristecida com a noticia... enciumada, talvez?
–Enciumada? Não brinque, Helga. Evidente que não estou! Que tolice.
–Não creio que seja tolice, mas entendo que não queira falar sobre isso. Mas deixe-me dizer-lhe algo, amiga, não tome por importunação da minha parte. – Com um suspiro, Helga continuou. – Você, como bruxa deveria saber que os caminhos costumam ser traçados por nossos corações. Não se deixe levar por conclusões a que chegou com base em ... evidências. – e disse isso com uma ponta de desdém. – Mas permita que o que você sente se manifeste. Diga a ele. Não deixe passar sua juventude e os anos fecundos que tem pela frente fazendo disso um segredo terrível, cristalizando dentro de você, confundindo sua alma. Diga-lhe e aceite o que acontecer. Se for o desejo da Deusa, então ficarão juntos e construirão uma escola e muito mais. Se não for, aceite assim mesmo. A verdade é muito mais poderosa que nossas vontades.

Rowena ficou admirada com as palavras de Helga como se a estivesse vendo pela primeira vez. Pensou como pudera duvidar que a afinidade que as unia fosse apenas o sonho de uma escola. Helga cresceu diante dela naquele momento, de uma forma muito mais sutil do que o fizera Merlin no dia da briga com Salazar. O mago parecera enorme em sua fúria, mas Helga parecia muito mais ampla, como se também a floresta estivesse ouvindo suas sábias palavras com a mesma atenção que Rowena.

Recolheram-se cedo naquela noite, embora Rowena fosse até a janela de tempo em tempos, observar Nessie nadando no lago. Ela parecia plenamente satisfeita na água fria, sob o luar de Hogwarts.

Ainda antes do amanhecer, quando a manhã ainda não abriu os olhos e o ar fica mais frio, o castelo acordou com o barulho de vozes e passos, alguns metálicos, em grande alvoroço. Godric adentrara o castelo e conclamara sua legião de armaduras e fantasmas, além dos homens que viviam em suas terras, a unir-se a ele e seguí-lo até a planície de Salisbury, onde Arthur enfrentava a maior de suas batalhas.

Slytherin observava muito sério aquele alarido . Encostado na parede, não fizera menção de que iria participar daquela cruzada. Após dar ordens e reunir armamento, Godric notou que Salazar ainda não esboçara gesto ou opinião.

– Você não vem Salazar?
Slytherin caminhou até o meio do saguão, lentamente, arrastando os pés.
–Não, Godric. Não creio que tenha entendido mas essa batalha já está decidida.
–Não está decidida! Ainda não está terminada e, enquanto pudermos lutar, não estará a sorte contra nós. Seja bravo, Salazar. Faremos falta a Arthur nessa hora, bem sabes, já fomos importantes antes para pesar o fiel da balança ao nosso favor.
–Lutar agora não está ao nosso favor, Godric. E a sorte já foi lançada.
–O que você sabe, Salazar, que não tenha me contado? – Godric avançou em direção a Slytherin, com o cenho carregado. – Você anda cheio de mistérios e segredos... O que você fez para ter a certeza do resultado dessa contenda?

Godric estava muito alterado e temeu que amigo tivesse cometido uma loucura, como apoiar Mordred em sua intenção de destronar Arthur.
Slytherin nada disse, limitando-se a andar pelo saguão, coçando o queixo.

–Nada fiz, Godric, mas só um cego não veria que o tempo de Arthur chegou ao fim.

Godric não acreditava que Slytherin estivesse inocente, mas não tinha provas da interferência de Salazar naquela história.
Resolvido a não perder mais tempo, convocou os homens, armaduras e fantasmas e saíram todos para a noite, a fim de defender o rei bretão.

Helga observava a cena da porta, contendo com a mão o pulsar desordenado dentro do peito. Slytherin olhou em sua direção e encontrou seus olhos pousados nele, imensas tristeza e decepção estampadas nas íris claras.
Slytherin, desconfortável, sentindo a reprovação no olhar de Helga, aprumou-se e saiu em direção às masmorras.

Helga retornava ao seu quarto quando Rowena irrompeu pela escadaria, pálida, as mãos na boca a conter um grito. Helga correu para ela, perguntando o que sucedera. Rowena, a voz num sussurro, revelou.

–Merlin está morto.

A noticia viera por intermédio de Maeve, que enviara uma coruja para Rowena, sabendo que a amiga gostaria de tomar providências sobre qualquer coisa que se referisse ao mago.

Vira no cristal. As brumas se abriram para ela naquela trágica noite, mostrando que a mágoa de Morgana finalmente tomara corpo e ação e a sacerdotisa do lago usara seus poderes para encarcerar aquele que fora seu mestre e algoz. Merlin agora jazia aprisionado para sempre numa coluna de gelo, em algum lugar perdido da Bretanha, enquanto seu pupilo, o rei menino que recebera a espada das mãos da Deusa, caia sob o golpe desferido pelo próprio filho.

Naquela noite, sinistra para todos aqueles que acreditavam nos ideais de cavalheirismo e que conheceram os anos de ouro de Camelot, quando os reis e as fadas caminhavam juntos nas planícies de um país recém reunido, mais do que um sonho se quebrou.

O esforço de Godric fora em vão. Arthur estava morto, assim como Mordred. Godric ainda ficou à beira da falésia olhando as sacerdotisas de Lundy carregarem o corpo do rei, o mesmo rei que entronizaram, para o mar e dali para a ilha, que entre brumas, se fechou para sempre aos olhos humanos.

Helga estava muito abalada. Não saiu da cama por dias seguidos e Rowena, que não tinha mais olhos para chorar, não saia do lado da amiga. O drama abatera a todos e Godric voltara diretamente para Godric’s Hollow, onde em silêncio tentaria superar as grandes perdas que sofrera.

Slytherin não foi visto por ninguém na escola. Aparentemente se ausentara com destino ignorado. Os pais dos alunos foram chamados e lhes foi solicitado que, juntamente com seus filhos, aguardassem em casa notícias de quando as aulas recomeçariam. Ninguém tinha forças para ensinar quando tamanho choque do destino se fizera presente.

Depois de uma semana, Helga já se sentia melhor e caminhava pelo castelo quando subitamente a escada que descia começou a mover-se. Helga apoiou-se no corrimão para evitar cair e, olhando surpresa para os lados, gritou por Rowena. Mas a amiga não podia chegar até ela, pois outra escada movia-se agora e não havia por onde seguir. Assim que a escadaria em que Helga se encontrava encostou ao patamar, Helga pulou os degraus que faltavam e ficou a observar a estranha cena, onde todas as escadarias de pedra deslocavam-se de seu lugar, viravam e iam apoiar-se em um caminho que não era o original.
Rowena, passado o susto, desatou a rir, sob o olhar inquisitivo de Helga.

–Afinal somos uma escola de magia e bruxaria digna de nota!
–Como diz? – surpreendeu-se Helga.
–Isso! – riu-se ainda mais Rowena, fazendo um gesto com os braços que abrangia toda a área das escadarias. – Ora, fantasmas todo castelo inglês tem, armaduras que andam, portas impossíveis de abrir e caminhos que não dão em lugar algum. Mas escadarias entediadas com seus lugares, que decidem para onde encaminharão as pessoas, isso é realmente incomum!

Helga, após alguns instantes, pareceu entender o espírito do acontecido e a diversão de Rowena com o fato. Devia ter sido um grande poder liberado pela dor daqueles dias que tranformara aquelas escadas em entidades com vontade própria. Helga relaxou e tratou de aproveitar o momento mágico, mas não o fez por muito tempo pois logo batiam à entrada da escola. Rowena e Helga foram abrir a porta e tiveram nova surpresa.

Um grupo de elfos as olhava com intensa gratidão e ansiedade, olhos muito grandes abertos à espera de uma resposta para sua pergunta:

– Senhoras, precisam de elfos domésticos na escola?

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