Capítulo 1



CAPÍTULO 1

A rapariga que estava à porta era pequena, não medindo mais que metro e meio. O cabelo, ruivo e liso, estava preso no topo com alfinetes e ganchos, num estilo algo complicado, mas muito feminino. Era de uma beleza pós-coital, com as maças do rosto vermelhas com algumas sardas e uns lábios de expressão amarga e doce, o lábio de baixo relativamente recuado relativamente ao de cima e os olhos brilhantes e cor de chocolate, emoldurados por pestanas maquilhadas e sobrancelhas discretas, mas vivas. Deveria usar musselinas de ninfa e sandálias de couro entrelaçado, mas, em vez disso, usava um vestido de flanela muito macia, com pele na gola, igualmente sedutor, e uma saia curta que se tornaria demasiado óbvia numa mulher mais alta. A ponta do nariz estava deliciosamente cor-de-rosa.
Harry deixou Gina passar-lhe à frente, observando-a à medida que ela olhava em redor, examinando os quadros nas paredes espreitando através de portas entreabertas e dando palmadinhas na mobília. Era definitivamente gira.
Gina voltou-se para Harry.
- A casa é encantadora, verdadeiramente encantadora. – Sorriu abertamente e voltou-se repentinamente para a parede, colocando as mãos sobre o aquecedor e deixando escapar um suspiro de alívio.
- Desculpa – disse, a rir-se -, tenho as mãos geladas como blocos de gelo sente-as. – Cerrou as mãos em pequenos punhos e encostou-as à cara de Harry. – está tanto frio lá fora! – Harry estremeceu e de repente sentiu-se tímido.
- Vamos para a cozinha? Gostava imenso de tomar uma chávena de chá.
- É do outro lado da sala – indicou Harry, tentando antecipar-se-lhe.
- Sim, eu sei onde é. Vi através da janela lá fora. – Riu-se de novo. – Desculpa, mas eu sou mesmo muito coscuvilheira. E já vi apartamentos tão horríveis esta tarde que não aguentaria sequer vir cá se este não tivesse um ar tão agradável.
Entraram na cozinha.
- O meu colega de apartamento anda por aí – disse Harry, enchendo a chaleira. – Provavelmente está no quarto. Chama-se Draco. Apresento-to assim que o chá estiver feito.
- Gina examinava, entretanto, uma prateleira com ervas aromáticas e especiarias. As tampas de plástico dos frascos, que estavam todos cheios, encontravam-se cobertas com uma camada de poeira gordurosa.
- Tu e o Draco costumam cozinhar? – Perguntou.
Harry riu-se.
- Hum, acho que isto responde. – Abriu a porta do frigorífico e exibiu prateleiras cheias de pacotes coloridos de hambúrgueres, cachorros-quentes, sopa de legumes e sacos transparentes com massas e caril tailandês de pacote.
- Oh, meus Deus… Rapazes típicos! Estas refeições não alimentam nada! – Exclamou Gina. – Cozinhar é óptimo, sabes? Eu ensino-te. E ao Draco também, se ele quiser. – Sou muito boa cozinheira, acho eu. Aliás já mo disseram. Sei cozinhar caril tailandês. Estas coisas já feitas dão cabo de vocês… É o sal todo que lhes põem que lhes dá sabor. – Fechou o frigorífico e dirigiu-se para a sala.
- Queres perguntar alguma coisa? – inquiriu de lá, tirando um livro de bolso de uma estante e examinando a contracapa.
- Leite e açúcar? – Perguntou Harry da cozinha.
- Tens mel?
Harry abriu e fechou, inutilmente, as portas de alguns armários.
- Não – Respondeu. - , mas tenho aqui um xarope dourado…
- Esta sala é maravilhosa, sabes? Sem ofensa, a sério, mas nem parece que vivem aqui dois rapazes.
- Obrigado. – Harry sentiu-se embaraçado e ligeiramente chocado ao ser referido como um rapaz no seu trigésimo ano da sua vida.
Gina tomou rapidamente nota de todos os objectos espalhados sobre o tampo escura da mesa de café, de madeira, com os seus embutidos de latão cheio de floreados. Gostava muito de mesas de café desarrumadas, estavam cheias de pistas muito interessantes sobre o conteúdo e a desordem do quotidiano das vidas das pessoas. A mesa de café de Harry e de Draco tinha uma colecção de telecomandos, um guia dos canais de televisão, um cinzeiro cheio de pontas de cigarro, dois pacotes de Marlboro vermelho, um cartão de negócios, uma caixa de fósforos e a ementa de uma loja de entrega de pizzas ao domicílio. Por debaixo de tudo aquilo ainda conseguiu ver um livro de arte, mais próprio de uma mesa de café e um conjunto de chaves de um carro. Gina sorriu discretamente, satisfeita com a sua descoberta.
- Vamos ter com o Draco e dizer-lhe olá – Harry estava à porta, o rosto envolto pelos vapores do chá, e depois mostro-te a casa.

Draco mal deu por Gina quando a viu pela primeira vez. Estava, nesse momento a discutir com a namorada, Cláudia, sentado à secretária, o telefone entalado debaixo do pescoço enquanto ele distraidamente, envolvia os pulsos com elásticos, no que parecia ser uma tentativa, talvez inconsciente, de interromper a circulação do sangue para por fim à previsibilidade dolorosa de rumo que a discussão estava a tomar.
Quando Harry entrou, limitou-se a fazer uma careta e a pôr o telefone a meio metro do ouvido para que Harry pudesse ouvir o zumbido metálico da mulher infeliz que estava do outro lado do fio. E, para lhe facilitar ainda mais a tarefa, carrega no botão de alta voz.
- Sinto que tenho todo o trabalho nas minhas costas, Draco, e tu sabes do que eu estou a falar, não sabes? Não, claro que não. Quem estou a tentar enganar!? Não vês mais nada além do telecomando… desde que tenhas um bocado de equipamento técnico na mão que te impeça de fazer alguma coisa, alguma coisa que te obrigue a levantar o rabo do sofá…
- Draco – Sussurrou Harry -, esta é a Gina.
Gina sorriu a Draco, sem entrar.
Draco viu uma rapariga pequena e sorridente, com ramos de cabelo e emoldurarem-lhe o rosto.
- Estás a ouvir-me, Draco, ou puseste-me outra vez no maldito alta voz?
Draco dirigiu a Gina um sorriso de desculpas e, com os lábios, fez um “Prazer em conhecer-te” enquanto premia o botão de alta voz e começava a falar, de modo inaudível, ao telefone.
Harry e Gina saíram, fechando a porta sem barulho.
- A Cláudia pode ser muito…exigente. Passam horas a fio naquilo. Pobre rapaz – Harry sorriu, muito senhor de si, e bebeu um gole de chá.
- Não tens namorada, pois não, Harry?
- Muito perspicaz – replicou Harry com um tom pouco cortês. – Não, não tenho.
Desde a chegada de Gina, Harry percebeu que se sentia desconfortável. Queria ser amigável a acolhedor e causar boa impressão, mas, por muito que tentasse, só conseguia ser frio e indelicado. Estendeu a mão para agarrar o puxador antigo da porta e abriu-a.
- Este é o teu quarto – inclinou-se para a esquerda, para chegar ao interruptor. – É bastante pequeno, mas, como podes ver, tem de tudo.
- O quarto era pequeno e em forma de L. As paredes estavam revestidas de madeira cor de caramelo e a luz provinha de uma lâmpada no tecto, colocada num candeeiro de latão e vidro em forma de estrela. Ao fundo havia uma cama de solteiro, coberta por uma colcha indiana de cores vivas e por almofadas grandes com borlas e franjas. Em frente da cama estava um guarda-roupa dos anos 20, com espelhos nas portas, e na outra ponta do quarto havia uma janela de guilhotina com cortinas pesadas de padrão muito elaborado e uma arca pequena com gavetas lacadas a preto.
Gina voltou-se impulsivamente e pegou nas mãos de Harry.
- Adoro este quarto! Adoro-o. Eu sabia que ia adorar. Posso ficar a viver aqui? Por favor? – O rosto brilhava como o de uma criança e as mãos pareciam mais pequenas e quentes, agora que estavam aquecidas pela caneca de chá.
De repente, Harry voltou-se e acabou por parar só no átrio:
- Deixa-me mostrar-te o resto do apartamento primeiro e depois podemos falar. – Ainda podia sentir as mãos de Gina nas suas.
- Tenho que falar também com o Draco…muitas pessoas já cá vieram ver o quarto e tenho que consultá-lo. – Sentiu que corava e voltou as costas a Gina.
Está bem – disse Gina, despreocupadamente. Já sabia que o quarto era dela.

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